sexta-feira, 20 de agosto de 2010

URANTIA JESUS DE NAZARÉ V

DOCUMENTO 167

A VISITA À FILADÉLFIA
--------------------------------------------------------------------------------



Durante esse período de ministração pereiana, sempre que é feita uma menção a Jesus e aos apóstolos em visita às várias localidades onde os setenta estavam trabalhando, deveria ser relembrado que, em geral, apenas dez deles estavam com Jesus, já que o hábito era deixar ao menos dois dos apóstolos em Pela instruindo a multidão. Enquanto Jesus preparava-se para ir à Filadélfia, Simão Pedro e André, o seu irmão, retornavam ao acampamento de Pela, para ensinar às multidões ali reunidas. Quando o Mestre deixava o acampamento em Pela, para ir à Peréia, não era de todo incomum que o acampamento, de trezentas a quinhentas pessoas, o seguisse. Ao chegar à Filadélfia, ele estava acompanhado por mais de seiscentos seguidores.

167:0:2 18332 Nenhum milagre aconteceu na campanha recente de pregação pela Decápolis e, exceção feita à cura dos dez leprosos, até então nenhum milagre havia ocorrido nessa missão pereiana. Esse foi um período em que o evangelho foi proclamado com vigor, sem milagres e, na maior parte do tempo, sem a presença pessoal de Jesus e mesmo sem os seus apóstolos.

167:0:3 18333 Jesus e os dez apóstolos chegaram à Filadélfia na quarta-feira, 22 de fevereiro, e passaram a quinta-feira e a sexta-feira descansando das suas viagens e trabalhos recentes. Naquela sexta-feira, à noite, Tiago falou na sinagoga, e foi convocado um conselho geral para a noite seguinte. Eles ficaram bastante jubilantes com o progresso do evangelho na Filadélfia e nas aldeias próximas. Os mensageiros de Davi também trouxeram informações sobre os outros avanços conseguidos pelo Reino em toda a Palestina, bem como as boas-novas da Alexandria e de Damasco.

1. DESJEJUM COM OS FARISEUS


167:1:1 18334 Na Filadélfia vivia um fariseu muito abastado e influente que havia aceitado os ensinamentos de Abner, e que convidou Jesus para ir à sua casa, no sábado pela manhã, para o desjejum. Era sabido que Jesus estava sendo esperado na Filadélfia nessa época; e, assim, um grande número de visitantes, e entre eles muitos fariseus, tinha vindo de Jerusalém e de outros locais. E, desse modo, cerca de quarenta desses homens de liderança, e uns poucos juristas, foram convidados para essa refeição, que havia sido organizada em honra ao Mestre.

167:1:2 18335 Enquanto Jesus permanecia ainda à porta, falando com Abner, e depois de o anfitrião sentar-se, um dos principais fariseus de Jerusalém, membro do sinédrio, entrou na sala e, como era do seu hábito, foi diretamente ao assento de honra à esquerda do anfitrião. Mas já que esse lugar tinha sido reservado para o Mestre e já que o assento da direita era de Abner, o anfitrião acenou para que o fariseu de Jerusalém fosse sentar-se quatro assentos para a esquerda, e esse dignitário ficou bastante ofendido por não ter recebido o assento de honra.

167:1:3 18341 Logo depois todos estavam sentados, desfrutando da conversa, pois a maioria dos presentes ou era de discípulos de Jesus ou de pessoas amigas do evangelho. Apenas os seus inimigos notaram o fato de que ele não havia observado o cerimonial de lavar as suas mãos, antes de sentar-se para comer. Abner lavou as suas mãos antes da refeição, mas não o fez durante o serviço.

167:1:4 18342 Quase ao final da refeição, vindo da rua, chegou ali um homem há muito afligido por uma doença crônica e em uma condição hidrópica. Esse homem era crente, tendo sido batizado recentemente pelos condiscípulos de Abner. Ele não pediu a Jesus que o curasse, mas o Mestre sabia perfeitamente que esse homem afligido tinha vindo até o desjejum para fugir das multidões que atropelavam o Mestre, conseguindo assim receber a sua atenção. Esse homem sabia que apenas uns poucos milagres tinham sido feitos; mas o seu próprio coração levou-o a pensar, entretanto, que o seu estado lamentável podia possivelmente ser um apelo à compaixão do Mestre. E não estava enganado, pois, quando entrou na sala, tanto Jesus quanto o presumido fariseu de Jerusalém notaram-no. O fariseu não demorou a expressar em voz alta o seu ressentimento por ter sido permitida a entrada de alguém assim no recinto. Mas Jesus olhou e sorriu de um modo tão bondoso para o homem doente que ele aproximou-se e sentou-se no chão. Quando a refeição estava para terminar, o Mestre pousou o seu olhar nos convivas e então, depois de um olhar significativo para o homem com hidropisia, disse: “Meus amigos, instrutores de Israel e cultos juristas, eu gostaria de fazer-vos uma pergunta: é lícito curar os doentes e aflitos no dia de sábado, ou não?” Mas todos aqueles que estavam presentes conheciam Jesus muito bem; mantiveram-se em paz e não responderam à sua pergunta.

167:1:5 18343 Então Jesus foi até onde o homem doente se encontrava e, tomando-o pela mão, disse: “Levanta-te e toma o teu caminho. Não pediste para ser curado, mas eu conheço o desejo do teu coração e a fé da tua alma”. Antes de o homem deixar o recinto, Jesus voltou para o seu assento e, dirigindo-se aos que estavam na mesa, disse: “O meu Pai faz tais trabalhos, não para tentar-vos a entrar no Reino, mas para revelar-Se àqueles que já estão no Reino. Vós podeis perceber que fazer tais coisas é agir como o Pai faria, pois quem dentre vós, tendo o vosso animal favorito caído em um poço, no dia de sábado, não sairia imediatamente para tirá-lo?” E desde que ninguém respondeu à pergunta de Jesus, e visto que o seu anfitrião evidentemente aprovava o que estava acontecendo, ele levantou-se e disse aos presentes: “Meus irmãos, quando fordes convidados para uma festa de casamento, não vos assenteis no assento principal, pois se, por acaso, tiver sido convidado um homem de maior honra que vós, então o anfitrião terá de vir até vós para pedir que cedais o vosso lugar para esse outro convidado de honra. E nessa ocasião, envergonhadamente, vos será pedido que ocupeis um lugar menos importante à mesa. Quando fordes convidados para uma festa, seria sábio, ao chegardes à mesa, buscar um lugar de menos honra e sentar-vos nele, pois, desse modo, ao verificar os convivas, o anfitrião poderá dizer-vos: ‘Meu amigo, por que estás em um assento tão sem honras? Suba um pouco mais’; e assim sereis glorificados em presença dos vossos semelhantes. Não vos esqueçais: aquele que se exalta será humilhado, enquanto aquele que se humilhar verdadeiramente será exaltado. Portanto, quando receberdes amigos para um jantar ou quando derdes uma ceia, convidai não apenas os vossos amigos, os vossos irmãos, a vossa família ou os vossos vizinhos ricos, para que eles, por sua vez, possam convidar-vos para as suas festas, e para que assim possais ser recompensados. Quando derdes um banquete, algumas vezes, convidai também os pobres, os doentes e os cegos. Desse modo vos sentireis ditosos nos vossos corações, pois bem sabeis que os mancos e os coxos não poderão retribuir-vos pelo vosso ministério de amor”.

2. A PARÁBOLA DA GRANDE CEIA


167:2:1 18351 Quando Jesus terminou de falar à mesa de desjejum dos fariseus, um dos juristas presentes, desejando romper o silêncio, disse sem pensar: “Abençoado seja aquele que comer pão no Reino de Deus” – este era um ditado corriqueiro daqueles dias. E então Jesus contou uma parábola, que até mesmo o seu anfitrião se viu levado a considerar com seriedade. Disse ele:

167:2:2 18352 “Um certo dirigente promoveu uma grande ceia e, tendo convidado muitos hóspedes, na hora da ceia ele enviou os seus serviçais para que fossem àqueles que tinham sido convidados e dissessem: ‘Vinde, pois tudo está pronto’. E todos começaram, unânimes, a dar desculpas. O primeiro disse: ‘Acabo de comprar uma fazenda, e é mister que eu a examine; rogo que me perdoe’. Um outro disse: ‘Comprei cinco juntas de bois, e devo ir para recebê-las; rogo que me perdoe’. E outro disse: ‘Acabo de me casar e, portanto, não posso ir’. E, sendo assim, os serviçais voltaram e informaram tudo ao senhor da casa. Quando o dono da casa ouviu isso, ficou muito zangado e, voltando-se para os seus servos, disse: ‘Eu preparei essa festa de bodas; os animais cevados foram mortos, e tudo está pronto para os meus convidados, mas eles desdenharam o meu convite; cada qual foi para as suas terras e para as suas mercadorias, e até mostram desrespeito para com os meus serviçais, que foram convidá-los para a minha festa. Ide, pois, depressa, às ruas e ruelas da cidade, às estradas e às vielas, e trazei aqui os pobres e os desterrados, os cegos e os coxos, para que a festa de bodas possa ter convidados’. E os servos fizeram como mandou o seu senhor e, ainda assim, havia espaço para mais convidados. E, então, disse o senhor aos seus serviçais: ‘Ide às estradas e aos campos, e convencei a vir aqueles que lá estão, para que a minha casa possa ficar cheia. Eu declaro que nenhum dos que foram convidados inicialmente provará da minha ceia’. E os serviçais fizeram como mandou o seu senhor, e a casa ficou repleta”.

167:2:3 18353 E ao ouvirem essas palavras, os fariseus foram todos embora; cada um para a sua casa. Ao menos um dos sarcásticos fariseus, ali presentes naquela manhã, compreendeu o significado dessa parábola e por isso foi batizado naquele dia, e fez uma confissão pública da sua fé no evangelho do Reino. Abner pregou sobre essa parábola naquela noite, no conselho geral dos crentes.

167:2:4 18354 No dia seguinte todos os apóstolos dedicaram-se ao exercício filosófico de tentar interpretar o significado dessa parábola da grande ceia. Embora Jesus tivesse ouvido com interesse a todas as diferentes interpretações, ele negou-se terminantemente a oferecer-lhes uma nova ajuda para compreender a parábola. Ele apenas diria: “Que cada homem encontre o significado por si próprio e para a sua própria alma”.

3. A MULHER COM O ESPÍRITO ENFERMO


167:3:1 18355 Abner havia preparado para que o Mestre ensinasse na sinagoga nesse dia de sábado, a primeira vez que Jesus aparecia em uma sinagoga desde que todas elas haviam sido fechadas para os seus ensinamentos, por ordem do sinédrio. Ao final do serviço Jesus viu diante de si uma mulher anciã, que tinha uma expressão abatida e o corpo recurvado. Essa mulher há muito tempo vinha sendo dominada pelo medo, e toda a alegria havia-se afastado da sua vida. Quando Jesus desceu do púlpito, foi até ela e, tocando no ombro daquele corpo recurvado, disse: “Mulher, se apenas cresses, tu poderias ficar totalmente livre da tua enfermidade de espírito”. E essa mulher, que estivera recurvada e tomada por depressões e pelo medo durante mais de dezoito anos, acreditou nas palavras do Mestre e, pela fé, endireitou-se imediatamente. Quando percebeu que havia sido endireitada, essa mulher elevou a sua voz e glorificou a Deus.

167:3:2 18361 Não obstante a aflição da mulher ter sido totalmente mental, já que a sua forma recurvada fora resultado da sua mente deprimida, o povo julgou que Jesus a tivesse curado de uma desordem realmente física. Embora a congregação da sinagoga da Filadélfia fosse favorável aos ensinamentos de Jesus, o dirigente principal da sinagoga era um fariseu hostil. E como ele compartilhava da opinião da congregação, de que Jesus havia curado uma doença física, e tendo ficado indignado porque Jesus se tinha atrevido a fazer tal coisa em um sábado, ele levantou-se perante a congregação e disse: “Não existem seis dias nos quais os homens devem fazer todo seu trabalho? Nesses dias de trabalho, pois, vinde e sede curados, mas não no dia de sábado”.

167:3:3 18362 Quando o dirigente hostil terminou de dizer isso, Jesus voltou à tribuna dos oradores para dizer: “Por que sermos hipócritas? Cada um de vós, no sábado, não tira o seu boi do estábulo e o leva para tomar água? Se esse serviço é permissível no dia de sábado, por que essa mulher, filha de Abraão, que foi colhida pelo mal nesses dezoito anos, não deveria ser libertada dessa escravidão e ser levada a compartilhar das águas da liberdade e da vida, ainda neste dia de sábado?” E, como a mulher continuou a glorificar a Deus, aquela crítica caiu em vergonha, e a congregação rejubilou-se com ela, por ela ter sido curada.

167:3:4 18363 Em vista da sua crítica pública a Jesus, nesse sábado, o dirigente principal da sinagoga foi deposto e um seguidor de Jesus foi colocado no seu lugar.

167:3:5 18364 Jesus freqüentemente libertava essas vítimas do medo, causado pela debilidade de espírito, pela depressão mental e a escravidão ao medo. Mas o povo pensava que todas essas aflições fossem doenças físicas ou possessão de espíritos malignos.

167:3:6 18365 No domingo, Jesus ensinou novamente na sinagoga, e muitas pessoas foram batizadas por Abner ao meio-dia, no rio que corria ao sul daquela cidade. No dia seguinte, Jesus e os dez apóstolos iam partir de volta para o acampamento de Pela, mas um dos mensageiros de Davi chegou, trazendo, para Jesus, uma mensagem urgente dos seus amigos da Betânia, perto de Jerusalém.

4. A MENSAGEM DA BETÂNIA


167:4:1 18366 Bem tarde da noite, no domingo, 26 de fevereiro, o corredor vindo da Betânia chegara à Filadélfia, e a mensagem que trazia era de Marta e Maria e dizia: “Senhor, aquele a quem tu amas está muito doente”. Essa mensagem chegou a Jesus no final da conferência noturna, no momento exato em que ele despedia-se dos apóstolos naquela noite. A princípio Jesus nada respondeu. Aconteceu-lhe um desses estranhos interlúdios, um intervalo em que ele parecia estar em comunicação com algo externo e além de si próprio. E então, levantando os olhos, ele dirigiu-se ao mensageiro, de um modo que os apóstolos o ouviram, dizendo: “Essa doença não o levará realmente à morte. Não duvideis de que poderá ser usada para glorificar a Deus e para exaltar o Filho”.

167:4:2 18371 Jesus gostava muito de Marta, de Maria e de Lázaro, o irmão delas; ele amava-os com um afeto fervoroso. O seu primeiro pensamento humano foi acudi-los imediatamente, mas outra idéia veio à sua mente combinada, de homem e Deus. Ele havia quase perdido a esperança de que os líderes judeus em Jerusalém, um dia, aceitassem o Reino, mas ainda amava o seu povo e ocorria-lhe agora um plano por meio do qual os escribas e os fariseus de Jerusalém poderiam ainda ter uma oportunidade de aceitar os seus ensinamentos; e então, dependendo da vontade do seu Pai, ele decidiu fazer esse último apelo a Jerusalém, por meio da mais profunda e estupenda obra exterior de toda a sua carreira terrena. Os judeus apegavam-se à idéia de um libertador que realizava prodígios. E, embora ele se recusasse a condescender na realização de milagres materiais e na realização de exibições temporais de poder político, agora ele pedia o consentimento do Pai para a manifestação desse poder, até então não demonstrado, sobre a vida e a morte.

167:4:3 18372 Os judeus tinham o hábito de enterrar os seus mortos no dia do seu falecimento; essa prática fazia-se necessária em um clima tão quente. Acontecia freqüentemente que colocassem na tumba alguém que estava apenas em coma, de tal modo que, no segundo dia, ou mesmo no terceiro, esse alguém saía da tumba. A crença, entre os judeus, todavia, era de que, mesmo mantendo-se perto do corpo por dois ou três dias, o espírito, ou a alma, nunca permaneceria depois do terceiro dia; que a putrefação estaria bem avançada lá pelo quarto dia; e que ninguém jamais retornaria da tumba depois do lapso de tal período. E por essas razões é que Jesus ainda ficou por dois dias inteiros na Filadélfia, antes de estar pronto para partir em direção à Betânia.

167:4:4 18373 Desse modo, na quarta-feira bem cedo pela manhã, ele disse aos seus apóstolos: “Preparemo-nos imediatamente para partir rumo à Judéia de novo”. E quando os apóstolos ouviram o seu Mestre dizendo isso, eles retiraram-se a sós por um certo tempo para aconselharem-se uns com os outros. Tiago assumiu a direção da conferência e todos concordaram que era uma verdadeira loucura permitir que Jesus voltasse à Judéia; e retornaram com uma única decisão para informar-lhe. Disse Tiago: “Mestre, estiveste em Jerusalém há poucas semanas; e os líderes buscavam a tua morte, e o povo estava decidido a atirar pedras em ti. Naquele momento, deste a todos esses homens a oportunidade de acolher a verdade; e não permitiremos que vás de novo à Judéia”.

167:4:5 18374 Então, Jesus disse: “Mas não compreendeis que há doze horas no dia, nas quais o trabalho pode ser feito sem perigo? Se um homem caminha durante o dia, ele não tropeça por causa da luz. Se um homem trabalha à noite, ele está sujeito a tropeçar, já que não há luz. Enquanto durar o meu dia, eu não temo entrar na Judéia. Eu gostaria de fazer mais uma obra poderosa para esses judeus; eu daria a eles mais uma oportunidade de crer, ainda que nos próprios termos deles –, dentro das condições da glória exterior e da manifestação visível de poder do Pai e de amor do Filho. Além disso, não estais percebendo que o nosso amigo Lázaro encontra-se adormecido; e eu quero despertá-lo desse sono!”

167:4:6 18375 Então disse um dos apóstolos: “Mestre, se Lázaro está dormindo, então ele se restabelecerá com mais segurança”. Era costume dos judeus, naquele tempo, falar da morte como sendo uma espécie de sono, mas como os apóstolos não compreendiam que Jesus queria referir-se ao fato de Lázaro haver partido desse mundo, ele agora falava com toda clareza: “Lázaro está morto. E, para o vosso bem, ainda que os outros não sejam salvos por meio de tudo isso, eu alegro-me de que não estivesse lá, pois assim tereis um novo motivo para crer em mim; e, por causa daquilo que ireis presenciar, devereis sentir-vos fortalecidos na preparação para o dia em que eu me despedir de vós a fim de ir para o Pai”.

167:4:7 18381 Vendo que não podiam persuadi-lo a deixar de ir à Judéia, e percebendo que alguns dos apóstolos eram contrários até a acompanhá-lo, Tomé dirigiu-se aos companheiros, dizendo: “Falamos dos nossos medos ao Mestre, mas ele está determinado a ir à Betânia. Estou convencido de que significa o fim; eles certamente irão matá-lo, mas se essa é a escolha do Mestre, então comportemo-nos como homens de coragem; vamos, também, para que possamos morrer junto com ele”. E sempre foi assim; nas questões que requeriam uma coragem deliberada e firme, Tomé era sempre o sustentáculo dos doze apóstolos.

5. A CAMINHO DA BETÂNIA


167:5:1 18382 A caminho da Judéia, Jesus foi seguido por um grupo de quase cinqüenta dos seus amigos e inimigos. Durante a hora do almoço, na quarta-feira, ele falou aos seus apóstolos e a esse grupo de seguidores sobre as “Condições para a Salvação”, e, ao final dessa lição, ele contou a parábola do fariseu e do publicano (um coletor de impostos). Jesus disse: “Vede, pois, que o Pai dá a salvação aos filhos dos homens, e essa salvação é uma dádiva de graça a todos que têm a fé para receber a filiação à família divina. Nada há que o homem possa fazer para ganhar essa salvação. As obras presunçosas não podem comprar o favorecimento de Deus, nem o excesso de orações em público compensará a falta de fé viva no coração. Aos homens, vós podeis enganar com as vossas obras externas, mas Deus vê dentro das vossas almas. O que lhes estou dizendo é bem ilustrado pelos dois homens que foram ao templo para orar, um era fariseu e o outro publicano. O fariseu permaneceu de pé e orou para si próprio: ‘Ó Deus, agradeço-Vos porque não sou como o resto dos homens, opressores, ignorantes, injustos, adúlteros ou até mesmo como esse publicano. Eu jejuo duas vezes por semana; dou dízimo por tudo o que ganho’. O publicano, no entanto, permaneceu distante, sem atrever-se sequer a levantar os olhos para o céu, batendo no peito e dizendo: ‘Deus, seja misericordioso com um pecador como eu’. Eu vos digo que o publicano foi para a sua casa com a aprovação de Deus, ao contrário do fariseu, pois aquele que se exalta será humilhado, mas aquele que se humilha a si próprio será exaltado”.

167:5:2 18383 Naquela noite, em Jericó, os fariseus hostis arranjaram uma armadilha para pegar o Mestre, tentando levá-lo a discutir sobre o matrimônio e o divórcio, como já haviam feito certa vez na Galiléia, mas Jesus habilmente desviou-se dos esforços deles para colocá-lo em conflito com as suas leis a respeito do divórcio. Assim como o publicano e o fariseu ilustraram a boa e a má religião, suas práticas de divórcio serviram como contraste entre as melhores leis matrimoniais do código judeu e o relaxamento vergonhoso das interpretações farisaicas desses estatutos mosaicos para o divórcio. O fariseu julgava-se pelos padrões menos elevados; o publicano enquadrava-se no ideal mais elevado. A devoção, para o fariseu, era um meio de induzir à inatividade pretensiosa e a certeza de uma segurança espiritual falsa; a devoção, para o publicano, era um meio de despertar a sua alma para a compreensão e para as necessidades de arrependimento, confissão e aceitação, pela fé, do perdão misericordioso. O fariseu buscava a justiça; o publicano buscava a misericórdia. A lei do universo é: Pedi e recebereis; buscai e encontrareis.

167:5:3 18384 Embora Jesus tenha recusado a se deixar arrastar pela controvérsia, com os fariseus, a respeito do divórcio, ele proclamou um ensinamento positivo dos ideais mais elevados a respeito do matrimônio. Ele exaltou o matrimônio como a mais elevada e ideal de todas as relações humanas. Do mesmo modo, ele insinuou uma forte desaprovação das práticas lassas e injustas do divórcio entre os judeus de Jerusalém, que naquela época permitiam ao homem divorciar-se da sua esposa pelas razões mais insignificantes, tais como ser ela uma má cozinheira, uma dona de casa ineficiente, ou então por nenhuma razão mais relevante do que ele ter enamorado-se de uma mulher mais bonita.

167:5:4 18391 Os fariseus haviam chegado ao extremo de ensinar que esse tipo fácil de divórcio seria uma dispensação especial concedida ao povo judeu, particularmente aos fariseus. E assim, quando Jesus negou-se a fazer pronunciamentos sobre o matrimônio e o divórcio, ele denunciou severamente essas fraudes vergonhosas da relação matrimonial e apontou a injustiça delas para com as mulheres e as crianças. Ele nunca aprovou nenhuma prática de divórcio que desse ao homem qualquer vantagem sobre a mulher; o Mestre apoiava aqueles ensinamentos que tratavam as mulheres em igualdade com os homens.

167:5:5 18392 Embora Jesus não tenha oferecido novos mandamentos regendo o matrimônio e o divórcio, ele concitou os judeus a viverem de acordo com suas próprias leis e ensinamentos mais elevados. Ele recorria constantemente ao registro das escrituras, nos seus esforços para aprimorar as práticas existentes para esse comportamento social. Ao sustentar assim os conceitos elevados e ideais do matrimônio, habilmente Jesus evitou o conflito com os seus contendores sobre as práticas sociais, representadas tanto pelas leis escritas quanto pelos privilégios do divórcio que eles apreciavam tanto.

167:5:6 18393 Era muito difícil para os apóstolos compreenderem a relutância do Mestre em fazer pronunciamentos afirmativos sobre questões científicas, sociais, econômicas e políticas. Eles não entendiam que a sua missão terrena estava ligada exclusivamente a revelações de verdades espirituais e religiosas.

167:5:7 18394 Depois de Jesus ter falado sobre o matrimônio e o divórcio, mais tarde naquela noite, os seus apóstolos fizeram outras perguntas mais em particular, e as respostas a essas indagações aliviaram as suas mentes quanto a conceitos equivocados. Quando da conclusão dessa conversa, Jesus disse: “O matrimônio é honorável e deve ser desejado por todos os homens. O fato de que o Filho do Homem procure ater-se apenas à sua missão terrena, não deve, de nenhum modo, refletir-se na conveniência do matrimônio; que eu deva continuar a minha obra assim é a vontade do Pai, mas esse mesmo Pai ordenou a criação do ser masculino e do ser feminino, e o desejo divino é o de que todos os homens e mulheres devam buscar servir da forma mais elevada, na conseqüente alegria do estabelecimento de lares para receber os filhos e educá-los. E nessa criação esses pais tornam-se co-participantes com os Criadores do céu e da Terra. E é por isso que um homem deve abandonar o seu pai e a sua mãe para unir-se à sua esposa, para que os dois sejam como um”.

167:5:8 18395 E, desse modo, Jesus libertou das mentes dos apóstolos muitas preocupações relacionadas ao matrimônio, e esclareceu vários mal-entendidos sobre o divórcio; ao mesmo tempo, contribuiu bastante no sentido de elevar os ideais, junto a eles, da união social e da intensificação do respeito pelas mulheres, crianças e pelo lar.

6. ABENÇOANDO AS CRIANCINHAS


167:6:1 18396 A mensagem vespertina de Jesus sobre o matrimônio e a bênção que as crianças representam, espalhou-se por toda Jericó, de um modo tal que, na manhã seguinte, muito antes de Jesus e os apóstolos estarem preparados para sair, antes mesmo da hora do desjejum, dezenas de mães foram até onde Jesus estava alojado, com as suas crianças nos braços ou conduzindo-as pelas mãos, desejando que ele abençoasse os pequeninos. Quando os apóstolos saíram e viram essa reunião de mães e filhos, eles tentaram mandá-las embora, mas essas mulheres negaram-se a sair dali até que o Mestre colocasse as suas mãos nas suas crianças e as abençoasse. Quando os apóstolos repreenderam essas mães, Jesus, ouvindo o tumulto, saiu e com indignação reprovou-os, dizendo: “Deixai virem a mim as criancinhas; não as proibais, pois delas é o Reino do céu. Em verdade, em verdade eu vos digo, aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança pequena, dificilmente irá entrar nele para crescer até alcançar a estatura plena da maturidade espiritual”.

167:6:2 18401 E quando o Mestre terminou de falar aos seus apóstolos, recebeu todas as crianças, fazendo a imposição das suas mãos sobre elas, enquanto dizia palavras de coragem e de esperança às suas mães.

167:6:3 18402 Com freqüência, Jesus falou sobre as mansões celestes aos seus apóstolos e ensinou-lhes que os filhos de Deus que progridem devem, lá, nas mansões celestes, crescer espiritualmente, como as crianças crescem fisicamente neste mundo. E, assim, as coisas sagradas muitas vezes parecem ser coisas comuns e, pois, nesse dia aquelas crianças e as suas mães não se deram conta de que as inteligências de Nebadon contemplavam as crianças de Jericó brincando com o Criador de um universo.

167:6:4 18403 A condição da mulher na Palestina foi melhorada em muito pelos ensinamentos de Jesus; e assim teria sido em todo o mundo se os seus seguidores não se tivessem afastado tanto daquilo que o Mestre tão cuidadosamente lhes ensinara.

167:6:5 18404 Foi também em Jericó, a propósito da discussão sobre a educação religiosa antecipada das crianças nos hábitos da adoração divina, que Jesus inculcou nos seus apóstolos o grande valor da beleza como uma influência que conduz ao anseio de adorar, especialmente nas crianças. Por meio dos seus preceitos e do seu exemplo, o Mestre ensinou o valor da adoração ao Criador em meio aos ambientes naturais da criação. Ele preferia comungar com o Pai celeste entre as árvores e junto às criaturas simples do mundo natural. Ele regozijava-se em contemplar o Pai por intermédio do espetáculo inspirador dos Reinos estrelados dos Filhos Criadores.

167:6:6 18405 Quando não fosse possível adorar a Deus junto aos tabernáculos da natureza, os homens deveriam dar o melhor de si para prover as casas com a beleza, com santuários de simplicidade atraente e de beleza artística, de modo que as mais elevadas emoções humanas pudessem ser despertadas em uma estreita associação com a abordagem intelectual da comunhão espiritual com Deus. A verdade, a beleza e a santidade são ajudas poderosas e eficazes para a verdadeira adoração. No entanto a comunhão espiritual não é favorecida apenas por meio de adornos abundantes e de uma decoração feita com a arte excessivamente aprimorada e ostentatória do homem. A beleza é mais religiosa quando é mais simples e natural. É uma pena que as crianças devam ter o seu primeiro contato com os conceitos da adoração pública em salas frias e estéreis, tão desprovidas dos atrativos da beleza e tão vazias de sugestões estimuladoras e de uma santidade inspiradora! A criança deveria ser iniciada na adoração junto às paisagens da natureza para, mais tarde, acompanhar os seus pais a casas públicas de reunião religiosa, que sejam ao menos tão atraentes materialmente e tão belas artisticamente quanto as casas nas quais elas convivem todo dia.

7. A CONVERSA SOBRE OS ANJOS


167:7:1 18406 Quando eles viajavam subindo as montanhas de Jericó até a Betânia, Natanael percorreu a maior parte do caminho ao lado de Jesus, e a conversa que tiveram sobre as crianças, em relação ao Reino do céu, indiretamente os levou a refletir sobre a ministração dos anjos. Natanael afinal fez a seguinte pergunta ao Mestre: “Vendo que o sumo sacerdote é um saduceu, e considerando que os saduceus não crêem em anjos, o que deveremos ensinar ao povo a respeito desses ministros celestes?” Então, entre outras coisas, Jesus disse:

167:7:2 18411 “As hostes angélicas são uma ordem em separado de seres criados; eles são inteiramente diferentes da ordem material das criaturas mortais, e funcionam como um grupo distinto de inteligências no universo. Os anjos não pertencem ao grupo de criaturas chamadas de ‘Filhos de Deus’ nas escrituras; e também não são os espíritos glorificados de homens mortais que já se encaminharam no progresso pelas mansões nas alturas. Os anjos são uma criação direta, e não se reproduzem. As hostes angélicas têm um parentesco apenas espiritual com a raça humana. À medida que o homem progride, na sua jornada até o Pai no Paraíso, ele passa em um momento por um estado do ser que é análogo ao estado dos anjos, mas o homem mortal nunca se transforma em um anjo.

167:7:3 18412 “Os anjos nunca morrem, como ocorre com o homem. Os anjos são imortais, a menos que, acaso, venham a se envolver em pecado, como alguns deles, ao enveredarem-se nas fraudes de Lúcifer. Os anjos são os servidores espirituais do céu, mas não são todo-sábios nem Todo-Poderosos. No entanto, todos os anjos leais são verdadeiramente puros e santos.

167:7:4 18413 “E não lembrais de que eu já vos disse certa vez, anteriormente, que, se tivésseis os vossos olhos espirituais ungidos, então vós veríeis os céus abertos e contemplaríeis os anjos de Deus ascendendo e descendo? É por meio da ministração dos anjos que um mundo pode se manter em contato com outros mundos; e, pois, não tenho repetidamente dito a vós que eu possuo outras ovelhas que não são deste aprisco? E esses anjos não são espiões do mundo espiritual a vos vigiarem para depois irem até o Pai contar os pensamentos do vosso coração e descrever os feitos da carne. O Pai não tem necessidade desse serviço, pois o seu próprio espírito vive dentro de vós. Esses espíritos angélicos, contudo, funcionam para manter uma parte da criação celeste informada sobre os feitos de outras partes remotas do universo. E muitos dos anjos, ainda que funcionando para o governo do Pai e nos universos dos Filhos, são designados para o serviço das raças humanas. Quando eu vos ensinei que muitos desses serafins são espíritos ministradores, eu não o disse em um sentido figurativo, nem poético. E tudo isso é verdadeiro, independentemente da dificuldade que possais ter para compreender tais questões.

167:7:5 18414 “Muitos desses anjos estão empenhados no trabalho de salvar os homens, pois eu não vos disse sobre a alegria dos serafins quando uma alma escolhe abandonar o pecado e começar a buscar a Deus? Eu vos disse, inclusive, do júbilo da presença dos anjos do céu por um pecador que se arrepende, indicando com isso a existência de outras ordens mais elevadas de seres celestes que, do mesmo modo, ocupam-se com o bem-estar espiritual e com o progresso divino do homem mortal.

167:7:6 18415 “Esses anjos ocupam-se também bastante com os meios de liberar o espírito do homem dos tabernáculos da carne e escoltar a sua alma até as mansões dos céus. Os anjos são os guias seguros e celestes da alma do homem, durante o período de tempo desconhecido e indefinido, que se interpõe entre a morte da carne e a nova vida nas moradas espirituais”.

167:7:7 18416 E Jesus teria falado ainda mais a Natanael a respeito da ministração dos anjos, mas foi interrompido pela aproximação de Marta; ela havia sido informada de que o Mestre aproximava-se da Betânia, por amigos que tinham visto o Mestre subindo as colinas a leste. E ela agora se apressava para dar-lhe as boas-vindas.

DOCUMENTO 168

A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO
--------------------------------------------------------------------------------



Pouco depois do meio-dia Marta saiu ao encontro de Jesus, quando ele apontava no cume da colina perto da Betânia. O seu irmão, Lázaro, estava morto há quatro dias e havia sido levado para o túmulo particular, na extremidade do jardim, no final da tarde de domingo. A pedra à entrada do túmulo havia sido rolada até o seu devido lugar na manhã deste dia, uma quinta-feira.

168:0:2 18422 Quando Marta e Maria mandaram a Jesus a informação sobre a doença de Lázaro, elas estavam confiantes de que o Mestre tomaria alguma providência. Sabiam que o seu irmão estava desesperadamente doente e, ainda que não ousassem esperar que Jesus fosse deixar o seu trabalho de ensinar e de pregar para trazer a sua ajuda, elas mantinham tal confiança no seu poder de curar doenças a ponto de pensar que ele fosse enviar as suas palavras de cura, e que Lázaro iria imediatamente restabelecer-se. E, quando Lázaro morreu, umas poucas horas após o mensageiro ter deixado a Betânia para ir à Filadélfia, elas concluíram que o Mestre não ficaria sabendo da doença do irmão delas a não ser tarde demais, depois de Lázaro estar morto por várias horas.

168:0:3 18423 No entanto, junto com todos os seus amigos crentes, elas ficaram bastante desconsertadas com a mensagem que o corredor trouxera de volta na terça-feira, antes do meio-dia, ao chegar à Betânia. O mensageiro insistia que havia ouvido Jesus dizer: “Essa doença não o levará realmente à morte”. E elas não podiam compreender por que ele não enviara uma só palavra a elas, nem oferecera a sua ajuda de um outro modo qualquer.

168:0:4 18424 Muitos amigos dos vilarejos vizinhos e alguns de Jerusalém vieram para confortar as irmãs acometidas pela tristeza. Lázaro e as suas irmãs eram filhos de um judeu honrado e abastado, que tinha sido um dos moradores mais notáveis da pequena aldeia da Betânia. E, não obstante todos três há muito serem seguidores ardentes de Jesus, eram altamente respeitados por todos que os conheciam. Tinham herdado vinhedos extensos e grandes olivais nas vizinhanças e, que eles fossem abastados, era também atestado pelo fato de que puderam arcar com um túmulo privado dentro das suas propriedades. Os seus progenitores, ambos, haviam sido já colocados nesse mesmo túmulo.

168:0:5 18425 Maria havia deixado de lado o pensamento de que Jesus viria, e abandonara-se ao seu pesar; Marta, contudo, apegava-se à esperança de que Jesus ainda viria, até mesmo durante aquele momento na manhã em que eles rolaram a pedra à frente do túmulo e selaram a sua entrada. Mesmo então ela instruiu um garoto vizinho para manter a vigia na estrada de Jericó, do alto da colina a leste da Betânia; e foi esse menino que trouxe a Marta as novas de que se aproximavam Jesus e os seus amigos.

168:0:6 18426 Quando encontrou-se com Jesus, Marta caiu aos seus pés; e exclamou: “Mestre, se tu estivesses aqui, o meu irmão não teria morrido!” Muitos temores passavam pela mente de Marta, mas ela não dava força à dúvida, nem se aventurava a criticar ou questionar a conduta do Mestre quanto à morte de Lázaro. Depois que ela falou, Jesus abaixou-se para colocá-la de pé e disse: “Tenha fé simplesmente, Marta, e o seu irmão ressuscitará”. Então Marta respondeu: “Eu sei que ele vai ressuscitar, na ressurreição do último dia; mas, ainda agora, eu creio que tudo o que pedires a Deus, o nosso Pai te concederá”.

168:0:7 18431 Então Jesus disse, olhando diretamente nos olhos de Marta: “Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crer em mim, embora morra, ainda viverá. Em verdade, todo aquele que viver e acreditar em mim nunca morrerá. Marta, tu crês nisso?” E Marta respondeu ao Mestre: “Sim, eu tenho há muito acreditado que tu és o Libertador, o Filho do Deus vivo, aquele mesmo que deveria vir a este mundo”.

168:0:8 18432 Tendo Jesus perguntado por Maria, Marta foi imediatamente até a casa e disse à sua irmã, em voz baixa: “O Mestre está aqui e perguntou por você”. Quando Maria ouviu isso, levantou-se rapidamente e apressou-se para encontrar Jesus, que ainda permanecia distante da casa, no mesmo local em que Marta o havia encontrado inicialmente. Os amigos que estavam com Maria, buscando confortá-la, quando viram que ela levantou-se rapidamente e saiu, seguiram-na, supondo que estava indo ao túmulo para chorar.

168:0:9 18433 Muitos dos que estavam presentes eram inimigos implacáveis de Jesus, por isso é que Marta tinha ido encontrá-lo sozinha. Essa era também a razão por que ela havia-se encaminhado secretamente para informar Maria de que ele perguntara por ela. Marta, embora tivesse almejado ver Jesus, procurava evitar qualquer incidente desagradável que pudesse ser causado pela súbita chegada dele em meio a um grupo grande de inimigos seus de Jerusalém. A intenção de Marta era permanecer na casa com os amigos, enquanto Maria fosse saudar Jesus; mas nisso ela não foi bem-sucedida, pois todos seguiram Maria e, desse modo, viram-se inesperadamente em presença do Mestre.

168:0:10 18434 Marta conduziu Maria até Jesus e, quando esta o viu, caiu de joelhos aos pés dele, exclamando: “Se apenas estivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido!” E quando Jesus viu como todos estavam pesarosos por causa da morte de Lázaro, a sua alma encheu-se de compaixão.

168:0:11 18435 Quando os amigos pesarosos viram que Maria havia ido saudar Jesus, eles colocaram-se a uma certa distância, enquanto Marta e Maria falavam, ambas, com o Mestre e recebiam outras palavras de conforto e de exortação para que mantivessem uma fé firme no Pai e uma completa resignação quanto à vontade divina.

168:0:12 18436 A mente humana de Jesus estava envolvida fortemente por uma contenda entre o seu amor por Lázaro, e a desolação das irmãs, e o seu desdém e desprezo pela demonstração exterior de afeto manifestada por alguns daqueles judeus descrentes e com intenções assassinas. Jesus ressentia-se, com indignação, da exibição externa forçada de luto por Lázaro, da parte de alguns daqueles que se declaravam amigos; porquanto esse sentimento falso estava associado nos seus corações a uma inimizade bastante amarga para com o próprio Jesus. Alguns desses judeus, entretanto, pareciam sinceros no seu luto, pois eram realmente amigos da família.

1. NO TÚMULO DE LÁZARO


168:1:1 18437 Depois de ter passado alguns momentos confortando Marta e Maria a uma certa distância dos que velavam, Jesus perguntou-lhes: “Onde o colocaram?” Então Marta disse: “Vem e vê”. E, enquanto em silêncio acompanhava as duas pesarosas irmãs, o Mestre chorou. Quando os judeus amistosos, que os seguiam, viram as suas lágrimas, um deles disse: “Vê como ele o amava. Será que ele, que abria os olhos dos cegos, não poderia ter impedido esse homem de morrer?” Nesse momento eles postaram-se de pé diante do túmulo da família, uma pequena caverna natural, num declive e numa saliência de rocha que aflorava até uns dez metros de altura na extremidade do jardim.

168:1:2 18441 É difícil explicar, às mentes humanas, o porquê do pranto de Jesus. Ainda que tenhamos acesso ao registro das emoções humanas e aos pensamentos divinos combinados de Jesus, tais como registrados na mente do seu Ajustador Personalizado, não estamos de todo certos sobre a causa real dessas manifestações emocionais. Estamos inclinados a acreditar que o pranto de Jesus tenha ocorrido por causa de um certo número de pensamentos e de sentimentos que passaram pela sua mente naquele momento, tais como:

168:1:3 18442 1. Ele sentia uma compaixão genuína e entristecida por Marta e Maria; e tinha um afeto humano real e profundo pelas duas que haviam perdido o irmão.

168:1:4 18443 2. Ele estava com a mente perturbada pela presença da multidão que lamentava, alguns com sinceridade e outros meramente por fingimento. Ele sempre se ressentira dessas manifestações exteriores de luto. Ele sabia que as irmãs amavam o irmão e que tinham fé na sobrevivência dos crentes. Esses sentimentos conflitantes talvez expliquem as emoções dele ao se aproximar do túmulo.

168:1:5 18444 3. Ele hesitou verdadeiramente em trazer Lázaro de volta à vida mortal. As suas irmãs realmente necessitavam dele, mas Jesus lamentava ter de trazer o seu amigo de volta e levá-lo a experimentar a perseguição amarga a qual, ele bem sabia, Lázaro teria de suportar em conseqüência de ter sido ele submetido à demonstração, a maior de todas, do poder divino do Filho do Homem.

168:1:6 18445 E, agora, podemos relatar um fato interessante e instrutivo: embora esta narrativa desenrole-se como um acontecimento aparentemente natural, de assuntos humanos, ela traz algumas luzes laterais muito interessantes. Conquanto o mensageiro tenha chegado a Jesus no domingo, contando-lhe sobre a doença de Lázaro e, ainda que Jesus tenha enviado a mensagem de que ela não “o levaria à morte”, ao mesmo tempo ele encaminhou-se pessoalmente para a Betânia e até mesmo perguntou às irmãs: “Onde o colocaram?” Embora tudo isso possa parecer indicar que o Mestre estivesse procedendo segundo a maneira desta vida e de acordo com o conhecimento limitado da mente humana, entretanto, os registros do universo revelam que o Ajustador Personalizado de Jesus havia emitido ordens para que o Ajustador do Pensamento de Lázaro ficasse indefinidamente retido no planeta, depois da morte de Lázaro, e que o registro dessa ordem foi feito quinze minutos antes do último suspiro de Lázaro.

168:1:7 18446 A mente divina de Jesus teria sabido, mesmo antes de Lázaro ter morrido, que ele o ressuscitaria dos mortos? Não sabemos. Apenas sabemos das coisas que estamos expondo aqui.

168:1:8 18447 Muitos dos inimigos de Jesus estavam inclinados a escarnecer das suas manifestações de afeto, e diziam entre si: “Se ele preocupava-se tanto com esse homem, por que demorou assim para vir até a Betânia? Se ele é o que dizem, por que não salvou o seu querido amigo? De que vale curar estrangeiros na Galiléia se não pode salvar àqueles a quem ele ama?” E de muitos outros modos eles escarneceram e fizeram pouco dos ensinamentos e das obras de Jesus.

168:1:9 18448 E assim, nessa quinta-feira à tarde, por volta das duas e meia, tudo estava pronto, nesse pequeno vilarejo da Betânia, para que fosse realizada a maior de todas as obras ligadas à ministração terrena de Michael de Nebadon, a maior manifestação de poder divino durante a sua encarnação na carne, já que a sua própria ressurreição ocorreu depois que tinha sido liberado dos laços da habitação na carne mortal.

168:1:10 18451 O pequeno grupo reunido diante do túmulo de Lázaro jamais imaginaria a afluência próxima e a disponibilidade da presença de todas as ordens de seres celestes reunidas sob a liderança de Gabriel e à espera, sob a direção do Ajustador Personalizado de Jesus, todos vibrando de expectativa e prontos para executar o comando do seu amado Soberano.

168:1:11 18452 Quando Jesus pronunciou estas palavras de comando: “Retirem a pedra”, as hostes celestes reunidas estavam prontas para encenar o drama da ressurreição de Lázaro, à semelhança da carne mortal. Essa forma de ressurreição envolve dificuldades de execução que em muito transcendem a técnica usual da ressurreição das criaturas mortais na forma moroncial e requer um número grande de personalidades celestes e uma organização muito mais ampla de recursos do universo.

168:1:12 18453 Quando Marta e Maria ouviram aquele comando de Jesus para que a pedra em frente do túmulo fosse rolada para fora da entrada, elas ficaram repletas de emoções contraditórias. Maria tinha a esperança de que Lázaro fosse ressurgir dos mortos, mas Marta, se bem que compartilhasse, em um certo grau, da fé da irmã, estava mais atormentada pelo medo de que Lázaro não estivesse apresentável, na sua aparência, para Jesus, os apóstolos e seus amigos. Marta disse: “Deveríamos remover a pedra? O meu irmão esteve morto por quatro dias e, assim, a decomposição do corpo já deve ter-se iniciado”. Marta disse isso porque também não estava certa do motivo pelo qual o Mestre pedira que a pedra fosse removida; ela supunha que talvez Jesus quisesse apenas dar uma última olhada em Lázaro. E ela não estava sendo nem firme nem constante na sua atitude. E porque hesitavam em rolar a pedra, Jesus falou: “Eu não vos disse inicialmente que essa doença não o levaria à morte? E não vim para cumprir a minha promessa? E quando eu vim até vós, eu não vos disse que, se apenas crêsseis, vós veríeis a glória de Deus? E por que duvidais? Quanto tempo ainda falta para acreditardes e para que obedeçais?”

168:1:13 18454 Quando Jesus terminou de falar, os seus apóstolos, com a assistência de vizinhos dispostos, tomaram da pedra e rolaram-na, tirando-a da entrada do túmulo.

168:1:14 18455 Era uma crença comum dos judeus a de que a gota de fel na ponta da espada do anjo da morte começasse a operar ao final do terceiro dia, de um modo tal que apresenta o efeito pleno no quarto dia. Eles admitiam que a alma do homem poderia permanecer no túmulo até o fim do terceiro dia, tentando reanimar o corpo morto; mas acreditavam firmemente que, na aurora do quarto dia, a alma iria para a morada dos espíritos que partiram.

168:1:15 18456 Essas crenças e opiniões a respeito dos mortos e a partida dos espíritos dos mortos serviram para assegurar, nas mentes de todos agora presentes no túmulo de Lázaro e posteriormente a todos que pudessem ouvir sobre o que iria acontecer, que esse era, real e verdadeiramente, um caso de ressurreição de entre os mortos, causada pela obra pessoal daquele que declarara ser “a ressurreição e a vida”.

2. A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO


168:2:1 18457 Enquanto esse grupo de cerca de quarenta e cinco mortais permanecia diante do túmulo, apenas vagamente viam eles a sombra de Lázaro, enrolado em bandagens de linho, repousando no nicho inferior à direita da cova fúnebre. Durante o tempo em que essas criaturas terrenas permaneceram lá, em silêncio e com a respiração quase retida, uma hoste vasta de seres celestes havia-se colocado em posição, em preparação para responder ao sinal de ação que seria dado por Gabriel, o seu comandante.

168:2:2 18461 Jesus levantou os olhos e disse: “Pai, dou-Te graças porque me ouviste e concedeste o meu pedido. Eu sei que Tu sempre me escutas, mas por causa destes que estão aqui comigo, eu falo assim Contigo, para que eles possam acreditar que Tu me enviaste ao mundo, e para que eles possam saber que Tu estás atuando comigo naquilo que iremos fazer”. E depois de ter orado assim, ele falou em voz mais alta: “Lázaro, vem para fora!”

168:2:3 18462 Embora os observadores humanos tenham permanecido imóveis, a vasta hoste celeste movia-se unificada toda em uma única ação, em obediência à palavra do Criador. Em apenas doze segundos, do tempo da Terra, a forma até então sem vida de Lázaro começou a mover-se e, em breve, assentava-se na beira da plataforma de pedra onde estivera repousando. O seu corpo encontrava-se envolto nas mortalhas, e a sua face estava coberta com uma bandagem. E enquanto Lázaro – vivo – permanecia de pé diante deles, Jesus disse: “Desatai-o e deixai que ele se levante”.

168:2:4 18463 Todos, exceto os apóstolos, Marta e Maria, fugiram para a casa. Estavam pálidos de pavor e tomados de espanto. Enquanto alguns ficaram lá, muitos se apressaram a ir para as suas casas.

168:2:5 18464 Lázaro saudou Jesus e os apóstolos e perguntou sobre o significado das mortalhas e por que havia ele despertado no jardim. Jesus e os apóstolos puseram-se de lado, enquanto Marta contava a Lázaro sobre a sua morte, o enterro e a ressurreição. Ela teve de explicar-lhe que ele havia morrido no domingo e que agora havia sido trazido de volta à vida, na quinta-feira; pois Lázaro não possuía consciência do tempo, desde que adormecera na morte.

168:2:6 18465 Enquanto Lázaro saía do túmulo, o Ajustador Personalizado de Jesus, agora dirigente da sua ordem neste universo local, deu o comando para o Ajustador de Lázaro, agora à espera, para que reassumisse a residência na mente e na alma do homem ressuscitado.

168:2:7 18466 Então, Lázaro aproximou-se de Jesus e, com as suas irmãs, ajoelhou aos pés do Mestre para dar graças e oferecer o seu louvor a Deus. Jesus, tomando Lázaro pela mão, levantou-o, dizendo: “Meu filho, o que aconteceu a ti será também experimentado por todos aqueles que acreditam nas boas-novas do evangelho, exceto pelo fato de que eles serão ressuscitados em uma forma ainda mais gloriosa. Tu serás uma testemunha viva da verdade daquilo que eu disse – eu sou a ressurreição e a vida. Mas agora entremos na casa e tomemos algum alimento para nossos corpos físicos”.

168:2:8 18467 E enquanto caminhavam para a casa, Gabriel dissolveu os grupos adicionais de hostes, ali reunidas, ao mesmo tempo que registrava o primeiro e o último caso, sucedido em Urântia, em que uma criatura mortal tinha sido ressuscitada à semelhança do seu corpo físico mortal.

168:2:9 18468 Lázaro mal podia compreender o que havia ocorrido. Ele sabia que tinha estado muito doente, mas podia lembrar-se apenas de que adormecera e de que fora despertado. E nunca se viu capaz de dizer nada sobre esses quatro dias no túmulo, porque tinha estado totalmente inconsciente. O tempo é inexistente para aqueles que dormem o sono da morte.

168:2:10 18469 Embora muitos tivessem acreditado em Jesus por causa dessa obra poderosa, outros apenas endureceram o próprio coração, mais ainda, para rejeitá-lo. Por volta do meio-dia, no dia seguinte, essa história espalhou-se por toda Jerusalém. Dezenas de homens e de mulheres foram à Betânia para contemplar Lázaro e falar com ele, e os fariseus alarmados e desconsertados convocaram uma reunião do sinédrio para que pudessem determinar o que deveria ser feito a respeito desses novos acontecimentos.

3. A REUNIÃO DO SINÉDRIO


168:3:1 18471 Ainda que o testemunho desse homem ressuscitado de entre os mortos muito fizesse para consolidar a fé da massa de crentes no evangelho do Reino, pouco ou nenhuma influência teve sobre a atitude dos líderes religiosos e dirigentes de Jerusalém, exceto no sentido de apressar a sua decisão de destruir Jesus e colocar um fim na sua obra.

168:3:2 18472 No dia seguinte, sexta-feira, a uma hora da tarde o sinédrio reuniu-se para deliberar novamente sobre a questão: “O que faremos com Jesus de Nazaré?” Depois de mais de duas horas de discussão e de um debate acirrado, um certo fariseu apresentou uma resolução que pedia a morte imediata de Jesus, proclamando que ele era uma ameaça para toda Israel e formalmente comprometendo o sinédrio a decidir sobre a morte dele, sem julgamento, desafiando assim a todos os precedentes.

168:3:3 18473 Por muitas vezes esse augusto grupo de líderes judeus havia decretado que Jesus fosse apreendido e trazido a julgamento, sob a acusação de blasfêmia e numerosas outras acusações de insulto à lei judaica sagrada. Uma vez, anteriormente, haviam ido longe a ponto de declarar que ele devia morrer; esta, no entanto, era a primeira vez que o sinédrio indicava ter o desejo de decretar a sua morte, antes de um julgamento. Essa resolução, porém, não foi colocada em votação, pois catorze membros do sinédrio demitiram-se em massa quando uma ação de tal modo inédita foi proposta. Embora tais demissões não houvessem sido formalizadas por quase duas semanas, esse grupo de catorze retirou-se do sinédrio naquele dia, para nunca mais se assentar em conselho. Quando essas demissões foram oficializadas, posteriortemente, cinco outros membros foram demitidos porque os demais participantes acreditavam que eles alimentassem sentimentos amistosos para com Jesus. Com a saída desses dezenove homens, o sinédrio ficou em posição de tentar condenar Jesus, com uma solidariedade tal que beirava a unanimidade.

168:3:4 18474 Na semana seguinte Lázaro e as suas irmãs foram convocados a comparecer perante o sinédrio. Quando o seu testemunho foi ouvido, nenhuma dúvida podia ser sustentada de que Lázaro tinha ressuscitado de entre os mortos. Embora os anais do sinédrio virtualmente admitissem a ressurreição de Lázaro, o registro comportava uma resolução atribuindo este e todos os outros prodígios feitos por Jesus ao poder do príncipe dos demônios, com quem, declarou-se, Jesus estaria coligado.

168:3:5 18475 Não importando qual fosse a fonte do seu poder de operar prodígios, esses líderes judeus estavam persuadidos de que, se não fosse imediatamente impedido, todo o povo comum logo acreditaria em Jesus; e, ademais, sérias complicações com as autoridades romanas adviriam, já que tantos dos seus crentes encaravam-no como o Messias, o libertador de Israel.

168:3:6 18476 Foi naquela mesma reunião do sinédrio que Caifás, o sumo sacerdote, pela primeira vez deu expressão àquele velho adágio judeu, que ele tantas vezes repetiu: “Melhor será morrer um só homem, do que perecer toda a comunidade”.

168:3:7 18477 Embora tenha recebido um aviso dos feitos do sinédrio, nessa tarde sombria de sexta-feira, Jesus não ficou nada perturbado e continuou repousando no sábado em casa de amigos em Betfagé, um povoado perto da Betânia. Bem cedo, na manhã de domingo, Jesus e os apóstolos reuniram-se, como haviam combinado, na casa de Lázaro e, despedindo-se da família da Betânia, partiram em viagem de volta ao acampamento de Pela.

4. A RESPOSTA À PRECE


168:4:1 18481 Na viagem de Betânia a Pela, os apóstolos perguntaram a Jesus sobre muitas coisas; e a todas as perguntas o Mestre respondeu livremente, exceto àquelas que envolviam os detalhes da ressurreição dos mortos. Essas questões estavam além da capacidade de compreensão dos seus apóstolos; e, por isso, o Mestre eximiu-se de discutir sobre tais questões com eles. E, já que eles tinham partido da Betânia secretamente, ninguém os acompanhava. Por conseguinte, Jesus aproveitou a oportunidade para dizer aos dez muitas coisas que, na sua opinião, iriam prepará-los para os dias de provações que tinham pela frente.

168:4:2 18482 Os apóstolos estavam com as suas mentes bastante agitadas e passaram um tempo considerável discutindo as suas experiências recentes naquilo que relacionavam-se com a prece e a resposta à prece. Todos se relembraram da afirmação de Jesus, feita para o mensageiro da Betânia em Filadélfia, quando ele disse claramente: “Essa enfermidade não o levará à morte”. E ainda, a despeito dessa promessa, Lázaro de fato morreu. Durante aquele dia inteiro, de novo e de novo, eles faziam a discussão voltar a essa questão da resposta à prece.

168:4:3 18483 As respostas de Jesus às suas muitas perguntas podem ser resumidas do seguinte modo:

168:4:4 18484 1. A prece é uma expressão da mente finita, em um esforço de aproximar-se do Infinito. A formulação da prece deve, pois, ser limitada pelo conhecimento, sabedoria e atributos do finito; do mesmo modo, a resposta deve ser condicionada pela visão, objetivos, ideais e prerrogativas do Infinito. Nunca pode ser observada uma continuidade ininterrupta de fenômenos materiais entre o fazer a prece e a recepção da plena resposta espiritual a ela.

168:4:5 18485 2. Quando uma prece não é aparentemente respondida, a demora, em geral, é presságio de uma resposta melhor, embora essa resposta, por alguma boa razão, demore bastante. Quando Jesus disse que a doença de Lázaro não iria realmente levá-lo à morte, ele tinha já estado morto por onze horas. A nenhuma prece sincera é negada uma resposta, exceto quando o ponto de vista superior do mundo espiritual já tenha divisado uma resposta melhor, uma resposta que satisfaça ao espírito do homem em contraposição à mera prece da mente humana.

168:4:6 18486 3. As preces do tempo, quando ditadas pelo espírito e expressas pela fé, são freqüentemente tão amplas e todo-inclusivas que apenas podem ser respondidas na eternidade; o pedido finito algumas vezes é tão impregnado do desejo de alcançar o infinito, que a resposta deve ser adiada durante muito tempo para aguardar a criação da capacidade adequada para a receptividade; a prece da fé pode ser tão todo-inclusiva que pode acontecer que a resposta seja recebida apenas no Paraíso.

168:4:7 18487 4. As respostas à prece da mente mortal são muitas vezes de uma natureza tal que apenas podem ser recebidas e reconhecidas depois que essa mente que a faz tiver alcançado o estado imortal. A prece do ser material muitas vezes pode ser respondida apenas quando o indivíduo tiver progredido até o nível espiritual.

168:4:8 18488 5. A prece de uma pessoa sabedora de Deus pode estar tão distorcida pela ignorância, e tão deformada pela superstição, que a resposta a ela poderia ser altamente indesejável. Então os seres espirituais, que intervêm, têm de traduzir tal prece, e de um tal modo que, quando a resposta chegar, o próprio suplicante muitas vezes acaba deixando de reconhecer a resposta como sendo o solicitado.

168:4:9 18489 6. Todas as orações verdadeiras dirigem-se aos seres espirituais, e todas essas petições devem ser respondidas em termos espirituais, e todas essas respostas devem consistir em realidades espirituais. Os seres espirituais não podem conceder respostas materiais aos pedidos espirituais, mesmo dos seres materiais. Os seres materiais apenas fazem preces eficazes quando “oram em espírito”.

168:4:10 18491 7. Nenhuma prece deve esperar ser atendida, a menos que nasça do espírito e seja nutrida pela fé. A vossa fé sincera implica que, antecipada e virtualmente, tenhais concedido aos que ouvem a vossa prece o direito pleno de responder ao vosso pedido, de acordo com aquela sabedoria suprema e aquele amor divino que, segundo a descrição da vossa fé, sempre animam aqueles seres a quem dirigis as vossas preces.

168:4:11 18492 8. A criança está sempre dentro do seu direito quando ela presume pedir ao pai; e o pai está sempre dentro das suas obrigações de pai para com a criança imatura quando a sua sabedoria superior dita que a resposta ao pedido da criança seja retardada, modificada, filtrada, transcendida ou adiada até um outro estágio na ascensão espiritual.

168:4:12 18493 9. Não hesiteis em fazer as preces de aspiração espiritual; não duvideis de que ireis receber uma resposta para os vossos pedidos. Essas respostas estarão em depósito, aguardando a vossa realização nos futuros níveis espirituais de verdadeira realização cósmica, neste mundo ou em outros, onde for possível a vós reconhecer e apropriar-vos da tão esperada resposta ao vosso pedido anterior, talvez então ainda inoportuno.

168:4:13 18494 10. Todos os pedidos genuínos nascidos do espírito na certa serão atendidos. Pedi e recebereis. Devíeis lembrar-vos, todavia, que sois criaturas que progredis no tempo e no espaço e que, portanto, precisais contar constantemente com o fator tempo-espacial na experiência da vossa recepção pessoal das plenas respostas às vossas múltiplas preces e pedidos.

5. O QUE ACONTECEU A LÁZARO


168:5:1 18495 Lázaro permaneceu em sua casa da Betânia, como foco de um grande interesse para muitos crentes sinceros e para inúmeros indivíduos curiosos, até a semana da crucificação de Jesus; quando então ele recebeu um aviso de que o sinédrio tinha decretado a sua morte. Os dirigentes dos judeus estavam determinados a dar um fim a qualquer difusão posterior dos ensinamentos de Jesus, e eles não se enganaram ao julgar que seria inútil levar Jesus à morte e permitir que Lázaro, que representava o próprio apogeu da sua obra de prodígios, vivesse e testemunhasse o fato de que Jesus o havia ressuscitado de entre os mortos. As amargas perseguições deles, Lázaro já as havia sofrido.

168:5:2 18496 E, assim, Lázaro despediu-se apressadamente das suas irmãs na Betânia, fugindo para Jericó. Atravessando o Jordão, ele não se permitiu nenhum descanso longo até que tivesse chegado à Filadélfia. Lázaro conhecia Abner muito bem; e lá se sentiu a salvo das intrigas assassinas do perverso sinédrio.

168:5:3 18497 Logo depois disso, Marta e Maria venderam as suas terras da Betânia e juntaram-se ao seu irmão na Peréia. Nesse meio tempo, Lázaro tinha tornado-se o tesoureiro da igreja na Filadélfia. Ele transformou-se em um forte apoio para Abner, na contenda com Paulo e com a igreja de Jerusalém; por fim ele morreu, com 67 anos, da mesma enfermidade que o havia levado, quando era um homem mais jovem na Betânia.

DOCUMENTO 169

O ÚLTIMO ENSINAMENTO EM PELA
--------------------------------------------------------------------------------



Na noite de segunda-feira, 6 de março, Jesus e os dez apóstolos chegaram ao acampamento de Pela. Foi essa a última semana da permanência de Jesus ali, e ele esteve muito ativo ensinando à multidão e instruindo os apóstolos. Todas as tardes pregava ao povo e todas as noites respondia às perguntas dos apóstolos e de alguns dos discípulos mais avançados que residiam no acampamento.

169:0:2 18502 A notícia sobre a ressurreição de Lázaro tinha chegado ao acampamento dois dias antes da vinda do Mestre, e toda a gente estava ansiosa. Desde o episódio da alimentação dos cinco mil, nada acontecera para estimular tanto a imaginação do povo. E assim, no apogeu mesmo da segunda fase da ministração pública do Reino, é que Jesus planejou ensinar durante essa curta semana em Pela e então começar a viagem ao sul da Peréia, que conduziu às experiências finais e trágicas da última semana em Jerusalém.

169:0:3 18503 Os fariseus e os sacerdotes principais tinham começado a formular as suas incriminações e a consolidar as acusações. Eles opunham-se aos ensinamentos do Mestre nos seguintes pontos:

169:0:4 18504 1. Ele é amigo de publicanos e de pecadores; recebe os ímpios e até mesmo come com eles.

169:0:5 18505 2. Ele é um blasfemo; fala de Deus como sendo o seu Pai e julga-se um igual a Deus.

169:0:6 18506 3. Ele é um infrator da lei. Cura doenças no sábado, e de muitos outros modos burla a lei sagrada de Israel.

169:0:7 18507 4. Ele está ligado a demônios. Realiza prodígios e faz milagres aparentes pelo poder de Belzebu, o príncipe dos demônios.

1. A PARÁBOLA DO FILHO PERDIDO


169:1:1 18508 Na quinta-feira à tarde Jesus falou à multidão sobre a “Graça da Salvação”. No transcorrer desse sermão ele voltou a contar a história da ovelha e da moeda perdidas e então acrescentou a sua parábola favorita, a do filho pródigo. Disse Jesus:

169:1:2 18509 “Vós tendes sido exortados pelos profetas, de Samuel a João, a buscar a Deus – a buscar a verdade. Eles sempre disseram: ‘Buscai o Senhor, enquanto ele pode ser encontrado’. E todos esses ensinamentos deveriam ser tomados de coração. Mas eu vim mostrar-vos que, ao mesmo tempo em que estais tentando encontrar a Deus, do mesmo modo Deus está buscando encontrar-vos. Muitas vezes eu vos contei a história do bom pastor que deixou as noventa e nove ovelhas do aprisco saindo em busca daquela que estava perdida e, ao encontrar a ovelha desviada, ele colocou-a sobre os ombros e, com ternura, levou-a de volta para o abrigo. Quando a ovelha perdida foi devolvida ao aprisco, vos lembrais que o bom pastor convocou os seus amigos e convidou-os para que se rejubilassem com a volta da ovelha que tinha estado perdida. E, novamente, eu digo que há mais júbilo no céu pelo pecador que se arrepende do que pelas noventa e nove pessoas justas que não necessitam de arrependimento. O fato de que algumas almas estejam perdidas apenas aumenta o interesse do Pai celeste. Eu vim a este mundo para cumprir o mandato do meu Pai, e realmente tem sido dito que o Filho do Homem é amigo de publicanos e de pecadores.

169:1:3 18511 “Foi-vos ensinado que a aceitação divina vem após o vosso arrependimento e como o resultado de todos os vossos esforços de sacrifício e penitência, mas eu vos asseguro que o Pai vos aceita mesmo antes de vos haverdes arrependido e vos envia o Filho e os colaboradores dele para encontrar-vos e trazer-vos, com júbilo, de volta ao aprisco, ao Reino da filiação e ao progresso espiritual. Vós sois todos como ovelhas que se desviaram e eu vim para vos encontrar e salvar àqueles que estiverem perdidos.

169:1:4 18512 “E vós devíeis lembrar-vos também da história da mulher que, tendo feito um colar de adorno, com dez moedas de prata, perdeu uma peça; então acendeu a lâmpada e varreu cuidadosamente a casa e manteve a busca; até que encontrou a peça de prata perdida. E, tão logo encontrou a peça que estava perdida, ela reuniu os seus amigos e vizinhos, dizendo: ‘Rejubilai comigo, pois eu encontrei a peça que estava perdida’. E assim novamente eu vos digo, há sempre júbilo na presença dos anjos do céu por causa de um pecador que se arrepende e que retorna para o abraço do Pai. E eu vos conto essa história para incutir em vós que o Pai e o seu Filho saem em busca daqueles que estão perdidos, e que nessa busca nós empregamos todas as influências capazes de ajudar-nos nos nossos esforços diligentes para encontrar aqueles que estão perdidos, aqueles que permanecem na necessidade de salvação. Assim, o Filho do Homem sai no deserto para buscar a ovelha que se desviou, ao mesmo tempo em que busca a moeda que foi perdida na casa. A ovelha extravia-se involuntariamente; a moeda cobre-se com o pó do tempo e esconde-se sob o acúmulo das coisas dos homens.

169:1:5 18513 “E agora eu gostaria de contar-vos a história do filho imprudente de um fazendeiro abastado. Esse filho abandonou deliberadamente a casa do seu pai e saiu para uma terra estrangeira, onde teve muitas atribulações. Vós vos lembrais de que a ovelha desviou-se involuntariamente, mas esse jovem abandonou a sua casa premeditadamente. Foi assim:

169:1:6 18514 “Um certo homem tinha dois filhos; um, o mais jovem, era alegre e despreocupado, estava sempre atrás de um divertimento e esquivando-se da responsabilidade, ao passo que o seu irmão mais velho era sério, sóbrio, trabalhador e disposto a assumir as responsabilidades. Ora, esses dois irmãos não se davam muito bem um com o outro; e estavam sempre brigando e discutindo. O mais jovem era alegre e vivaz, mas indolente, e não era confiável; o mais velho era estável e industrioso e, a um tempo egocêntrico, mal-humorado e convencido. O mais jovem gostava de divertir-se e evitava o trabalho; o mais velho devotava-se ao trabalho e raramente divertia-se. A ligação entre eles tornou-se tão desagradável que o filho mais jovem chegou ao seu pai e disse: ‘Pai, dá-me o terço que me caberia das vossas posses e permiti-me sair para o mundo e buscar a minha própria sorte’. E quando o pai ouviu esse pedido, sabendo quão infeliz estava o jovem na sua casa com o irmão mais velho, dividiu a sua propriedade, dando ao jovem a sua parte.

169:1:7 18515 “Em poucas semanas o jovem reuniu todos os seus fundos e saiu em viagem a um país distante; mas, não encontrando nada proveitoso a fazer e que fosse também aprazível, logo gastou toda a sua herança em uma vida desenfreada. Depois que ele gastou tudo, uma grande fome surgiu naquele país, e ele viu-se na miséria. Assim, sofreu um grande infortúnio, mas, quando começou a passar fome, encontrou um emprego com um dos cidadãos daquele país, e foi enviado aos campos para alimentar os suínos. E o jovem ter-se-ia saciado com as sobras comidas pelos porcos, mas ninguém lhe dava nada.

169:1:8 18521 “Um dia, quando estava muito faminto, caiu em si e disse: ‘Quantos criados do meu pai têm abundância de pão, enquanto eu morro de fome aqui, alimentando porcos em um país estrangeiro! Eu vou levantar-me para ir ao meu pai e lhe dizer: Pai, eu pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado de filho teu; apenas disponha-te a fazer de mim um criado teu’. E, quando o jovem chegou a essa decisão, levantou-se e partiu em direção à casa do seu pai.

169:1:9 18522 “Aquele pai, todavia, havia sofrido muito por causa do seu filho; tinha sentido uma saudade imensa do alegre jovem, ainda que irrefletido. O pai amava esse filho e esteve aguardando constantemente pelo seu regresso, de modo que no dia em que ele voltou para casa, quando ainda estava bem longe, o pai o viu e, sendo motivado pela compaixão do amor, correu para encontrá-lo e, com muita afeição, abraçou-o e o beijou. E depois disso, o filho viu o rosto lacrimejante do pai e disse: ‘Pai, eu pequei contra o céu e perante os vossos olhos; eu não sou digno de que me chames de filho’ – o jovem, contudo, não teve oportunidade de completar a sua confissão porque o pai, rejubilante, disse aos criados, os quais nessa altura vieram correndo: ‘Trazei depressa a melhor roupa dele, aquela que eu reservei, e ponde o anel de filho na sua mão e arrumai sandálias para os seus pés’.

169:1:10 18523 “E então, depois que o feliz pai conduziu o jovem cansado e de pés doloridos até a casa, ele disse aos seus criados: ‘Trazei o novilho gordo e matai-o, e comamos e festejemos, pois este filho meu estivera morto e agora está vivo novamente; ele estivera perdido e foi encontrado’. E eles reuniram-se com o pai para rejubilarem-se com ele pelo retorno do seu filho.

169:1:11 18524 “Nesse momento, enquanto celebravam, o filho mais velho chegou do seu dia de trabalho no campo e, à medida que se aproximava da casa, ia percebendo a música e a dança. Quando chegou à porta dos fundos, chamou um dos criados e perguntou sobre o significado de toda aquela festividade. Então disse o criado: ‘O teu irmão, há tanto tempo perdido, voltou para casa, e o teu pai matou o novilho gordo para comemorar o seu retorno, são e salvo. Vem para que tu possas também saudar o teu irmão e recebê-lo de volta à casa do teu pai’.

169:1:12 18525 “Contudo, ao ouvir isso, o irmão mais velho ficou tão magoado e enraivecido que não queria entrar na casa. Quando o seu pai soube do seu ressentimento quanto às boas-vindas dadas ao seu irmão mais jovem, saiu para implorar que entrasse. Mas o filho mais velho não se deixaria levar pela persuasão do pai. E respondeu-lhe, com essas palavras: ‘Em todos esses anos eu tenho servido a ti, nunca transgredindo a menor das tuas ordens, e mesmo assim tu nunca me deste nem um cabrito para que eu me divertisse com os meus amigos. Eu permaneci aqui para cuidar-te todos esses anos, e tu nunca fizeste nenhuma festa por causa do meu serviço fiel; todavia, quando esse teu filho retorna, tendo esbanjado os teus bens com as prostitutas, tu te apressas em matar o novilho gordo e em festejá-lo’.

169:1:13 18526 “Já que esse pai amava os seus dois filhos verdadeiramente, ele tentou raciocinar com o mais velho: ‘Mas, meu filho, tu tens estado comigo todo esse tempo, e tudo o que eu tenho é teu. Tu poderias ter matado um cabrito a qualquer momento para compartilhar a tua felicidade com os teus amigos. E seria oportuno que tu te juntasses a mim nesta alegria e felicidade pela volta do teu irmão. Pense nisto, meu filho, o teu irmão tinha estado perdido, se encontrou e voltou vivo para nós’!”

169:1:14 18531 Essa foi entre todas uma das mais comoventes e eficientes entre todas as parábolas que Jesus já apresentou, para imprimir aos seus ouvintes a boa vontade do Pai em receber a todos que buscam a entrada no Reino do céu.

169:1:15 18532 Jesus era muito afeiçoado a contar essas três histórias ao mesmo tempo. Ele apresentava a história da ovelha perdida para mostrar que, quando os homens afastam-se involuntariamente do caminho da vida, o Pai permanece atento a esses filhos perdidos e sai, com os seus Filhos, os verdadeiros pastores do rebanho, para procurar a ovelha perdida. Então Jesus contava a história da moeda perdida na casa para ilustrar quão completa é a busca divina por todos que estão confusos, confundidos ou cegos espiritualmente, de um outro modo qualquer, por causa dos cuidados e preocupações da vida. E então ele lançava-se a contar a parábola do filho perdido, da recepção dada na volta do filho pródigo, para mostrar quão completa é a reintegração do filho perdido na casa e no coração do Pai.

169:1:16 18533 Muitas e muitas vezes durante os seus anos de ensinamento, Jesus contou e recontou a história do filho pródigo. Essa parábola e a história do bom samaritano eram os seus meios favoritos de ensinar sobre o amor do Pai e sobre a boa vizinhança entre os homens.

2. A PARÁBOLA DO AMINISTRADOR SAGAZ


169:2:1 18534 Certa tarde, Simão zelote, comentando uma das afirmações de Jesus, disse: “Mestre, o que tu quiseste dizer quando hoje mencionaste que muitos dos filhos do mundo são mais sábios para a sua geração do que os filhos do Reino, pois são hábeis em conseguir amigos com as riquezas feitas pelas injustiças?” Jesus respondeu:

169:2:2 18535 “Alguns de vós, antes de entrardes no Reino, fostes muito astutos para lidar com os vossos amigos nos negócios. Se fostes injustos e muitas vezes desleais, não obstante prudentes e previdentes, é porque fizestes os vossos negócios com vistas apenas para o lucro imediato e a segurança futura. Do mesmo modo agora devereis levar as vossas vidas no Reino de maneira a proporcionar alegria no presente, ao mesmo tempo que vos assegurareis do vosso júbilo futuro com os tesouros acumulados no céu. Se sois tão atentos ao efetuar os ganhos para vós próprios, quando a serviço do ego, por que vos empenhar menos quando estais ganhando almas para o Reino, já que agora sois servidores da irmandade dos homens e administradores de Deus?

169:2:3 18536 “Podeis todos aprender uma lição com a história de um certo homem rico, que tinha um administrador astuto, mas injusto. Esse servidor não somente havia pressionado os clientes do seu senhor para o seu próprio ganho egoísta, mas tinha gastado e dissipado diretamente os fundos do seu senhor. Quando tudo isso finalmente chegou aos ouvidos do seu senhor, ele chamou o administrador diante de si; então perguntou-lhe qual o significado desses rumores, exigindo que prestasse imediatamente contas da sua administração e que se preparasse para entregar os negócios do seu senhor a uma outra pessoa.

169:2:4 18537 “Ora, esse administrador infiel começou a dizer a si próprio: ‘O que vai ser de mim, já que estou a ponto de perder esta administração? Eu não tenho forças para cavar a terra, e para pedir eu tenho vergonha. Sei o que farei para assegurar-me de que, quando for despedido desta administração, eu seja bem recebido nas casas de todos aqueles que têm negócios com o meu senhor’. E então, chamando cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu senhor?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de óleo’. Então disse o administrador: ‘Pega a tua conta na prancha de cera, senta-te rapidamente e muda-a para cinqüenta’. Em seguida indagou a um outro devedor: ‘Quanto deves?’ Ao que ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. Então o administrador disse: ‘Toma a tua conta e escreve oitenta’. E o mesmo ele fez com vários outros devedores. Assim esse administrador desonesto procurou fazer amigos para si próprio com vistas a depois que fosse dispensado da sua administração. E mesmo o seu mestre e senhor, quando subseqüentemente descobriu isso, foi levado a admitir que o seu administrador infiel tinha ao menos demonstrado sagacidade, pela maneira com que ele havia buscado prover-se para os dias futuros de carência e de adversidade.

169:2:5 18541 “E é nesse sentido que os filhos deste mundo algumas vezes demonstram mais sabedoria na sua prevenção para o futuro do que os filhos da luz. Eu vos digo, a todos que professam estar adquirindo tesouros no céu: Tomai lições com aqueles que fazem amigos com as riquezas desonestas, e do mesmo modo conduzi as vossas vidas para que façais amizade eterna com as forças da retidão, para que, quando todas as coisas terrenas lhes faltarem, sejais recebidos com júbilo nas habitações eternas.

169:2:6 18542 “Eu afirmo que aquele que é fiel nas coisas pequenas também será fiel nas grandes, enquanto aquele que não é reto nas coisas pequenas também não será nas grandes. Se não tiverdes demonstrado previsão e integridade nos afazeres deste mundo, como podereis esperar ser fiéis e prudentes quando lhes for confiada a administração das verdadeiras riquezas do Reino do céu? Se não fordes bons administradores e banqueiros fiéis, se não tiverdes sido fiéis naquilo que é dos outros, quem será tolo o bastante para colocar grandes tesouros no vosso nome?

169:2:7 18543 “E novamente eu declaro que nenhum homem pode servir a dois senhores; ou bem ele odiará um deles e amará o outro, ou então ele ficará com um enquanto ao outro ele desprezará. Não podereis servir a Deus e às riquezas”.

169:2:8 18544 Quando os fariseus que estavam presentes ouviram isso, eles começaram a zombar e a escarnecer, pois eram muito dados a adquirir riquezas. Esses ouvintes pouco amistosos tentaram implicar Jesus em uma discussão inútil, mas ele recusou-se a debater com os seus inimigos. Quando os fariseus caíram em altercações entre si, as suas vozes altas atraíram uma boa parte da multidão acampada nos arredores; e, quando começaram a disputar entre si, Jesus retirou-se, indo para a sua tenda passar a noite.

3. O HOMEM RICO E O MENDIGO


169:3:1 18545 Quando a reunião tornou-se muito barulhenta, Simão Pedro, levantando-se, tomou o comando e disse: “Homens e irmãos, não é apropriado que discutais assim entre vós. O Mestre acabou de falar, e fazeis bem em ponderar as suas palavras. E o que ele proclamou a vós não é nenhuma nova doutrina. Não haveis ouvido sobre a alegoria dos nazaritas envolvendo o homem rico e o mendigo? Alguns de nós ouvimos João Batista bradar essa parábola de aviso àqueles que amam as riquezas e cobiçam os bens desonestos. E, ainda que essa antiga parábola não esteja de acordo com o evangelho que nós pregamos, todos vós faríeis bem em dar atenção às suas lições até a época em que compreenderdes a nova luz do Reino do céu. A história como João a contou foi assim:

169:3:2 18546 “Havia um certo homem rico, de nome Dives, que, vestido em púrpura e em linhos finos, vivia os seus dias em luxo e esplendor. E havia um certo mendigo chamado Lázaro, que ficava no portão desse rico homem, coberto de feridas e desejando ser alimentado com as migalhas que caíam da mesa do rico homem; sim, até os cães vinham e lambiam as suas feridas. E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para descansar no seio de Abraão. E então, em breve, esse rico homem também morreu e foi enterrado com grande pompa e em um esplendor régio. Quando o homem rico partiu deste mundo, ele acordou no Hades e, encontrando-se em tormento, levantou os olhos e viu Abraão longe e Lázaro no seu seio. E então Dives gritou alto: ‘Pai Abraão, tenha misericórdia de mim e envie Lázaro aqui para que ele possa molhar a ponta do seu dedo na água para refrescar a minha língua, pois estou em uma grande angústia por causa da minha punição’. E então Abraão respondeu: ‘Meu filho, devias lembrar que durante a tua vida tu desfrutaste das boas coisas, enquanto Lázaro sofreu o pior. Mas agora tudo isso mudou, vendo que Lázaro está confortado enquanto tu estás atormentado. E, além disso, entre nós há um grande abismo, de modo que não podemos ir a ti, nem tu podes vir a nós’. Então Dives disse a Abraão: ‘Eu oro para que envies Lázaro de volta à casa do meu pai, porquanto eu tenho cinco irmãos, para que ele possa testemunhar e impedir os meus irmãos de virem para este local de tormentas’. Mas Abraão disse: ‘Meu filho, eles têm Moisés e os profetas, que eles os ouçam’. E então Dives respondeu: ‘Não, não, pai Abraão! Mas se alguém for até eles saindo dos mortos, eles arrepender-se-ão’. E então disse Abraão: ‘Se eles não tiverem escutado Moisés e aos profetas, não serão persuadidos mesmo por alguém que ressuscite dos mortos’. ”

169:3:3 18551 Depois que Pedro contou essa antiga parábola da irmandade nazarita, e posto que a multidão tinha aquietado-se, André levantou-se e dispensou-os por aquela noite. Embora tanto os apóstolos quanto os seus discípulos freqüentemente fizessem perguntas a Jesus sobre a parábola de Dives e de Lázaro, ele nunca acedeu em comentar sobre ela.

4. O PAI E SEU REINO


169:4:1 18552 Jesus sempre teve problemas ao tentar explicar aos apóstolos que, embora eles proclamassem o estabelecimento do Reino de Deus, o Pai nos céus não era um rei. Na época em que Jesus viveu na carne e ensinou na Terra, o povo de Urântia sabia que a maior parte dos reis e imperadores governavam as nações, e os judeus há muito contemplavam a vinda do Reino de Deus. Por essas e por outras razões, o Mestre achou melhor designar a irmandade espiritual dos homens como o Reino do céu e o dirigente espiritual dessa irmandade como sendo o Pai nos céus. Nunca Jesus referiu-se ao seu Pai como um rei. Nas conversas pessoais com os apóstolos, sempre se referia a si próprio como o Filho do Homem e como o seu irmão mais velho. Ele qualificava todos os seus seguidores de servidores da humanidade e de mensageiros do evangelho do Reino.

169:4:2 18553 Jesus nunca deu aos seus apóstolos uma lição sistemática a respeito da personalidade e atributos do Pai no céu. Ele nunca pediu aos homens que acreditassem no seu Pai; ele tinha como certo que eles acreditavam. Jesus nunca se rebaixou para oferecer argumentos como prova da realidade do Pai. O seu ensinamento a respeito do Pai centrava-se todo na declaração de que ele e o Pai eram Um; que aquele que tinha visto o Filho, tinha visto o Pai; que o Pai, como o Filho, sabe todas as coisas; que apenas o Filho e aqueles para quem o Filho revela o Pai, realmente, conhecem o Pai; que aquele que conhece o Filho, também conhece o Pai; e que o Pai o enviou ao mundo para revelar as Suas naturezas combinadas e para mostrar a sua obra conjunta. Ele nunca fez outros pronunciamentos sobre o seu Pai, exceto para a mulher de Samaria no poço de Jacó, quando ele declarou: “Deus é espírito”.

169:4:3 18561 De Jesus, vós aprendeis sobre Deus, observando a divindade da sua vida, não vos baseando nos seus ensinamentos. Da vida do Mestre, cada um de vós podeis assimilar o conceito de Deus que representa a medida da vossa capacidade de perceber as realidades espirituais e divinas, verdades reais e eternas. O finito nunca pode esperar compreender o Infinito, exceto como o Infinito foi focalizado na personalidade tempo-espacial da experiência finita na vida humana de Jesus de Nazaré.

169:4:4 18562 Jesus sabia bem que Deus pode ser conhecido apenas pelas realidades da experiência; que Ele não pode nunca ser compreendido pelo mero ensinamento da mente. Jesus ensinou aos seus apóstolos que, embora eles nunca pudessem compreender Deus plenamente, eles poderiam conhecê-Lo com toda a certeza, do mesmo modo que tinham conhecido o Filho do Homem. Vós podeis conhecer a Deus, não pela compreensão do que Jesus disse, mas conhecendo o que Jesus foi. Jesus foi uma revelação de Deus.

169:4:5 18563 Exceto quando citava as escrituras hebraicas, Jesus referia-se à Deidade por apenas dois nomes: Deus e Pai. E quando o Mestre fez referência ao seu Pai, como Deus, ele geralmente empregou a palavra do hebreu que significa o Deus plural (a Trindade) e não a palavra Yavé, que representa a concepção progressiva do Deus tribal dos judeus.

169:4:6 18564 Jesus nunca chamou o Pai de rei, e ele lamentou muito que a esperança judaica de um reino restaurado e que a proclamação de um Reino vindouro feita por João tivessem tornado necessário a ele denominar a irmandade espiritual, por ele proposta, de Reino do céu. Com uma exceção – a declaração de que “Deus é espírito” –, Jesus nunca se referiu à Deidade de qualquer outra maneira além daquela cujos termos descrevem a sua relação própria pessoal com a Primeira Fonte e Centro do Paraíso.

169:4:7 18565 Jesus empregou a palavra Deus para designar a idéia de Deidade e a palavra Pai para designar a experiência de conhecer a Deus. Quando a palavra Pai é empregada para denotar Deus, ela deveria ser entendida no seu significado mais amplo possível. A palavra Deus não pode ser definida e por isso representa o conceito infinito do Pai, enquanto o termo Pai, sendo capaz de uma definição parcial, pode ser empregado para representar o conceito humano do Pai divino, como ele está associado ao homem, durante o curso da existência mortal.

169:4:8 18566 Para os judeus, Eloim era o Deus dos deuses, enquanto Yavé era o Deus de Israel. Jesus aceitou o conceito de Eloim e chamava de Deus a esse grupo supremo de seres. No lugar do conceito de Yavé, a deidade racial, ele introduziu a idéia da paternidade de Deus e da fraternidade mundial dos homens. Ele exaltou o conceito de Yavé, de um pai racial deificado, passando-o para a idéia de um Pai para todos os filhos dos homens, um pai divino do crente individual. E ele ainda ensinou que esse Deus dos universos e esse Pai de todos os homens eram uma única e a mesma Deidade do Paraíso.

169:4:9 18567 Jesus nunca reivindicou ser a manifestação do Eloim (Deus) na carne. Ele nunca declarou que era a revelação de Eloim (Deus) aos mundos. Ele nunca ensinou que aquele que o tinha visto, tinha visto Eloim (Deus). Mas ele proclamou-se como a revelação do Pai na carne, e ele disse que todo aquele que o tinha visto, tinha visto o Pai. Como Filho divino ele afirmou representar apenas o Pai.

169:4:10 18571 De fato ele era o Filho até mesmo do Deus Eloim; mas, na semelhança da carne mortal e para os filhos mortais de Deus, ele escolheu limitar a revelação da sua vida a retratar o caráter do seu Pai, no que essa revelação pudesse ser compreensível para o homem mortal. No que diz respeito ao caráter das outras pessoas da Trindade do Paraíso, havemos de contentar-nos com o ensinamento de que elas são todas como o Pai, cujo retrato pessoal foi revelado na vida do seu Filho encarnado, Jesus de Nazaré.

169:4:11 18572 Embora, na sua vida terrena, Jesus tenha revelado a verdadeira natureza do Pai celeste, ele pouco ensinou sobre Ele. Na verdade, ele ensinou apenas duas coisas: que Deus é, Ele próprio, espírito, e que, para todas as questões de relacionamento com as Suas criaturas, Ele é um Pai. Nessa tarde, Jesus fez o pronunciamento final da sua relação com Deus, quando ele declarou: “Eu vim do Pai, e eu vim ao mundo; e, novamente, eu deixarei o mundo e irei para o Pai”.

169:4:12 18573 Atenção, todavia! Nunca Jesus disse que “Aquele que tiver ouvido a mim terá ouvido a Deus”. No entanto, ele disse: “Aquele que tiver visto a mim, terá visto o Pai”. Ouvir o ensinamento de Jesus não é equivalente a conhecer a Deus, mas ver Jesus é uma experiência que em si própria é uma revelação do Pai à alma. O Deus dos universos dirige a vasta criação, mas é o Pai nos céus que envia o Seu espírito para residir nas vossas mentes.

169:4:13 18574 Na sua forma, à semelhança humana, Jesus é a lente que torna visível, para a criatura, a Ele, que é invisível. Jesus é o vosso irmão mais velho que, na carne, torna conhecido para vós um Ser de atributos infinitos a Quem nem mesmo as hostes celestes podem presumir compreender plenamente. Mas tudo isso deve consistir na experiência pessoal do indivíduo que crê. Deus, que é espírito, pode ser conhecido apenas como uma experiência espiritual. Deus pode ser revelado aos filhos finitos dos mundos materiais, pelo Filho divino dos Reinos espirituais, apenas como um Pai. Vós podeis conhecer o Eterno como um Pai; vós podeis adorá-Lo como o Deus dos universos, o Criador infinito de todas as existências.

DOCUMENTO 170

O REINO DO CÉU
--------------------------------------------------------------------------------



Sábado à tarde, 11 de março, em Pela, Jesus pregou o seu último sermão, o qual está entre os mais notáveis do seu ministério público, que contém uma discussão plena e completa sobre o Reino do céu. Ele sabia da confusão que existia nas mentes dos seus apóstolos e discípulos a respeito do sentido e do significado dos termos “Reino do céu” e “Reino de Deus”, que ele usou indistintamente para designar a sua missão de auto-outorga. Ainda que o próprio termo Reino do céu pudesse ter sido suficiente para diferençar o que o próprio termo representava, separando-o de quaisquers ligações a reinos terrenos e governos temporais, não o foi de fato. A idéia de um rei temporal estava muito profundamente enraizada na mente judaica, para ser assim desfeita em uma única geração. Por isso Jesus, a princípio, não se opôs abertamente a esse conceito há tanto tempo alimentado de um reino.

170:0:2 18582 Nessa tarde de sábado, o Mestre procurou esclarecer o ensinamento sobre o Reino do céu; discutiu a questão sob todos os pontos de vista e tentou tornar claros os sentidos muito diferentes com os quais o termo tinha sido empregado. Nesta narrativa iremos amplificar a sua palestra, acrescentando numerosas afirmações feitas por Jesus em ocasiões anteriores e incluindo algumas observações feitas apenas aos apóstolos, durante as conversas vespertinas naquele mesmo dia. Iremos também expor alguns comentários que tratam de uma elaboração subseqüente, sobre a idéia de um reino, como está relacionada posteriormente à igreja cristã.

1. OS CONCEITOS DE REINO DO CÉU


170:1:1 18583 É preciso que se faça notar, em qualquer ligação a ser estabelecida com a exposição do sermão de Jesus, que, nas escrituras hebraicas, havia um conceito duplo sobre o Reino do céu. Os profetas apresentaram o Reino de Deus como:

170:1:2 18584 1. Uma realidade presente.

170:1:3 18585 2. Uma esperança futura – quando então o Reino se apresentaria realizado na plenitude, quando do aparecimento do Messias. Esse é o conceito do Reino como João Batista ensinou.

170:1:4 18586 Desde o princípio, Jesus e os apóstolos ensinaram ambos os conceitos. Havia duas outras idéias sobre o Reino que deveriam ser mantidas sempre em mente:

170:1:5 18587 3. O conceito judeu posterior de um reino mundial e transcendental, de origem sobrenatural e cuja inauguração seria miraculosa.

170:1:6 18588 4. Os ensinamentos persas retratando o estabelecimento de um reino divino, com a realização do triunfo do bem sobre o mal, no final do mundo.

170:1:7 18589 Pouco antes da vinda de Jesus à Terra, os judeus combinaram e confundiram todas essas idéias sobre o Reino, com o seu conceito apocalíptico da vinda do Messias, para estabelecer a idade de triunfo dos judeus, a idade eterna do reinado supremo de Deus na Terra, o novo mundo, a era na qual toda humanidade iria adorar a Yavé. Ao escolher utilizar esse conceito para o Reino do céu, Jesus elegeu apropriar-se da herança mais vital e culminante tanto da religião judaica quanto da persa.

170:1:8 18591 O Reino do céu, como tem sido entendido, e mal entendido, durante os séculos da era cristã, abrange quatro grupos distintos de idéias:

18592 1. O conceito dos judeus.

18593 2. O conceito dos persas.

18594 3. O conceito da experiência pessoal de Jesus – “o Reino do céu dentro de vós”.

18595 4. Os conceitos compostos e confundidos, que os fundadores e promulgadores da cristandade têm buscado inculcar ao mundo.

170:1:9 18596 Em épocas diferentes e em circunstâncias variadas, parece que Jesus apresentou conceitos inúmeros do “Reino” nos seus ensinamentos públicos, mas para os seus apóstolos ele tratou o Reino como abrangendo a experiência pessoal do homem na relação com os seus semelhantes na Terra e com o Pai nos céus. A respeito do Reino, a sua última palavra foi: “o Reino está dentro de vós”.

170:1:10 18597 Três fatores têm sido as causas dos séculos de confusão a respeito do significado do termo “Reino do céu”:

18598 1. A confusão ocasionada pela observância da idéia do “Reino” da forma que foi passada, nas várias fases progressivas do remanejamento dela, feito por Jesus e pelos seus apóstolos.

18599 2. A confusão que veio inevitavelmente associada ao transplante do cristianismo primitivo, do solo judeu para o solo gentio.

185910 3. A confusão inerente ao fato de que o cristianismo tornou-se uma religião organizada em torno da idéia central da pessoa de Jesus; o evangelho sobre o Reino converteu-se cada vez mais numa religião sobre Jesus.

2. O CONCEITO DE JESUS SOBRE O REINO


170:2:1 185911 O Mestre deixou bastante claro que o Reino do céu deve começar com o conceito dual da verdade da paternidade de Deus e do fato correlato da irmandade dos homens, e deve centralizar-se nesses conceitos. Jesus declarou que a aceitação desse ensinamento libertaria o homem da sua longa escravidão ao medo animal e a um tempo enriqueceria o viver humano com os seguintes dons da nova vida de liberdade espiritual:

170:2:2 185912 1. A posse de uma nova coragem e de um poder espiritual ampliado. A boa-nova do evangelho sobre o Reino devia liberar o homem e inspirá-lo a ter coragem de ansiar pela vida eterna.

170:2:3 185913 2. Essa boa-nova carregava a mensagem de uma confiança nova e de uma consolação verdadeira para todos os homens, mesmo para os pobres.

170:2:4 185914 3. Era, em si mesma, um novo padrão de valores morais, uma nova medida de ética com a qual avaliar a conduta humana. Ela ilustrava o ideal resultante de uma nova ordem na sociedade humana.

170:2:5 185915 4. Ela ensinava a primazia do espiritual sobre o material; ela glorificava as realidades espirituais e exaltava os ideais supra-humanos.

170:2:6 18601 5. Esse novo evangelho ressaltava a realização espiritual como a verdadeira meta da vida. A vida humana recebia um novo dom de valor moral e de dignidade divina.

170:2:7 18602 6. Jesus ensinou que as realidades eternas eram o resultado (a recompensa) do esforço terreno de retidão. A permanência mortal do homem na Terra adquiriu um novo significado, em conseqüência do reconhecimento de um destino nobre.

170:2:8 18603 7. O novo evangelho afirmava que a salvação humana é a revelação de um propósito divino de longo alcance a ser cumprido e realizado, em destino futuro, no serviço sem fim dos salvados filhos de Deus.

170:2:9 18604 Esses ensinamentos cobrem a idéia ampliada do Reino, como foi ensinada por Jesus. Esse grande conceito não estava incluído nos ensinamentos elementares e confusos de João Batista sobre o Reino.

170:2:10 18605 Os apóstolos foram incapazes de compreender o significado real das palavras do Mestre a respeito do Reino. A distorção posterior dos ensinamentos de Jesus, como estão registrados no Novo Testamento, acontece porque o conceito daqueles que escreveram os evangelhos encontrava-se matizado pela crença de que Jesus estaria ausente do mundo, então, apenas por um curto período de tempo; que ele retornaria logo para estabelecer o Reino em poder e glória – exatamente esta era a idéia que eles alimentavam enquanto ele estava junto deles na carne. Mas Jesus não ligava o estabelecimento do Reino à idéia do seu retorno a este mundo. Que se tenham passado os séculos sem nenhum sinal da vinda da “Nova Era”, de nenhum modo contradiz o ensinamento de Jesus.

170:2:11 18606 O grande esforço que esse sermão representava era a tentativa de converter o conceito do Reino do céu no ideal que é a idéia de fazer a vontade de Deus. Há muito, o Mestre tinha já ensinado os seus seguidores a orar: “Venha a nós o Vosso Reino; a Vossa vontade seja feita”; e nessa época ele sinceramente buscava induzi-los a abandonar o uso do termo Reino de Deus, em favor do equivalente mais prático, a vontade de Deus. Mas ele não teve êxito.

170:2:12 18607 Jesus desejava substituir a idéia de reino, de rei e de súditos, pelo conceito da família celeste, do Pai celeste e dos filhos libertados de Deus, e empenhados no serviço voluntário e cheio de júbilo ao semelhante, e na adoração sublime e inteligente de Deus, o Pai.

170:2:13 18608 Até então os apóstolos tinham formado um ponto de vista duplo sobre o Reino; eles consideravam-no como sendo:

18609 1. Uma questão de experiência pessoal, então presente nos corações dos verdadeiros crentes.

186010 2. Uma questão de fenômeno racial ou mundial; pois o Reino estava no futuro, algo por que se devia aguardar ansiosamente.

170:2:14 186011 Eles consideravam a vinda do Reino, aos corações dos homens, um desenvolvimento gradativo, como o fermento na massa ou como o crescimento da semente de mostarda. E acreditavam que a vinda do Reino no sentido racial ou mundial seria súbita tanto quanto espetacular. Jesus nunca se cansou de dizer a eles que o Reino do céu era a sua experiência pessoal de realizar as mais altas qualidades da vivência espiritual; que essas realidades da experiência espiritual traduzem-se progressivamente em níveis novos e mais elevados de certeza divina e de grandeza eterna.

170:2:15 186012 Nessa tarde, o Mestre ensinou claramente sobre um novo conceito da dupla natureza do Reino, descrevendo as duas fases seguintes:

170:2:16 186013 “Primeira: o Reino de Deus neste mundo, o desejo supremo de fazer a vontade de Deus, o amor não egoísta pelos homens, que dá os bons frutos de uma conduta mais ética e mais moral.

170:2:17 18611 “Segunda: o Reino de Deus nos céus, a meta dos crentes mortais, o estado em que o amor por Deus é perfeccionado, e em que a vontade de Deus é feita mais divinamente”.

170:2:18 18612 Jesus ensinou que aquele que acredita pela fé entra imediatamente no Reino. Nos vários discursos ele ensinou que duas coisas são essenciais à entrada no Reino por meio da fé:

18613 1. A fé e a sinceridade. Vir como uma criancinha, receber o dom da filiação como uma dádiva; submeter-se a fazer a vontade de Deus sem questionar e em confiança plena e genuína na sabedoria do Pai; vir ao Reino, livre de preconceitos e preconcebimentos; estar de mente aberta para aprender, como um filho não estragado por mimos.

18614 2. A fome da verdade. A sede de retidão, uma mudança na mente; conquistar um motivo para ser como Deus e encontrar Deus.

170:2:19 18615 Jesus ensinou que o pecado não é produto de uma natureza defeituosa, mas que é antes o fruto de uma mente conhecedora que se deixa dominar por uma vontade indômita. A respeito do pecado, ele ensinou que Deus já os perdoou e, pelo ato de perdoarmos ao nosso semelhante, tornamos o perdão de Deus disponível para nos favorecer pessoalmente. Ao perdoar ao vosso irmão na carne, vós estais criando uma capacidade na vossa própria alma de entrar na realidade do perdão de Deus para os vossos próprios erros.

170:2:20 18616 Na época em que o apóstolo João começou a escrever a história da vida e dos ensinamentos de Jesus, os primeiros cristãos tinham tido tantos problemas com a idéia do Reino de Deus e com as perseguições por ela geradas, que abdicaram quase por inteiro do uso desse termo. João fala muito sobre a “vida eterna”. Jesus referia-se a ele muitas vezes como o “Reino da vida”. Ele referia-se também com freqüência ao “Reino de Deus, dentro de vós”. Uma vez ele falou dessa experiência como “a irmandade da família, com Deus o Pai”. Jesus procurou substituir reino por muitos termos, mas sempre sem êxito. Entre outros, ele usou: família de Deus, vontade do Pai, amigos de Deus, comunidade dos crentes, irmandade dos homens, seio do Pai, crianças de Deus, comunidade dos fiéis, serviço do Pai e filhos liberados de Deus.

170:2:21 18617 Todavia ele não pôde escapar do uso da idéia de um reino. Só mais de cinqüenta anos mais tarde, depois da destruição de Jerusalém pelos exércitos romanos, esse conceito de reino começou a se transformar no culto da vida eterna, à medida que o seu aspecto social e institucional foi assumido pela igreja cristã, então em vias de expansão e cristalização rápidas.

3. EM RELAÇÃO À RETIDÃO


170:3:1 18618 Jesus estava sempre tentando inculcar nos seus apóstolos e discípulos que eles deviam buscar, pela fé, uma retidão que excedesse em muito a da retidão do trabalho servil de que alguns dos escribas e fariseus tanto se vangloriavam perante o mundo.

170:3:2 18619 Embora Jesus ensinasse que a fé, aquela simples credulidade infantil, é a chave para a porta do Reino, ele também ensinava que, tendo passado porta adentro, havia os degraus progressivos da retidão, que toda criança crédula devia galgar para crescer, até chegar à estatura plena de um robusto filho de Deus.

170:3:3 186110 É no que diz respeito à técnica de receber o perdão de Deus que a realização na retidão do Reino é revelada. A fé é o preço que vós pagais para entrar na família de Deus; mas o perdão é o ato de Deus que acolhe a vossa fé como um preço para a admissão. Para um crente do Reino receber o perdão de Deus, torna-se necessária uma experiência definitiva e real que consiste nos quatro passos seguintes, os passos da retidão interior do Reino:

170:3:4 18621 1. O perdão de Deus fica de fato ao alcance do homem, que o experimenta pessoalmente tão logo ele perdoe os seus semelhantes.

170:3:5 18622 2. O homem não perdoará verdadeiramente os seus semelhantes a menos que os ame como a si próprio.

170:3:6 18623 3. Amar assim ao próximo, como a ti próprio, nisso está a mais elevada ética.

170:3:7 18624 4. A conduta moral, a verdadeira retidão, torna-se, então, o resultado natural desse amor.

170:3:8 18625 Fica, pois, evidente que a verdadeira religião interior do Reino tende a se manifestar, infalível e crescentemente, nas vias práticas do serviço ao próximo. Jesus ensinou uma religião viva que compelia os seus crentes a empenhar-se em fazer o serviço do amor. Mas Jesus não colocou a ética no lugar da religião. Ele ensinou a religião como uma causa e a ética como um resultado.

170:3:9 18626 A retidão de qualquer ato deve ser medida pelo motivo; as mais elevadas formas do bem são, portanto, inconscientes. Jesus nunca mostrava interesse pela moral ou pela ética como tal. Ele estava integralmente interessado por aquela amizade interior e espiritual com Deus, o Pai, que se manifesta exteriormente com tanta certeza e tão diretamente como um serviço amoroso ao homem. Ele ensinou que a religião do Reino é uma experiência pessoal genuína que nenhum homem consegue limitar dentro de si próprio; que a consciência de ser um membro da família de crentes leva inevitavelmente à prática dos preceitos da conduta familiar, do serviço aos próprios irmãos e irmãs, em um esforço de elevar e de expandir a irmandade.

170:3:10 18627 A religião do Reino é pessoal, individual; os frutos, os resultados, são da família, são sociais. Jesus nunca deixou de exaltar o individual como sagrado, por contraste com a comunidade. Mas ele também reconheceu que o homem desenvolve o seu caráter por meio do serviço não egoísta; que desdobra a sua natureza moral por meio da relação de amor aos seus semelhantes.

170:3:11 18628 Ao ensinar que o Reino é interior, exaltando o individual, Jesus deu o golpe de misericórdia na velha sociedade, inaugurando uma nova dispensação de verdadeira retidão social. O mundo conheceu ainda pouquíssimo dessa nova ordem de sociedade, porque recusou-se a praticar os princípios dos ensinamentos sobre o Reino do céu. Quando este Reino, de preponderância espiritual, vier à Terra, ele não se manifestará simplesmente na melhora das condições sociais e materiais, traduzir-se-á mais por meio da glória dos valores espirituais, elevados e enriquecidos, que são característicos de uma era, que se avizinha, de melhores relações humanas e de realizações espirituais mais avançadas.

4. OS ENSINAMENTOS DE JESUS SOBRE O REINO


170:4:1 18629 Jesus nunca deu uma definição precisa do Reino. Em certo momento ele discorreria sobre uma fase do Reino e, em uma outra hora, ele falaria sobre um aspecto diferente da irmandade do Reino de Deus nos corações dos homens. No decurso do sermão dessa tarde de sábado, Jesus destacou nada mais do que cinco fases, ou épocas, do Reino, e que são:

186210 1. A experiência pessoal interior da vida espiritual na amizade do crente individual com Deus, o Pai.

18631 2. A irmandade crescente dos crentes, na palavra de Deus; os aspectos sociais da moral mais elevada e da ética viva, resultantes do Reino do espírito de Deus, nos corações dos crentes individuais.

18632 3. A irmandade supramortal dos seres espirituais invisíveis que prevalece na Terra e nos céus, o Reino supra-humano de Deus.

18633 4. A perspectiva de uma realização mais integral da vontade de Deus, o avanço para o alvorecer de uma nova ordem social em conseqüência de um vivenciar espiritual mais aperfeiçoado – a próxima era para o homem.

18634 5. O Reino na sua plenitude, a idade espiritual futura de luz e vida na Terra.

170:4:2 18635 E por isso devemos sempre examinar o ensinamento do Mestre, para nos certificarmos a respeito de qual dessas cinco fases pode estar referindo-se quando faz uso do termo Reino do céu. Por meio desse processo de modificar gradativamente a vontade do homem e de assim influenciar as decisões humanas, Michael e os seus colaboradores estão também, gradual mas certamente, modificando todo o curso da evolução humana, sob vários aspectos, inclusive o social.

170:4:3 18636 O Mestre, nessa ocasião, colocou ênfase nos cinco pontos seguintes, como representantes cardinais dos aspectos do evangelho do Reino:

18637 1. A predominância do individual.

18638 2. A vontade como fator determinante na experiência humana.

18639 3. A comunhão espiritual com Deus, o Pai.

186310 4. As satisfações supremas do serviço amoroso do homem.

186311 5. A transcendência do espiritual sobre o material na personalidade humana.

170:4:4 186312 Este mundo nunca experimentou seriamente, nem sincera ou honestamente, essas idéias dinâmicas e esses ideais divinos da doutrina de Jesus sobre o Reino do céu. Mas vós não devíeis ficar desencorajados por causa do progresso aparentemente lento da idéia do Reino em Urântia. Lembrai-vos de que a ordem da evolução progressiva está sujeita a mudanças periódicas súbitas e inesperadas, tanto no mundo material quanto no espiritual. Assim, pois, a auto-outorga de Jesus, como um Filho encarnado, foi um acontecimento estranho e inesperado na vida espiritual do mundo. E também não devíeis, ao procurardes pela manifestação do Reino, durante esta idade atual, cometer o erro fatal de deixar de efetivar o estabelecimento dele dentro das vossas próprias almas.

170:4:5 186313 Conquanto Jesus haja feito referência a uma fase futura do Reino e tenha sugerido, em inúmeras ocasiões, que esse acontecimento poderia surgir como uma parte de uma crise mundial; e embora ele tenha prometido, de um modo muito seguro, em várias ocasiões, retornar, em alguma época, a Urântia, deveria ficar registrado que ele nunca condicionou uma dessas idéias necessariamente à outra. Ele prometeu uma nova revelação do Reino na Terra, para alguma época futura; e também prometeu voltar a este mundo pessoalmente em alguma época; mas ele não disse que esses dois acontecimentos eram sinônimos. De tudo o que sabemos, essas promessas podem, ou não, referir-se ao mesmo evento.

170:4:6 186314 Os seus apóstolos e discípulos, com toda certeza, estabeleceram um vínculo entre esses dois ensinamentos. Quando o Reino não se materializou como eles esperavam, e então ao relembrarem-se do ensinamento do Mestre a respeito de um Reino futuro e relembrando-se da sua promessa de vir novamente, eles precipitaram-se na conclusão de que essas promessas referiam-se a um evento idêntico; e, por isso, eles viveram na esperança de uma segunda vinda imediata dele, para estabelecer o Reino na sua plenitude e com poder e glória. Assim, as gerações sucessivas de crentes viveram na Terra, alimentando também essa mesma esperança inspiradora, porém decepcionante.

5. AS IDÉIAS POSTERIORES SOBRE O REINO


170:5:1 18641 Tendo resumido os ensinamentos de Jesus sobre o Reino do céu, estamos autorizados a narrar certas idéias que se tornaram vinculadas ao conceito do Reino, e a engajarmo-nos em uma previsão profética do Reino tal como poderia evoluir na idade que virá.

170:5:2 18642 Durante os primeiros séculos da propaganda cristã, a idéia do Reino do céu foi tremendamente influenciada pelas noções do idealismo grego, que se espalhavam rapidamente então, a idéia do natural enquanto sombra do espiritual – do temporal como a sombra do eterno no tempo.

170:5:3 18643 Mas os grandes passos que marcaram o transplante dos ensinamentos de Jesus, de um solo judeu para um solo gentio, foram dados quando o Messias do Reino tornou-se o Redentor da igreja, uma organização religiosa e social que crescia por causa das atividades de Paulo e dos seus sucessores, baseada nos ensinamentos de Jesus e do modo como foram suplementadas pelas idéias de Filo e pelas doutrinas persas do bem e do mal.

170:5:4 18644 As idéias e os ideais de Jesus, incorporados nos ensinamentos sobre o Reino, o evangelho, quase deixaram de ser realizados, pois os seus seguidores distorciam progressivamente os pronunciamentos dele. O conceito do Reino, do Mestre, foi notavelmente modificado por duas grandes tendências:

170:5:5 18645 1. Os crentes judeus persistiam em considerá-lo como o Messias. Eles acreditavam que Jesus retornaria de fato, e muito em breve, para estabelecer um reino mundial e mais ou menos material.

170:5:6 18646 2. Os cristãos gentios começaram muito cedo a aceitar as doutrinas de Paulo, que levavam cada vez mais à crença geral de que Jesus era o Redentor dos filhos da igreja, que seria a sucedânea institucional do conceito inicial da irmandade puramente espiritual no Reino.

170:5:7 18647 A igreja, como uma conseqüência social do Reino, teria sido plenamente natural e até mesmo desejável. O mal da igreja não veio da sua existência, mas antes do fato de que ela suplantou quase completamente o conceito do Reino trazido por Jesus. A igreja, institucionalizada, de Paulo tornou-se uma substituta virtual para o Reino do céu proclamado por Jesus.

170:5:8 18648 Não duvideis, contudo: esse mesmo Reino do céu que o Mestre ensinou, como existindo dentro do coração do crente, ainda será proclamado a esta igreja cristã, e a todas outras religiões, raças e nações na Terra – bem como a todos os indivíduos.

170:5:9 18649 O Reino, como ensinado por Jesus, o ideal espiritual de retidão do indivíduo e o conceito da divina comunhão do homem com Deus, foi gradualmente engolido pela concepção mística da pessoa de Jesus como um Criador-Redentor e dirigente espiritual de uma comunidade religiosa socializada. Desse modo uma igreja formal e institucional tornou-se a substituta para a irmandade do Reino, conduzida individualmente pelo espírito.

170:5:10 186410 A igreja foi um resultado social inevitável e útil da vida de Jesus e dos seus ensinamentos; a tragédia consistiu no fato de que essa reação social aos ensinamentos do Reino tivesse desalojado e suplantado tão completamente o conceito espiritual do verdadeiro Reino, como Jesus ensinou-o e viveu-o.

170:5:11 18651 O reino, para os judeus, era a comunidade israelita; para os gentios, tornou-se a igreja cristã. Para Jesus o Reino era o conjunto daqueles indivíduos que tinham confessado a sua fé na paternidade de Deus, proclamando assim a sua dedicação a fazer a vontade de Deus de coração, e, pois, tornando-se membros da irmandade espiritual dos homens.

170:5:12 18652 O Mestre compreendeu integralmente que alguns resultados sociais apareceriam no mundo em conseqüência da disseminação do evangelho do Reino; mas a sua intenção era que todas essas manifestações sociais desejáveis devessem aparecer como conseqüências inevitáveis inconscientes, ou frutos naturais, dessa experiência interior pessoal dos crentes individuais, de uma comunidade puramente espiritual e da comunhão com o espírito divino que reside em todos esses crentes e que os anima.

170:5:13 18653 Jesus previu que uma organização social, ou igreja, sucederia ao progresso do Reino espiritual verdadeiro, e por isso é que ele nunca se opôs a que os apóstolos praticassem o rito do batismo de João. Ele ensinou que a alma verdadeiramente amante da verdade, aquela que tem fome e sede de retidão, e de Deus, é admitida no Reino espiritual pela fé; ao mesmo tempo os apóstolos ensinavam que esse crente é admitido dentro da organização social dos discípulos por intermédio do rito exterior do batismo.

170:5:14 18654 Quando os seguidores mais próximos de Jesus reconheceram que haviam fracassado parcialmente na realização do ideal, de Jesus, do estabelecimento do Reino nos corações dos homens, por meio da orientação e do predomínio exercido pelo espírito do crente individual, eles trataram de impedir que o seu ensinamento ficasse totalmente perdido, substituindo o ideal do Mestre sobre o Reino pela criação gradativa de uma organização social visível, a igreja cristã. E quando eles concretizaram esse programa de substituição, com a finalidade de manter uma coerência e prover um reconhecimento do ensinamento do Mestre a respeito do fato do Reino, eles levaram adiante a idéia de estabelecer o Reino no futuro. A igreja, tão logo ficou bem estabelecida, começou a ensinar que na realidade o Reino iria surgir no apogeu da era cristã, com a segunda vinda de Cristo.

170:5:15 18655 Desse modo o Reino transformou-se no conceito de uma era, na idéia de uma visitação futura e no ideal da redenção final dos santos do Altíssimo. Os primeiros cristãos (e a maioria dos cristãos posteriores) em geral perderam de vista a idéia de Pai-e-filho, incorporada ao ensinamento de Jesus sobre o Reino, ao substituírem-na pela bem organizada comunidade social da igreja. Em suma, a igreja transformou-se principalmente em uma fraternidade social que, efetivamente, deslocou e substituiu o conceito e o ideal de Jesus para uma irmandade espiritual.

170:5:16 18656 O conceito ideal de Jesus não teve nenhum êxito em impor-se; mas, sobre a fundação que são a vida e os ensinamentos pessoais do Mestre, Paulo fez por construir uma sociedade que, suplementando-se pelos conceitos gregos e persas da vida eterna e acrescida da doutrina de Filo sobre o temporal em contraste com o espiritual, se tornou uma das sociedades humanas mais progressivas como jamais existiu em Urântia.

170:5:17 18657 O conceito de Jesus ainda está vivo nas religiões avançadas do mundo. A igreja cristã de Paulo é a sombra socializada e humanizada daquilo que Jesus tinha a intenção de que o Reino do céu fosse – e do que ainda, muito certamente, será. Paulo e os seus sucessores, em parte, transferiram as questões da vida eterna do indivíduo para a igreja. Cristo, assim, transformou-se em um dirigente da igreja, mais do que o irmão mais velho de cada indivíduo crente na família do Pai no Reino. Paulo e os seus contemporâneos aplicaram todas as implicações espirituais da palavra de Jesus, a respeito de si próprio e do indivíduo crente, à igreja como um grupo de crentes; e, ao fazer isso, eles deram um golpe mortal no conceito elaborado por Jesus, de que o Reino divino estaria no coração do crente individual.

170:5:18 18661 E assim, por séculos, a igreja cristã tem trabalhado sob uma situação bastante embaraçosa; pois ousou trazer para si aqueles poderes misteriosos e os privilégios do Reino; poderes e privilégios estes que podem ser exercidos e experimentados apenas entre Jesus e os seus irmãos espirituais de crença. E assim torna-se claro que ser um membro da igreja não significa necessariamente estar em comunhão com o Reino; este é espiritual, a igreja é principalmente social.

170:5:19 18662 Mais cedo ou mais tarde um outro João Batista, maior ainda, deve aparecer proclamando que “o Reino de Deus está à mão” – querendo com isso referir-se a um retorno ao conceito altamente espiritual de Jesus, o qual proclamou que o Reino é a vontade do seu Pai no céu, dominante e transcendente, no coração daquele que crê – e fazendo tudo isso sem referir-se, de nenhum modo, nem à igreja visível na Terra nem à antecipada segunda vinda do Cristo. É necessário que haja um renascimento dos ensinamentos verdadeiros de Jesus, uma reafirmação que desfaça o trabalho dos seus primeiros seguidores, que acabaram criando um sistema sociofilosófico de crença em torno do fato da permanência de Michael na Terra. Em pouco tempo o ensinamento dessa história sobre Jesus quase suplantou a pregação de Jesus sobre o Reino. Assim, uma religião histórica veio a substituir o ensinamento no qual Jesus tinha combinado as idéias morais e os ideais espirituais mais elevados do homem com a esperança mais sublime do homem quanto ao futuro – a vida eterna. Essa era a boa-nova da palavra sobre o Reino.

170:5:20 18663 O ensinamento de Jesus tinha muitas facetas diferentes, por isso, em uns poucos séculos, os estudantes dos registros desses ensinamentos dividiram-se em tantos cultos e seitas. Essa subdivisão lastimável dos crentes cristãos resulta da incapacidade de distinguir nos ensinamentos múltiplos do Mestre a unidade divina da sua incomparável vida. Algum dia, entretanto, aqueles que acreditam verdadeiramente em Jesus não estarão assim divididos espiritualmente nas suas atitudes, diante dos que não crêem. Podemos sempre ter diferenças de compreensão intelectual e de interpretação, e até níveis variados de graus de socialização, mas a falta de fraternidade espiritual não apenas é indesculpável como é repreensível.

170:5:21 18664 Não vos equivoqueis! Há, nos ensinamentos de Jesus, uma natureza eterna que não permitirá que eles permaneçam infrutíferos para sempre nos corações dos homens que pensam. O Reino, como Jesus o concebeu, fracassou amplamente na Terra; no momento presente, uma igreja exterior tomou o seu lugar; mas devíeis compreender que essa igreja é apenas um estágio larvar do Reino espiritual obstruído, ela o levará ao longo dessa era material e até uma dispensação mais espiritual, na qual os ensinamentos do Mestre podem desfrutar de uma oportunidade mais plena para desenvolver-se. Assim a chamada igreja cristã torna-se a crisálida dentro da qual o conceito do Reino de Jesus está agora adormecido. O Reino da irmandade divina ainda está vivo e, com certeza, finalmente irá sair dessa longa submersão, tal uma borboleta que por fim surge, de uma criatura menos atraente, como um desdobramento da beleza, e fruto de um desenvolvimento metamórfico.

DOCUMENTO 171

A CAMINHO DE JERUSALÉM
--------------------------------------------------------------------------------



Um dia depois do memorável sermão sobre “O Reino do céu”, Jesus anunciou que ele e os apóstolos partiriam para a Páscoa em Jerusalém, no dia seguinte, visitando, no caminho, numerosas cidades no sul da Peréia.

171:0:2 18672 A elocução sobre o Reino e o anúncio de que ele estava indo para a Páscoa deixou todos os seus seguidores pensando que ele estava indo a Jerusalém para inaugurar o reino temporal da supremacia judaica. Não importa o que Jesus tenha dito sobre o caráter não material do Reino, ele não podia extrair das mentes dos seus ouvintes judeus a idéia de que o Messias estava a ponto de estabelecer alguma espécie de governo nacionalista com sede em Jerusalém.

171:0:3 18673 O que Jesus disse no sermão desse sábado apenas teve o efeito de confundir a maioria dos seus seguidores; poucos ficaram esclarecidos com o discurso do Mestre. Os líderes entenderam alguma coisa dos seus ensinamentos a respeito do Reino interior, “o Reino do céu dentro de vós”, mas eles também sabiam que ele tinha falado sobre um outro reino futuro, e era para estabelecer este reino que eles acreditavam que ele agora ia a Jerusalém. E todos ficaram desapontados quanto às suas expectativas, quando ele foi rejeitado pelos judeus e, mais tarde, quando Jerusalém foi literalmente destruída, pois eles ainda apegavam-se às suas esperanças, acreditando sinceramente que o Mestre em breve retornaria ao mundo, com um grande poder e em uma glória majestosa, para estabelecer o reino prometido.

171:0:4 18674 Foi nesse domingo à tarde que Salomé, a mãe de Tiago e de João Zebedeu, veio a Jesus com os seus dois filhos apóstolos e, do mesmo modo que alguém se aproxima de um potentado oriental, ela buscou ter, adiantadamente, a promessa de Jesus de conceder-lhe qualquer pedido que ela pudesse fazer. Mas o Mestre não queria prometer nada; em vez disso, perguntou a ela: “O que queres que eu faça por ti?” Então, Salomé respondeu: “Mestre, agora que tu estás indo a Jerusalém a fim de estabelecer o reino, eu pediria a ti, adiantadamente, que me prometesse, para estes meus dois filhos, dar-lhes honras contigo, fazendo deles, no teu reino, os que se sentarão um à tua mão direita e o outro à tua mão esquerda”.

171:0:5 18675 Depois de ouvir o pedido de Salomé, Jesus disse: “Mulher, tu não sabes o que pedes”. E então, olhando profundamente nos olhos dos dois apóstolos que buscavam honrarias, ele disse: “Porque eu vos conheci e amei há muito tempo; porque eu vivi mesmo na casa da vossa mãe; porque André vos designou para estar comigo todo o tempo, por tudo isso, permitistes à vossa mãe vir a mim secretamente, fazendo esse pedido inconveniente. Deixai que eu vos pergunte, então: Sois capazes de beber da taça que eu estou a ponto de beber?” E, sem hesitar um instante para pensar, Tiago e João responderam: “Sim, Mestre, somos capazes”. Disse Jesus: “Eu me entristeço, pois vós não sabeis por que vamos a Jerusalém; eu sofro porque vós não compreendeis a natureza do meu Reino; eu me desaponto porque trazeis a vossa mãe para fazer esse pedido a mim; eu sei, todavia, que me amais dentro dos vossos corações; eu declaro, portanto, que ireis de fato beber da minha taça de amargura e que compartilhareis da minha humilhação, mas, quanto a se sentar à minha mão direita e à minha mão esquerda, não me cabe conceder. Tais honrarias são reservadas para aqueles que foram designados pelo meu Pai”.

171:0:6 18681 A essa altura alguém tinha contado sobre tal conversa a Pedro e aos outros apóstolos, e eles ficaram bastante indignados de que Tiago e João tivessem buscado ser os preferidos, a eles, e que secretamente tivessem levado a própria mãe a fazer tal pedido. Quando eles começaram a discutir entre si, Jesus reuniu-os todos e disse: “Vós compreendeis bem com que prepotência os governantes dos gentios tratam os seus súditos, e como aqueles que são grandes exercem a autoridade. Mas não será assim no Reino do céu. Quem quiser ser grande dentre vós, que antes se torne o vosso servidor. Aquele que quiser ser o primeiro no Reino, que se torne o vosso ministrador. Eu declaro-vos que o Filho do Homem não veio para que lhe fosse ministrado, mas para ministrar; e eu vou a Jerusalém a fim de dar a minha vida, para cumprir a vontade do Pai e para servir aos meus irmãos”. Ao ouvirem essas palavras os apóstolos retiraram-se para orar a sós. Naquela tarde, em conseqüência dos esforços de Pedro, Tiago e João desculparam-se adequadamente perante os dez e voltaram às boas graças dos seus irmãos.

171:0:7 18682 Ao pedir lugares à mão direita e à mão esquerda de Jesus, em Jerusalém, os filhos de Zebedeu mal imaginavam que, em menos de um mês, o seu querido e bem amado Mestre, estaria dependurado numa cruz romana, com um ladrão moribundo, de um lado, e mais um transgressor, do outro lado. E a mãe deles, que estava presente à crucificação, lembrava-se bem do pedido tolo que tinha feito a Jesus em Pela a respeito das honras, que tão insensatamente tinha buscado para os seus filhos apóstolos.

1. A PARTIDA DE PELA


171:1:1 18683 Na manhã de segunda-feira, 13 de março, Jesus e os seus doze apóstolos despediram-se finalmente do acampamento de Pela, partindo para o sul na sua viagem pelas cidades do sul da Peréia, onde condiscípulos ligados a Abner estavam trabalhando. Eles passaram mais de duas semanas em conversas com os setenta e então foram diretamente até Jerusalém, para a Páscoa.

171:1:2 18684 Quando o Mestre deixou Pela, os discípulos, acampados com os apóstolos, em um total de cerca de mil pessoas, seguiram-no. Quase a metade desse grupo deixou-o no vau do rio Jordão, na estrada para Jericó, quando souberam que ele estava dirigindo-se para Hesbon e, depois que ele tinha pregado o sermão sobre “Avaliando o Custo”, foram para Jerusalém. A outra metade seguiu-o durante duas semanas, visitando as cidades no sul da Peréia.

171:1:3 18685 A maior parte dos seguidores imediatos de Jesus compreendeu, de um modo geral, que o acampamento em Pela tinha sido abandonado, mas eles pensaram que isso indicava realmente que o seu Mestre afinal tinha a intenção de ir a Jerusalém e fazer valer as suas pretensões ao trono de Davi. Uma grande maioria dos seus seguidores nunca foi capaz de captar nenhum outro conceito do Reino do céu; não importava o que ele lhes ensinasse, eles não abandonariam essa idéia judaica de um reino.

171:1:4 18686 Agindo sob as instruções do apóstolo André, Davi Zebedeu encerrou o acampamento dos visitantes em Pela, na quarta-feira, 15 de março. Nesse momento quase quatro mil visitantes estavam residindo lá, e isso não incluía as mais de mil pessoas que permaneceram com os apóstolos, naquilo que era conhecido como o acampamento dos instrutores, e que foram para o sul com Jesus e os doze. Apesar do contragosto de fazê-lo, Davi vendeu todo o equipamento para numerosos compradores e seguiu com os fundos para Jerusalém, entregando o dinheiro subseqüentemente a Judas Iscariotes.

171:1:5 18691 Davi esteve presente em Jerusalém durante a trágica última semana, levando a sua mãe consigo, de volta à Betsaida, depois da crucificação. Enquanto esperava por Jesus e pelos apóstolos, Davi hospedou-se na casa de Lázaro, na Betânia, e ficou profundamente perturbado pela maneira com que os fariseus tinham começado a perseguir Lázaro e a atormentá-lo, desde a sua ressurreição. André tinha instruído Davi a parar com o serviço dos mensageiros; e isso foi interpretado por todos como uma indicação inicial de que o Reino iria logo ser estabelecido em Jerusalém. Davi viu-se sem um emprego, e tinha quase se decidido a tornar-se o defensor voluntário de Lázaro, quando o objeto da sua solicitude indignada fugiu às pressas para a Filadélfia. Em conseqüência, algum tempo depois da ressurreição de Jesus e também depois da morte da sua mãe, Davi dirigiu-se para a Filadélfia, tendo primeiro ajudado Marta e Maria a venderem as suas propriedades; e lá, em associação com Abner e Lázaro, ele passou o restante da sua vida, tornando-se o supervisor financeiro de todos aqueles grandes interesses do Reino, que teve o seu centro na Filadélfia durante a vida de Abner.

171:1:6 18692 Pouco tempo depois da destruição de Jerusalém, a Antióquia tornou-se a sede do c ristianismo paulino, enquanto a Filadélfia permaneceu como o centro do Reino do céu abneriano. Da Antioquia, a versão paulina dos ensinamentos de Jesus e sobre Jesus expandiu-se para todo o mundo ocidental; da Filadélfia, os missionários da versão abneriana do Reino do céu expandiram-se pela Mesopotâmia e pela Arábia, até tempos posteriores, quando esses emissários não comprometidos dos ensinamentos de Jesus foram subjugados pelo crescimento súbito do islamismo.

2. SOBRE A AVALIAÇÃO DO CUSTO


171:2:1 18693 Quando Jesus e o grupo de quase mil seguidores chegaram ao vau da Betânia, no Rio Jordão, algumas vezes chamado de Betabara, os seus discípulos começaram a compreender que ele não estava indo diretamente para Jerusalém. Enquanto, hesitantes, eles debatiam entre si próprios, Jesus subiu em uma imensa pedra e pronunciou aquele discurso que se tornou conhecido como “Avaliando o Custo”. O Mestre disse:

171:2:2 18694 “De agora em diante, vós que quereis seguir-me, deveis aceitar pagar o preço da dedicação sincera a fazer a vontade do meu Pai. Se quiserdes ser meus discípulos, deveis estar dispostos a abandonar pai, mãe, esposa, filhos, irmãos e irmãs. Se quaisquer de vós quiserdes agora ser meus discípulos, devereis estar dispostos a abandonar até mesmo a vossa vida, exatamente como o Filho do Homem está a ponto de oferecer a sua vida para completar a missão de cumprir a vontade do Pai na Terra e na carne.

171:2:3 18695 “Se não estiverdes dispostos a pagar o preço integral, dificilmente podereis ser meus discípulos. Antes de continuardes, todos vós devíeis sentar e avaliar o que pode custar ser meu discípulo. Quais de vós quereis assumir a construção de uma torre de vigia nas vossas terras, sem antes sentar para avaliar o custo, para ver se tendes dinheiro suficiente para completar a obra? Se errardes ao calcular o custo, depois que tiverdes lançado a fundação, podereis descobrir que não sois capazes de terminar aquilo que começastes e, assim, todos os vizinhos irão debochar de vós, dizendo: ‘Vede, esse homem começou a construir, mas não foi capaz de terminar a sua obra’. E mais, qual é o rei que, quando se prepara para fazer uma guerra contra um outro rei, não se senta e pede conselho sobre se será capaz de, com dez mil homens, fazer frente ao outro que vem com vinte mil homens? Se o rei não tem recursos para enfrentar o seu inimigo, porque está despreparado, ele envia um embaixador a esse outro rei, mesmo estando a uma grande distância, para pedir os termos da paz.

171:2:4 18701 “Agora, então, cada um de vós deve sentar e avaliar o custo de ser meu discípulo. De agora em diante, não podereis mais seguir-nos, ouvindo ao ensinamento e presenciando os trabalhos; ser-vos-á exigido enfrentar perseguições amargas e dar testemunho deste evangelho até com desapontamentos arrasadores. Se não estiverdes dispostos a renunciar a tudo o que sois e dedicar tudo o que possuirdes, então não sois dignos de ser meus discípulos. Se já tiverdes conquistado a vós mesmos, dentro dos vossos próprios corações, não precisais ter nenhum medo de que deva ser necessária uma vitória aparente, quando o Filho do Homem for rejeitado pelos sacerdotes principais e pelos saduceus e for entregue nas mãos de incrédulos zombeteiros.

171:2:5 18702 “Agora, deveis examinar a vós próprios para saber os motivos que tendes para ser meus discípulos. Se buscais honras e glórias, se estiverdes voltados para as coisas terrenas, então sois como o sal quando ele perdeu o seu sabor. E, quando aquele cujo valor está no seu poder de salgar, perde o seu sabor, com o que então se deve temperar? Tal condimento tornou-se inútil; serve apenas para ser jogado no lixo. E, pois, eu já vos preveni que voltásseis para as vossas casas em paz, se não estiverdes dispostos a beber comigo da taça que está sendo preparada. De novo e de novo eu vos disse que o meu Reino não é deste mundo, mas vós não quereis acreditar em mim. Aquele que tem ouvidos que ouça o que eu digo”.

171:2:6 18703 Imediatamente depois de dizer essas palavras e fazendo os doze levantarem-se, Jesus partiu a caminho de Hesbon, seguido por cerca de quinhentas pessoas. Depois de uma breve demora, a outra metade da multidão tomou o caminho de Jerusalém. Os seus apóstolos, junto com os principais discípulos, muito pensaram sobre essas palavras, mas eles ainda se apegaram à crença de que, depois desse breve período de adversidade e de provação, o reino seria certamente estabelecido e, de um certo modo, de acordo com as esperanças acalentadas tão longamente por eles.

3. A CAMPANHA PEREIANA


171:3:1 18704 Durante mais de duas semanas Jesus e os doze, seguidos por uma multidão de várias centenas de discípulos, viajaram pelo sul da Peréia, visitando todas as cidades em que os setenta tinham obras. Muitos gentios viviam nessa região e, posto que poucos iriam à festa de Páscoa em Jerusalém, os mensageiros do Reino continuaram imediatamente com a sua obra de ensinar e de pregar.

171:3:2 18705 Jesus encontrou-se com Abner em Hesbon, e André ordenou que os trabalhos dos setenta não fossem interrompidos pela festa da Páscoa; Jesus aconselhou aos mensageiros que continuassem os seus trabalhos, a despeito do que estava para acontecer em Jerusalém. Ele também aconselhou Abner a permitir que o corpo de mulheres fosse até Jerusalém para a Páscoa, segundo a decisão individual de cada uma. E essa foi a última vez que Abner viu Jesus na carne. A sua despedida de Abner foi: “Meu filho, eu sei que tu te manterás fiel ao Reino, e eu oro ao Pai para conceder-te a sabedoria a fim de que tu possas amar e compreender os teus irmãos”.

171:3:3 18706 Enquanto viajavam de cidade em cidade, um grande número de seus seguidores desertou para ir a Jerusalém, de modo que, no momento em que Jesus partiu para a Páscoa, o número daqueles que seguiam junto com ele, dia a dia, tinha minguado para menos de duzentas pessoas.

171:3:4 18711 Os apóstolos compreenderam que Jesus estava indo a Jerusalém para a Páscoa. Eles sabiam que o sinédrio tinha enviado uma mensagem a toda terra de Israel declarando que ele fora condenado a morrer e ordenando que qualquer um que soubesse do seu paradeiro informasse ao sinédrio; e ainda, a despeito de tudo isso, eles não ficaram tão alarmados, como aconteceu quando ele anunciou-lhes na Filadélfia que estava indo à Betânia para ver Lázaro. Essa mudança de atitude, passando de um medo intenso para um estado de expectativa silenciosa, era, sobretudo, em vista da ressurreição de Lázaro. Eles tinham chegado à conclusão de que Jesus poderia, em uma emergência, afirmar o seu poder divino e levar os seus inimigos à vergonha. Essa esperança, combinada à fé mais profunda e madura na supremacia espiritual do seu Mestre, era responsável pela coragem exterior demonstrada pelos seus seguidores diretos, que agora se preparavam para ir com ele a Jerusalém a fim de enfrentar a declaração pública do sinédrio de que ele devia morrer.

171:3:5 18712 A maioria dos apóstolos e muitos dos seus discípulos mais próximos não acreditavam na possibilidade de que Jesus morresse; pensando que sendo ele “a ressurreição e a vida”, eles consideravam-no imortal e já triunfante sobre a morte.

4. ENSINANDO EM LÍVIAS


171:4:1 18713 Na quarta-feira, 29 de março, ao anoitecer, Jesus e os seus seguidores acamparam em Lívias, a caminho de Jerusalém, depois de ter completado a sua campanha nas cidades do sul da Peréia. Foi durante essa noite, em Lívias, que Simão zelote e Simão Pedro, tendo conspirado para que lhes fossem entregues em mãos, nesse local, mais de cem espadas, receberam e distribuíram essas armas a todos os que as aceitassem e que as usassem escondidas sob os mantos. Simão Pedro estava ainda portando a sua espada na noite da traição ao Mestre no jardim.

171:4:2 18714 Na quinta-feira pela manhã, bem cedo, antes dos outros despertarem, Jesus chamou André e disse: “Desperta os teus irmãos! Tenho algo a dizer a eles”. Jesus sabia sobre as espadas, e quais dos seus apóstolos as tinham recebido e estavam portando tais armas, mas nunca revelou que tinha conhecimento dessas coisas. Depois de André ter despertado os seus amigos, e de estarem eles reunidos, Jesus disse: “Meus filhos, haveis estado comigo por um bom tempo, e eu ensinei-vos muito daquilo que é necessário para estes tempos, mas eu gostaria agora de prevenir-vos para que não ponhais a vossa confiança nas incertezas da carne, nem nas fraquezas da defesa humana contra as provações e testes que temos diante de nós. Eu vos reuni aqui, apenas nós, para que eu possa dizer-lhes claramente uma vez mais que estamos indo a Jerusalém, onde, como sabeis, o Filho do Homem já foi condenado à morte. E, novamente, vos estou dizendo que o Filho do Homem será entregue às mãos dos sacerdotes principais e dos dirigentes religiosos; e que eles o condenarão e então o colocarão nas mãos dos gentios. E assim eles zombarão do Filho do Homem, até mesmo cuspirão nele e o açoitarão, e o levarão à morte. E quando matarem o Filho do Homem, não vos consterneis, pois eu vos declaro que no terceiro dia ele ressuscitará. Cuidai de vós mesmos e lembrai-vos de que vos preveni”.

171:4:3 18715 E novamente os apóstolos ficaram assombrados, atordoados; mas não chegaram a tomar as suas palavras literalmente; não puderam entender que o Mestre estivesse querendo dizer exatamente o que tinha dito. Eles estavam tão cegos pela crença persistente em um reino temporal sobre a Terra, com quartéis centrais em Jerusalém, que simplesmente não podiam – não queriam – permitir a si próprios aceitar as palavras de Jesus como sendo literais. Naquele dia eles ponderaram sobre tudo o que o Mestre pudesse ter desejado expressar com pronunciamentos tão estranhos. Mas nenhum deles ousou fazer-lhe uma pergunta a respeito dessas afirmações. Só depois da sua morte, é que esses apóstolos desconsertados despertaram para a compreensão de que o Mestre lhes tinha falado clara e diretamente, em antecipação à sua crucificação.

171:4:4 18721 Foi em Lívias, pouco depois do desjejum, que alguns fariseus amistosos chegaram até Jesus e disseram: “Foge depressa dessas paragens, pois Herodes, tal como fez a João, agora pretende matar-te. Ele teme um levante do povo e decidiu matar-te. Nós te trazemos este aviso para que possas escapar”.

171:4:5 18722 E isso era parcialmente verdade. A ressurreição de Lázaro havia amedrontado e alarmado Herodes e, sabendo que o sinédrio ousara condenar Jesus, mesmo antes de um julgamento, Herodes decidiu matar Jesus ou expulsa-lo dos seus domínios. Ele preferia realmente a segunda opção, pois temia tanto a Jesus que esperava não ser obrigado a executá-lo.

171:4:6 18723 Quando Jesus ouviu o que os fariseus tinham a dizer, ele respondeu: “Bem sei do medo que Herodes tem deste evangelho do Reino. Não vos enganeis, contudo, ele desejaria muito que o Filho do Homem fosse a Jerusalém para sofrer e morrer nas mãos dos sacerdotes principais; tendo manchado as suas mãos com o sangue de João, ele não sente nenhuma ansiedade de tornar-se responsável pela morte do Filho do Homem. Ide e dizei àquela raposa que o Filho do Homem prega na Peréia hoje, que amanhã irá para a Judéia e que, depois de alguns dias, terá concluído a sua missão na Terra, com perfeição, e estará preparado para ascender ao Pai”.

171:4:7 18724 Então, voltando-se aos seus apóstolos, Jesus disse: “Desde os tempos da antiguidade que os profetas têm perecido em Jerusalém, e será apenas conveniente que o Filho do Homem vá até a cidade da casa do Pai para ser oferecido como preço do fanatismo humano e como resultado do preconceito religioso e da cegueira espiritual. Ó Jerusalém, Jerusalém, tu que matas os profetas e apedrejas os instrutores da verdade! Por quantas vezes eu reuni os teus filhos do mesmo modo que uma galinha reúne a ninhada sob as suas asas, mas não queres que eu faça isso! Vê, a tua casa está a ponto de te deixar desolada! Tu desejarás muitas vezes ver-me, mas não verás. Tu, então, irás procurar-me, mas não me encontrarás”. E, quando terminou de falar, ele voltou-se para aqueles que estavam ao seu lado e disse: “Vamos então, apesar de tudo, a Jerusalém, assistir à Páscoa e fazer o que nos convém, a fim de satisfazermos a vontade do Pai nos céus”.

171:4:8 18725 Era um grupo confuso e desnorteado de crentes aquele que seguiu Jesus até Jericó, nesse dia. Nas declarações de Jesus sobre o Reino, os apóstolos podiam discernir apenas aquela nota de triunfo final; eles não se dispunham a levarem-se a compreender os avisos de um revés iminente. Quando Jesus falou de “ressuscitar ao terceiro dia”, eles interpretaram essa afirmação como significando um triunfo certo de um reino, que viria imediatamente depois de uma desagradável escaramuça preliminar com os líderes religiosos judeus. O “terceiro dia” era uma expressão judaica comum, que significava “em breve” ou “logo depois”. Quando Jesus falou de “ressuscitar”, eles pensaram que ele referia-se à “ressurreição do reino”.

171:4:9 18726 Jesus tinha sido aceito por esses crentes como o Messias, e os judeus sabiam pouco ou nada sobre o sofrimento de um Messias. Eles não compreenderam que Jesus estava para realizar, com a sua morte, muitas coisas que nunca poderiam ter sido realizadas em sua vida. Do mesmo modo que a ressurreição de Lázaro animou os apóstolos a entrarem em Jerusalém, a memória da perspectiva da transfiguração foi o que sustentou o Mestre nesse período de provações da sua auto-outorga.

5. O CEGO DE JERICÓ


171:5:1 18731 No final da tarde de quinta-feira, 30 de março, Jesus e os seus apóstolos, à frente de um grupo de duzentos seguidores, se aproximaram dos muros de Jericó. Quando chegavam perto do portão da cidade, encontraram-se com uma multidão de mendigos, entre eles um certo Bartimeu, um ancião que era cego desde a sua juventude. Esse mendigo cego tinha ouvido sobre Jesus e sabia tudo sobre a cura do cego Josias em Jerusalém. E nada sabia da última visita de Jesus a Jericó até que tivesse ido à Betânia. Bartimeu tinha resolvido que não iria permitir a passagem de Jesus por Jericó sem pedir-lhe pela restauração da sua visão.

171:5:2 18732 As novas da aproximação de Jesus tinham sido anunciadas em Jericó, e centenas de habitantes afluíram para encontrá-lo. Quando a grande multidão retornou acompanhando o Mestre à cidade, Bartimeu, ouvindo o pesado tropel do povo, soube que ocorria algo inusitado, e assim ele perguntou àqueles que estavam perto dele sobre o que estava acontecendo. E um dos mendigos respondeu: “Jesus de Nazaré está passando”. Quando Bartimeu ouviu dizer que Jesus estava por perto, ele levantou a sua voz e começou a gritar bem alto: “Jesus, Jesus, tem misericórdia de mim!” E, como ele continuasse a gritar cada vez mais alto, alguns daqueles que estavam perto de Jesus foram até ele e o repreenderam, pedindo-lhe que mantivesse a tranqüilidade; mas foi inútil. Ele apenas gritava mais e mais alto.

171:5:3 18733 Quando ouviu o cego gritando, Jesus parou. E quando o viu, ele disse aos seus amigos: “Trazei o homem a mim”. E então eles foram até Bartimeu e disseram: “Alegra-te; vem conosco, pois o Mestre te chama”. Quando Bartimeu ouviu essas palavras, colocou de lado o seu manto e pulou para o centro da estrada, e aqueles que estavam perto guiaram-no até Jesus. Dirigindo-se a Bartimeu, Jesus disse: “O que queres que eu faça por ti?” Então o cego respondeu: “Eu gostaria de recuperar a visão”. E quando Jesus ouviu esse pedido e viu a sua fé, disse: “Recuperarás a tua visão; toma o teu caminho; a tua fé te curou”. Imediatamente Bartimeu recuperou a sua visão, e permaneceu perto de Jesus, glorificando a Deus, até que o Mestre partisse, no dia seguinte, para Jerusalém, e então ele ficou diante da multidão declarando a todos como a sua visão foi recuperada em Jericó.

6. A VISITA A ZAQUEU


171:6:1 18734 Quando a procissão do Mestre entrou em Jericó, o sol estava quase se pondo e ele demonstrava disposição de permanecer ali naquela noite. Enquanto Jesus passava diante da casa da alfândega, aconteceu que Zaqueu, o dirigente publicano e coletor dos impostos encontrava-se ali e desejava muito ver Jesus. Esse dirigente publicano era bastante rico e com freqüência ouvira falar sobre o profeta da Galiléia. Havia decidido que verificaria que tipo de homem era Jesus na próxima vez que ele tivesse a oportunidade de visitar Jericó; e, desse modo, Zaqueu tratou de abrir caminho na multidão, mas ela era muito numerosa, e sendo de estatura baixa ele não podia ver por sobre as cabeças. E assim o chefe publicano seguiu a multidão até que todos chegaram perto do centro da cidade, não muito longe de onde ele vivia. Quando percebeu que não seria capaz de penetrar na multidão, e pensando que Jesus pudesse estar atravessando a cidade sem parar, ele correu adiante e subiu em um plátano cujos galhos estendidos avançavam por cima da estrada. Sabia que desse modo teria uma boa visão do Mestre, quando ele passasse. E não se desapontou, pois enquanto passava, Jesus parou e, olhando para Zaqueu, disse: “Apressa-te, Zaqueu, e desce, pois esta noite eu devo hospedar-me na tua casa”. E quando Zaqueu ouviu essas palavras surpreendentes, ele quase caiu da árvore na sua pressa de descer e, indo a Jesus, ele expressou o seu grande júbilo porque o Mestre queria pernoitar na sua casa.

171:6:2 18741 Eles foram imediatamente à casa de Zaqueu, e aqueles que viviam em Jericó ficaram muito surpresos de que Jesus consentisse em ficar na casa do dirigente publicano. E, enquanto o Mestre e os seus apóstolos estavam com Zaqueu diante da porta da casa, um dos fariseus de Jericó, que se encontrava ali por perto, disse: “Vede como este homem foi alojar-se com um pecador, um filho apóstata de Abraão, que é um extorquidor e um ladrão do seu próprio povo”. E quando Jesus ouviu isso, ele olhou para Zaqueu e sorriu. Então Zaqueu subiu em um tamborete e disse: “Homens de Jericó, ouvi-me! Eu posso ser um publicano e um pecador, mas o grande Instrutor veio hospedar-se na minha casa; e, antes que ele entre, eu digo-vos que eu vou dar a metade de todos os meus bens aos pobres e, a começar de amanhã, se eu tiver exigido algo injusto de qualquer homem, eu devolverei em quádruplo. Eu vou buscar a minha salvação de todo o meu coração e aprender a agir com retidão aos olhos de Deus”.

171:6:3 18742 Depois que Zaqueu terminou de falar, Jesus disse: “Hoje a salvação chegou a esta casa, e tu te tornaste verdadeiramente um filho de Abraão”. Voltando-se para multidão reunida em torno deles, Jesus disse: “E não vos espanteis pelo que vos digo, nem vos ofendais com o que fazemos, pois eu tenho sempre declarado que o Filho do Homem veio para buscar e para salvar aquilo que estava perdido”.

171:6:4 18743 Eles alojaram-se na casa de Zaqueu durante a noite. Na manhã seguinte levantaram-se e dirigiram-se à Betânia, pela “estrada dos ladrões”, a caminho da Páscoa em Jerusalém.

7. “ENQUANTO JESUS PASSAVA”


171:7:1 18744 Jesus distribuía alegria em todos os lugares por onde passava. Ele estava cheio de graça e de verdade. Os seus seguidores nunca cessavam de admirar-se com as palavras agradáveis que vinham da sua boca. Podeis cultivar a gentileza, mas a amabilidade e a doçura são o aroma da amizade que emana de uma alma saturada de amor.

171:7:2 18745 A bondade sempre leva ao respeito, mas, quando é desprovida da graça, muitas vezes repele o afeto. A bondade é universalmente atraente apenas quando é cheia de graça. A bondade torna-se eficaz apenas quando é atraente.

171:7:3 18746 Jesus realmente compreendeu os homens; e assim ele podia manifestar uma simpatia verdadeira e demonstrar uma compaixão sincera. Mas ele raramente permitia-se a piedade. Enquanto a sua compaixão era sem limites, a sua simpatia demonstrava ser prática, pessoal e construtiva. Nunca a sua familiaridade com o sofrimento gerou a indiferença, e ele era capaz de ministrar às almas afligidas sem aumentar a sua autopiedade.

171:7:4 18747 Jesus podia ajudar tanto os homens porque ele amava-os muito sinceramente. De fato ele amava a cada homem, cada mulher e cada criança. E podia ser um amigo tão verdadeiro por causa do seu notável discernimento interior – ele conhecia muito profundamente o que estava no coração e na mente do homem. Era um observador interessado e penetrante; bastante hábil para compreender a necessidade dos homens, e sagaz para detectar as aspirações humanas.

171:7:5 18748 Jesus nunca estava com pressa. Ele tinha tempo para confortar os seus semelhantes “enquanto passava”. E sempre fez os seus amigos sentirem-se à vontade. Era um ouvinte encantador. E nunca tentava sondar de modo indiscreto as almas dos seus companheiros. Quando ele confortava as almas famintas e ministrava às almas sedentas, aqueles que recebiam a sua misericórdia não sentiam nem um pouco estar confessando-se a ele, mas sentiam que estavam conversando com ele. Tinham uma confiança ilimitada nele, porque percebiam que também ele lhes dedicava uma profunda fé.

171:7:6 18751 Nunca parecia estar curioso sobre as pessoas, e nunca manifestava o desejo de dirigi-las, de administrá-las ou investigá-las. Ele inspirava uma autoconfiança profunda e uma coragem robusta em todos que desfrutavam da sua companhia. Quando ele sorria diante de um homem, aquele mortal experimentava uma capacidade maior para resolver os seus múltiplos problemas.

171:7:7 18752 Jesus amava tanto os homens, e tão sabiamente, que nunca hesitou em ser severo com eles quando a ocasião demandava tal disciplina. E freqüentemente começava ajudar uma pessoa pedindo a ajuda dela. Desse modo ele suscitava o seu interesse, recorrendo ao que de melhor existe na natureza humana.

171:7:8 18753 O Mestre podia discernir a fé salvadora na grosseira superstição da mulher que buscava a cura tocando na barra do seu manto. Ele estava sempre pronto e disposto a interromper um sermão ou a deter uma multidão enquanto ministrava às necessidades de uma única pessoa, mesmo que fosse uma criança pequena. Grandes coisas aconteciam, não apenas porque as pessoas tinham fé em Jesus, mas também porque Jesus tinha muita fé nelas.

171:7:9 18754 A maior parte das coisas realmente importantes que Jesus disse ou fez parecia acontecer casualmente, “enquanto ele passava”. Pouco havia do lado profissional, do bem-planejado, ou do premeditado na ministração terrena do Mestre. Ele dispensava e espalhava saúde e felicidade, natural e graciosamente, na sua jornada pela vida. Era literalmente certo que, “ele caminhava fazendo o bem”.

171:7:10 18755 E cabe aos seguidores do Mestre em todas as idades aprender a ministrar à medida que “passam” – para fazer o bem, sem egoísmo, enquanto vão cumprindo os seus deveres diários.

8. A PARÁBOLA DAS MINAS


171:8:1 18756 Eles não saíram de Jericó senão perto do meio-dia, pois estiveram acordados até tarde na noite anterior, enquanto Jesus ensinava a Zaqueu e à sua família o evangelho do Reino. O grupo parou para almoçar quase a meio caminho da estrada ascendente para a Betânia, enquanto a multidão passava para ir a Jerusalém, não sabendo que Jesus e os apóstolos iam permanecer essa noite no monte das Oliveiras.

171:8:2 18757 À diferença da parábola dos talentos, que se destinava a todos os discípulos, a parábola das minas foi contada mais restritivamente aos apóstolos e era amplamente baseada na experiência de Arquelau e na sua tentativa inútil de conseguir o governo do reino da Judéia. Esta é uma das poucas parábolas do Mestre que se firma em um personagem real da história. Não era de se estranhar que eles tivessem pensado em Arquelau, porquanto a casa de Zaqueu em Jericó estava muito próxima do adornado palácio de Arquelau, e o seu aqueduto corria ao lado da estrada pela qual eles tinham saído de Jericó.

171:8:3 18758 Disse Jesus: “Pensais que o Filho do Homem vai a Jerusalém para receber um reino, mas eu vos declaro que estais fadados ao desapontamento. Não vos lembrais de um certo príncipe que foi a um país distante a fim de receber para si próprio um reino, mas, mesmo antes dele retornar, os cidadãos da sua província, que já o tinham rejeitado nos seus corações, enviaram um embaixador atrás dele, para dizer: ‘Não queremos que este homem reine sobre nós’? Da mesma maneira que este rei foi rejeitado para o governo temporal, o Filho do Homem será rejeitado no governo espiritual. E novamente eu declaro que o meu Reino não é deste mundo; mas se ao Filho do Homem tivesse sido concedido o governo espiritual desse povo, ele teria aceitado tal Reino das almas dos homens e teria reinado sobre tal domínio dos corações humanos. Não obstante terem eles rejeitado o meu governo espiritual sobre eles, eu voltarei para receber de outros este Reino do espírito que agora me é negado. Vós vereis o Filho do Homem ser rejeitado agora, mas, em uma outra idade, aquilo que agora os filhos de Abraão rejeitam, será recebido e exaltado.

171:8:4 18761 “E, agora, como o nobre homem rejeitado desta parábola, eu gostaria de chamar diante de mim os meus doze servidores, administradores especiais, e de entregar nas mãos de cada um de vós a soma de uma mina, e gostaria de admoestar-vos para que cada um preste bastante atenção às minhas instruções a fim de que possais negociar diligentemente com o capital que vos foi confiado durante a minha ausência, para que tenhais como justificar a vossa administração quando eu voltar, pois então será exigida de vós uma prestação de contas.

171:8:5 18762 “E, mesmo se este Filho rejeitado não retornar, um outro Filho será enviado para receber este Reino, e este Filho então chamará a todos vós para receber o vosso relatório de administração e para ficar alegre com os vossos ganhos.

171:8:6 18763 “Quando esses administradores foram, subseqüentemente, reunidos para uma prestação de contas, o primeiro adiantou-se e disse: ‘Amo, com a vossa mina eu fiz mais dez minas’. E o seu senhor disse-lhe: ‘Bem feito; sois um bom servidor. Por que demonstrastes fidelidade nessa questão, eu te darei autoridade sobre dez cidades’. E o segundo veio, e disse: ‘A vossa mina, deixada comigo, Amo, fez cinco minas’. E o senhor disse: ‘Do mesmo modo eu o farei dirigente de cinco cidades’. E assim foram os outros até o último dos servidores, que, ao ser chamado, reportou-se: ‘Amo, veja, aqui está a tua mina, que eu mantive com segurança enrolada neste guardanapo. E fiz isso porque eu te temia; eu acreditava que fosses pouco razoável, vendo que recolhes de onde nada depositaste, e que procuras colher onde não semeaste’. Então disse o senhor: ‘Tu, servidor negligente e infiel, eu te julgarei pela tua própria boca. Tu sabias que eu colho onde aparentemente não semeei e, portanto, tu sabias que essa conta seria exigida de ti. Sabendo disso, deverias ao menos ter dado o meu dinheiro ao banqueiro, para que no meu retorno eu pudesse tê-lo com os juros adequados’.

171:8:7 18764 “E então esse governante disse àqueles que aguardavam: ‘Tirai o dinheiro desse preguiçoso e dai-o àquele que tem dez minas’. E quando eles lembraram ao senhor que o primeiro servidor já tinha dez minas, ele disse: ‘A todo aquele que tem será dado mais, mas daqueles que não têm, mesmo aquilo que têm, ser-lhes-á tirado’”.

171:8:8 18765 E então os apóstolos buscaram saber a diferença entre o significado dessa parábola e o daquela parábola anterior dos talentos, mas Jesus apenas diria, em resposta às suas muitas perguntas: “Ponderai bem essas palavras nos vossos corações, para que cada um de vós encontre o seu verdadeiro significado”.

171:8:9 18766 Foi Natanael que tão bem ensinou o significado dessas duas parábolas nos anos seguintes, reunindo os seus ensinamentos nestas conclusões:

171:8:10 18767 1. A aptidão é a medida prática das oportunidades da vida. Vós nunca sereis considerados responsáveis pela realização daquilo que está além da vossa aptidão.

171:8:11 18768 2. A fidelidade é a medida infalível da confiabilidade humana. Aquele que é fiel nas coisas pequenas também deverá demonstrar fidelidade em tudo que seja compatível com os seus dons.

171:8:12 18769 3. O Mestre concede uma recompensa menor pela fidelidade menor, quando há igualdade de oportunidades.

171:8:13 18771 4. Ele concede uma recompensa igual por uma fidelidade igual, quando há menor oportunidade.

171:8:14 18772 Quando eles terminaram o almoço, e depois que a multidão de seguidores tinha ido para Jerusalém, Jesus, permanecendo diante dos apóstolos, à sombra de uma saliência de rocha ao lado da estrada, com dignidade jovial e com uma majestade plena de graça, apontou com o dedo para o oeste, dizendo: “Vinde, meus irmãos, entremos em Jerusalém, para receber ali o que espera por nós; assim cumpriremos a vontade do Pai celeste em todas as coisas”.

171:8:15 18773 E assim Jesus e os seus apóstolos retomaram essa viagem, a última que o Mestre faria a Jerusalém na semelhança da carne do homem mortal.

DOCUMENTO 172

A ENTRADA EM JERUSALÉM
--------------------------------------------------------------------------------



Jesus e os apóstolos chegaram à Betânia pouco depois das quatro horas, na sexta-feira à tarde, 31 de março, do ano 30 d. C. Lázaro, as suas irmãs e os amigos deles aguardavam. E, já que tanta gente vinha durante todo o dia para falar com Lázaro sobre a sua ressurreição, Jesus foi informado de que tinham sido feitos arranjos para que ele se alojasse com um crente da vizinhança, um certo Simão o qual, desde a morte do pai de Lázaro, passou a ser o principal cidadão da pequena aldeia.

172:0:2 18782 Naquela tarde, Jesus recebeu muitos visitantes, e a gente comum da Betânia e Betfagé deu o melhor de si para fazê-lo sentir-se bem-vindo. Embora muitos pensassem que agora Jesus estava indo para Jerusalém, em um total desafio ao decreto de morte do sinédrio, para proclamar-se rei dos judeus, a família da Betânia – Lázaro, Marta e Maria – compreendia mais profundamente que o Mestre não era aquela espécie de rei; e eles sentiram vagamente que esta poderia ser a sua última visita a Jerusalém e à Betânia.

172:0:3 18783 Os sacerdotes principais estavam informados de que Jesus alojara-se na Betânia, mas julgaram que seria melhor não tentar apanhá-lo dentre os seus amigos; decidiram esperar a sua vinda a Jerusalém. Jesus sabia sobre tudo isso, mas estava esplendidamente calmo; os seus amigos nunca o tinham visto mais tranqüilo e amável; mesmo os apóstolos estavam espantados de que ele estivesse tão despreocupado, quando o sinédrio tinha convocado todo o mundo judeu a entregá-lo nas suas mãos. Enquanto o Mestre dormia, naquela noite, os apóstolos velavam por ele, dois a dois, e muitos deles estavam armados com espadas. Bem cedo, nessa manhã, eles foram acordados por centenas de peregrinos que vieram de Jerusalém, mesmo sendo um dia de sábado, para ver Jesus e Lázaro; o mesmo que Jesus havia ressuscitado dos mortos.

1. O SÁBADO NA BETÂNIA


172:1:1 18784 Os peregrinos vindos de fora da Judéia, bem como as autoridades judaicas, todos se haviam perguntado: “O que acha? Jesus virá para a festa?” Portanto, quando o povo ouviu dizer que Jesus estava na Betânia, ficou contente, mas os sacerdotes principais e os fariseus revelaram-se um tanto perplexos. Eles estavam contentes de tê-lo sob a sua jurisdição, mas ficaram um pouco desconsertados com a ousadia dele; lembraram-se de que, na sua visita anterior à Betânia, Lázaro tinha ressuscitado dos mortos, e Lázaro estava transformando-se em um grande problema para os inimigos de Jesus.

172:1:2 18785 Depois da festa do sábado, à tarde, seis dias antes da Páscoa, toda a Betânia e Betfagé juntaram-se para celebrar a chegada de Jesus com um banquete público, na casa de Simão. Essa ceia deu-se em honra de Jesus e de Lázaro, e foi oferecida em desafio ao sinédrio. Marta orientou o serviço da comida; a sua irmã Maria estava entre as mulheres espectadoras, pois era contra o costume dos judeus que uma mulher tivesse assento em um banquete público. Os agentes do sinédrio encontravam-se presentes, mas eles temiam apreender Jesus no meio dos seus amigos.

172:1:3 18791 Jesus conversou com Simão sobre o Joshua de outrora, cujo nome era homônimo seu, e contou como Joshua e os israelitas tinham vindo a Jerusalém, passando por Jericó. Ao comentar sobre a lenda da queda das paredes de Jericó, Jesus disse: “Eu não me preocupo com paredes de tijolos e de pedra; mas gostaria que as paredes do preconceito, da presunção e do ódio desmoronassem diante desta pregação sobre o amor que o Pai tem por todos os homens”.

172:1:4 18792 O banquete continuou de um modo bastante alegre e normal, afora o fato de que todos os apóstolos estavam mais sérios do que de costume. Jesus encontrava-se excepcionalmente alegre e tinha estado brincando com as crianças até o momento de ir para a mesa.

172:1:5 18793 Nada de extraordinário aconteceu até perto do final do festim quando Maria, a irmã de Lázaro, saiu do grupo das mulheres espectadoras e, indo até onde Jesus estava reclinado como hóspede de honra, pôs-se a abrir um grande frasco de alabastro de um ungüento muito raro e caro; e, depois de ungir a cabeça do Mestre, ela começou a ungir os seus pés e logo tomou os próprios cabelos para, com eles, enxugar-lhe os pés. Toda a casa começou a preencher-se com o odor do ungüento, e todos os presentes assombraram-se com o que Maria estava fazendo. Lázaro nada disse, mas quando algumas das pessoas murmuraram, mostrando indignação por um ungüento tão caro ser utilizado assim, Judas Iscariotes deu alguns passos até onde André estava reclinado e disse: “Por que não se teria vendido esse ungüento para dedicar o dinheiro a alimentar os pobres? Devias falar com o Mestre para que ele repreenda tal desperdício”.

172:1:6 18794 Jesus, sabendo o que eles pensavam e ouvindo o que diziam, colocou a sua mão sobre a cabeça de Maria, que estava ajoelhada a seu lado e, com uma expressão bondosa no rosto, ele disse: “Deixai-a em paz, todos vós. Por que a importunais por isso, vendo que ela fez uma coisa boa, segundo o seu coração? A vós, que murmurais e que dizeis que esse ungüento deveria ter sido vendido para que o dinheiro fosse dado aos pobres, deixai que eu diga que tendes os pobres sempre convosco, de modo que podeis ministrar a eles, a qualquer momento que parecer conveniente para vós; mas eu não estarei sempre convosco, em breve irei para junto do meu Pai. Essa mulher vem há muito guardando esse ungüento para o meu corpo, quando for enterrado, e agora que lhe pareceu bom fazer esta unção em antecipação à minha morte, a ela não lhe será negada essa satisfação. Com isso, Maria lançou a sua reprovação a todos vós, pois com esse ato ela evidencia fé no que eu disse sobre a minha morte e minha ascensão até meu Pai no céu. Essa mulher não será reprovada pelo que faz esta noite; entretanto, antes, eu digo a vós que, nas idades que virão, em todos os lugares por onde esse evangelho for pregado, o que ela fez será comentado em memória dela”.

172:1:7 18795 Por causa dessa repreensão, que foi tomada como uma reprovação pessoal, Judas Iscariotes finalmente decidiu buscar vingança para as suas mágoas. Muitas vezes ele alimentou esse tipo de idéia subconscientemente, mas agora ousava ter esses pensamentos perversos na sua mente, de modo aberto e consciente. E muitos outros convivas encorajaram-no nessa atitude, pois o custo desse ungüento equivalia a uma soma igual aos ganhos de um homem durante um ano – o suficiente para dar pão a cinco mil pessoas. Maria, todavia, amava Jesus; e tinha adquirido esse ungüento precioso, com o qual embalsamar o seu corpo na morte, pois ela acreditara nas suas palavras, quando Jesus avisou-lhes de antemão que ele iria morrer; e então não se lhe podia recusar por ela ter mudado e idéia e decidido fazer essa oferta ao Mestre enquanto estava vivo.

172:1:8 18796 Tanto Lázaro quanto Marta sabiam que Maria vinha há muito tempo economizando o dinheiro com o qual comprar esse frasco de óleo de nardo, e eles aprovavam sinceramente que ela agisse, como o seu coração desejava, pois eles tinham posses e podiam facilmente arcar com uma tal oferta.

172:1:9 18801 Quando os sacerdotes principais ouviram sobre esse jantar para Jesus e Lázaro, na Betânia, eles começaram a aconselhar-se entre si quanto ao que deveria ser feito com Lázaro. E decidiram imediatamente que Lázaro também devia morrer. Eles concluíram, não sem acerto, que seria inútil levar Jesus à morte, caso permitissem que Lázaro, que tinha ressuscitado dos mortos, vivesse.

2. DOMINGO DE MANHÃ COM OS APÓSTOLOS


172:2:1 18802 Nesse domingo pela manhã, no magnífico jardim de Simão, o Mestre reuniu os doze apóstolos em volta de si e deu-lhes as instruções finais e preparatórias para entrar em Jerusalém. Disse-lhes que provavelmente ele daria várias palestras e ensinaria muitas lições antes de voltar para o Pai, mas aconselhou aos apóstolos absterem-se de fazer qualquer trabalho público durante a permanência, em Jerusalém, nessa Páscoa. Ele instruiu-lhes para que ficassem perto dele e para que “vigiassem e orassem”. Jesus sabia que muitos dos seus apóstolos e mesmo seguidores imediatos, então, portavam espadas escondidas consigo, mas ele não fez menção a esse fato.

172:2:2 18803 As instruções dessa manhã abrangiam um breve resumo das suas ministrações, desde o dia da ordenação de todos perto de Cafarnaum, até esse dia em que todos se preparavam para entrar em Jerusalém. Os apóstolos ouviram em silêncio; e não fizeram perguntas.

172:2:3 18804 Cedo, naquela manhã, Davi Zebedeu tinha passado a Judas os fundos obtidos com a venda dos petrechos do acampamento de Pela, e Judas, por sua vez, havia colocado a maior parte desse dinheiro nas mãos de Simão, o anfitrião deles, para que o guardasse, como antecipação às demandas da entrada deles em Jerusalém.

172:2:4 18805 Depois da conferência com os apóstolos, Jesus manteve uma conversa com Lázaro e instruiu-lhe que evitasse sacrificar a sua vida ao espírito de vingança do sinédrio. Em obediência a essa admoestação, Lázaro, uns poucos dias depois, fugiu para a Filadélfia, antes que os oficiais do sinédrio enviassem homens para prendê-lo.

172:2:5 18806 De um certo modo, todos os seguidores de Jesus perceberam a crise iminente, mas foram impedidos de compreender a seriedade dessa crise, por causa da alegria inusitada e do bom humor excepcional do Mestre.

3. A PARTIDA PARA JERUSALÉM


172:3:1 18807 Betânia distava cerca de três quilômetros do templo e, naquela tarde de domingo era meia hora depois da uma quando Jesus ficou pronto para partir rumo à Jerusalém. Ele tinha sentimentos de um afeto profundo pela Betânia e pelo seu povo simples. Nazaré, Cafarnaum e Jerusalém haviam-no rejeitado, mas a Betânia o tinha aceito, tinha acreditado nele. E foi nessa pequena aldeia, onde quase todos os homens, mulheres e crianças eram crentes, que ele escolheu efetuar a obra mais poderosa da sua auto-outorga na Terra, a ressurreição de Lázaro. Ele não ressuscitou Lázaro para que os aldeões pudessem crer, e sim porque eles já criam.

172:3:2 18808 Durante toda a manhã, Jesus pensou sobre a sua entrada em Jerusalém. Até esse momento havia sempre tentado impedir toda aclamação pública para si, como Messias, mas agora era diferente; ele aproximava-se do fim da sua carreira na carne, a sua morte tinha sido decretada pelo sinédrio, e nenhum mal poderia advir por ele permitir aos seus discípulos dar livre expressão aos próprios sentimentos, exatamente como poderia ocorrer se ele tivesse escolhido fazer uma entrada formal e pública na cidade.

172:3:3 18811 Jesus não se decidiu por fazer essa entrada pública em Jerusalém como um último apelo ao favorecimento popular, nem como uma tentativa final de obter o poder. Nem o fez, de todo, para satisfazer às aspirações humanas dos seus discípulos e apóstolos. Jesus não abrigava nenhuma das ilusões de um sonhador fantasioso; ele sabia muito bem qual seria o desenlace dessa visita.

172:3:4 18812 Tendo decidido fazer uma entrada pública em Jerusalém, o Mestre viu-se frente à necessidade de escolher um método adequado de executar essa resolução. Jesus pensou sobre todas as muitas chamadas profecias messiânicas, as mais ou as menos contraditórias, mas parecia haver apenas uma que seria apropriada para ele seguir. A maior parte dessas declarações proféticas retratava o rei como um filho e sucessor de Davi, um audaz e enérgico libertador temporal de toda Israel, do jugo do domínio estrangeiro. Mas havia uma passagem nas escrituras que algumas vezes foi associada ao Messias, por aqueles que se atinham mais ao conceito espiritual da sua missão; e Jesus considerou que podia utilizar coerentemente essa passagem como uma orientação para a entrada que projetava fazer em Jerusalém. Essa escritura encontrava-se em Zacarias, e afirmava: “Regozijai-vos grandemente, ó filha de Sion, dai gritos, ó filha de Jerusalém. Contemplai, o vosso rei vem a vós. Ele é justo e traz a salvação. Ele vem como alguém humilde, montado em um asno, em um jumento, filho de uma asna”.

172:3:5 18813 Um rei guerreiro sempre entraria em uma cidade montado em um cavalo; um rei, em uma missão de paz e de amizade, sempre entraria montado em um asno. Jesus não queria entrar em Jerusalém como um homem montado em um cavalo, mas queria entrar pacificamente e com boa vontade, montado em um burro, como o Filho do Homem.

172:3:6 18814 Durante muito tempo, Jesus tinha tentado, por meio de ensinamentos diretos, inculcar nos seus apóstolos e discípulos a idéia de que o seu Reino não era deste mundo, que era uma questão puramente espiritual; mas não havia conseguido êxito no seu esforço. Agora, queria tentar realizar, mediante um gesto de apelo simbólico, o que não havia alcançado por meio de um ensinamento claro e pessoal. Em vista disso, imediatamente depois do almoço, Jesus chamou Pedro e João e, depois de ordenar-lhes que fossem a Betfagé, uma aldeia vizinha, um pouco afastada da estrada principal e a uma pequena distância a nordeste da Betânia, disse-lhes: “Ide a Betfagé e, quando chegardes ao cruzamento dos caminhos, encontrareis o jumento de uma asna, amarrado ali. Soltai o jumento e trazei-no convosco. Se alguém vos perguntar por que fazeis isso, dizei meramente: ‘O Mestre tem necessidade dele’”. E, quando os dois apóstolos foram a Betfagé, como o Mestre lhes havia instruído, eles acharam o jumento atado perto da sua mãe, no caminho aberto e perto de uma casa, em uma esquina. Quando Pedro começou a desamarrar o jumento, o seu proprietário veio e perguntou por que faziam aquilo e, quando Pedro respondeu-lhe que Jesus tinha mandado que o fizesse, o homem disse: “Se o vosso Mestre é Jesus da Galiléia, que ele tenha o jumento”. E assim eles voltaram trazendo consigo o asno.

172:3:7 18815 A essa altura, várias centenas de peregrinos tinham-se ajuntado em torno de Jesus e dos seus apóstolos. Desde a metade daquela manhã, os visitantes que passavam, a caminho da Páscoa, tinham ficado ali. Nesse meio tempo, Davi Zebedeu e alguns dos seus antigos companheiros mensageiros tomaram a si a incumbência de ir depressa a Jerusalém, onde eficazmente difundiram, entre as multidões de peregrinos visitantes nos templos, a notícia de que Jesus de Nazaré estava fazendo uma entrada triunfal na cidade. E, desse modo, vários milhares desses visitantes acudiram em massa para saudar esse profeta, autor de prodígios, de quem tanto se falava, e que alguns acreditavam ser o Messias. Essa multidão, saindo de Jerusalém, encontrou Jesus e a outra multidão que entrava na cidade, pouco depois de ter passado sobre o cume do monte das Oliveiras e ter começado a descida para a cidade.

172:3:8 18821 Quando a procissão saiu da Betânia, havia um grande entusiasmo em meio à multidão festiva de discípulos, crentes e peregrinos visitantes; muitos procedentes da Galiléia e Peréia. Pouco antes de partirem, as doze integrantes do grupo original das mulheres, acompanhadas de alguns dos seus amigos, chegaram e juntaram-se a essa procissão única que se movia alegremente na direção da cidade.

172:3:9 18822 Antes de partirem, os gêmeos Alfeus puseram os seus mantos no jumento e seguraram-no, enquanto o Mestre subia nele. À medida que a procissão movia-se para o topo do monte das Oliveiras, a multidão festiva jogava peças de roupa no chão e segurava os ramos das árvores próximas, para fazer um tapete de honra ao asno que trazia o Filho real, o Messias prometido. Enquanto a multidão feliz movia-se na direção de Jerusalém, todos começaram a cantar, ou a gritar em uníssono o salmo: “Hosana ao filho de Davi; abençoado é ele que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas. Abençoado seja o Reino que vem do céu”.

172:3:10 18823 Jesus estava alegre e jovial durante o trajeto até chegarem ao cume do monte das Oliveiras, de onde se tinha uma visão plena das torres do templo; e o Mestre deteve ali a procissão, e um grande silêncio apoderou-se de todos, quando o viram chorando. Baixando o olhar sobre a vasta multidão que vinha da cidade para saudá-lo, o Mestre, com muita emoção e com uma voz chorosa, disse: “Ó Jerusalém, se tivesses apenas sabido, tu também, ao menos neste teu dia, as coisas que pertencem à tua paz, e que tu poderias tão livremente ter tido! Mas agora essas glórias estão a ponto de serem ocultadas dos teus olhos. Tu estás a ponto de rejeitar o Filho da paz e dar as tuas costas ao evangelho da salvação. Em breve virão os dias em que os teus inimigos abrirão uma trincheira em torno de ti e te assediarão por todos os lados; eles irão destruir-te por completo, de modo que não ficará pedra sobre pedra. E tudo isso acontecerá a ti porque tu não reconheceste o momento da tua visitação divina. Estás a ponto de rejeitar a dádiva de Deus; e todos os homens te rejeitarão”.

172:3:11 18824 Quando ele terminou de falar, eles começaram a descer o monte das Oliveiras e em breve a multidão de visitantes, que tinha vindo de Jerusalém, juntou-se a eles, agitando no ar os ramos de palmas, gritando hosanas e expressando de outras maneiras o seu regozijo e a boa irmandade. O Mestre não tinha planejado que essas multidões viessem de Jerusalém para encontrá-los; aquilo tinha sido obra de outras pessoas. Ele nunca premeditou nada que fosse ostensivo ou dramático.

172:3:12 18825 Junto com a multidão, que afluía para dar as boas-vindas ao Mestre, vieram também vários dos fariseus e outros inimigos de Jesus. Eles estavam tão perturbados por essa súbita e inesperada explosão de aclamação popular que temeram prendê-lo, pois uma ação assim poderia precipitar uma revolta aberta da população. Eles temiam em muito a atitude do grande número de visitantes, que tinham ouvido falar bastante de Jesus e que, vários deles, acreditavam nele.

172:3:13 18826 Ao aproximar-se de Jerusalém, a multidão tornou-se mais expressiva, tanto que alguns dos fariseus adiantaram-se, indo até Jesus, para dizer: “Instrutor, deverias repreender os teus discípulos e exortá-los a comportarem-se mais convenientemente”. Jesus respondeu: “Conveniente é que esses filhos dêem as suas boas-vindas ao Filho da paz, que foi rejeitado pelos principais sacerdotes. Inútil seria pará-los, pois, no seu lugar, essas pedras ao longo da estrada começariam a gritar”.

172:3:14 18827 Os fariseus apressaram-se para ir à frente da procissão e voltar ao sinédrio, que então estava reunido no templo; e eles relataram aos seus amigos: “Vede, tudo o que fazemos não serve de nada; estamos sendo confundidos por esse galileu. O povo ficou louco por causa dele; se não pararmos esses ignorantes, todo o mundo o seguirá”.

172:3:15 18831 Realmente não cabia atribuir um significado mais profundo a essa explosão superficial e espontânea de entusiasmo popular. Essas boas-vindas, embora tenham sido alegres e sinceras, não indicavam qualquer convicção verdadeira ou profunda nos corações dessa multidão festiva. Essas mesmas multidões ver-se-iam igualmente dispostas a rejeitar Jesus rapidamente, mais tarde, nessa mesma semana, quando o sinédrio tivesse tomado uma posição firme e decidida contra ele, e quando eles ficassem desiludidos – quando eles entendessem que Jesus não iria estabelecer o Reino de acordo com as expectativas nutridas durante tanto tempo por eles.

172:3:16 18832 Toda a cidade, contudo, estava fortemente agitada, a um ponto em que todos perguntavam: “Quem é este homem?” E a multidão respondia: “Este é o profeta da Galiléia, Jesus de Nazaré”.

4. A VISITA AO TEMPLO


172:4:1 18833 Enquanto os gêmeos Alfeus devolviam o jumento ao seu proprietário, Jesus e os dez apóstolos destacavam-se dos seus seguidores imediatos e davam uma volta pelo templo, vendo os preparativos para a Páscoa. Nenhuma tentativa foi feita para molestar Jesus, pois o sinédrio temia muito o povo; e essa era, afinal, uma das razões que Jesus tinha tido para permitir que a multidão o aclamasse assim. Os apóstolos pouco compreenderam que era essa a única forma humana de proceder, que poderia ter sido eficaz para impedir a prisão imediata de Jesus, ao entrar na cidade. O Mestre desejava dar aos habitantes de Jerusalém, aos notáveis e aos humildes, bem como às dezenas de milhares de visitantes da Páscoa, mais essa última oportunidade para ouvirem o evangelho e receberem o Filho da paz se assim o quisessem.

172:4:2 18834 E agora, que a tarde caía e as multidões partiam em busca de alimentos, Jesus e os seus seguidores diretos foram deixados a sós. Que dia estranho tinha sido aquele! Os apóstolos estavam pensativos, mas nada diziam. Nunca, em todos os anos da sua associação com Jesus, tinham eles presenciado um dia como aquele. Por um momento sentaram-se perto do tesouro do templo, observando o povo jogar ali as suas contribuições: os ricos pondo muito na caixa coletora e todos dando de acordo com as suas posses. Ao final chegou ali uma viúva pobre, miseravelmente vestida, e eles perceberam que ela jogara duas moedas (pequenas peças de cobre) na corneta. E então Jesus disse, chamando a atenção dos apóstolos para a viúva: “Guardai bem o que acabastes de ver. Esta pobre viúva jogou ali mais do que todos os outros, pois todos os outros puseram lá uma pequena fração do seu supérfluo, como dádiva, mas esta pobre mulher, mesmo estando em necessidade, deu tudo o que tinha, até mesmo aquilo de que necessitava”.

172:4:3 18835 Enquanto a tarde caía, eles caminharam pelas praças do templo em silêncio e, depois que Jesus tinha observado essas cenas familiares, uma vez mais, relembrando as suas emoções das visitas passadas, não se esquecendo das primeiras, ele disse: “Vamos à Betânia para descansar”. Jesus, junto com Pedro e João, foram para a casa de Simão, enquanto os outros apóstolos alojaram-se com os seus amigos na Betânia e Betfagé.

5. A ATITUDE DOS APÓSTOLOS


172:5:1 18836 Nesse domingo à tarde, quando eles voltavam à Betânia, Jesus caminhou à frente dos apóstolos. Nenhuma palavra foi pronunciada até que eles separaram-se, depois de chegarem à casa de Simão. Jamais doze seres humanos experimentaram emoções tão diversas e inexplicáveis, como as que surgiam agora nas mentes e nas almas desses embaixadores do Reino. Esses robustos galileus encontravam-se confusos e desconsertados; eles não sabiam o que esperar em seguida; estavam surpresos demais para sentirem medo. Eles nada sabiam dos planos do Mestre para o dia seguinte, e não fizeram perguntas. Foram para os seus alojamentos, ainda que não dormissem muito, exceto os gêmeos. Contudo, eles não montaram uma guarda armada para Jesus na casa de Simão.

172:5:2 18841 André estava profundamente desnorteado, quase confuso. Ele foi o único apóstolo que não tentou avaliar seriamente a explosão popular de aclamação. Seu pensamento estava por demais ocupado com a responsabilidade de dirigente do corpo apostólico, para dar uma atenção mais séria ao sentido ou à significação dos altos hosanas da multidão. André estava ocupado dando atenção a alguns dos seus companheiros que, ele temia, se pudessem deixar levar pelas próprias emoções durante a agitação, particularmente Pedro, Tiago, João e Simão zelote. Durante esse dia e nos imediatamente seguintes, André foi dominado por sérias dúvidas, mas ele nunca transmitiu qualquer dessas apreensões aos seus colegas apóstolos. Ele encontrava-se preocupado com a atitude de alguns dentre os doze que, ele sabia, estavam armados com espadas; mas não sabia que o seu próprio irmão, Pedro, portava tal arma. E assim a procissão a Jerusalém causou uma impressão relativamente superficial sobre André; ele estava preocupado demais com as responsabilidades do seu cargo para ser afetado por outras coisas.

172:5:3 18842 Simão Pedro inicialmente ficou muito impressionado com a manifestação popular de entusiasmo; no entanto ele estava consideravelmente equilibrado, no momento em que eles retornaram para a Betânia, naquela noite. Pedro simplesmente não podia imaginar o que o Mestre pretendia fazer. Ele estava terrivelmente desapontado com o fato de Jesus não ter reforçado essa onda de favorecimento popular, com alguma espécie de pronunciamento. Pedro não conseguia compreender por que Jesus não falou à multidão quando eles chegaram ao templo, nem ao menos permitiu que um dos apóstolos se dirigisse à multidão. Pedro era um grande pregador, e ficava desgostoso por perder uma audiência tão grande, receptiva e entusiasta. Ele gostaria tanto de ter pregado o evangelho do Reino àquela multidão ali, na praça do templo; o Mestre, todavia, tinha proibido especialmente que eles fizessem qualquer pregação ou dessem ensinamentos, enquanto estivessem em Jerusalém, nessa semana de Páscoa. A reação, à procissão espetacular, ao chegar à cidade foi desastrosa segundo Simão Pedro; à noite ele estava comportado, mas tomado por uma tristeza inexprimível.

172:5:4 18843 Para Tiago Zebedeu, esse domingo foi um dia de perplexidade e de profundo embaraço; ele não podia captar o significado daquilo que estava acontecendo; não podia compreender o propósito do Mestre ao permitir as aclamações desvairadas e então se recusar a dizer sequer uma palavra ao povo, quando chegaram ao templo. Quando a procissão ia, monte das Oliveiras abaixo, em direção a Jerusalém, mais especificamente quando passou pelos milhares de peregrinos que afluíam para dar as boas-vindas ao Mestre, Tiago encontrava-se cruelmente dilacerado por emoções conflitantes de exaltação e de satisfação, pelo que ele viu e pelo profundo sentimento de medo quanto ao que aconteceria no momento em que chegassem ao templo. E, então, ficou abatido e dominado pelo desapontamento, quando Jesus desceu do jumento e caminhou comodamente pelas praças do templo. Tiago não podia compreender a razão para se jogar fora uma oportunidade tão magnífica de proclamar o Reino. À noite, a sua mente ficou fortemente presa nas garras de uma incerteza angustiante e horrível.

172:5:5 18844 João Zebedeu chegou perto de compreender por que Jesus tinha feito isso; ao menos em parte ele captava o significado espiritual dessa suposta entrada triunfal em Jerusalém. À medida que a multidão movia-se na direção do templo, e à medida que João contemplou o seu Mestre, assentado sobre o jumento, ele lembrou-se de ouvir uma certa vez Jesus citar a passagem da escritura, na declaração de Zacarias, que descrevia a vinda do Messias como um homem de paz que, montado em um asno, entrava em Jerusalém. E João, ao revirar essa escritura na sua mente, começou a compreender a significação simbólica desse cortejo de domingo à tarde. Ao menos ele captou, do significado dessa escritura, o suficiente para capacitá-lo a desfrutar do episódio de algum modo e para impedir que ficasse deprimido em exagero pelo final aparentemente sem propósito da procissão triunfal. João tinha um tipo de mente que de modo natural inclinava-se para sentir e pensar por meio de símbolos.

172:5:6 18851 Filipe estava inteiramente transtornado pelo inesperado e pela espontaneidade daquela explosão. Ele não podia ordenar suficientemente os seus pensamentos enquanto descia o monte das Oliveiras, a ponto de chegar a uma opinião determinada sobre o que aquela manifestação poderia significar. De um certo modo, ele desfrutou do espetáculo já que era em honra do seu Mestre. No momento em que chegaram ao templo, ele ficou perturbado pelo pensamento de que Jesus pudesse possivelmente pedir-lhe que alimentasse a multidão, e tanto assim que a conduta de Jesus, ao afastar-se comodamente da multidão, e que desapontou tão sofridamente à maioria dos apóstolos, havia sido um grande alívio para Filipe. As multidões, algumas vezes, tinham sido uma grande provação para o administrador dos doze. Depois de aliviar-se desses medos pessoais, quanto às necessidades materiais das multidões, Filipe juntou-se a Pedro na expressão de desapontamento, por nada ter sido feito para dar ensinamentos à multidão. Naquela noite, Filipe pôs-se a refletir sobre essas experiências e foi tentado a duvidar de toda idéia do Reino; ele imaginou honestamente o que podiam significar todas essas coisas, mas não expressou as suas dúvidas a ninguém; ele amava demais a Jesus. E tinha uma grande fé pessoal no Mestre.

172:5:7 18852 À parte os aspectos simbólicos e proféticos, Natanael chegou o mais próximo possível de compreender as razões que o Mestre tinha para angariar o apoio popular dos peregrinos da Páscoa. Ele estivera pensando, antes de chegarem ao templo, que, sem o aspecto convincente daquela entrada em Jerusalém, Jesus teria sido preso pelos oficiais do sinédrio e jogado na prisão, no momento em que se atrevesse a entrar na cidade. E, portanto, ele não estava nem um pouco surpreso de que o Mestre não fizera nenhum uso das multidões alegres, depois de ter entrado paredes adentro da cidade e de ter assim impressionado tão poderosamente os líderes judeus a ponto de fazê-los absterem-se de colocá-lo imediatamente na prisão. Compreendendo a verdadeira razão pela qual o Mestre teria entrado na cidade dessa maneira, Natanael naturalmente seguiu adiante mais equilibrado e menos perturbado e desapontado, do que os outros apóstolos, pela conduta subseqüente de Jesus. Natanael tinha grande confiança no entendimento de Jesus a respeito dos homens, tanto quanto na sua sagacidade e na habilidade para lidar com as situações difíceis.

172:5:8 18853 Mateus, a princípio, esteve confuso por causa da manifestação espetacular. Ele não captou o significado daquilo que os seus olhos estavam vendo, até que também ele se lembrasse da escritura de Zacarias, em que o profeta havia aludido ao júbilo de Jerusalém, porque o seu rei tinha vindo trazer a salvação, montado em um jumento de asno. Enquanto a procissão rumava em direção à cidade, dirigindo-se logo para o templo, Mateus ficou extasiado; ele estava seguro de que algo extraordinário aconteceria, quando o Mestre chegasse ao templo, à frente dessa multidão aclamadora. Quando um dos fariseus zombou de Jesus, dizendo: “Olhai, todo mundo, vide quem vem lá; o rei dos judeus montado em um asno!”, Mateus só conseguiu não lhe pôr as mãos em cima a custo de um grande esforço. Nenhum dos doze estava mais deprimido, no caminho de volta para a Betânia, naquele entardecer. Junto com Simão Pedro e Simão zelote, Mateus experimentava a tensão nervosa mais alta e, à noite, estava em um estado de exaustão total. Mas pela manhã Mateus ficou mais animado; afinal, ele sabia ser um bom perdedor.

172:5:9 18861 Tomé era o homem mais desnorteado e perplexo de todos os doze. Durante a maior parte do tempo ele apenas limitou-se a seguir os demais, contemplando o espetáculo e perguntando-se honestamente qual poderia ser o motivo do Mestre ao participar de uma manifestação tão peculiar. No fundo do seu coração ele considerava toda a representação um pouco infantil, se não absolutamente tola. Ele nunca tinha visto Jesus fazer nada semelhante e não sabia como explicar a sua estranha conduta nessa tarde de domingo. No momento em que eles chegaram ao templo, Tomé tinha deduzido que o propósito dessa manifestação popular era amedrontar o sinédrio de um tal modo que não ousasse prender imediatamente o Mestre. No caminho de volta para a Betânia, Tomé pensou muito, mas nada disse. Na hora de deitarem-se, a habilidade do Mestre em organizar a entrada tumultuada em Jerusalém tinha começado a exercer um apelo ao seu senso de humor, e ele estava contente e aliviado por tal reação.

172:5:10 18862 Esse domingo começou por ser um grande dia para Simão zelote. Ele teve visões de feitos maravilhosos em Jerusalém, nos próximos poucos dias, e nisso ele tinha razão, mas Simão sonhara com o estabelecimento de um novo governo nacional dos judeus, com Jesus no trono de Davi. Simão via os nacionalistas entrando em ação tão logo esse reino fosse anunciado, e ele próprio no comando supremo das forças militares reunidas do novo reino. A caminho do monte das Oliveiras, visualizou mesmo o sinédrio e todos os seus simpatizantes mortos antes do entardecer daquele dia. Acreditara realmente que algo grandioso ia acontecer. Ele era o homem mais barulhento de toda a multidão. Às cinco horas daquela tarde ele era um apóstolo silencioso, abatido e desiludido. E nunca se recuperou totalmente da depressão que se estabeleceu nele, como resultado do choque desse dia; ao menos não até muito depois da ressurreição do Mestre.

172:5:11 18863 Para os gêmeos Alfeus esse foi um dia perfeito. Eles realmente desfrutaram desse dia todo o tempo, e não estando presentes durante o tempo da visita tranqüila ao templo, se livraram bem do anticlímax que foi o alvoroço popular. Certamente não poderiam compreender o comportamento abatido dos apóstolos, quando regressaram à Betânia naquela noite. Na memória dos gêmeos este viria a ser sempre o dia, aqui na Terra, em que eles estiveram o mais perto do céu. Esse dia tinha sido o ponto mais alto de toda a sua carreira como apóstolos. E a memória da euforia dessa tarde de domingo sustentou-os durante toda a tragédia dessa semana memorável, até a hora da crucificação. Foi a entrada mais digna de um rei, que podia ser imaginada pelos gêmeos; e eles desfrutaram de cada momento do espetáculo. E aprovaram absolutamente tudo o que viram, conservando tudo na memória por muito tempo.

172:5:12 18864 De todos os apóstolos, Judas Iscariotes foi o mais adversamente afetado por essa procissão de entrada em Jerusalém. A sua mente estava desagradavelmente agitada por causa da repreensão feita pelo Mestre, no dia anterior, em relação à unção realizada por Maria, na festa na casa de Simão. Judas estava desgostoso com todo o espetáculo. Parecia-lhe infantil, se não de fato ridículo. E, à medida que esse apóstolo vingativo presenciava os acontecimentos dessa tarde de domingo, para ele Jesus parecia assemelhar-se mais a um palhaço do que a um rei. Ele ressentia-se sinceramente com todo o espetáculo. E compartilhava da visão dos gregos e dos romanos, que desprezavam qualquer um que consentisse em montar num asno ou no jumento de uma mula. No momento em que a procissão triunfal entrou na cidade, Judas decidiu abandonar a idéia de um tal reino; e quase resolveu desistir de todas as absurdas tentativas de estabelecer o Reino do céu. E logo se lembrou da ressurreição de Lázaro e de muitas outras coisas; decidindo-se a ficar com os doze, ao menos por mais um dia. Além disso, ele levava a bolsa, e não iria desertar com os fundos apostólicos no seu poder.

172:5:13 18871 No caminho de volta à Betânia, naquela noite, a sua conduta não parecia estranha, já que todos os apóstolos estavam igualmente abatidos e silenciosos.

172:5:14 18872 Judas deixou-se influenciar tremendamente pela zombaria dos seus amigos saduceus. Nenhum outro fator isolado exerceu uma influência tão poderosa sobre ele, na sua determinação final de abandonar Jesus e os companheiros apóstolos, como um certo episódio que ocorreu exatamente no momento em que Jesus chegara ao portão da cidade: um saduceu proeminente (um amigo da família de Judas) apressou-se até ele, com um espírito zombeteiro e, batendo-lhe nas costas, dissera: “Por que um rosto tão preocupado, meu bom amigo? Te anima e te junte a todos nós enquanto aclamamos a esse Jesus de Nazaré, que entra pelos portões de Jerusalém montado em um asno, como o rei dos judeus”. Judas nunca se tinha retraído diante da perseguição, mas ele não podia suportar esse tipo de ridicularização. Ao seu sentimento de vingança, nutrido já há tanto tempo, somava-se agora esse medo fatal do ridículo, esse sentimento terrível e temível que é estar envergonhado do seu Mestre e dos seus companheiros apóstolos. No seu coração, esse embaixador ordenado do Reino era já um desertor; restava-lhe apenas encontrar alguma desculpa plausível para romper abertamente com o Mestre.

DOCUMENTO 173

A SEGUNDA-FEIRA EM JERUSALÉM
--------------------------------------------------------------------------------



Nessa segunda-feira pela manhã, bem cedo, tal como tinha sido combinado de antemão, Jesus e os apóstolos reuniram-se na casa de Simão, na Betânia, e, depois de uma breve troca de idéias, partiram para Jerusalém. Os doze mantiveram-se estranhamente silenciosos enquanto caminhavam para o templo; eles não se tinham recuperado da experiência do dia anterior. Estavam expectantes, temerosos e profundamente afetados por um certo sentimento de distância que tinha sua origem na mudança de tática adotada pelo Mestre, combinada com a sua instrução para que eles não se engajassem em nenhum ensinamento público durante essa semana de Páscoa.

173:0:2 18882 Enquanto esse grupo descia o monte das Oliveiras, Jesus ia à frente e os apóstolos seguiam imediatamente atrás, em silêncio meditativo; um único pensamento preponderava nas mentes de todos, exceto de Judas Iscariotes, e era: o que o Mestre fará hoje? O único pensamento que absorvia Judas era: O que farei? Devo continuar com Jesus e os meus companheiros, ou devo retirar-me? E se eu resolver abandonar tudo, como vou fazer esse rompimento?

173:0:3 18883 Era por volta de nove horas dessa bela manhã, quando esses homens chegaram ao templo. Foram imediatamente para a ampla praça onde Jesus ensinara tão freqüentemente e, depois de saudar os crentes que o aguardavam, Jesus subiu em uma das plataformas para os instrutores e começou a falar à multidão que se reunia. Os apóstolos mantiveram-se a uma curta distância e esperaram os acontecimentos.

1. A PURIFICAÇÃO DO TEMPLO


173:1:1 18884 Um imenso tráfico comercial tinha surgido em função dos serviços, das cerimônias e do culto no templo. Havia o comércio que provia os animais adequados aos vários sacrifícios. Embora fosse permitido que os fiéis trouxessem o próprio animal do sacrifício, persistia o fato de que esse animal devesse estar livre de toda “mancha” no sentido dado pela lei levítica e segundo a interpretação dos inspetores oficiais do templo. Muitos fiéis tinham passado pela humilhação de ter o seu animal supostamente perfeito rejeitado pelos examinadores do templo. Por isso tornou-se uma prática comum comprar no templo os animais para o sacrifício e, embora houvesse vários postos perto do monte das Oliveiras onde pudessem ser comprados, tinha tornado-se moda comprar esses animais diretamente dos cercados do templo. Gradualmente cresceu o costume de se vender todas as espécies de animais de sacrifício nas praças do templo. E assim passou a existir um negócio extenso, no qual lucros enormes eram auferidos. Uma parte desses ganhos era reservada ao tesouro do templo, mas a maior parte ia indiretamente para as mãos das famílias dos altos sacerdotes no poder.

173:1:2 18885 Essa venda de animais no templo prosperou porque, quando o fiel comprava um tal animal, embora o preço pudesse ser um pouco alto, nenhuma taxa mais tinha de ser paga, e ele podia estar seguro de que o sacrifício proposto não seria rejeitado sob o pretexto de que o animal possuiria defeitos técnicos ou imaginários. De quando em quando, um sistema de preços exorbitantes era praticado para com a gente comum, especialmente durante as grandes festas nacionais. Em outros momentos, os sacerdotes de maior cobiça chegavam a cobrar o equivalente a uma semana de trabalho por um par de pombas, que poderia ser vendido ao pobre por uns poucos centavos. Os “filhos de Anás” tinham já começado a estabelecer os seus bazares nos recintos do templo; aqueles mesmos mercados de gêneros que perduraram até o momento em que foram, afinal, destruídos pelos populares, três anos antes da destruição do próprio templo.

173:1:3 18891 O tráfico de animais e de outras mercadorias para o sacrifício, entretanto, não era o único modo pelo qual se profanavam as praças do templo. Nessa época havia se fomentado um sistema extenso de intercâmbio bancário e comercial, que foi levado até para dentro dos recintos do templo. E tudo isso tinha acontecido do seguinte modo: durante a dinastia dos asmoneanos os judeus cunhavam as suas próprias moedas de prata, e havia se estabelecido a prática de exigir-se que os tributos no valor de meio siclo, ao templo, e todas as outras taxas do templo fossem pagas nessa moeda judaica. Essa regulamentação fazia necessário que se licenciassem cambistas para converter as muitas moedas em circulação na Palestina e em outras províncias do império romano por esse siclo ortodoxo de cunhagem judaica. A taxa do templo, por pessoa, pagável por todos, exceto pelas mulheres, escravos e menores, era de meio siclo, uma moeda de aproximadamente um centímetro de diâmetro e larga espessura. Na época de Jesus os sacerdotes estavam isentos também do pagamento das taxas do templo. E desse modo, entre os dias 15 e 25 do mês anterior à Páscoa, os cambistas autorizados instalavam os seus postos nas principais cidades da Palestina, com o propósito de fornecer ao povo judeu a moeda adequada para pagar as taxas do templo, quando chegasse a Jerusalém. Depois desse período de dez dias, os cambistas iam para Jerusalém e continuavam com as suas mesas de câmbio nas praças do templo. Era-lhes permitido cobrar uma comissão equivalente a três ou quatro cêntimos pela troca de uma moeda cujo valor era de cerca de dez cêntimos, e caso uma moeda de maior valor fosse oferecida para a troca, era-lhes permitido cobrar em dobro. Do mesmo modo esses banqueiros do templo tinham lucros com a troca de qualquer dinheiro destinado à compra de animais para sacrifício, ou destinado ao pagamento de votos e oferendas.

173:1:4 18892 Esses cambistas do templo não apenas efetuavam os negócios bancários pelo lucro no câmbio, de mais de vinte moedas diferentes, que os peregrinos visitantes traziam periodicamente a Jerusalém, mas também participavam de todas as outras espécies de transações pertinentes ao negócio bancário. E tanto o tesouro do templo quanto os seus dirigentes, lucravam tremendamente com essas atividades comerciais. Não era incomum que o tesouro do templo guardasse o equivalente a mais de dez milhões de dólares, enquanto a gente comum definhava na pobreza e continuava a pagar arrecadações injustas.

173:1:5 18893 Nessa segunda-feira pela manhã, em meio à multidão barulhenta de cambistas, de mercadores e de vendedores de gado, Jesus tentou ensinar o evangelho do Reino do céu. E não era ele o único a ressentir-se dessa profanação do templo; a gente comum, especialmente de visitantes judeus de províncias estrangeiras, também se ressentia sinceramente dessa profanação especulativa da sua casa nacional de culto. Nessa época, o próprio sinédrio mantinha as suas reuniões regulares em uma sala cercada por todo esse murmúrio e confusão de comércio e de câmbio.

173:1:6 18901 No momento em que Jesus estava para começar a falar, duas coisas aconteceram que prenderam a sua atenção. Na mesa de dinheiro de um cambista por perto, tinha surgido uma discussão violenta e calorosa sobre uma comissão muito elevada cobrada a um judeu de Alexandria, enquanto ao mesmo tempo o ar foi rompido pelos mugidos de uma manada de uns cem bois que estavam sendo conduzidos de um setor dos currais para outro. Quando Jesus deteve-se, contemplando, silenciosa mas pensativamente, essa cena de comércio e confusão, ele observou, perto de si, um cândido galileu, um homem com quem ele certa vez havia falado em Iron, ser ridicularizado e empurrado por uns judeus arrogantes e pretensiosamente metidos a superiores; e, tudo isso combinado, produziu um dos estranhos acessos periódicos de indignação emotiva na alma de Jesus.

173:1:7 18902 Para assombro dos seus apóstolos, que estavam ali perto, e que se abstiveram de participar naquilo que logo aconteceu, Jesus desceu da plataforma de instrutor e dirigiu-se ao garoto que estava conduzindo o gado pela praça, tomou dele o chicote de cordas e rapidamente tirou os animais do templo. Isso, todavia, não foi tudo; a passos largos, e majestosamente, diante do olhar assombrado dos milhares de pessoas reunidas na praça do templo, ele dirigiu-se ao curral mais distante e pôs-se a abrir as porteiras de todos os currais e a colocar para fora os animais aprisionados. Nesse momento os peregrinos ali reunidos ficaram exaltados e, em uma gritaria tumultuada, foram até os bazares e começaram a virar as mesas dos cambistas. Em menos de cinco minutos, todo o comércio foi varrido do templo. No instante em que os guardas romanos da vizinhança surgiram em cena, tudo estava quieto e a multidão já se encontrava comportada; e Jesus, voltando à plataforma do orador, disse à multidão: “Vós testemunhastes neste dia o que está escrito nas escrituras: ‘A minha casa será chamada de uma casa de oração para todas as nações, mas fizestes dela um covil de ladrões’”.

173:1:8 18903 Antes, contudo, de poder dizer outras palavras, a grande multidão irrompeu em hosanas de louvação e, logo em seguida, um grande grupo de jovens saiu da multidão cantando hinos de gratidão, porque os mercadores profanos e usurários haviam sido expulsos do templo sagrado. Nesse momento alguns dos sacerdotes tinham chegado ao local, e um deles disse a Jesus: “Não ouvis o que os filhos dos levitas dizem?” E o Mestre respondeu: “Nunca lestes: ‘da boca das crianças e dos lactentes a louvação saiu perfeita?’” Durante todo o restante daquele dia, enquanto Jesus ensinava, os guardas colocados pelo povo vigiavam em cada arco de entrada, e não permitiriam que ninguém levasse sequer uma vasilha vazia pelas praças do templo.

173:1:9 18904 Quando os principais sacerdotes e os escribas ouviram contar sobre esses acontecimentos, eles ficaram sem fala. Quanto mais temiam o Mestre, mais ficavam determinados a destruí-lo. Mas estavam confusos. Não sabiam como executar a sua sentença de morte, pois temiam bastante as multidões, que agora expressavam abertamente a sua aprovação pela expulsão dos especuladores profanos. E, durante todo esse dia, um dia de paz e de tranqüilidade nas praças do templo, o povo ouviu o ensinamento de Jesus e ficou literalmente suspenso nas suas palavras.

173:1:10 18905 Essa ação surpreendente de Jesus estava além da compreensão dos seus apóstolos. Eles ficaram tão desconsertados pela ação repentina e inesperada do seu Mestre, que permaneceram agrupados, durante todo o episódio, perto da plataforma do orador; e não levantaram sequer a mão para ajudar nessa limpeza do templo. Se esse acontecimento espetacular tivesse ocorrido no dia anterior, no momento da chegada triunfal de Jesus ao templo, no término da sua tumultuada procissão pelos portões da cidade, todo o tempo aclamado em altos brados pela multidão, eles teriam estado prontos para tudo, mas, vindo como veio, eles não estavam absolutamente preparados para participar.

173:1:11 18911 Essa purificação do templo mostra a atitude do Mestre para com a comercialização das práticas da religião, bem como a sua abominação por todas as formas de injustiças e de extorsão dos pobres e dos ignorantes. O episódio demonstra também que Jesus não via com aprovação a recusa a empregar a força para proteger a maioria de um certo grupo humano qualquer, contra as práticas desleais e escravizadoras de minorias injustas que podem ser capazes de entrincheirar-se por detrás do poder político, financeiro ou eclesiástico. Não se deve permitir que homens astuciosos, perversos e artificiosos organizem-se para a exploração e opressão daqueles que, por causa do seu idealismo, não estão dispostos a recorrer à força para a autoproteção ou para a execução dos seus projetos dignos de louvor.

2. DESAFIANDO A AUTORIDADE DO MESTRE


173:2:1 18912 A entrada triunfal em Jerusalém, no domingo, havia intimidado tanto os líderes judeus que eles se abstiveram de prender Jesus. Hoje, essa purificação espetacular do templo, do mesmo modo, adiou efetivamente a prisão do Mestre. Dia a dia, os dirigentes dos judeus tornavam-se cada vez mais determinados a destruí-lo, mas eles ficavam perturbados por dois medos, que conspiraram para retardar a hora de desferir o golpe. Os principais sacerdotes e os escribas não estavam dispostos a prender Jesus em público, por medo de que a multidão se voltasse contra eles na fúria do ressentimento; eles também temiam a possibilidade de terem de convocar os guardas romanos para sufocar uma revolta popular.

173:2:2 18913 Na sessão do sinédrio ao meio-dia ficou decidido por unanimidade que Jesus devia ser rapidamente destruído, já que nenhum amigo do Mestre compareceu a essa reunião. Mas eles não conseguiram chegar a um consenso quanto ao momento e à maneira de prendê-lo. Finalmente concordaram em apontar cinco grupos para se misturarem ao povo e, assim, buscar enredá-lo nos próprios ensinamentos ou, de algum outro modo, colocá-lo em descrédito perante aqueles que ouviam o seu ensinamento. E, desse modo, por volta das duas horas, quando Jesus tinha apenas começado a sua palestra sobre “A Liberdade da Filiação”, um grupo desses anciães de Israel abriu caminho até perto de Jesus e, interrompendo-o da maneira costumeira, fizeram esta pergunta: “Com qual autoridade tu fazes essas coisas? Quem te deu essa autoridade?”

173:2:3 18914 Era de todo próprio que os dirigentes do templo e os oficiais do sinédrio judeu devessem fazer essa pergunta a qualquer um que presumisse ensinar e atuar de modo extraordinário, como havia sido característico de Jesus, especialmente no que concernia à sua conduta recente de retirar todo o comércio do templo. Todos esses comerciantes e cambistas operavam com licença direta desses dirigentes mais altos, e uma percentagem dos seus ganhos, supunha-se, iria diretamente para o tesouro do templo. Não vos esqueçais de que autoridade era a senha para todo o mundo judeu. Os profetas estavam sempre suscitando problemas porque eles tão ousadamente presumiam ensinar sem autoridade, sem terem sido devidamente instruídos nas academias rabínicas e sem serem ordenados regularmente depois pelo sinédrio. A falta dessa autoridade, em pregações públicas pretensiosas, era considerada como indicadora de atrevimento ignorante ou de rebelião aberta. Nessa época apenas o sinédrio poderia ordenar um ancião ou um instrutor, e essa cerimônia tinha de ter lugar na presença de pelo menos três pessoas que tivessem sido assim anteriormente ordenadas. Tal ordenação conferia o título de “rabino” ao instrutor e também o qualificava para atuar como juiz, “obrigando ou desobrigando as questões que poderiam ser levadas a ele para julgamento”.

173:2:4 18921 Os dirigentes do templo vieram perante Jesus, nessa hora da tarde, não apenas desafiando o seu ensinamento, mas também os seus atos. Jesus bem sabia que esses mesmos homens há muito vinham afirmando publicamente que a sua autoridade para ensinar era satânica, e que todas as suas obras poderosas haviam sido realizadas pelo poder do príncipe dos demônios. O Mestre, por conseguinte, começou a sua resposta à pergunta deles fazendo-lhes uma contrapergunta. Disse Jesus: “Eu gostaria de fazer-lhes uma pergunta que, se me responderdes, eu da mesma forma dir-vos-ei por meio de qual autoridade eu faço essas obras. De onde procedia o batismo de João? João obteve a sua autoridade dos céus ou dos homens?”

173:2:5 18922 E quando os seus interrogadores ouviram isso, retiraram-se de lado para aconselharem-se entre si quanto à resposta que poderiam dar. Eles haviam pensado em embaraçar Jesus diante da multidão, mas agora eles encontravam-se muito confundidos diante de todos que estavam reunidos naquele momento na praça do templo. E a derrota deles ficou muito mais aparente quando voltaram dizendo a Jesus: “A respeito do batismo de João, não podemos responder; não sabemos”. E responderam assim ao Mestre porque eles haviam argumentado entre si: se dissermos que vinha do céu, então ele nos perguntará por que não acreditamos nele, e talvez acrescente que ele recebeu a sua autoridade de João; e se dissermos que provinha dos homens, então a multidão poderia voltar-se contra nós, pois a maioria deles sustenta que João era um profeta. Desse modo eles viram-se obrigados, perante Jesus e o povo, a confessar que eles, os instrutores e líderes religiosos de Israel, não podiam (ou não queriam) expressar uma opinião sobre a missão de João. E depois que eles falaram, Jesus, abaixando os olhos até eles, disse: “Eu, tampouco, dir-vos-ei por autoridade de quem eu faço essas coisas”.

173:2:6 18923 Jesus nunca teve a intenção de recorrer à autoridade de João; João nunca fora ordenado pelo sinédrio. A autoridade de Jesus estava nele próprio e na supremacia eterna do seu Pai.

173:2:7 18924 Ao empregar esse método para lidar com os seus adversários, Jesus não teve a intenção de evadir-se da pergunta. A princípio poderia parecer que ele fosse culpado de uma evasiva magistral, mas isso não acontecia. Jesus nunca se dispôs a tirar uma vantagem injusta, nem mesmo dos seus inimigos. Na sua evasiva aparente, ele realmente ofereceu a todos os seus ouvintes a resposta à pergunta dos fariseus sobre a autoridade que estava por trás da sua missão. Eles tinham afirmado que ele atuava pela autoridade do príncipe dos demônios. Jesus havia repetidamente dito que todos os seus ensinamentos e obras vinham do poder e da autoridade do seu Pai nos céus. E isso os líderes judeus recusaram-se a aceitar, e estavam buscando acossá-lo levando-o a admitir que era um instrutor irregular, já que nunca tinha sido sancionado pelo sinédrio. Ao responder a eles como o fez, embora sem pretender que a sua autoridade viesse de João, ele satisfez ao povo com a conclusão de que o esforço dos seus inimigos, para pegá-lo em uma armadilha, tinha efetivamente recaído sobre eles próprios e os desacreditava aos olhos de todos ali presentes.

173:2:8 18925 E essa genialidade do Mestre para lidar com os seus adversários era o que os deixava com tanto medo dele. Eles não tentaram mais perguntar nada naquele dia; retiraram-se para aconselhar-se ainda mais entre si. O povo, contudo, não demorou em discernir a desonestidade e a insinceridade nessas perguntas feitas pelos dirigentes judeus. Mesmo a gente comum não podia deixar de diferençar entre a majestade moral do Mestre e a hipocrisia insidiosa dos seus inimigos. Contudo, a limpeza do templo havia levado os saduceus a unirem-se aos fariseus, no aperfeiçoamento do plano para destruir Jesus. E os saduceus agora representavam a maioria no sinédrio.

3. PARÁBOLA DOS DOIS FILHOS


173:3:1 18931 Enquanto os capciosos fariseus permaneciam ali diante de Jesus, em silêncio, ele abaixou os olhos para encará-los e dizer: “Posto que tendes dúvidas sobre a missão de João e já que estais coligados, em inimizade, contra os ensinamentos e obras do Filho do Homem, prestai atenção à parábola que irei contar-vos: Um certo dono de terras, grande e respeitado, tinha dois filhos, e desejando a ajuda dos seus filhos na administração das suas extensas propriedades, veio até um deles e disse: ‘Filho, vá trabalhar hoje no meu vinhedo’. E esse filho irrefletido respondeu ao pai dizendo: ‘Eu não irei’; mas arrependeu-se depois e foi. Quando se encontrou com o filho mais velho, disse-lhe do mesmo modo: ‘Filho, vá trabalhar no meu vinhedo’. E esse filho, hipócrita e infiel, respondeu: ‘Sim, meu pai, eu irei’. Mas quando o seu pai distanciou-se, ele não foi. Deixe que eu vos pergunte, qual desses filhos realmente fez a vontade do seu pai?”

173:3:2 18932 E o povo falou em uma só voz, dizendo: “O primeiro filho”. E então Jesus disse: “Assim é; e agora eu declaro que os publicanos e as prostitutas, ainda que pareçam negar-se ao chamado de arrependimento, verão o erro do seu caminho e irão para o Reino de Deus, antes de vós, que têm grandes pretensões de servir ao Pai nos céus, mas que recusais a fazer as obras do Pai. Não fostes vós, fariseus e escribas, que crestes em João, foram, sim, os publicanos e os pecadores; e vós não acreditais nos meus ensinamentos, mas o povo comum ouve as minhas palavras com contentamento”.

173:3:3 18933 Jesus não desprezou os fariseus e os saduceus pessoalmente. O que ele buscou desacreditar foram os seus sistemas de ensino e de prática. Ele não foi hostil a nenhum homem, mas ocorria nisso o choque inevitável entre uma religião nova e viva do espírito e a religião velha da cerimônia, da tradição e da autoridade.

173:3:4 18934 Os doze apóstolos, durante todo esse tempo, permaneceram perto do Mestre, mas de nenhum modo participaram desses atos. Cada um dos doze reagia da sua maneira própria e peculiar aos acontecimentos desses últimos dias da ministração de Jesus na carne, e cada um deles, igualmente, permaneceu obediente ao comando do Mestre de que se abstivesse de qualquer ensinamento e pregação públicos durante essa semana de Páscoa.

4. PARÁBOLA DO PROPRIETÁRIO AUSENTE


173:4:1 18935 Quando os principais fariseus e escribas, que tinham procurado envolver Jesus com as suas perguntas, terminaram de ouvir a história dos dois filhos, eles retiraram-se para um novo aconselhamento, e o Mestre, voltando a sua atenção para a multidão atenta, contou uma outra parábola:

173:4:2 18936 “Havia um homem bom que era dono de uma propriedade e que plantou um vinhedo. Ele colocou uma cerca em volta da plantação, cavou uma vala para prensar uva e construiu uma torre de vigia para os guardas. Então, deixou o vinhedo para uns arrendatários, enquanto saiu em uma longa viagem a um outro país. Quando a estação das frutas se aproximava, ele enviou serviçais aos arrendatários, para receber o aluguel. Todavia, eles consultaram entre si e recusaram-se a dar àqueles serviçais as frutas que deviam ao senhor deles; além disso, agrediram os serviçais, batendo em um deles, apedrejando outro e mandando os outros embora, de mãos vazias. Quando o proprietário soube de tudo isso, enviou outros serviçais, de maior confiança, para negociar com esses arrendatários perversos; a estes, eles feriram e trataram também de modo vergonhoso. E então o proprietário enviou o seu serviçal favorito, o seu administrador; e eles mataram-no. E ainda, com toda a paciência e indulgência, ele despachou muitos outros serviçais; mas a nenhum eles receberiam. Em alguns, eles bateram; a outros eles mataram. E quando o proprietário se viu tratado dessa maneira, decidiu enviar o seu filho para lidar com esses arrendatários ingratos, dizendo para si próprio: ‘Eles podem destratar os meus serviçais, mas certamente demonstrarão respeito pelo meu filho amado’. Mas, quando esses arrendatários perversos e sem arrependimento viram o filho, eles raciocinaram entre si: ‘Este é o herdeiro; vinde, vamos matá-lo e então a herança será nossa’. E assim eles agarraram-no e, depois de jogá-lo para fora do vinhedo, eles o mataram. Quando o senhor daquele vinhedo souber como eles rejeitaram e mataram o seu filho, o que ele fará àqueles homens ingratos e perversos?”

173:4:3 18941 Quando o povo ouviu essa parábola e a pergunta que Jesus tinha feito, eles responderam: “Ele irá destruir esses homens miseráveis e arrendará o seu vinhedo a outros agricultores honestos, que lhe entregarão as frutas na estação certa”. Quando alguns entre os que estavam ouvindo, perceberam que essa parábola referia-se à nação judaica, ao tratamento que ela havia dispensado aos profetas e à rejeição iminente de Jesus e do evangelho do Reino, eles disseram com tristeza: “Que Deus proíba que continuemos a fazer essas coisas”.

173:4:4 18942 Jesus viu um grupo de saduceus e fariseus abrindo caminho na multidão, então ele parou um pouco, até que eles chegassem perto dele, quando então ele disse: “Vós sabeis como os vossos pais rejeitaram os profetas, e bem sabeis que, no vosso coração, já decidistes rejeitar o Filho do Homem”. Na ocasião, olhando perscrutadoramente para esses sacerdotes e anciães que estavam na frente dele, Jesus disse: “Já lestes nas escrituras sobre a pedra que os construtores rejeitaram e que, quando o povo a descobriu, foi convertida na pedra angular? Assim, uma vez mais eu vos previno de que, se continuardes a rechaçar a esse evangelho, em breve o Reino de Deus será tirado de vós e dado a um povo disposto a receber as boas-novas e a conceber os frutos do espírito. E há um mistério a respeito dessa pedra, pois aquele que cai sobre ela, ainda que se rompa em pedaços, será salvo; mas aquele, sobre o qual essa pedra cair, será convertido em pó e as suas cinzas jogadas aos quatro ventos”.

173:4:5 18943 Quando os fariseus ouviram essas palavras, eles compreenderam que Jesus referia-se a eles próprios e aos outros líderes judeus. Eles desejavam ardentemente prendê-lo ali e naquele momento, mas temiam a multidão. Contudo, estavam tão enraivecidos com as palavras do Mestre que se retiraram e organizaram entre eles outro conselho, para saber como poderiam levá-lo à morte. E, naquela noite, os saduceus e os fariseus uniram as mãos para planejar pegá-lo no dia seguinte.

5. PARÁBOLA DA FESTA DE CASAMENTO


173:5:1 18944 Após os escribas e os dirigentes terem-se retirado, Jesus dirigiu-se uma vez mais à multidão reunida e contou a parábola da festa de casamento. Ele disse:

173:5:2 18945 “O Reino do céu pode ser comparado a um certo rei que fez uma festa de casamento para o seu filho e despachou mensageiros para chamar todos aqueles que tinham sido previamente convidados para a festa, dizendo: ‘Tudo está pronto para a ceia de casamento no palácio do rei’. Nisso, muitos daqueles que tinham prometido comparecer, desta vez negaram-se a ir. Quando o rei soube dessas recusas ao seu convite, ele enviou outros servos e mensageiros, dizendo: ‘Comunicai a todos aqueles que foram convidados, para virem, pois, eis que o meu jantar está pronto. Os meus bois e os animais mais gordos foram mortos, e tudo está mais que pronto para a celebração do casamento vindouro do meu filho’. E novamente os convidados negligentes fizeram pouco desse chamado do seu rei, e tomaram os seus caminhos; um foi para a fazenda, outro para a cerâmica e outros para as suas mercadorias. Outros, ainda, não contentes em menosprezar assim o convite do rei, em uma rebelião aberta, pegavam os seus mensageiros e maltrataram-nos vergonhosamente, matando mesmo alguns deles. Quando o rei percebeu que os hóspedes selecionados, até mesmo aqueles que haviam aceitado o seu convite anterior e que haviam prometido comparecer às festas das bodas, por fim rejeitaram esse convite e em rebelião atacaram e mataram os mensageiros escolhidos, ele ficou extremamente encolerizado. E então esse rei insultado instruiu os seus exércitos e os exércitos dos seus aliados que destruíssem os assassinos rebeldes e que incendiassem a sua cidade.

173:5:3 18951 “Depois de ter punido àqueles que tinham desdenhado o seu convite, ele designou ainda um outro dia para a festa de casamento e disse aos seus mensageiros: ‘Aqueles que foram os primeiros convidados para o casamento não eram dignos; desse modo ide agora às encruzilhadas das estradas e até além das fronteiras da cidade e, a quantos encontrardes, convidai-os, ainda que sejam estrangeiros, para virem e comparecerem a esta festa de bodas’. E, então, esses servidores foram às estradas e aos locais fora da rota, e reuniram tantos quantos encontraram, os bons e os maus, os ricos e os pobres, de modo que afinal a sala de casamento estava repleta de convivas dispostos. Quando tudo estava pronto, o rei veio para ver os convidados, e, para sua surpresa, ele viu um homem sem a roupa nupcial. O rei, posto que tinha fornecido livremente as roupas das bodas para todos os convidados, dirigindo-se a esse homem, disse: ‘Amigo, como é que vens à sala dos convidados, nesta ocasião, sem uma roupa de casamento?’ E esse homem desprevenido ficou calado. Então o rei disse aos seus serviçais: ‘Expulsem este convidado sem consideração da minha casa. E que ele compartilhe da sorte de todos os outros que desprezaram a minha hospitalidade e rejeitaram o meu chamado. Não terei aqui ninguém, a não ser aqueles que se regozijam de aceitar o meu convite, e que me honram ao vestir as roupas dos convidados gratuitamente oferecidas a todos’”.

173:5:4 18952 Depois de contar essa parábola, Jesus estava a ponto de despedir a multidão, quando um crente comiserado, abrindo caminho por entre os grupos, até chegar a ele, perguntou: “Mas, Mestre, como saberemos sobre essas coisas? Como estaremos prontos para o convite do rei? Que sinal tu darás para que saibamos que és o Filho de Deus?” E quando o Mestre ouviu isso, ele disse: “Apenas um sinal vos será dado”. E então, apontando para o próprio corpo, ele continuou: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei”. Mas eles não o compreenderam e, enquanto dispersavam-se eles conversaram entre si, dizendo: “Este templo está sendo construído há quase cinqüenta anos, e ele ainda diz que o destruirá e o reconstruirá em três dias”. Mesmo os seus apóstolos não compreenderam o significado dessa afirmação, mas, posteriormente, depois da sua ressurreição, eles relembraram-se do que ele havia dito.

173:5:5 18953 Por volta de quatro horas, nessa tarde, Jesus acenou para os seus apóstolos e indicou que desejava deixar o templo e ir à Betânia para a sua refeição e para o descanso da noite. Na subida do monte das Oliveiras, Jesus indicou a André, a Filipe e a Tomé que, no dia seguinte, eles deveriam estabelecer um acampamento mais próximo da cidade, para poderem ocupá-lo durante o restante da semana da Páscoa. Em cumprimento a essa instrução, na manhã seguinte, eles colocaram as suas tendas em uma ravina inclinada que dominava o parque de acampamento público do Getsêmane, em um pequeno terreno que pertencia a Simão da Betânia.

173:5:6 18961 E novamente, era um grupo de judeus silenciosos aquele que subiu a rampa oeste do monte das Oliveiras, nesse domingo à noite. Esses doze homens, como nunca antes, começavam a sentir que alguma coisa trágica estava para acontecer. Embora a dramática purificação do templo, durante aquela manhã, tivesse renovado as suas esperanças de ver o Mestre impor-se, manifestando os seus altos poderes, os acontecimentos de toda a tarde resultaram mais em um anticlímax apenas, pois indicavam todos uma rejeição certa dos ensinamentos de Jesus pelas autoridades judaicas. Os apóstolos, que estavam já tomados pela dúvida, se viram presos pela forte garra de uma incerteza terrível. Eles se deram conta de que uns poucos e curtos dias apenas interpunham-se entre os acontecimentos do dia que passava e o colapso de uma fatalidade iminente. Todos sentiam que alguma coisa terrível estava para acontecer, mas não sabiam o que esperar. E foram para os seus vários locais de descanso, mas dormiram pouquíssimo. Até mesmo os gêmeos Alfeus, afinal, foram despertados para a compreensão de que os acontecimentos da vida do Mestre estavam rapidamente atingindo a sua culminação final.

DOCUMENTO 174

TERÇA-FEIRA DE MANHÃ NO TEMPLO
--------------------------------------------------------------------------------



Por volta das sete horas, nessa terça-feira pela manhã, Jesus encontrou-se com os apóstolos, com o corpo de mulheres e uns vinte e quatro outros discípulos proeminentes, na casa de Simão. Nessa reunião ele despediu-se de Lázaro, dando-lhe aquela instrução que o levou a fugir logo para a Filadélfia, na Peréia, onde mais tarde ligou-se ao movimento missionário cuja sede situava-se naquela cidade. Jesus também disse adeus ao idoso Simão, e deu o seu conselho de despedida ao corpo de mulheres, nunca mais se dirigindo de novo a elas formalmente.

174:0:2 18972 Nessa manhã, ele saudou a cada um dos doze com palavras pessoais. A André ele disse: “Não te desanimes com os acontecimentos que temos pela frente. Mantém um controle firme dos teus irmãos e cuida para que não te vejam abatido”. A Pedro, ele disse: “Não ponhas a tua confiança na força do teu braço, nem nas armas de aço. Estabelece-te nas fundações espirituais das rochas eternas”. A Tiago, Jesus disse: “Não hesites por causa das aparências externas. Permanece firme na tua fé, e logo saberás da realidade daquilo em que crês”. A João, ele disse: “Sê gentil; ama até mesmo os teus inimigos; sê tolerante. E lembra-te de que eu confiei muitas coisas a ti”. A Natanael, ele disse: “Não julgues pelas aparências; permanece firme na tua fé, quando tudo parece desabar; sê fiel à tua missão como embaixador do Reino”. A Filipe, ele disse: “Permanece impassível diante dos acontecimentos que agora são iminentes. Mantém-te inabalado, mesmo quando tu não puderes ver o caminho. Sê leal ao teu juramento de consagração”. A Mateus, ele disse: “Não te esqueças da misericórdia que te recebeu no Reino. Que nenhum homem te trapaceie quanto à tua recompensa eterna. Do mesmo modo que resististe às inclinações da natureza mortal, esteja disposto a ser imperturbável”. A Tomé, ele disse: “Não importa quão difícil possa ser, agora deverás caminhar pela fé e não apenas pelo que os teus olhos vêem. Não duvides de que sou capaz de terminar a obra que iniciei e que finalmente ainda verei todos os meus fiéis embaixadores, no futuro do Reino”. Para os gêmeos Alfeus, ele disse: “Não vos deixeis subjugar pelas coisas que não podeis compreender. Sede fiéis ao afeto dos vossos corações e não depositeis a vossa confiança nos grandes homens, nem na atitude inconstante do povo. Permanecei junto com os vossos irmãos”. A Simão zelote, ele disse: “Simão, tu podes estar despedaçado pelo desapontamento, mas o teu espírito elevar-se-á acima de tudo o que suceder. O que não conseguiste aprender de mim, o meu espírito te ensinará. Busca as realidades verdadeiras do espírito e cessa de atrair-te para as sombras do irreal e do material”. E, para Judas Iscariotes, ele disse: “Judas, eu tenho te amado e tenho orado para que tu ames os teus irmãos. Não te canses de fazer o bem; e eu gostaria de prevenir-te para que tomes cuidado com os trajetos escorregadios da adulação e com os dardos envenenados do medo de ser ridicularizado”.

174:0:3 18973 E quando concluiu essas saudações, ele partiu para Jerusalém com André, Pedro, Tiago e João, enquanto os outros apóstolos ocupavam-se de estabelecer o acampamento do Getsêmane, para onde eles dirigir-se-iam nessa noite, e onde instalariam a sua sede-central para o restante da vida do Mestre na carne. Na metade da descida do monte das Oliveiras, Jesus parou e conversou por mais de uma hora com os quatro apóstolos.

1. O PERDÃO DIVINO


174:1:1 18981 Durante vários dias Pedro e Tiago tinham-se empenhado em discutir sobre as suas diferenças de opinião sobre os ensinamentos do Mestre a respeito do perdão do pecado. Ambos concordaram em expor a questão a Jesus, e Pedro aproveitou essa ocasião como uma oportunidade apropriada para obter o conselho do Mestre. Assim, Simão Pedro interrompeu a conversa sobre as diferenças entre a louvação e a adoração, perguntando: “Mestre, Tiago e eu não temos a mesma idéia a respeito dos teus ensinamentos sobre o perdão do pecado. Conforme Tiago, tu ensinas que o Pai nos perdoa mesmo antes de lhe pedirmos, e eu sustento que o arrependimento e a confissão devem preceder o perdão. Qual de nós está certo? O que dizes?”

174:1:2 18982 Depois de um breve silêncio, Jesus olhou de modo significativo para todos os quatro e respondeu: “Meus irmãos, vos equivocais nas vossas opiniões, porque não compreendeis a natureza das relações íntimas e amorosas entre a criatura e o Criador, entre homem e Deus. Não captastes a simpática compaixão que o sábio pai nutre pelo seu filho imaturo e algumas vezes equivocado. De fato, é questionável que pais inteligentes e afetuosos sejam algum dia chamados a perdoar a um filho normal comum. As relações de entendimento ligadas às atitudes de amor impedem eficazmente todos os distanciamentos que mais tarde requerem o reajuste pelo arrependimento da parte do filho, para ter o perdão do pai.

174:1:3 18983 “Uma parte de todo pai vive no filho. O pai desfruta da prioridade e da superioridade de compreensão em todas as questões ligadas à relação filho-pai. O pai é capaz de ver a imaturidade do filho, à luz da maturidade paterna mais elevada, da experiência mais amadurecida de companheiro de mais idade. No caso do filho terreno e do Pai celeste, o Pai divino possui a compaixão de um modo infinito e divino, bem como a capacidade de entendimento pelo amor. O perdão divino é inevitável, é inerente e inalienável à compreensão infinita de Deus, no seu conhecimento perfeito de tudo o que concerne ao julgamento equivocado e à escolha errônea do filho. A justiça divina é tão eternamente equânime, que ela incorpora infalivelmente a misericórdia da compreensão.

174:1:4 18984 “Quando um homem sábio compreende os impulsos interiores dos seus semelhantes, ele há de amá-los. E quando amais o vosso irmão, já o perdoastes. Essa capacidade de compreender a natureza do homem e de perdoar os seus erros aparentes é divina. Se fordes pais sábios, desse modo, ireis amar e compreender os vossos filhos, e até perdoá-los quando um desentendimento transitório houver-vos separado aparentemente. O filho, por ser imaturo e faltar-lhe um entendimento mais pleno da profundidade da relação filho-pai, e freqüentemente tem um sentimento de culpa pelo seu distanciamento da aprovação completa do pai; mas o pai verdadeiro não tem consciência de uma tal separação. O pecado é uma experiência da consciência da criatura; não é parte da consciência de Deus.

174:1:5 18985 “A vossa incapacidade ou a falta de disposição de perdoar os vossos semelhantes é a medida da vossa imaturidade, do vosso insucesso em alcançar a compaixão amadurecida, a compreensão e o amor. Vós mantendes rancores e nutris idéias de vingança na proporção direta da vossa ignorância da natureza interior e das verdadeiras aspirações dos vossos filhos e dos vossos semelhantes. O amor é uma realização do impulso divino e interno da vida. Ele baseia-se na compreensão, nutre-se do serviço não egoísta e aperfeiçoa-se na sabedoria”.

2. PERGUNTAS DOS DIRIGENTES JUDEUS


174:2:1 18991 Na segunda-feira à noitinha foi realizado um conselho do sinédrio e uns cinqüenta outros líderes selecionados entre escribas, fariseus e saduceus. Essa assembléia chegou ao consenso geral de que seria perigoso prender Jesus em público, por causa da sua influência sobre os sentimentos do povo comum. E também a opinião da maioria foi a de que um certo esforço deveria ser feito a fim de desacreditá-lo aos olhos da multidão, antes que fosse ele preso e trazido a julgamento. E assim vários grupos de homens eruditos foram designados para estar disponíveis na manhã seguinte, no templo, a fim de preparar armadilhas para ele, com perguntas difíceis, e para buscar embaraçá-lo de outros modos perante o povo. Finalmente, fariseus, saduceus e, mesmo, herodianos estavam todos unidos nesse esforço para desacreditar Jesus aos olhos das multidões da Páscoa.

174:2:2 18992 Na terça-feira pela manhã, quando Jesus chegou à praça do templo e começou a ensinar, mal tinha dito umas poucas palavras quando um grupo de estudantes mais jovens das academias, que tinha sido ensaiado com esse propósito, adiantou-se, e o seu porta-voz dirigiu-se a Jesus: “Mestre, sabemos que és um instrutor íntegro, e sabemos que tu proclamas os caminhos da verdade, e que serves apenas a Deus, que não temes a nenhum homem e não tens preferência por nenhuma pessoa. Somos apenas estudantes, e gostaríamos de saber a verdade sobre uma questão que nos perturba; a nossa dificuldade é esta: é lícito que devamos pagar o tributo a César? Devemos pagar ou não devemos pagar?” Jesus, percebendo a hipocrisia e a artimanha deles, lhes disse: “Por que vindes assim para tentar-me? Mostrai-me o dinheiro do tributo e eu vos responderei”. E quando eles lhe entregaram um denário, ele examinou-o e disse: “Esta moeda traz a imagem e a subscrição de quem?” E, então, lhe responderam: “De César”. E Jesus disse: “Dai a César as coisas que são de César, e dai a Deus as coisas que são de Deus”.

174:2:3 18993 Depois de responder assim a esses jovens escribas e aos seus cúmplices herodianos, eles retiraram-se da sua presença, e o povo, mesmo os saduceus, apreciou o desconforto em que ficaram. Mesmo os jovens que tinham participado dessa armadilha maravilharam-se bastante com a sagacidade inesperada da resposta do Mestre.

174:2:4 18994 No dia anterior os dirigentes haviam tentado uma armadilha para pegá-lo diante da multidão, em questões sobre a autoridade eclesiástica, e, tendo fracassado, agora buscavam envolvê-lo em uma discussão lesiva sobre a autoridade civil. Tanto Pilatos quanto Herodes estavam em Jerusalém nesse momento, e os inimigos de Jesus conjecturaram que, se ele ousasse prevenir contra o pagamento do tributo a César, eles poderiam ir imediatamente perante as autoridades romanas e acusá-lo de sedição. Por outro lado, se ele aconselhasse, com todas as letras, o pagamento do tributo, eles calcularam, com acerto, que um tal pronunciamento feriria em muito o orgulho nacional dos seus ouvintes judeus, afastando de si toda a boa-vontade e a simpatia da multidão.

174:2:5 18995 Em tudo isso os inimigos de Jesus foram derrotados, posto que um regulamento bem conhecido do sinédrio, feito para orientar os judeus dispersos entre as nações gentias, dizia que “o direito de cunhar moedas traz consigo o direito de coletar impostos”. Desse modo Jesus escapou de cair na armadilha deles. Se tivesse respondido “não” à pergunta deles teria sido equivalente a incitar a rebelião; se tivesse respondido “sim”, teria chocado o arraigado sentimento nacionalista daquela época. O Mestre não fugiu da pergunta; meramente empregou a sabedoria de dar uma resposta ambivalente. Jesus nunca se mostrava evasivo, era sempre sábio para lidar com aqueles cuja intenção fosse fustigá-lo e destruí-lo.

3. OS SADUCEUS E A RESSURREIÇÃO


174:3:1 19001 Antes que Jesus pudesse começar o seu ensinamento, outro grupo se adiantou para fazer perguntas, desta vez um grupo de saduceus eruditos e astutos. O porta-voz deles, aproximando-se de Jesus, disse: “Mestre, Moisés disse que se morresse um homem casado, não deixando filhos, o seu irmão devia ficar com a viúva, engendrando assim uma descendência para o irmão morto. Pois bem, agora aconteceu um caso em que um certo homem que tinha seis irmãos morreu sem deixar filhos; o seu segundo irmão ficou com a sua esposa, mas logo também morreu, não deixando filhos. Do mesmo modo, o irmão seguinte tomou a mulher, mas também ele morreu, não deixando prole. E assim foi, até que todos os seis irmãos tinham ficado com a mulher, e todos os seis morreram sem deixar filhos. E então, depois de todos eles, a própria mulher morreu. Agora, o que gostaríamos de perguntar é o seguinte: Na ressurreição ela será esposa de quem, já que todos os sete irmãos a tiveram?”

174:3:2 19002 Jesus sabia, e também o povo, que esses saduceus não estavam sendo sinceros ao fazer essa pergunta, porque não era provável que um tal caso realmente ocorresse; além do que, essa prática dos irmãos de um homem morto, na busca de dar-lhe filhos, era praticamente uma letra morta entre os judeus. Jesus, entretanto, condescendeu em responder à pergunta maliciosa deles. Ele disse: “Todos vós vos enganais ao fazer tal pergunta, porque não conheceis nem as escrituras, nem o poder vivo de Deus. Sabeis que os filhos deste mundo podem casar e ser dados em matrimônio; mas não pareceis compreender que aqueles que são considerados dignos de alcançar os mundos que estão por vir, depois de haver a ressurreição dos justos, eles nem se casam nem são dados em matrimônio. Aqueles que experimentam a ressurreição dos mortos são mais como os anjos do céu, e nunca morrem. Esses ressuscitados são eternamente os filhos de Deus; eles são os filhos da luz, ressuscitados para progredirem na vida eterna. E, até mesmo o vosso pai Moisés compreendeu isso, pois, em relação à suas experiências com o ramo em chamas, ele ouviu o Pai dizer: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó’. E assim, junto com Moisés, eu declaro que o meu Pai não é o Deus dos mortos, mas dos vivos. Nele todos vós viveis, reproduzis e possuis a vossa existência mortal”.

174:3:3 19003 Quando Jesus terminou de responder essas questões, os saduceus retiraram-se e alguns dos fariseus tanto esqueceram de si que exclamaram: “É verdade, é verdade, Mestre, respondeste bem a esses saduceus descrentes”. Os saduceus não ousaram fazer-lhe mais perguntas, e a gente comum ficou maravilhada com a sabedoria do ensinamento de Jesus.

174:3:4 19004 No seu encontro com os saduceus Jesus apenas recorreu a Moisés porque essa seita político-religiosa só reconhecia a validade de cinco dos chamados Livros de Moisés; eles não aceitavam que os ensinamentos dos profetas fossem admissíveis como base dos dogmas da doutrina. O Mestre, na sua resposta, embora afirmasse positivamente o fato da sobrevivência das criaturas mortais, pela técnica da ressurreição, não aprovou, em nenhum sentido, as crenças farisaicas na ressurreição literal do corpo humano. O ponto que Jesus desejou enfatizar foi o de o Pai haver dito: “ Eu Sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó; e não Eu fui o Deus deles”.

174:3:5 19005 Os saduceus haviam pensado em sujeitar Jesus à influência desmoralizante do ridículo, sabendo muito bem que a perseguição em público, sem dúvida, acarretaria mais simpatia para ele, nas mentes da multidão.

4. O GRANDE MANDAMENTO


174:4:1 19011 Outro grupo de saduceus tinha sido instruído a fazer perguntas embaraçosas a Jesus, sobre os anjos, mas, quando viram a sorte dos camaradas que haviam tentado jogá-lo na armadilha com perguntas a respeito da ressurreição, decidiram sabiamente ficar em paz; retiraram-se sem nada perguntar. O plano pré-concebido dos fariseus, escribas, saduceus e herodianos, em aliança, consistia em preencher o dia inteiro com esse tipo de perguntas, esperando, com elas, desacreditar Jesus perante o povo e, ao mesmo tempo, impedir efetivamente que ele tivesse tempo para a proclamação dos seus ensinamentos perturbadores.

174:4:2 19012 Então os grupos de fariseus adiantaram-se para fazer perguntas embaraçosas, e o porta-voz deles, sinalizando para Jesus, disse: “Mestre, eu sou um jurista, e gostaria de perguntar-te qual é o mandamento mais importante, na tua opinião?” Jesus respondeu: “Não há senão um mandamento, que é o maior de todos. E este mandamento é: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, o Senhor é um; e tu amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua mente e com toda a tua força’. Esse é o primeiro e o grande mandamento. E o segundo mandamento é como o primeiro; na verdade, brota diretamente dele, e é: ‘Tu amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum outro mandamento maior do que esses; sobre esses dois mandamentos se apóiam toda a lei e os profetas”.

174:4:3 19013 Quando o jurista percebeu que Jesus tinha respondido, não apenas de acordo com o mais elevado conceito da religião judaica, mas também tinha respondido com sabedoria à vista da multidão reunida, ele julgou que, como prova de coragem, valia mais que ele louvasse abertamente à resposta do Mestre. E então ele disse: “Na verdade, Mestre, tu disseste bem que Deus é um, e que não há nenhum além dele; e que amar a Deus de todo o coração, com todo o entendimento e força, e também amar o semelhante, como a si próprio, é o primeiro grande mandamento; e nós concordamos que esse grande mandamento é muito mais importante do que todo holocausto e sacrifício”. Quando o jurista respondeu assim prudentemente, Jesus, olhando-o de cima, disse: “Meu amigo, percebo que não estás longe do Reino de Deus”.

174:4:4 19014 Jesus dissera a verdade ao afirmar a esse jurista: “Não estás muito longe do Reino”, pois, naquela mesma noite, ele foi ao acampamento do Mestre perto do Getsêmane, professou a sua fé no evangelho do Reino e foi batizado por Josias, um dos discípulos de Abner.

174:4:5 19015 Dois ou três outros grupos de escribas e fariseus presentes tinham tido a intenção de fazer perguntas, mas, ou foram desarmados pela resposta de Jesus ao jurista, ou foram intimidados pelo desapontamento de todos aqueles que haviam tentado enganá-lo com armadilhas. Depois disso, homem algum ousou fazer-lhe mais perguntas em público.

174:4:6 19016 Quando percebeu que não mais lhe fariam perguntas e como o meio-dia estava próximo, Jesus não reassumiu o seu ensinamento e contentou-se em fazer aos fariseus, e aos aliados deles, meramente uma pergunta. Disse Jesus: “Posto que não apresentais mais questões, eu gostaria de propor uma: O que pensais do Libertador? Isto é, de quem ele é filho?” Após uma breve pausa, um dos escribas respondeu: “O Messias é filho de Davi”. E posto que Jesus sabia que se havia discutido muito, mesmo entre os seus próprios discípulos, sobre ser ele ou não filho de Davi, ele fez mais uma pergunta: “Se o Libertador, de fato, é o filho de Davi, como é que, no Salmo que creditais a Davi, ele próprio, falando do espírito, diz: ‘O Senhor disse ao meu senhor, assenta-te à minha mão direita até que eu ponha os teus inimigos como banqueta para os teus pés’? Se Davi chama a si próprio de Senhor, como ele pode ser o seu filho?”. Embora os dirigentes, os escribas e os sacerdotes principais não dessem nenhuma resposta a essa pergunta, eles abstiveram-se também de propor outras perguntas que servissem como armadilhas. Eles nunca responderam a essa pergunta que Jesus lhes fez, mas, depois da morte do Mestre, tentaram escapar da dificuldade mudando a interpretação desse salmo, de modo a fazê-lo referir-se a Abraão em lugar do Messias. Outros procuraram escapar do dilema negando que Davi fosse o autor desse salmo, chamado de messiânico.

174:4:7 19021 Um momento antes, os fariseus haviam desfrutado da maneira pela qual os saduceus tinham sido silenciados pelo Mestre; agora os saduceus deliciavam-se com o fracasso dos fariseus; mas essa rivalidade era apenas momentânea; eles esqueceram-se rapidamente dessas diferenças tradicionais, unindo-se no esforço de dar um fim aos ensinamentos e às obras de Jesus. Mas em todas essas experiências a gente comum ouviu Jesus com contentamento.

5. OS GREGOS INDAGADORES


174:5:1 19022 Por volta do meio-dia, enquanto Filipe se ocupava comprando os suprimentos para o novo acampamento, que estavam instalando, naquele dia, perto do Getsêmane, ele foi abordado por uma delegação de estrangeiros, um grupo de crentes gregos da Alexandria, de Atenas e de Roma, cujo porta-voz disse ao apóstolo: “Tu foste indicado a nós por aqueles que te conhecem e, assim sendo, viemos a ti, senhor, com o pedido de ver Jesus, o teu Mestre”. Tomado de surpresa, por encontrar esses gentios gregos proeminentes e indagadores na praça do mercado e, desde que Jesus tinha recomendado tão explicitamente a todos os doze que não se engajassem em qualquer ensinamento público durante a semana de Páscoa, Filipe ficou um pouco confuso quanto à forma certa de lidar com essa questão. Ele havia ficado desconsertado também porque esses homens eram gentios estrangeiros. Se fossem judeus, ou gentios da vizinhança, ele não teria hesitado tanto. E o que fez foi o seguinte: pediu a esses gregos que permanecessem exatamente onde estavam. E quando ele apressou-se, saindo dali, eles supuseram que tivesse ido à procura de Jesus, mas, na realidade, ele correu para a casa de José, onde sabia que André e os outros apóstolos estavam almoçando; e, chamando André lá fora, explicou-lhe o propósito da sua vinda, e então, acompanhado de André, ele voltou até onde os gregos esperavam.

174:5:2 19023 Já que Filipe tinha quase que terminado a compra de suprimentos, ele e André retornaram, com os gregos, à casa de José, onde Jesus recebeu-os; e eles assentaram-se perto dele, enquanto falava aos seus apóstolos e a um certo número de discípulos importantes reunidos para esse almoço. Disse Jesus:

174:5:3 19024 “O meu Pai enviou-me a este mundo para revelar a Sua bondade e o Seu amor aos filhos dos homens, mas aqueles, para quem primeiro eu vim, recusaram-se a receber-me. É verdade que muitos de vós crestes no meu evangelho por vós próprios, mas os filhos de Abraão e os seus líderes estão a ponto de rejeitar-me; e, ao fazê-lo, eles irão rejeitar a Ele que me enviou. Eu tenho proclamado abertamente o evangelho da salvação a esse povo, eu disse-lhes sobre a filiação com alegria, liberdade e uma vida mais abundante no espírito. O meu Pai fez muitas obras maravilhosas entre esses filhos dos homens tiranizados pelo medo. Mas o profeta Isaías referiu-se verdadeiramente a esse povo quando escreveu: ‘Senhor, quem acreditou nos nossos ensinamentos? E a quem o Senhor foi revelado?’ De fato, os líderes do meu povo cegaram deliberadamente os próprios olhos para que não vissem, e endureceram os próprios corações para que não acreditassem e não pudessem ser salvos. Em todos esses anos eu tenho buscado curá-los das suas descrenças, para que possam receber a salvação eterna do Pai. Sei que nem todos falharam para comigo; alguns de vós de fato crestes na minha mensagem. Nesta sala, agora, estão uns vinte homens que antes foram membros do sinédrio, ou altos membros nos conselhos da nação, ainda que alguns de vós ainda evitais a confissão aberta da verdade para que não vos expulsem da sinagoga. Alguns de vós sois tentados a amar a glória dos homens mais do que a glória de Deus. Mas me vejo obrigado a mostrar paciência para convosco, pois temo pela segurança e lealdade, até mesmo, de alguns daqueles que estiveram por tanto tempo perto de mim, e que viveram tão próximos, e ao meu lado.

174:5:4 19031 “Nesta sala de banquete eu percebo que estão reunidos judeus e gentios em números quase iguais, e eu gostaria de dirigir-me a vós como o primeiro e o último dos grupos aos quais eu possa instruir nos assuntos do Reino, antes de ir para o meu Pai”.

174:5:5 19032 Esses gregos haviam assistido fielmente aos ensinamentos de Jesus no templo. Na segunda-feira à noite eles tiveram uma conversa, na casa de Nicodemos, que perdurou até o amanhecer do dia, e levou trinta deles a escolherem entrar no Reino.

174:5:6 19033 Enquanto encontrava-se diante deles, nesse exato momento, Jesus pôde perceber o fim de uma dispensação e o começo de outra. Voltando a sua atenção para os gregos, o Mestre disse:

174:5:7 19034 “Aquele que crê neste evangelho, não crê meramente em mim mas Naquele que me enviou. Quando olhais para mim, vedes não apenas o Filho do Homem, mas também Aquele que me enviou. Eu sou a luz do mundo, e quem crer no meu ensinamento não mais permanecerá na escuridão. Se vós, gentios, ouvirdes a mim, recebereis as palavras da vida e entrareis imediatamente na liberdade jubilosa da verdade da filiação a Deus. Se os meus semelhantes e compatriotas, judeus, escolhem rejeitar-me e recusar os meus ensinamentos, eu não os julgarei, pois não vim para julgar o mundo, mas para oferecer-lhe a salvação. Aqueles que rejeitarem a mim, entretanto, e se recusarem a receber o meu ensinamento, serão levados a julgamento na época devida, pelo meu Pai e por aqueles que Ele tiver apontado para julgar os que rejeitam a dádiva da misericórdia e as verdades da salvação. Lembrai-vos, todos vós, de que não falo por mim, mas eu declarei fielmente a vós o que o Pai mandou que eu revelasse aos filhos dos homens. E essas palavras que o Pai mandou que eu dissesse ao mundo são palavras de verdade divina, de misericórdia perene e vida eterna.

174:5:8 19035 “Tanto aos judeus quanto aos gentios, eu declaro que é chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado. Vós bem sabeis que, a menos que um grão de trigo caia na terra e morra, ele permanecerá solitário, mas se ele morre em solo bom, brota de novo para a vida e gera muitos frutos. Aquele que ama egoisticamente a sua vida corre o perigo de perdê-la, mas aquele que está disposto a dar a própria vida por minha causa, e pela causa dessa nova palavra de Deus, desfrutará de uma existência mais abundante na Terra e no céu, a vida eterna. Se me seguirdes verdadeiramente, mesmo depois que eu tiver ido para o meu Pai, tornar-vos-eis meus discípulos e servidores sinceros dos vossos semelhantes mortais.

174:5:9 19036 “Sei que minha hora aproxima-se, e estou inquieto. Percebo que o meu povo está determinado a desprezar o Reino, mas rejubilo-me de receber esses gentios buscadores da verdade que vieram aqui hoje perguntando sobre o caminho da luz. O meu coração dói, entretanto, pelo meu povo, e a minha alma está angustiada pelo que me espera. O que posso dizer, quando olho à frente e vejo o que está para suceder a mim? Devo dizer: Pai, salva-me dessa hora terrível? Não! Com esse mesmo propósito eu vim ao mundo, e, até mesmo, cheguei a esta hora. Devo antes dizer, e orar, para que vos unais a mim: Pai, glorificado seja o vosso nome; seja feita a vossa vontade”.

174:5:10 19041 Quando Jesus disse isso, o Ajustador Personalizado, residente nele antes mesmo da época do seu batismo, apareceu à sua frente, e Jesus fez, bem perceptivelmente, uma pausa, enquanto esse espírito, agora mais poderoso, representando o Pai, dirigiu-se a Jesus de Nazaré, dizendo: “Por muitas vezes Eu glorifiquei o Meu nome nas tuas outorgas, e O glorificarei uma vez mais”.

174:5:11 19042 Conquanto os judeus e os gentios ali reunidos não ouvissem nenhuma voz, eles não puderam deixar de perceber que o Mestre havia feito uma pausa na sua fala enquanto uma mensagem vinha até ele, de alguma fonte supra-humana. Cada um dos homens disse àquele que estava ao seu lado: “Um anjo falou com ele”.

174:5:12 19043 Então, Jesus continuou a explicar: “Tudo isso aconteceu não por minha causa, mas pela vossa. Eu sei, com toda certeza, que o Pai irá receber-me e aceitar a minha missão em vosso favor, mas é necessário que sejais encorajados e preparados para a prova de fogo que vos espera. Deixai-me assegurar-vos de que a vitória finalmente irá coroar os nossos esforços unidos para iluminar e liberar a humanidade. A velha ordem está levando-se a julgamento, eu derrubei o Príncipe deste mundo, e todos os homens tornar-se-ão livres pela luz do espírito que verterei sobre toda a carne, depois que eu tiver ascendido ao meu Pai no céu.

174:5:13 19044 “E agora eu declaro-vos que, se for elevado na Terra e nas vossas vidas, eu atrairei todos os homens para mim e para a fraternidade do meu Pai. Haveis acreditado que o Libertador iria residir para sempre na Terra, mas eu declaro que o Filho do Homem será rejeitado pelos homens, e retornará para o Pai. Por pouco tempo mais eu permanecerei convosco; apenas por pouco tempo a luz da vida estará com essa geração cheia de trevas. Caminhai, enquanto ainda tendes essa luz, para que a escuridão e a confusão vindoura não vos colha de surpresa. Aquele que caminha na escuridão não sabe para onde vai; mas se vós escolherdes caminhar na luz, tornar-vos-eis de fato filhos libertados de Deus. E agora, todos vós, vinde comigo para irmos de volta ao templo e para que eu diga palavras de adeus aos principais sacerdotes, escribas, fariseus, saduceus, herodianos e aos dirigentes ignorantes de Israel”.

174:5:14 19045 Tendo assim falado, Jesus conduziu a todos pelas ruas estreitas de Jerusalém, de volta ao templo. Eles tinham acabado de ouvir o Mestre dizer que deveria ser esse o seu discurso de despedida no templo, e eles o seguiram em silêncio e meditando profundamente.

DOCUMENTO 175

O ÚLTIMO DISCURSO NO TEMPLO
--------------------------------------------------------------------------------



Pouco depois das duas horas da tarde dessa terça-feira, Jesus, acompanhado de onze dos apóstolos, de José de Arimatéia, dos trinta gregos e de alguns outros discípulos, chegou ao templo e começou a pronunciar o seu último discurso nas praças do edifício sagrado. Esse discurso estava destinado a ser o seu último apelo ao povo judeu e a acusação final aos seus inimigos veementes e supostos destruidores – escribas, fariseus, saduceus e principais sacerdotes de Israel. Durante a manhã os vários grupos tinham tido uma oportunidade de fazer perguntas a Jesus; nessa tarde ninguém fez a ele nenhuma pergunta.

175:0:2 542 Quando o Mestre começou a falar, a praça do templo estava calma e ordeira. Os cambistas e os mercadores não haviam ousado entrar novamente no templo, desde que Jesus e a multidão agitada tinham-nos expulsado no dia anterior. Antes de dar início ao discurso, Jesus olhou com ternura para a audiência que muito em breve ouviria a sua fala de despedida pública e de misericórdia à humanidade, combinada com a última das suas denúncias aos falsos instrutores e fanáticos dirigentes dos judeus.

1. O DISCURSO


175:1:1 543 “Nesse longo tempo em que estive convosco, percorrendo o país de um lado a outro, proclamando o amor do Pai pelos filhos dos homens, muitos têm visto a luz e, pela fé, entraram no Reino do céu. Em conexão com esse ensinamento e essa pregação, o Pai tem feito muitas obras maravilhosas, chegando até a ressuscitar da morte. Muitos doentes e aflitos têm sido curados porque eles creram; mas toda essa proclamação da verdade e essas curas de doenças não abriram os olhos daqueles que se recusam a ver a luz, daqueles que estão determinados a rejeitar esse evangelho do Reino.

175:1:2 544 “De todos os modos, compatíveis com a vontade do meu Pai, eu e os meus apóstolos temos feito todo o possível para viver em paz com os nossos irmãos, para estar em conformidade com os quesitos razoáveis das leis de Moisés e das tradições de Israel. Persistentemente temos buscado a paz, mas os líderes de Israel não a querem. Ao rejeitar a verdade de Deus e a luz do céu, eles alinham-se com o erro e as trevas. Não pode haver paz entre a luz e as trevas, a vida e a morte, a verdade e o erro.

175:1:3 545 “Muitos de vós tendes ousado crer nos meus ensinamentos e já entrastes no júbilo e na liberdade da consciência da filiação a Deus. E vós sereis as testemunhas de que eu ofereci, a toda a nação judaica, essa mesma filiação a Deus, mesmo àqueles homens que agora buscam a minha destruição. E ainda agora o meu Pai gostaria de receber esses instrutores cegos e líderes hipócritas, se apenas eles se voltassem para Ele e aceitassem a Sua misericórdia. Mesmo agora ainda não é tarde demais para esse povo receber a palavra do céu e dar as boas-vindas ao Filho do Homem.

175:1:4 19061 “Por muito tempo o meu Pai tem tratado a esse povo com misericórdia. Temos enviado os nossos profetas para ensinar-vos e prevenir-vos, geração após geração, e vós tendes matado esses instrutores enviados do céu. E agora os vossos voluntariosos altos sacerdotes e teimosos dirigentes continuam fazendo essa mesma coisa. Do mesmo modo que Herodes levou João à morte, agora vós vos preparais para destruir o Filho do Homem.

175:1:5 19062 “Enquanto houver uma possibilidade de que os judeus se voltem para o meu Pai e busquem a salvação, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó manterá as suas mãos misericórdiosas estendidas para vós; mas, quando tiverdes enchido a vossa taça de impenitência e tiverdes rejeitado a misericórdia do meu Pai, de um modo definitivo, essa nação ficará abandonada aos seus próprios conselhos e, rapidamente, chegará a um fim inglório. Esse povo foi convocado para tornar-se a luz do mundo, para anunciar a glória espiritual de uma raça conhecedora de Deus, mas vós tendes, até agora, vos distanciado tanto do cumprimento dos vossos privilégios divinos, que os vossos líderes estão a ponto de cometer a loucura suprema de todos os tempos, pois estão à beira de rejeitar finalmente a dádiva de Deus a todos os homens e para todos os tempos – a revelação do amor do Pai dos céus a todas as Suas criaturas na Terra.

175:1:6 19063 “E, quando rejeitardes esta revelação de Deus para o homem, o Reino do céu será dado a outros povos, àqueles que o receberão com alegria e júbilo. Em nome do Pai que me enviou, eu previno-vos solenemente de que estais a ponto de perder a vossa posição de portadores da verdade eterna e de custódios da lei divina em todo o mundo. Estou, exatamente agora, oferecendo-vos a vossa última oportunidade de apresentar-vos para o arrependimento, de expressar a vossa intenção de buscar Deus, de todo o vosso coração, e de entrar como crianças pequenas, e com uma fé sincera, na segurança e na salvação do Reino do céu.

175:1:7 19064 “O meu Pai tem trabalhado durante muito tempo para a vossa salvação, e eu desci para viver entre vós e mostrar-vos pessoalmente o caminho. Muitos dentre os judeus e os samaritanos e, mesmo, dentre os gentios, creram no evangelho do Reino, mas aqueles que deveriam ser os primeiros a apresentar-se para aceitar a luz do céu, sem se perturbar, recusaram-se a crer na revelação da verdade de Deus – Deus revelado ao homem e o homem elevado até Deus.

175:1:8 19065 “Nesta tarde os meus apóstolos estão aqui, em silêncio, diante de vós, e logo ouvireis as suas vozes soando com o chamado da salvação e o desejo de unirem-se todos ao Reino do céu, como filhos do Deus vivo. E agora eu chamo os meus discípulos crentes no evangelho do Reino, bem como os mensageiros invisíveis que estão ao lado deles, para testemunhar que eu ofereci uma vez mais a Israel e seus dirigentes a libertação e a salvação. E todos vós podeis observar como a misericórdia do Pai foi desprezada e os mensageiros da verdade rejeitados. Eu advirto-vos, contudo, de que esses escribas e fariseus ainda se sentam no lugar de Moisés e, portanto, até que os Altíssimos, que governam no reino dos homens, não tenham demolido essa nação e destruído o lugar desses dirigentes, eu vos peço que coopereis com esses anciães de Israel. Não vos está sendo pedido que vos unais a eles nos seus planos de destruir o Filho do Homem, mas em tudo o que está relacionado à paz de Israel deveis sujeitar-vos a eles. Em todas essas questões, fazei o que quer que eles vos peçam e observais as partes essenciais da lei, mas não vos baseeis nas más ações deles. Lembrai-vos, o pecado desses dirigentes é que eles dizem o que é bom, mas não o fazem. Vós bem sabeis que esses líderes atam cargas pesadas aos vossos ombros, cargas sofridas de se levar, e sabeis que eles não levantarão sequer um dedo para ajudar-vos a arcar com essas pesadas cargas. Eles têm-vos oprimido com cerimônias e vos têm escravizado pelas tradições.

175:1:9 19071 “Ademais, esses dirigentes centrados em si mesmos deliciam-se em fazer as suas boas obras de um modo que possam ser vistos pelos homens. Eles alargam os seus filactérios e dilatam as fronteiras dos seus uniformes oficiais. Anseiam pelos lugares mais importantes nas festas e exigem os assentos principais nas sinagogas. Cobiçam saudações laudatórias nas praças dos mercados e desejam ser chamados de rabbi por todos os homens. E, mesmo buscando toda essa honraria dos homens, eles apoderam-se secretamente das casas das viúvas e tiram proveito dos serviços do templo sagrado. Por pretensão, esses hipócritas fazem longas orações em público e dão esmolas para chamar a atenção dos seus semelhantes.

175:1:10 19072 “Embora devais honrar os vossos dirigentes e reverenciar os vossos instrutores, não deveríeis chamar a nenhum homem de Pai no sentido espiritual, pois há Aquele que é o vosso Pai, e o próprio Deus. Não deveríeis também tentar dominar os vossos irmãos no Reino. Lembrai-vos, eu ensinei-vos que aquele que quer ser o maior entre vós deveria tornar-se o servidor de todos. Se presumirdes exaltar a vós próprios perante Deus, certamente sereis humilhados; mas aquele que humilha a si próprio verdadeiramente, por certo será exaltado. Buscai nas vossas vidas cotidianas, não a autoglorificação, mas a glória de Deus. Subordinai inteligentemente as vossas próprias vontades à vontade do Pai nos céus.

175:1:11 19073 “Não interpreteis mal as minhas palavras. Eu não desejo o mal a esses sacerdotes principais e dirigentes que ainda agora buscam a minha destruição; não tenho nenhuma indisposição para com esses escribas e fariseus que rejeitam os meus ensinamentos. Sei que muitos de vós credes secretamente, e sei que vós ireis professar abertamente a vossa sujeição ao Reino quando vier a minha hora. Mas como os vossos rabinos justificarão a si próprios, já que professam conversar com Deus e em seguida têm a presunção de rejeitar e de destruir aquele que vem para revelar o Pai aos mundos?

175:1:12 19074 “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Vós fecharíeis as portas do Reino do céu no rosto de homens sinceros, porque os consideram iletrados segundo as maneiras da vossa educação. Recusais entrar no Reino e, ao mesmo tempo, fazeis tudo no vosso alcance para impedir todos os outros de entrar. Dais as costas para as portas da salvação e lutais contra todos os que querem entrar por elas.

175:1:13 19075 “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas que sois! Pois, na verdade, abraçais a terra e o mar para fazer um prosélito e, depois de serdes bem-sucedidos, não ficais contentes enquanto não conseguirdes que ele fique duas vezes pior do que era quando filho pagão.

175:1:14 19076 “Ai de vós, sacerdotes principais e dirigentes, que tomais as propriedades dos pobres e que exigis o pago de impostos pesados daqueles que gostariam de servir a Deus, como eles julgam que Moisés mandou! Vós que recusais mostrar misericórdia, podeis esperar misericórdia nos mundos que virão?

175:1:15 19077 “Ai de vós, falsos instrutores, guias cegos! O que pode ser esperado de uma nação quando os cegos guiam os cegos? Ambos irão cair no fosso da destruição.

175:1:16 19078 “Ai de vós que dissimulais, quando fazeis um juramento! Sois trapaceiros, pois ensinais que um homem pode jurar pelo templo e violar o seu juramento; mas aquele que jurar pelo ouro do templo deve manter o seu juramento. Sois todos tolos e cegos. Nem mesmo sois coerentes na vossa desonestidade, pois é maior o ouro, ou o templo que supostamente santificou o ouro? Vós também ensinais que se um homem jura pelo altar, isso não vale nada; mas que, se alguém jura pela oferenda que está sobre o altar, então é tido como um devedor. De novo sois cegos para a verdade, pois qual é maior: a oferenda ou o altar que santifica a doação? Como podeis justificar tal hipocrisia e desonestidade à vista do Deus do céu?

175:1:17 19081 “Ai de vós, escribas e fariseus e todos os outros hipócritas que asseguram o dízimo da menta, do anis e do cominho e, ao mesmo tempo, desconsiderais as questões de mais peso da lei – a fé, a misericórdia e o juízo! Se fôsseis razoáveis, teríeis que cuidar de um, e não teríeis abandonado os outros. Sois realmente guias cegos e educadores estúpidos, filtrais os mosquitos e engolis o camelo.

175:1:18 19082 “Ai de vós, escribas, fariseus e hipócritas! Pois sois escrupulosos ao limpar o lado de fora da taça e do prato, quando lá dentro fica a sujeira da extorsão, dos excessos e da tapeação. Sois espiritualmente cegos. Não reconheceis quão melhor seria primeiro limpar o lado de dentro da taça, e, então, aquilo que derrama limparia por si o lado de fora? Réprobos perversos! Executais os atos exteriores da vossa religião para estar em conformidade com a letra da vossa interpretação da lei de Moisés, enquanto as vossas almas estão impregnadas de iniqüidade e repletas de assassinatos.

175:1:19 19083 “Ai de todos vós que rejeitais a verdade e desprezais a misericórdia! Muitos de vós sois como os sepulcros esbranquiçados, que por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios dos ossos de homens mortos e de toda sorte de podridão. E ainda assim, vós que rejeitais conscientemente o conselho de Deus, mostrai-vos externamente aos homens como santos e justos, mas por dentro os vossos corações estão cheios de hipocrisia e de iniqüidade.

175:1:20 19084 “Ai de vós, falsos guias de uma nação! Haveis construído um monumento para os profetas martirizados de outrora, enquanto fazeis complôs para destruir aquele de quem eles falaram. Ornais as tumbas dos justos e vos gabais de que, caso tivésseis vivido na época dos vossos pais, não teríeis matado os profetas; e então, apesar desse pensamento presunçoso, estais prontos a assassinar aquele de quem os profetas falaram, o Filho do Homem. Porquanto fazeis essas coisas, dais vós próprios o testemunho de que sois filhos perversos daqueles que mataram os profetas. Ide, então, e preenchei até transbordar a taça da vossa condenação!

175:1:21 19085 “Ai de vós, filhos do mal! João vos chamou, com razão, de filhotes de víboras e eu pergunto: como podereis escapar do julgamento que João pronunciou sobre vós?

175:1:22 19086 “Mas, mesmo agora, eu ainda vos ofereço a misericórdia e o perdão em nome do meu Pai; ainda agora eu ofereço a mão amorosa da fraternidade eterna. O meu Pai enviou os homens sábios e profetas a vós; e, a alguns, vós os perseguistes e a outros assassinastes. Então apareceu João, proclamando a vinda do Filho do Homem, e a ele vós destruístes após muitos terem acreditado no seu ensinamento. E, agora, estais prontos para derramar mais sangue inocente. Não compreendeis que um dia terrível de prestação de contas virá, em que o Juiz de toda a Terra exigirá desse povo que explique por que rejeitou, perseguiu e destruiu esses mensageiros dos céus? Não compreendeis que vós deveis prestar contas desse sangue justo derramado, desde o primeiro profeta que foi morto na época de Zacarias, que foi assassinado entre o santuário e o altar? E se continuardes no vosso caminho de perversidades, essa prestação de contas pode ser exigida ainda dessa mesma geração.

175:1:23 19087 “Ó Jerusalém, ó filhos de Abraão, vós que apedrejastes os profetas e que assassinastes os instrutores que vos foram enviados, mesmo agora eu gostaria de reunir os vossos filhos como uma galinha reúne os seus pintos sob as asas, mas não quereis!

175:1:24 19088 “E, agora, despeço-me de vós. Ouvistes a minha mensagem e tomastes a vossa decisão. Aqueles que creram no meu evangelho estão agora a salvo no Reino de Deus. A vós que escolhestes rejeitar a dádiva de Deus, eu digo que não mais me vereis ensinando no templo. A minha obra em vosso favor está feita. Vede, agora saio com os meus filhos, e a vossa casa é deixada para vós, em desolação!”

175:1:25 19089 E, então, o Mestre sinalizou aos seus seguidores para que saíssem do templo.

2. A CONDIÇÃO INDIVIDUAL DOS JUDEUS


175:2:1 19091 O fato de que, um dia, os líderes espirituais e educadores religiosos da nação judaica tivessem rejeitado os ensinamentos de Jesus e conspirado para provocar a sua morte cruel, de nenhum modo afeta a condição de qualquer indivíduo judeu perante Deus. E isso não deveria levar aqueles que professam ser seguidores do Cristo a ter preconceitos contra o judeu como um semelhante mortal seu. Os judeus, como uma nação, como um grupo sociopolítico, pagaram plenamente o terrível preço de rejeitar o Príncipe da Paz. Há muito tempo eles deixaram de ser os portadores espirituais da verdade divina para as raças da humanidade, mas isso não se constitui em uma razão válida para que o indivíduo descendente desses antigos judeus deva ser levado a sofrer as perseguições que têm sido feitas a eles por professos seguidores, intolerantes, indignos e fanáticos, de Jesus de Nazaré, pois foi, ele próprio, um judeu por nascimento.

175:2:2 19092 Muitas vezes, esse ódio e essa perseguição desmedida aos judeus modernos, tão contrários ao modelo crístico, findaram no sofrimento e na morte de alguns indivíduos judeus inocentes e inofensivos, cujos antepassados, nos tempos de Jesus, haviam aceitado de coração o seu evangelho e morreram sem vacilar por aquela verdade em que acreditavam tão sinceramente. Que arrepio de horror passa pelos seres celestes quando eles observam os seguidores professos de Jesus dedicando-se a perseguir, a atormentar e mesmo a assassinar os descendentes mais recentes de Pedro, Filipe, Mateus e outros judeus palestinos que tão gloriosamente entregaram as suas vidas como os primeiros mártires do evangelho do Reino celeste!

175:2:3 19093 Quão cruel e irracional é obrigar crianças inocentes a sofrer pelos pecados dos seus progenitores, por delitos que elas ignoram totalmente, e pelos quais elas não poderiam de nenhum modo ser responsáveis! E cometer tais atos perversos em nome de alguém que ensinou os seus discípulos a amar até mesmo aos próprios inimigos! Tornou-se necessário, nesta narrativa da vida de Jesus, retratar a maneira pela qual alguns dos seus compatriotas judeus rejeitaram-no e conspiraram para provocar a sua morte ignominiosa; mas gostaríamos de advertir a todos que lêem esta narrativa, que a apresentação de um tal relato histórico, de nenhum modo, justifica o ódio injusto, nem perdoa a atitude mental sem eqüidade, que tantos cristãos professos têm mantido para com os indivíduos judeus, durante muitos séculos. Os crentes do Reino, aqueles que seguem os ensinamentos de Jesus, devem cessar de maltratar o indivíduo judeu como se ele fosse culpado pela rejeição e pela crucificação de Jesus. O Pai e o seu Filho Criador nunca deixaram de amar os judeus. Deus não tem preferências por pessoas, e a salvação existe para todos os judeus como também para os gentios.

3. A FATÍDICA REUNIÃO DO SINÉDRIO


175:3:1 19094 A fatídica reunião do sinédrio foi convocada para as oito horas dessa noite de terça-feira. Em muitas ocasiões anteriores, essa corte suprema da nação judaica havia informalmente decretado a morte de Jesus. Muitas vezes esse augusto corpo dirigente havia determinado colocar um paradeiro na sua obra, mas nunca antes eles tinham resolvido colocá-lo na prisão e provocar a sua morte a todo e qualquer custo. Era um pouco antes da meia-noite dessa terça-feira, 4 de abril, do ano 30 a. C. , quando o sinédrio, como estava então constituído, votou, unânime e oficialmente, decidindo impor a sentença de morte tanto a Jesus quanto a Lázaro. Essa foi a resposta ao último apelo do Mestre aos dirigentes dos judeus, e tal apelo havia sido feito no templo, por ele, apenas umas poucas horas antes, e representava uma reação de ressentimento amargo para com a última acusação vigorosa de Jesus a esses mesmos sacerdotes principais, saduceus e fariseus impenitentes. A aprovação da sentença de morte (antes mesmo do julgamento), ao Filho de Deus, era a réplica dada pelo sinédrio à última oferta de misericórdia celeste jamais estendida à nação judaica, como tal.

175:3:2 19101 Desse momento em diante os judeus foram deixados a sós, para que terminassem o seu breve e curto tempo de vida nacional, entre as nações de Urântia, plenamente de acordo com a sua condição puramente humana. Israel tinha repudiado o Filho de Deus que fizera uma aliança com Abraão, e o plano de fazer dos filhos de Abraão os portadores da luz da verdade para o mundo havia sido destruído. A aliança divina havia sido anulada, e o fim da nação hebraica aproximava-se rapidamente.

175:3:3 19102 Os oficiais do sinédrio receberam a ordem de prender Jesus, cedo, na manhã seguinte, mas com instruções de que ele não devia ser detido em público. Foi-lhes instruído que planejassem pegá-lo secretamente, de preferência à noite e de maneira repentina. Compreendendo que ele poderia não voltar naquele dia (quarta-feira) para ensinar no templo, eles instruíram a esses oficiais do sinédrio que “o trouxessem perante a alta corte judaica, um pouco antes da meia-noite da quinta-feira”.

4. A SITUAÇÃO EM JERUSALÉM


175:4:1 19103 Quando da conclusão do último discurso de Jesus no templo, os apóstolos, uma vez mais, ficaram confusos e consternados. Antes de o Mestre iniciar a sua terrível denúncia aos dirigentes judeus, Judas havia voltado ao templo, de modo que todos os doze ouviram essa segunda metade do último discurso de Jesus no templo. É de se lamentar que Judas Iscariotes não tenha podido ouvir a primeira metade, a que oferecia a misericórdia, dessa fala de despedida. Ele não ouviu essa última oferta de misericórdia aos dirigentes judeus, porque ainda estava em conferência com um certo grupo de parentes e amigos saduceus, com os quais tinha almoçado e conversado sobre a maneira mais adequada de desligar-se de Jesus e dos seus companheiros apóstolos. E foi enquanto ouvia a acusação final feita pelo Mestre, aos líderes e dirigentes judeus, que Judas se decidiu, final e completamente, por abandonar o movimento do evangelho e lavar as suas mãos quanto ao empreendimento inteiro. Entretanto ele deixou o templo em companhia dos doze, foi com eles ao monte das Oliveiras, onde, com os companheiros apóstolos, ouviu àquele discurso fatídico sobre a destruição de Jerusalém e sobre o fim da nação judaica, e permaneceu com eles naquela noite de terça-feira, no novo acampamento perto do Getsêmane.

175:4:2 19104 A multidão que ouviu Jesus passar, de um apelo misericordioso aos líderes judeus, àquela súbita e severa reprimenda, que beirava à denúncia implacável, estava atônita e desconsertada. Naquela noite, enquanto o sinédrio reunia-se para dar a Jesus a sentença de morte, e enquanto o Mestre ficava sentado com os seus apóstolos e alguns dos seus discípulos no monte das Oliveiras, predizendo a morte da nação judaica, toda Jerusalém estava entregue à discussão séria e reprimida de uma única questão: “O que farão com Jesus?”

175:4:3 19105 Na casa de Nicodemos, mais de trinta judeus proeminentes, que eram crentes secretos do Reino, encontraram-se e debateram sobre o curso que deveriam seguir no caso de advir uma ruptura aberta com o sinédrio. Todos os presentes concordaram que fariam um reconhecimento público da sua fidelidade ao Mestre, exatamente no momento em que ficassem sabendo da sua prisão. E foi exatamente isso o que fizeram.

175:4:4 19111 Os saduceus, que agora predominavam e controlavam o sinédrio, estavam desejosos de livrar-se de Jesus pelas razões seguintes:

175:4:5 19112 1. Eles temiam que a predileção popular crescente, que a multidão dedicava a Jesus, ameaçasse colocar em perigo a existência da nação judaica, por um possível envolvimento com as autoridades romanas.

175:4:6 19113 2. O zelo de Jesus pelas reformas no templo afetou diretamente as suas rendas, a limpeza do templo prejudicou os seus bolsos.

175:4:7 19114 3. Eles sentiam-se responsáveis pela preservação da ordem social, e temiam as conseqüências da expansão posterior da nova e estranha doutrina de Jesus sobre a irmandade dos homens.

175:4:8 19115 Os fariseus tinham motivos diferentes para querer ver Jesus sendo levado à morte. Eles temiam-no porque:

175:4:9 19116 1. Ele estava empenhado em fazer oposição ao domínio tradicional que eles mantinham sobre o povo. Os fariseus eram ultraconservadores, e ressentiram-se amargamente dos ataques, supostamente radicais, ao seu prestígio consolidado de educadores religiosos.

175:4:10 19117 2. Eles sustentavam que Jesus violava a lei; que ele demonstrou uma grande desconsideração pelo sábado e por inúmeras outras exigências legais e cerimoniais.

175:4:11 19118 3. Eles acusavam-no de blasfêmia porque ele referia-se a Deus como o seu Pai.

175:4:12 19119 4. E agora eles estavam profundamente enraivecidos com ele, por causa da parte final da sua elocução de despedida, com amargas denúncias, pronunciado naquele mesmo dia no templo.

175:4:13 191110 O sinédrio, tendo formalmente decretado a morte de Jesus e emitido ordens para a sua prisão, suspendeu a reunião nessa terça-feira, quase à meia-noite, depois de concordar em reunir-se às dez horas da manhã seguinte, na casa de Caifás, o sumo sacerdote, com o propósito de formular as acusações sob as quais Jesus deveria ser levado a julgamento.

175:4:14 191111 Um grupo pequeno de saduceus havia proposto factualmente que eles se desfizessem de Jesus por meio de um assassinato, mas os fariseus negaram-se terminantemente a aprovar tal procedimento.

175:4:15 191112 E essa era a situação em Jerusalém e entre os homens, nesse dia memorável, enquanto, ao mesmo tempo, um vasto concurso de seres celestes pairava sobre essa cena momentosa na Terra, ansiosos, todos, por fazerem algo para ajudar o seu amado Soberano. Todavia, estavam impotentes para agir, efetivamente, pois se viam refreados pelos seus superiores no comando.

DOCUMENTO 176

TERÇA-FEIRA À NOITE NO MONTE DAS OLIVEIRAS
--------------------------------------------------------------------------------



Nessa terça-feira à tarde, quando Jesus e os apóstolos passaram diante do templo, a caminho do campo do Getsêmane, Mateus chamou a atenção para a construção do templo e disse: “Mestre, observa que espécie de edifícios são estes. Vês as pedras maciças e os belos adornos; é possível que estes edifícios sejam destruídos?” Enquanto iam em direção às Oliveiras, Jesus disse: “Vês estas pedras e este templo maciço? Em verdade, em verdade, eu vos digo: nos dias que breve virão, não será deixada pedra sobre pedra. Elas serão todas derrubadas”. Essas observações descrevendo a destruição do templo sagrado despertaram a curiosidade dos apóstolos à medida que caminhavam atrás do Mestre; eles não podiam conceber nenhum acontecimento, a não ser o fim do mundo, que ocasionasse a destruição do templo.

176:0:2 19122 Para evitar as multidões, ao passar pelo vale do Cédrão a caminho do Getsêmane, Jesus e os seus colaboradores pensavam em escalar a ladeira do monte das Oliveiras até uma certa altura e depois seguir uma trilha até o seu campo particular perto do Getsêmane, localizado a uma pequena distância acima da área do campo público. Quando estavam para deixar a estrada que ia para a Betânia, eles observaram o templo, glorificado pelos raios do sol que se punha; e, enquanto eles subiam o monte, iam vendo as luzes que apareciam da cidade e contemplaram a beleza do templo iluminado; e lá, sob a luz suave da lua cheia, Jesus e os doze sentaram-se. O Mestre falou-lhes, e logo Natanael fez esta pergunta: “Dize-nos, Mestre, como saberemos que esses acontecimentos estão próximos?”

1. A DESTRUIÇÃO DE JERUSALÉM


176:1:1 19123 Ao responder à pergunta de Natanael, Jesus disse: “Sim, eu vos falarei sobre o tempo em que esse povo terá preenchido a sua taça de iniqüidade; quando a justiça descerá rapidamente sobre esta cidade dos nossos pais. Eu devo deixar-vos em breve; irei para o meu Pai. E depois que eu deixar-vos, cuidai para que nenhum homem vos engane, pois muitos virão como libertadores e arrastarão outros tantos ao erro. Quando escutardes das guerras e dos rumores de guerras, não vos perturbeis, pois, apesar de todas essas coisas estarem para acontecer, o fim de Jerusalém ainda não é iminente. Vós não deveríeis perturbar-vos por causa da fome, nem por causa de terremotos; nem deveríeis preocupar-vos se fordes entregues às autoridades civis e se fordes perseguidos por causa do evangelho. Vós sereis expulsos da sinagoga e colocados em prisões por minha causa, e alguns de vós sereis mortos. Quando fordes levados perante os governadores e os legisladores, será para dar um testemunho da vossa fé e mostrar a vossa firmeza no evangelho do Reino. E quando fordes colocados perante os juízes, não vos inquieteis de antemão sobre aquilo que deveríeis dizer, pois o espírito vos ensinará, exatamente naquela hora, sobre o que devereis responder aos vossos adversários. Nesses dias de adversidade, até mesmo os vossos parentes, sob a liderança daqueles que tiverem rejeitado o Filho do Homem, irão conduzi-los à prisão e à morte. Durante um certo tempo, vós podereis ser odiados por todos os homens por minha causa, mas mesmo nessas perseguições eu não vos abandonarei; o meu espírito não vos desertará. Sede pacientes! Não duvideis de que o evangelho do Reino triunfará sobre todos os inimigos e que, finalmente, será proclamado a todas as nações”.

176:1:2 19131 Jesus fez uma pausa enquanto olhava para a cidade abaixo. O Mestre compreendeu que a rejeição do conceito espiritual do Messias, que a determinação de apegarem-se com persistência e cegueira a uma missão material para o Libertador esperado, em breve, iriam levar os judeus a um conflito direto com os poderosos exércitos romanos, e que essa luta iria resultar apenas na derrocada final e completa da nação judaica. Quando os seus povos rejeitaram a sua outorga espiritual e se recusaram a receber a luz do céu, do modo como brilhou tão misericordiosamente sobre eles, estavam selando a condenação deles como um povo independente da sua missão espiritual especial na Terra. E os próprios líderes judeus posteriormente reconheceram que tinha sido essa idéia terrena do Messias o que diretamente conduziu à turbulência que, finalmente, trouxe a destruição deles.

176:1:3 19132 Já que Jerusalém estava para tornar-se o berço dos primeiros movimentos dos evangelhos, Jesus não quis que os seus educadores e pregadores perecessem na ruína terrível do povo judeu, junto com a destruição de Jerusalém; e por isso ele deu essas instruções aos seus seguidores. Jesus estava preocupado com a possibilidade de que alguns dos seus discípulos viessem a se envolver nas revoltas que logo aconteceriam e que assim perecessem durante a queda de Jerusalém.

176:1:4 19133 E então André perguntou: “Mas, Mestre, se a cidade sagrada e o templo estão para ser destruídos, e se tu não estiveres aqui para orientar-nos, quando devemos abandonar Jerusalém?” Jesus disse:“Vós podeis permanecer na cidade depois que eu tiver partido e mesmo durante esses duros tempos de perseguição amarga, mas, quando finalmente virdes Jerusalém sendo ocupada pelos exércitos romanos, depois da revolta dos falsos profetas, então, sabereis que a desolação de Jerusalém é iminente; e, portanto, deveis fugir para as montanhas. Que ninguém que esteja na cidade, nem em seus arredores, permaneça para salvar nada, nem aqueles que estiverem fora, que não ousem entrar lá. Haverá uma grande atribulação, pois esses serão os dias da vingança dos gentios. Depois que tiverdes abandonado a cidade, esse povo desobediente irá cair no fio da espada e será levado à prisão em todas as nações, e assim, Jerusalém será esmagada pelos gentios. Nesse meio tempo, eu previno-vos, não vos deixeis enganar. Se qualquer homem aproximar-se de vós dizendo: ‘Olhai, aqui está o Libertador’; ou: ‘Olhai, lá está ele’; não deveis acreditar, pois muitos educadores falsos surgirão e muitos homens serão levados de roldão, mas não deveis deixar-vos enganar, pois sobre tudo isso eu vos preveni de antemão”.

176:1:5 19134 Os apóstolos sentaram-se em silêncio sob a luz da lua durante um tempo considerável, enquanto essas predições surpreendentes do Mestre afundavam-se nas suas mentes confusas. E foi praticamente por causa desse aviso que o grupo inteiro de crentes e discípulos abandonou Jerusalém, quando apareceram as primeiras tropas dos romanos, encontrando um abrigo seguro ao norte, em Pela.

176:1:6 19135 Mesmo depois desse aviso explícito, muitos dos seguidores de Jesus interpretaram essas previsões como se se referissem às mudanças que obviamente ocorreriam em Jerusalém, quando do reaparecimento do Messias, resultando no estabelecimento da Nova Jerusalém e na ampliação da cidade, para que se transformasse na capital do mundo. Nas suas mentes, esses judeus estavam determinados a associar a destruição do templo com o “fim do mundo”. Eles acreditavam que essa Nova Jerusalém abrangeria toda a Palestina; e que ao fim do mundo seguir-se-ia o surgimento imediato dos “novos céus e da nova Terra”. E assim, então, não era estranho que Pedro dissesse: “Mestre, sabemos que todas as coisas passarão quando os novos céus e a nova Terra surgirem, mas como saberemos quando vós ireis retornar para que tudo isso se cumpra?”

176:1:7 19141 Quando Jesus ouviu isso, ficou pensativo por algum tempo e então disse: “Vós errais sempre, pois estais sempre tentando ligar o novo ensinamento ao antigo; vós estais determinados a compreender de um modo errado todo o meu ensinamento; vós insistis em interpretar o evangelho de acordo com as vossas crenças já estabelecidas. Entretanto, vou tentar esclarecer-vos”.

2. A SEGUNDA VINDA DO MESTRE


176:2:1 19142 Em várias oportunidades, Jesus tinha feito afirmações as quais levaram os seus ouvintes a inferir que, embora tivesse a intenção de deixar este mundo em breve, ele voltaria muito certamente para consumar o trabalho do Reino do céu. À medida que, nos seus seguidores, aumentou a convicção de que ele estava para deixá-los, elevou-se também a de que, depois que tivesse partido deste mundo, mais do que natural seria, para todos os crentes, manterem-se apegados às promessas de que ele retornaria. A doutrina da segunda vinda de Cristo tornou-se, assim, logo incorporada aos ensinamentos dos cristãos, e quase toda a geração posterior de discípulos tem acreditado devotamente nessa verdade e aguardado confiantemente essa vinda, em alguma época.

176:2:2 19143 Já que eles deviam separar-se do seu Educador e Mestre, então esses primeiros discípulos e apóstolos tinham mais motivos ainda para agarrarem-se a tal promessa de retorno; e eles não tardaram em ligar a destruição prevista de Jerusalém, atrelando-a à segunda vinda prometida. E continuaram a interpretar assim as suas palavras, apesar dos esforços especiais do Mestre, durante essa noite de instrução no monte das Oliveiras, para impedir exatamente esse erro.

176:2:3 19144 Continuando a responder à pergunta de Pedro, Jesus disse: “Por que vós ainda supondes que o Filho do Homem deva sentar-se no trono de Davi e por que esperais que os sonhos materiais dos judeus sejam cumpridos? Já não vos disse todos esses anos que o meu Reino não é deste mundo? As coisas que estais agora desprezando estão chegando a um fim; mas que seja esse um novo começo do qual o evangelho do Reino saia para todo o mundo e seja a salvação levada a todos os povos. E quando o Reino tiver chegado à sua plena fruição, podeis estar seguros de que o Pai no céu não deixará de contemplar-vos com uma revelação ainda maior da verdade e com uma demonstração mais elevada de retidão, pois Ele já outorgou a este mundo aquele que se tornou o príncipe das trevas e, então, deu-lhe Adão, que foi seguido por Melquisedeque e, nestes dias, pelo Filho do Homem. E, assim, o meu Pai irá continuar a manifestar a sua misericórdia e demonstrar o Seu amor, até mesmo a este mundo escuro e mau. E assim também eu, depois que o meu Pai investir-me de todo o poder e autoridade, continuarei junto de vós na vossa sorte e prosseguirei guiando-vos nos assuntos do Reino, por intermédio da presença do meu espírito, que será em breve vertido sobre toda a carne. Embora mesmo estando assim em espírito presente entre vós, eu prometo também que, algum dia, eu retornarei a este mundo onde vivi esta vida na carne e onde tive a experiência de simultaneamente revelar Deus ao homem e de conduzir o homem a Deus. Muito em breve devo deixar-vos e retomar o trabalho que o Pai confiou às minhas mãos, mas tende bastante coragem, pois eu voltarei dentro de algum tempo. Nesse ínterim, meu Espírito da Verdade, de um universo, irá confortar-vos e guiar-vos.

176:2:4 19151 “Vós me vedes agora em fraqueza e na carne, mas, quando eu voltar, será em poder e em espírito. O olho da carne contempla o Filho do Homem na carne, e apenas o olho do espírito verá o Filho do Homem glorificado pelo Pai e surgindo na Terra, em seu próprio nome.

176:2:5 19152 “Mas a época do reaparecimento do Filho do Homem é conhecida apenas nos conselhos do Paraíso, nem mesmo os anjos dos céus sabem quando isso ocorrerá. Contudo, vós deveríeis entender que, quando esse evangelho do Reino tiver sido proclamado a todo o mundo, para a salvação de todos os povos, e quando o tempo tiver alcançado a sua plenitude, o Pai vos enviará uma outra outorga dispensacional, ou então o Filho do Homem retornará para julgar a era.

176:2:6 19153 “E agora a respeito das atribulações de Jerusalém, sobre as quais eu vos falei, mesmo essa geração não passará antes que as minhas palavras se cumpram; mas a respeito da época do retorno do Filho do Homem, ninguém no céu ou na Terra pode presumir falar. Mas deveríeis ser sábios a respeito do amadurecimento de uma idade; deveríeis estar alertas para discernir os sinais dos tempos. Vós sabeis que, quando a figueira mostra os seus tenros galhos e dá as suas folhas, é porque o verão está próximo. Do mesmo modo, quando o mundo tiver passado pelo longo inverno de mentalidade materialista e vós discernirdes a vinda da primavera espiritual de uma nova dispensação, deveríeis saber que o verão de uma nova visitação aproxima-se.

176:2:7 19154 “Mas qual é o significado desse ensinamento que tem a ver com a vinda dos Filhos de Deus? Não percebeis que, quando cada um de vós for chamado para abandonar a sua vida de luta e passar pelo portal da morte, então estareis na presença imediata do julgamento e face a face com os fatos de uma nova dispensação de serviço, no plano eterno do Pai infinito? O que todo mundo deve encarar como um fato real ao final de uma idade, vós, como indivíduos, deveis, cada um, com toda certeza encarar como uma experiência pessoal, quando alcançardes o fim da vossa vida natural e passardes a confrontar-vos com as condições e as demandas inerentes à próxima revelação na progressão eterna dentro do Reino do Pai”.

176:2:8 19155 Dentre todos os discursos que o Mestre fez para os seus apóstolos, nenhum se tornou tão confuso nas suas mentes como o pronunciado nessa terça-feira à noite, no monte das Oliveiras, a respeito das duas questões que consistiram na destruição de Jerusalém e na sua própria segunda vinda. E os escritos subseqüentes baseados nas memórias sobre o que fora dito pelo Mestre, nessa ocasião extraordinária, não concordam entre si. Conseqüentemente, como os registros foram deixados em branco, no que dizia respeito à grande parte do que fora dito naquela noite de terça-feira, muitas tradições surgiram; e, logo no alvorecer do segundo século, um apocalipse judeu sobre o Messias, escrito por um homem chamado Selta, que era ligado à corte do imperador Calígula, foi integrado ao evangelho de Mateus e, subseqüentemente, acrescentado (em parte) aos registros de Marcos e Lucas. Foi desses escritos de Selta que a parábola das dez virgens apareceu. Nenhuma parte do registro dos evangelhos jamais sofreu erros de construção geradores de tanta confusão como o do ensinamento dessa noite. Mas o apóstolo João nunca se deixou confundir desse modo.

176:2:9 19156 Ao retomarem a sua marcha para o campo, esses treze homens estavam sem falar e sob uma grande tensão emocional. Judas tinha finalmente confirmado a sua decisão de abandonar aquele grupo. Era tarde quando Davi Zebedeu, João Marcos e alguns dos discípulos principais acolheram Jesus e os doze no novo campo, mas os apóstolos não quiseram dormir; eles queriam saber mais sobre a destruição de Jerusalém, sobre a partida do Mestre e sobre o fim do mundo.

3. A CONVERSA POSTERIOR NO CAMPO


176:3:1 19161 Enquanto cerca de vinte deles se reuniam em torno da fogueira do campo, Tomé perguntou: “Já que irás retornar para completar o trabalho do Reino, qual deverá ser a nossa atitude enquanto estiveres ausente para ocupar-te dos assuntos do Pai?” Contemplando-os sob a luz do fogo, Jesus respondeu:

176:3:2 19162 “E até mesmo tu, Tomé, não compreendeste o que eu venho dizendo. Não tenho eu ensinado a vós, em todo esse tempo, que a vossa ligação com o Reino é espiritual e individual; uma questão totalmente de experiência pessoal com o espírito, pela compreensão e pela fé de que cada um de vós sois um filho de Deus? O que mais posso dizer? A queda de nações, o colapso de impérios, a destruição de judeus descrentes, o fim de uma idade e, mesmo, o fim do mundo; o que essas coisas têm a ver com aquele que crê neste evangelho, e com aquele que guardou a sua vida na certeza do Reino eterno? Vós, que sois conhecedores de Deus e que acreditais no evangelho, já recebestes a certeza da vida eterna. Desde que as vossas vidas tenham sido vividas no espírito e para o Pai, nada pode causar preocupações sérias a vós. Construtores do Reino, os cidadãos acreditados dos mundos celestes, não se devem deixar perturbar por altercações temporais ou cataclismos terrestres. Em que vos importa, a vós que credes nesse evangelho do Reino, se caírem as nações, se terminarem as idades ou se todas as coisas visíveis se colidirem, porquanto sabeis que a vossa vida é uma dádiva do Filho, e que é eternamente segura no Pai? Tendo vivido a vida temporal pela fé e tendo colhido os frutos do espírito pela retidão no serviço e no amor dos vossos semelhantes, vós podeis olhar confiantes para o futuro do vosso próximo passo, na carreira eterna, com a mesma fé na sobrevivência que vos levou ao fim da vossa aventura primeira e terrena de filiação a Deus.

176:3:3 19163 “Cada geração de crentes deveria continuar no seu trabalho, em vista do possível retorno do Filho do Homem, exatamente como todo indivíduo crente leva adiante o trabalho da sua vida, em vista da inevitável e sempre iminente morte natural. Uma vez que vós tiverdes estabelecido, pela fé, a vós próprios como filhos de Deus, nada mais importa no que diz respeito à certeza da sobrevivência. Mas não cometais erros! Essa fé na sobrevivência é uma fé viva e manifesta-se cada vez mais nos frutos daquele espírito divino que a inspirou, pela primeira vez, dentro do coração humano. Que já tenhais aceito a filiação ao Reino celeste, por uma vez, não vos irá salvar, se houver a rejeição consciente e persistente da verdade, que tem a ver com a fecundidade espiritual progressiva dos filhos de Deus na carne. Vós, que estivestes comigo, cuidando dos assuntos do Pai na Terra, podeis, agora mesmo, desertar o Reino se achardes que não podeis amar o caminho de servir ao Pai servindo à humanidade.

176:3:4 19164 “Como indivíduos, e como uma geração de crentes, escutai-me enquanto eu vos conto uma parábola: Havia um certo grande homem que, antes de sair para uma longa viagem a um outro país, chamou os seus servos de confiança diante de si e passou para as mãos deles todos os seus bens. A um ele deu cinco talentos, deu dois a outro e ainda a um outro deu um talento. E assim ele fez com o grupo inteiro de honrados servidores, a cada um ele confiou os seus bens de acordo com as capacitações variadas deles; e então partiu de viagem. Depois que o senhor partiu, os seus serviçais puseram-se a trabalho para ganhar lucros sobre os bens confiados a eles. Imediatamente, aquele que tinha recebido cinco talentos começou a negocia-los e, em breve, fez um lucro de outros cinco talentos. Da mesma maneira, aquele que tinha recebido dois talentos, ganhou logo mais dois. E assim todos os servidores proporcionaram ganhos para o seu senhor, exceto aquele que havia recebido apenas um talento. Por sua vez, ele cavou sozinho um buraco na terra e lá escondeu o dinheiro do seu senhor. Em breve o senhor daqueles serviçais retornou inesperadamente e chamou-os para um acerto de contas. Quando todos encontravam-se diante do seu senhor, aquele que havia recebido cinco talentos adiantou-se com o dinheiro que lhe tinha sido confiado e trouxe ainda cinco talentos mais, dizendo: ‘Senhor, me destes cinco talentos para investir, e eu estou contente de apresentar cinco outros talentos como ganho meu’. E então o seu senhor lhe disse: ‘Muito bem feito, meu bom e fiel servidor, tu foste fiel para algumas coisas; e agora eu vou colocar outras tantas sob os teus cuidados; entra e partilha da alegria do seu senhor’. E então aquele que tinha recebido os dois talentos adiantou-se dizendo: ‘Senhor, entregastes dois talentos nas minhas mãos; e olhai, eu ganhei esses outros dois talentos’. E o senhor então disse a ele: ‘Tu fizeste bem, bom e fiel servidor; tu também foste fiel em umas tantas coisas, e agora te entrego muitas; entra na alegria do teu senhor’. E então veio para prestar contas o que tinha recebido um talento. Esse serviçal adiantou-se dizendo: ‘Senhor, eu vos conheço e sei que sois um homem astucioso, pois esperais ganhos onde vós não trabalhastes pessoalmente; portanto, eu fiquei temeroso de arriscar aquilo que a mim foi confiado. Escondi com segurança o vosso talento debaixo da terra; aqui está ele; agora tendes o que vos pertence’. Mas o senhor respondeu-lhe: ‘Tu és um serviçal indolente e folgado. Pelas tuas próprias palavras, confessas que sabias que eu iria exigir de ti uma prestação de contas com um lucro razoável, tal como os que os teus diligentes companheiros servidores me prestaram neste dia. Tendo conhecimento disso, deverias, portanto, ter ao menos colocado o meu dinheiro nas mãos dos banqueiros, para que no meu retorno eu pudesse recebe-lo de volta com alguns juros’. E então esse senhor disse ao administrador chefe: ‘Tira o talento das mãos desse servidor que não sabe extrair proveito de nada e dá-o ao que tem dez talentos’.

176:3:5 19171 “A todos que possuem, mais será dado, e eles terão em abundância; mas, daquele que não possui, até mesmo aquilo que tem ser-lhe-á tirado. Vós não podeis ficar passivos, nos assuntos do Reino eterno. O meu Pai exige que todos os seus filhos cresçam na graça e no conhecimento da verdade. Vós, que sabeis dessas verdades, deveis fazer crescer os frutos do espírito e manifestar uma devoção crescente ao serviço desinteressado dos vossos semelhantes, que também são servidores. E lembrai-vos de que tudo o que ministrares ao menor dos meus irmãos, a mim é que esse serviço estará sendo prestado.

176:3:6 19172 “E assim é que vós deveríeis cuidar dos negócios do Pai, agora e para sempre, e mesmo eternamente. Continuai até que eu venha. Cuidai com fidelidade daquilo que vos for confiado, e assim estareis prontos para a prestação de contas da morte. E tendo vivido assim, para glória do Pai e satisfação do Filho, entrareis com alegria e com um júbilo extremamente grande no serviço eterno do Reino perpétuo”.

176:3:7 19173 A verdade está viva; o Espírito da Verdade está sempre conduzindo os filhos da luz para novos Reinos de realidade espiritual e de serviço divino. A verdade não lhes foi dada para que vós a cristalizásseis em formas estabelecidas, seguras e honradas. Vós deveis elevar tanto a vossa revelação da verdade, quando ela passar pela vossa experiência pessoal, que aquela beleza nova e os reais ganhos espirituais se tornem abertos a todos aqueles que contemplam os vossos frutos espirituais e que, em conseqüência disso, sejam conduzidos a glorificar o Pai que está no céu. Apenas os que servem com fidelidade e que assim crescem no conhecimento da verdade, e que, por meio dela, desenvolvem a capacidade da apreciação divina das realidades espirituais, podem esperar “entrar completamente no júbilo do seu Senhor”. Que triste visão, para as gerações sucessivas de seguidores professos de Jesus, ter de dizer, a respeito da administração que fizeram da verdade divina: “Aqui, Mestre, está a verdade que vós colocastes em nossas mãos há cem ou mil anos. Não perdemos nada; preservamos fielmente tudo o que nos destes; não permitimos que fossem feitas mudanças naquilo que nos ensinastes; aqui está a verdade que nos destes”. Mas um tal pretexto para a indolência espiritual nunca irá justificar o servidor que não trouxe outras verdades perante o Mestre. De acordo com a verdade entregue nas vossas mãos é que o Mestre da verdade irá exigir uma prestação de contas.

176:3:8 19181 No próximo mundo, ser-vos-á pedida uma prestação de contas sobre os dons recebidos e o que deles foi feito neste mundo. Sejam poucos ou muitos os talentos inerentes, deveis aguardar um acerto justo e misericordioso. Se os dons tiverem sido usados apenas com propósitos e fins egoístas e nenhum pensamento houver sido concedido ao dever mais elevado de obter uma colheita maior dos frutos do espírito, como eles se manifestam no serviço sempre em expansão dos homens e na adoração de Deus, esses administradores egoístas devem aceitar as conseqüências da sua escolha deliberada.

176:3:9 19182 Exatamente como todos os mortais egoístas foi aquele servidor infiel com o único talento, pois ele jogou a culpa da sua própria preguiça no seu senhor. E muito propenso a pôr a culpa nos outros, fica o homem quando depara com os fracassos causados por si próprio, muitas vezes, colocando a culpa sobre quem menos a merecia!

176:3:10 19183 Disse Jesus, naquela noite, quando iam repousar: “Gratuitamente vós recebestes a verdade do céu e, portanto, gratuitamente vós a deveis dar e, ao ser dada, essa verdade irá multiplicar-se e mostrar a luz que cresce da graça que salva, do modo mesmo como vós a ministrais”.

4. O RETORNO DE MICHAEL


176:4:1 19184 Dentre todos os ensinamentos do Mestre, nenhum deles tem sido tão mal compreendido como a sua promessa de voltar algum dia pessoalmente a este mundo. Não é estranho que Michael devesse estar interessado em retornar algum dia ao planeta em que experimentou a sua sétima e última auto-outorga, como um mortal deste reino. É simplesmente natural acreditar que Jesus de Nazaré, agora governante soberano de um vasto universo, esteja interessado em retornar, não apenas uma, mas muitas vezes mesmo, ao mundo onde viveu uma vida tão única e onde, finalmente, conquistou do Pai, para si próprio, o outorgamento ilimitado de poder e autoridade sobre o universo. Urântia será eternamente uma das sete esferas de natividade de Michael, para ganhar a soberania do universo.

176:4:2 19185 Em numerosas ocasiões, e para muitos indivíduos, Jesus declarou a sua intenção de retornar a este mundo. Como os seus seguidores despertaram para o fato de que o seu Mestre não iria atuar como um libertador temporal, e quando eles ouviram as suas previsões sobre a destruição de Jerusalém e sobre a queda da nação judaica, muito naturalmente eles começaram a associar o seu retorno prometido a esses acontecimentos catastróficos. Mas, quando os exércitos romanos demoliram os muros de Jerusalém, destruindo o templo e dispersando os judeus da Judéia, e, mesmo assim, o Mestre não se tendo revelado no poder e na glória, os seus seguidores começaram a formular aquela crença que finalmente associava a segunda vinda de Cristo com o fim dos tempos, e mesmo com o fim do mundo.

176:4:3 19186 Jesus prometeu fazer duas coisas depois que ascendesse até o Pai, e depois que todo o poder no céu e na Terra tivesse sido colocado nas suas mãos. Ele prometeu, primeiro, enviar ao mundo, e no seu lugar, um outro instrutor, o Espírito da Verdade; e isso ele fez no Dia de Pentecostes. E, segundo, ele prometeu muito certamente, aos seus seguidores, que retornaria pessoalmente algum dia a este mundo. Mas ele nãodisse como, onde, nem quando iria re-visitar este planeta da sua experiência de auto-outorga na carne. Numa ocasião ele deixou subentendido que, conquanto o olho da carne pudesse tê-lo contemplado quando ele viveu aqui na carne, no seu retorno (pelo menos em uma das suas possíveis visitas), ele seria discernido apenas pelos olhos da fé espiritual.

176:4:4 19191 Muitos de nós inclinamos-nos a crer que Jesus retornará a Urântia diversas vezes durante as eras que virão. Não temos a sua promessa específica de que fará todas essas visitas, mas parece muito provável que ele, trazendo entre os seus títulos do universo o de Príncipe Planetário de Urântia, por muitas vezes, visitará o mundo cuja conquista conferiu um título tão único a ele.

176:4:5 19192 Nós acreditamos de um modo muito firme que Michael virá de novo pessoalmente a Urântia, mas não temos a menor idéia de quando ou de que maneira escolherá fazer isso. Será que o seu segundo advento na Terra está marcado para ocorrer junto com o julgamento final desta era presente, seja com ou sem o aparecimento interligado de um Filho Magisterial? Será que ele virá junto com o término de alguma era posterior de Urântia? Virá sem anúncio e como um acontecimento isolado? Não sabemos. De uma coisa apenas estamos seguros: de que, quando ele retornar, todo o mundo saberá disso, provavelmente, pois ele deverá vir como o governante supremo de um universo e não anonimamente como uma obscura criança em Belém. Mas se todos os olhos deverão contemplá-lo, e se apenas os olhos espirituais poderão discernir a sua presença, então, esse advento deverá ainda ser postergado em muito.

176:4:6 19193 Portanto, vós faríeis muito bem em desassociar o retorno pessoal do Mestre à Terra, de toda e qualquer época ou evento estabelecido. Estamos certos apenas de uma coisa: Ele prometeu voltar. Nenhuma idéia temos sobre quando ele irá cumprir essa promessa, nem em combinação com qual acontecimento isso dar-se-á. Até onde sabemos, ele poderá aparecer na Terra a qualquer dia, e poderá não vir até que tenham passado as eras, umas após outras, e tenham sido devidamente julgadas pelo corpo dos seus irmãos, os Filhos do Paraíso.

176:4:7 19194 O segundo advento de Michael na Terra é um acontecimento de um valor sentimental imenso, tanto para os seres intermediários quanto para os humanos; por outro lado, contudo, ele não seria de importância no momento presente para os intermediários, e não seria de importância prática maior para os seres humanos do que o evento comum da morte natural, que precipita tão subitamente o homem mortal no abraço imediato daquela sucessão de eventos no universo, que o levam diretamente à presença desse mesmo Jesus, o governante soberano do nosso universo. Os filhos da luz estão todos destinados a vê-lo, e não tem a menor importância se nós formos até ele ou se por acaso ele vier primeiro a nós. Estejais, portanto, sempre prontos para recebê-lo na Terra, como ele está pronto para acolher-vos no céu. Aguardamos a sua vinda gloriosa, ou as suas vindas repetidas mesmo, com muita confiança, mas ignoramos completamente o como, o quando, e em ligação a qual evento ele deverá aparecer.



DOCUMENTO 177

QUARTA-FEIRA, O DIA DO DESCANSO
--------------------------------------------------------------------------------



Quando o trabalho de ensinar ao povo dava-lhes uma folga, era costume de Jesus e dos seus apóstolos descansarem das suas atividades às quartas-feiras. Em particular nessa quarta-feira eles tomaram o desjejum um pouco mais tarde do que de costume, e o acampamento encontrava-se invadido por um silêncio agourento; pouco foi dito durante a primeira parte da refeição matinal. Finalmente Jesus falou: “Desejo que descanseis por hoje. Tirai o tempo para pensar sobre tudo o que aconteceu, desde que viemos para Jerusalém, e para meditar sobre o que temos pela frente e sobre tudo o que eu já vos esclareci claramente. Assegurai-vos de que a verdade esteja nas vossas vidas, e que diariamente ireis crescer em graça”.

177:0:2 19202 Após o desjejum o Mestre informou a André que tinha a intenção de ausentar-se durante aquele dia e sugeriu que fosse permitido aos apóstolos passar o tempo de acordo com a própria escolha, exceto que sob nenhuma circunstância eles deveriam passar pelos portões de Jerusalém.

177:0:3 19203 Quando estava pronto para ir sozinho às colinas, Davi Zebedeu aproximou-se dele, dizendo: “Bem sabeis, Mestre, que os fariseus e os dirigentes buscam destruir-te, e ainda assim estás pronto para ir até as colinas sozinho. Fazer isso é loucura; e, portanto, eu vou enviar três homens bem preparados contigo, para cuidar de que nenhum mal te seja feito”. Jesus olhou para os três galileus fortes e bem armados e disse a Davi: “A tua intenção é boa, mas tu te equivocas ao não compreender que o Filho do Homem não necessita de ninguém para defendê-lo. Nenhum homem colocará as mãos em mim até a hora em que eu estiver pronto para entregar a minha vida, em conformidade com a vontade do meu Pai. Esses homens não podem acompanhar-me. Eu desejo ir só, para poder comungar com o Pai”.

177:0:4 19204 Ao ouvir essas palavras, Davi e os seus guardas armados retiraram-se; mas, quando Jesus saiu só, João Marcos adiantou-se com uma pequena cesta contendo comida e água e sugeriu que, se a intenção dele era ficar fora o dia inteiro, ele poderia sentir fome. O Mestre sorriu para João e abaixou a mão para pegar a cesta.

1. UM DIA A SÓS COM DEUS


177:1:1 19205 Quando Jesus estava para pegar a cesta de lanche da mão de João, o jovem aventurou-se a dizer: “Mas, Mestre, é possível que abandones a cesta no chão, enquanto ficas de lado para orar, e que sigas sem ela. Além disso, se eu fosse junto para carregar o lanche, ficarias mais livre para adorar, e eu por certo me manterei em silêncio. Não farei perguntas e permanecerei perto da cesta quando tu te separares para orar a sós”.

177:1:2 19206 Enquanto falava essas coisas, cuja temeridade surpreendeu alguns dos ouvintes por ali, João teve a audácia de segurar a cesta. E lá ficaram eles, João e Jesus, ambos seguramdo a cesta. Mas logo o Mestre soltou-a e, olhando para baixo até o rapaz, disse: “Já que desejas ir comigo de todo o teu coração, isso não te será negado. Iremos juntos e teremos uma boa conversa. Tu podes perguntar-me qualquer coisa que surja no teu coração, e nos confortaremos e nos consolaremos mutuamente. Podes começar levando o lanche e, quando cansares, eu te ajudarei. Então me segue”.

177:1:3 19211 Jesus só retornou ao acampamento naquela tarde depois do pôr-do-sol. O Mestre passou o último dia de tranqüilidade na Terra conversando com esse jovem faminto da verdade e falando com o seu Pai do Paraíso. Esse acontecimento tornou-se conhecido no alto como “o dia que um jovem homem passou com Deus nas colinas”. Essa ocasião exemplifica para sempre a boa vontade do Criador para confraternizar-se com a criatura. Mesmo um adolescente, se o desejo do seu coração é realmente supremo, pode atrair a atenção, desfrutar da companhia plena de amor do Deus de um universo e experimentar verdadeiramente o inesquecível êxtase de estar a sós com Deus nas colinas; e durante um dia inteiro. E essa foi a experiência única de João Marcos, nessa quarta-feira nas colinas da Judéia.

177:1:4 19212 Jesus conversou muito com João, falando livremente sobre os assuntos deste mundo e do próximo. João disse a Jesus sobre o quanto ele lamentara não ter tido idade suficiente para ser um dos apóstolos e expressou o seu grande reconhecimento por ter-lhe sido permitido seguir sempre com eles, exceto na viagem à Fenícia, desde a primeira pregação dos apóstolos no vau do Jordão, perto de Jericó. Jesus advertiu ao rapaz para não se desencorajar com os acontecimentos iminentes e assegurou-lhe de que ele viveria para tornar-se um mensageiro poderoso do Reino.

177:1:5 19213 João Marcos ficaria sempre emocionado com a lembrança desse dia com Jesus nas colinas, contudo nunca se esqueceria da recomendação final do Mestre, feita quando eles estavam para voltar ao acampamento do Getsêmane, com o seguinte teor: “Bem, João, tivemos uma boa conversa, um dia de descanso verdadeiro, mas procura não contar a nenhum homem as coisas que eu disse”. E João Marcos nunca revelou nada do que se havia sucedido nesse dia que ele passou com Jesus nas colinas.

177:1:6 19214 Durante as poucas horas que restavam da vida terrena de Jesus, João Marcos nunca permitiu que o Mestre saísse da sua vista por muito tempo. Sempre o garoto estava escondido por perto; e ele só adormecia depois que Jesus dormia.

2. A INFÂNCIA NO LAR


177:2:1 19215 No transcurso das conversas com João Marcos nesse dia, Jesus passou um tempo considerável comparando as experiências das infâncias e adolescências de ambos. Embora os pais de João possuíssem mais bens deste mundo do que os pais de Jesus, ambos haviam passado por muitas experiências bastante semelhantes na infância. Jesus disse muitas coisas que ajudaram João a entender melhor os seus pais e outros membros da sua família. Quando o jovem perguntou ao Mestre como podia saber que ele se tornaria um “mensageiro poderoso do Reino”, Jesus disse:

177:2:2 19216 “Sei que tu te mostrarás leal ao evangelho do Reino porque eu posso confiar na tua fé e no amor que tens atualmente, já que essas qualidades são baseadas em uma educação, vinda da tua casa, desde bem cedo. Tu és o produto de um lar em que os pais têm uma afeição mútua sincera e no qual não te amaram em excesso, de modo a exaltar prejudicialmente a tua idéia da própria importância. Nem a tua personalidade sofreu deformação em conseqüência das manobras sem amor na luta dos teus pais, um contra o outro, para ganhar a tua confiança e lealdade. Tu desfrutaste daquele amor paternal que assegura uma autoconfiança louvável e que fomenta sentimentos normais de segurança. Mas foste também afortunado, porque os teus pais tinham de sabedoria tanto quanto de amor, e foi a sabedoria que os levou a negar-te a maior parte das satisfações e muitos dos luxos que a riqueza pode comprar, pois eles te enviaram para a escola da sinagoga junto com os teus amigos da vizinhança, e eles também te encorajaram a aprender como viver neste mundo permitindo-te que tivesses uma experiência original. Tu vieste, com o teu jovem amigo Amós, até o Jordão, onde pregávamos e os discípulos de João batizavam. Os dois quiseram acompanhar-nos. Quando voltaste para Jerusalém, os teus pais consentiram; os pais de Amós recusaram-se a dar o consentimento; eles amavam tanto o filho que negaram a ele a experiência abençoada que tu tiveste, e da qual ainda desfrutas hoje. Amós poderia ter fugido de casa, e poderia ter-se juntado a nós, mas se o fizesse ele teria ferido o amor e sacrificado a lealdade. Ainda que esse caminho tivesse sido sábio, teria sido um preço terrível a ser pago pela experiência, pela independência e pela liberdade. Pais sábios, como os teus, cuidam de que os seus filhos não tenham que ferir o amor, nem abafar a lealdade, para desenvolver uma independência e desfrutar de uma liberdade revigorantes, quando chegam à tua idade.

177:2:3 19221 “O amor, João, é a realidade suprema do universo, quando é dado por seres infinitamente sábios, mas, do modo como se manifesta na experiência dos pais mortais, ele apresenta um traço perigoso e muitas vezes semi-egoísta. Quando casares e tiveres que criar os próprios filhos, assegura-te de que o teu amor seja aconselhado pela sabedoria e guiado pela inteligência.

177:2:4 19222 “O teu jovem amigo Amós acredita neste evangelho do Reino tanto quanto tu, mas não posso confiar totalmente nele; não estou certo do que ele fará, nos anos que virão. A vida dele na infância não foi de um modo tal que produzisse uma pessoa totalmente confiável. Amós é muito semelhante a um dos apóstolos que não teve uma educação normal, afetuosa e sábia em casa. Toda a tua vida futura será mais feliz e confiável porque passaste os teus primeiros oito anos em um lar normal e bem regrado. Tu possuis um caráter forte e bem integrado porque cresceste em um lar onde predominava o amor e reinava a sabedoria. Uma educação assim na infância produz um tipo de lealdade que me assegura que tu irás continuar no caminho em que começaste”.

177:2:5 19223 Por mais de uma hora Jesus e João continuaram essa conversa sobre a vida no lar. O Mestre prosseguiu explicando a João como uma criança é totalmente dependente dos seus pais e da vida ligada ao lar, para todos os seus conceitos iniciais sobre todas as coisas intelectuais, sociais, morais e mesmo espirituais, pois a família representa para a criança pequena tudo o que ela pode conhecer primeiramente, tanto das relações humanas, quanto das divinas. A criança deve tirar dos cuidados da mãe as suas primeiras impressões sobre o universo; ela é totalmente dependente do pai terreno para formar as suas primeiras idéias do Pai celeste. A vida subseqüente da criança torna-se feliz ou infeliz, fácil ou difícil, segundo a sua vida mental e emocional inicial, e é condicionada por essas relações sociais e espirituais no lar. Toda a vida de um ser humano é influenciada enormemente por aquilo que acontece durante os primeiros anos de sua existência.

177:2:6 19224 Acreditamos sinceramente que o evangelho contido nos ensinamentos de Jesus, baseados que são na relação pai-filho, dificilmente poderá desfrutar de uma aceitação mundial até o momento em que a vida familiar, dos povos civilizados modernos, abranja mais amor e mais sabedoria. Não obstante os pais deste século possuírem um grande conhecimento e uma verdade maior, para melhorar o lar e enobrecer a vida no lar, continua sendo uma verdade que, para educar os meninos e as meninas, poucos lares modernos são bons quanto o foram os lares de Jesus na Galiléia e de João Marcos na Judéia, se bem que a aceitação do evangelho de Jesus tenha como resultado um aperfeiçoamento imediato da vida no lar. A vida baseada no amor de um lar sábio e a devoção leal da verdadeira religião exercem uma profunda influência mútua e recíproca. A vida em um lar assim intensifica a religião, e a religião genuína sempre glorifica o lar.

177:2:7 19231 É verdade que muitas influências atrofiadas e repreensíveis bem como outras características restritivas nesses antigos lares judeus têm sido eliminadas virtualmente em muitos dos lares modernos mais bem regrados. Há, de fato, uma independência mais espontânea e mais liberdade pessoal; essa liberdade, todavia, não é contida pelo amor, nem motivada pela lealdade, nem orientada pela disciplina inteligente da sabedoria. Enquanto ensinamos as crianças a orar, “Pai nosso que estais no céu”, uma grande responsabilidade recai sobre todos os pais terrenos, de viver e ordenar os seus lares para que a palavra pai fique conservada condignamente nas mentes e nos corações de todas as crianças em crescimento.

3. O DIA NO ACAMPAMENTO


177:3:1 19232 Os apóstolos passaram a maior parte do dia caminhando pelo monte das Oliveiras e conversando com os discípulos que estavam acampados com eles, mas no início da tardinha ficaram muito desejosos de ver Jesus retornar. Com o decorrer do dia, inquietaram-se cada vez mais quanto à segurança dele; e, sem ele, sentiram-se inexprimivelmente sós. Houve muito debate durante o dia sobre se se deveria ter permitido ao Mestre sair sozinho pelas colinas, acompanhado apenas por um garoto de recados. Embora nenhum homem exprimisse abertamente os seus pensamentos, não havia nenhum entre eles, salvo Judas Iscariotes, que não preferisse estar no lugar de João Marcos.

177:3:2 19233 Foi no meio da tarde que Natanael fez o seu discurso sobre “O Desejo Supremo”, para cerca de meia dúzia de apóstolos e meia dúzia de discípulos; concluindo o discurso desta forma: “O que há de errado com a maioria de nós é que nos entregamos apenas com a metade do nosso coração. Não amamos ao Mestre como ele nos ama. Se quiséssemos todos, tanto quanto João Marcos, ir junto, ele certamente nos teria levado a todos. Ficamos quietos; já o rapaz aproximou-se do Mestre e ofereceu-lhe a cesta e, quando o Mestre pegou-a, o jovem não a soltou. E assim o Mestre nos deixou aqui, enquanto foi para as colinas com a cesta, o rapaz e tudo”.

177:3:3 19234 Por volta de quatro horas, alguns corredores chegaram até Davi Zebedeu, trazendo-lhe notícias da sua mãe em Betsaida e da mãe de Jesus. Vários dias antes, Davi havia concluído que os sacerdotes principais e os dirigentes iam matar Jesus. Davi sabia que eles estavam determinados a destruir o Mestre, e achava-se convencido de que Jesus não iria exercer o seu poder divino para salvar-se, nem permitir aos seus seguidores que empregassem força em sua defesa. Tendo chegado a essas conclusões, ele não perdeu tempo e despachou um mensageiro até a sua mãe, instando-lhe para que viesse imediatamente a Jerusalém e que trouxesse Maria, a mãe de Jesus, e todos os membros da família dele.

177:3:4 19235 A mãe de Davi fez como o filho lhe havia pedido, e agora os corredores voltavam a Davi trazendo a notícia de que a sua mãe e toda a família de Jesus estavam a caminho de Jerusalém, e deveriam chegar no final do dia seguinte ou na manhã subseqüente. Já que Davi tinha feito isso por sua própria iniciativa, ele pensou que seria prudente guardar consigo essa informação. E não contou a ninguém, portanto, que a família de Jesus estava a caminho de Jerusalém.

177:3:5 19241 Pouco depois do meio-dia, mais de vinte daqueles gregos que tinham estado com Jesus e os doze, na casa de José de Arimatéia, chegaram ao acampamento; e Pedro e João passaram várias horas em conversa com eles. Esses gregos, ou ao menos alguns deles, estavam bastante avançados nos conhecimentos do Reino, tendo sido instruídos por Rodam, em Alexandria.

177:3:6 19242 Naquela noite, depois de retornar ao acampamento, Jesus conversou com os gregos, e ele teria ordenado esses vinte gregos, tal como havia feito com os setenta, não tivesse sido pelo fato de que uma ação assim teria deixado os seus apóstolos e muitos dos seus discípulos principais bastante perturbados.

177:3:7 19243 Enquanto tudo isso acontecia no acampamento, em Jerusalém os sacerdotes principais e os anciães ficaram surpreendidos por Jesus não ter voltado para falar às multidões. Na verdade, no dia anterior, quando deixou o templo, ele disse: “Entregue a vós fica a vossa própria casa, em desolação”. Mas eles não podiam entender por que ele estava disposto a renunciar à vantagem tão grande que tinha conseguido em vista da atitude amistosa da multidão. Embora eles temessem que ele fosse instigar na multidão um tumulto, as últimas palavras do Mestre diante dela tinham sido uma exortação para que ficasse, de todas as maneira razoáveis, em conformidade com a autoridade daqueles “que se colocavam no assento de Moisés”. Era um dia movimentado na cidade, pois simultaneamente preparavam-se para a Páscoa e aperfeiçoavam os seus planos para destruir Jesus.

177:3:8 19244 Não veio muita gente ao acampamento, pois o seu estabelecimento tinha sido mantido como um segredo bem guardado por todos aqueles que sabiam da importância de ficar lá, para Jesus, em vez de ir à Betânia todas as noites.

4. JUDAS E OS SACERDOTES PRINCIPAIS


177:4:1 19245 Pouco depois de Jesus e João Marcos terem deixado o acampamento, Judas Iscariotes desapareceu de perto dos seus irmãos, não retornando senão no final da tarde. Esse apóstolo confuso e descontente foi até Jerusalém, não obstante o pedido específico do seu Mestre para que se abstivessem todos de entrar nos seus portões. Ele foi até lá, às pressas, para comparecer ao encontro com os inimigos de Jesus, na casa de Caifás, o sumo sacerdote. Tratava-se de uma reunião informal do sinédrio e havia sido marcada para pouco depois das dez horas, naquela manhã. Essa reunião foi convocada para discutir-se a natureza das acusações que seriam apresentadas contra Jesus e para decidir-se sobre o procedimento a ser empregado para trazê-lo perante as autoridades romanas, com o propósito de assegurar a confirmação civil necessária para a sentença de morte já decretada por eles.

177:4:2 19246 No dia anterior, Judas havia revelado a alguns dos seus parentes e amigos saduceus da família do seu pai, que chegara à conclusão que, não obstante Jesus ser um sonhador bem-intencionado e idealista, ele não era o libertador esperado de Israel. Judas declarou que gostaria muito de encontrar uma maneira de retirar-se de uma maneira honrosa de todo o movimento. Os seus amigos asseguraram-lhe, de um modo lisonjeiro para ele, que a sua retirada seria saudada pelos dirigentes judeus como um grande acontecimento, e que nenhuma recompensa seria exagerada para ele. Eles levaram-no a acreditar que, incontinenti, iria receber altas honrarias do sinédrio e que, ao final, ele ficaria em uma posição de apagar o estigma da sua bem-intencionada mas “infeliz ligação com os galileus incultos”.

177:4:3 19247 Judas não podia de fato crer que as poderosas obras do Mestre tivessem sido realizadas pelo poder do príncipe dos demônios, e agora estava plenamente convencido de que Jesus não exerceria nenhum poder para se auto-engrandecer; e, finalmente, se achava convicto de que Jesus permitir-se-ia ser destruído pelos dirigentes judeus. E que, quanto a ele próprio, não poderia ele resistir ao pensamento humilhante de ser identificado com um movimento derrotado. Judas recusava-se a alimentar a idéia de que aquele era um fracasso apenas aparente. Ele entendia profundamente o caráter firme do seu Mestre e a agudeza daquela mente majestosa e misericordiosa, e ainda assim ele ficava satisfeito, ainda que parcialmente, com a sugestão de um dos seus parentes, de que Jesus, conquanto fosse um fanático bem-intencionado, provavelmente não estivesse com a mente sã, de que dera sempre a impressão de ser uma pessoa estranha e mal compreendida.

177:4:4 19251 E agora, mais do que nunca, Judas sentia-se estranhamente ressentido de que Jesus nunca o tivesse designado para uma posição de maior dignidade. Durante todo esse tempo ele havia apreciado a honra de ser o tesoureiro apostólico, agora, no entanto, ele começava a sentir que não tinha sido valorizado; e que não teve reconhecimento pelas suas capacidades. E, de súbito, ele estava tomado de indignação com o fato de que Pedro, Tiago e João tivessem sido honrados pela ligação estreita com Jesus e, nesse momento, quando se encontrava a caminho da casa do alto sacerdote, estava mais preocupado em uma revanche com Pedro, Tiago e João, do que com qualquer pensamento de trair Jesus. Mas, acima de tudo, exatamente então, um pensamento novo e dominante começou a ocupar o primeiro plano da sua mente consciente: ele tinha planejado conseguir honrarias para si próprio e, caso isso pudesse ser conseguido simultaneamente com uma revanche contra aqueles que tinham contribuído para o maior desapontamento da sua vida, tanto melhor. Ele estava tomado por uma conspiração terrível, formada de confusão, de orgulho, de desespero e de resolução. E, assim, pois, deve ficar claro que não foi por dinheiro que Judas pôs-se então a caminho da casa de Caifás, para preparar a traição a Jesus.

177:4:5 19252 Quando Judas aproximou-se da casa de Caifás, ele chegou à decisão final de abandonar Jesus e os seus companheiros apóstolos; e, tendo assim decidido desertar a causa do Reino do céu, ele determinou-se a assegurar para si próprio a maior parte possível daquela honra e glória que, logo no início, ao identificar-se com Jesus e o novo evangelho do Reino, pensara que lhe caberia algum dia. Todos os apóstolos, alguma vez, compartilharam dessa ambição com Judas; no entanto, com o passar do tempo, eles aprenderam a admirar a verdade e a amar Jesus, pelo menos mais do que Judas amou.

177:4:6 19253 O traidor foi apresentado a Caifás e aos dirigentes judeus pelo seu primo, o qual explicou que Judas, depois de descobrir o seu erro de se ter deixado desviar pelo ensinamento hábil de Jesus, havia chegado a ponto de desejar fazer uma renúncia pública e formal da sua ligação com o galileu e, ao mesmo tempo, pedir o seu restabelecimento na confiança e na fraternidade dos seus irmãos judeus. Esse porta-voz de Judas continuou a explicar que Judas reconhecia como melhor para a paz de Israel se Jesus fosse tomado em custódia, e por isso, e como evidência do seu arrependimento de ter participado de um tal movimento equivocado e como prova da sua sinceridade ao voltar aos ensinamentos de Moisés, ele vinha para oferecer-se ao sinédrio como alguém que podia arranjar, com o capitão que tinha as ordens de prender Jesus, para que ele fosse tomado em custódia tranqüilamente, evitando assim qualquer perigo de agitar as multidões ou a necessidade de adiar a sua prisão para depois da Páscoa.

177:4:7 19254 Quando esse primo terminou de falar, ele apresentou Judas, que, aproximando-se do sumo sacerdote, disse: “Tudo o que o meu primo prometeu, eu farei, mas o que estais dispostos a dar-me por esse serviço?” Judas não parecia discernir o olhar de desdém e mesmo de repugnância que vinha à face do orgulhoso e desumano Caifás; o coração de Judas estava todo voltado para a própria glória, almejando satisfazer a exaltação de si próprio.

177:4:8 19261 E Caifás abaixou então o seu olhar até o traidor, enquanto dizia: “Judas, vai ao capitão da guarda e arranja com aquele oficial para que tragam o teu Mestre a nós nesta noite ou na noite de amanhã e, quando ele tiver sido entregue por ti nas nossas mãos, receberás a tua recompensa por esse serviço”. Quando Judas ouviu isso, saiu da presença dos sacerdotes principais e dos dirigentes para conferenciar, com o capitão da guarda do templo, sobre a maneira pela qual Jesus devia ser apreendido. Judas sabia que Jesus estava ausente do acampamento naquele momento e não fazia idéia da hora em que ele voltaria naquela noite e, pois, assim, eles concordaram entre si em prender Jesus na noite seguinte (de quinta-feira), depois que o povo de Jerusalém e todos os peregrinos visitantes estivessem recolhidos para dormir.

177:4:9 19262 Judas retornou para os seus colegas no acampamento, intoxicado por pensamentos de grandeza e glória como há muito tempo não os tivera. Ele havia alistado-se junto a Jesus, esperando algum dia tornar-se um grande homem no novo reino. Ao final entendeu que não existia nenhum reino tal como ele tinha antevisto. Mas rejubilava-se por ter sido tão sagaz em trocar o seu desencanto por não ter alcançado a glória antecipada em um novo reino, pela realização imediata de honra e de recompensa na velha ordem, que, agora, acreditava que sobreviveria; ele estava certo de que ela iria destruir Jesus e a tudo o que ele representava. Na sua última motivação de intenção consciente, a traição de Judas a Jesus foi um ato covarde de um desertor egoísta, cujo único pensamento era a sua própria segurança e glorificação, não importando quais resultados pudessem advir da sua conduta, para com o seu Mestre e os seus antigos companheiros.

177:4:10 19263 Mas foi sempre exatamente assim. Judas tinha há muito tempo engajado-se nessa consciência deliberada, persistente, egoísta e vingativa de construir de forma progressiva na sua mente e colocar no seu coração esses desejos de ódio e de mal, de vingança e de deslealdade. Jesus amou e confiou em Judas, do mesmo modo que amou e confiou nos outros apóstolos, mas Judas não conseguiu desenvolver uma confiança leal, nem experimentou retribuir com um amor de todo o seu coração. E quão perigosa a ambição pode tornar-se, uma vez que esteja totalmente casada com o egoísmo e sob a motivação suprema de uma vingança sombria e longamente contida! Que coisa esmagadora é a decepção nas vidas daquelas pessoas tolas que, ao fixarem as suas vistas nos atrativos obscuros e evanescentes do tempo, se tornam cegas para as realizações superiores e mais reais, de alcance permanente, nos mundos eternos dos valores divinos e das realidades espirituais verdadeiras. Na sua mente Judas ansiava por honras terrenas, e chegou a amar esse desejo de todo o seu coração; os outros apóstolos, do mesmo modo, ansiaram por essa mesma honra mundana nas suas mentes, mas com os seus corações eles amaram Jesus e estavam dando o melhor de si para aprender a amar as verdades que ele lhes ensinou.

177:4:11 19264 Naquele momento, Judas não se deu conta disso, mas tinha sido subconscientemente um crítico de Jesus, desde que João Batista fora decapitado por Herodes. No fundo do seu coração, Judas sempre se ressentiu do fato de Jesus não ter salvado João. Não vos deveis esquecer de que Judas havia sido discípulo de João, antes de tornar-se seguidor de Jesus. Todos esses acúmulos de ressentimentos humanos e de decepções amargas guardados por Judas na sua alma, sob as vestes do ódio, estavam agora bem organizados na sua mente subconsciente e prontos para emergir e tragá-lo tão logo ele ousasse separar-se da influência protetora dos seus irmãos, expondo a si próprio, ao mesmo tempo, às insinuações espertas e aos escárnios agudos dos inimigos de Jesus. Todas as vezes que Judas permitiu que as suas esperanças soassem alto, e que Jesus realizava ou dizia algo para fazê-las despencarem-se, sempre, era deixada no coração de Judas uma cicatriz de ressentimento amargo; e, como essas cicatrizes multiplicaram-se rapidamente, o coração, tão freqüentemente ferido, perdeu toda a afeição real por aquele que havia infringido essa experiência desagradável a uma personalidade bem-intencionada, mas covarde e egocêntrica. Judas não deu por si, mas ele era um covarde. E, desse modo, ele estava sempre inclinado a considerar a covardia como sendo o que, freqüentemente, levava Jesus a recusar-se a agarrar o poder ou a glória quando eles aparentemente estavam a um fácil alcance. E todo homem mortal sabe plenamente bem que o amor, ainda que tendo sido genuíno, pode, por meio da decepção, do ciúme e de um contínuo ressentimento, ser transformado finalmente em ódio verdadeiro.

177:4:12 19271 Afinal, os sacerdotes principais e os anciães puderam respirar tranqüilamente por umas poucas horas. Eles não teriam que prender Jesus em público, e a garantia de Judas, como um aliado traidor, assegurava que Jesus não escaparia da jurisdição deles, como o tinha conseguido tantas vezes no passado.

5. A ÚLTIMA HORA DE REUNIÃO SOCIAL


177:5:1 19272 Pelo fato de ser quarta-feira, aquela noite no acampamento foi de reunião social. O Mestre empenhava-se em alegrar os seus apóstolos abatidos, embora isso fosse quase impossível. Todos começavam a compreender que acontecimentos desconcertantes e arrasadores estavam na iminência de acontecer. Eles não podiam estar alegres, mesmo quando o Mestre recordou os anos de associação afetuosa e cheios de acontecimentos. Jesus inquirira cuidadosamente sobre as famílias de todos os apóstolos e, olhando para Davi Zebedeu, perguntou se alguém tinha notícias recentes da mãe dele e da sua irmã mais jovem, ou de outros membros da família. Davi olhou para os próprios pés; teve medo de responder.

177:5:2 19273 Essa foi a ocasião em que Jesus advertiu aos seus seguidores para que tomassem cuidado com o apoio das multidões. Recordou as suas experiências na Galiléia, quando, muitas vezes, grandes multidões de pessoas haviam-nos seguido com entusiasmo e, de súbito, ardentemente, voltavam-se contra eles e retornavam aos seus caminhos antigos de crença e de vida. E então ele disse: “E assim não deveis permitir-vos ficar decepcionados com as grandes multidões que nos ouviram no templo e que pareciam acreditar nos nossos ensinamentos. Essas multidões escutam a verdade e acreditam nela, superficialmente, com as suas mentes, mas poucas pessoas dentre elas permitem que a palavra da verdade se lhes toque o coração com raízes vivas. Aqueles que conhecem o evangelho apenas pela mente, e que não o experimentaram no coração, não podem ser confiáveis para dar apoio quando chegarem os problemas de verdade. Quando os dirigentes dos judeus entrarem num acordo para destruir o Filho do Homem, e quando eles derem a sua estocada uníssona, vereis a multidão fugir em desânimo ou então ficar atônita, em silêncio, enquanto esses dirigentes enlouquecidos e cegos conduzem à morte os instrutores da verdade do evangelho. E, então, quando a adversidade e a perseguição descerem sobre vós, outros existirão ainda, os quais vós julgais ser amantes da verdade, que se dispersarão, e alguns renunciarão ao evangelho e desertar-vos-ão. Alguns que estiveram bem perto de nós já decidiram desertar. Vós descansastes hoje em preparação para os tempos que virão em breve. Vigiai, pois, e orai, para que amanhã possais estar fortalecidos para os dias que temos pela frente”.

177:5:3 19274 A atmosfera do acampamento estava carregada de uma tensão inexplicável. Mensageiros em silêncio iam e vinham, comunicando-se apenas com Davi Zebedeu. Antes de terminar a noitinha, alguns sabiam que Lázaro havia fugido, apressadamente, da Betânia. João Marcos permanecia sinistramente silencioso, após retornar ao acampamento, não obstante tivesse passado o dia inteiro na companhia do Mestre. Cada esforço para persuadi-lo a falar apenas indicava claramente que Jesus tinha dito a ele para nada contar.

177:5:4 19281 Mesmo o bom humor do Mestre e a sua sociabilidade inusitada amedrontavam a todos. Todos sentiam a aproximação certa de um isolamento terrível que, eles compreendiam, cairia sobre eles com uma rapidez esmagadora e um terror inescapável. Vagamente pressentiam o que viria, e nenhum deles se achava preparado para enfrentar a prova. O Mestre tinha estado fora o dia inteiro; e eles haviam sentido tremendamente a sua falta.

177:5:5 19282 Essa quarta-feira à noite marcou o ponto mais baixo do status espiritual deles, até a hora real da morte do Mestre. Embora o dia seguinte fosse um dia mais próximo da trágica sexta-feira; ainda assim, Jesus estava entre eles, e eles passaram por aquelas horas ansiosas um pouco mais condignamente.

177:5:6 19283 Era um pouco antes da meia-noite quando Jesus, sabendo que esta seria a última noite que ele passaria dormindo junto à sua família escolhida na Terra, disse, ao dispersar a todos para dormir: “Ide, para o vosso sono, meus irmãos, e a paz esteja convosco até que nos levantemos amanhã, um dia a mais para fazer a vontade do Pai e experimentar a alegria de saber que somos filhos Seus”.

DOCUMENTO 178

O ÚLTIMO DIA NO ACAMPAMENTO
--------------------------------------------------------------------------------



Jesus havia planejado passar essa quinta-feira, o seu último dia livre, como um Filho divino encarnado, na Terra, com os seus apóstolos e uns poucos discípulos leais e devotados. Logo após a hora do desjejum, nessa bela manhã, o Mestre conduziu-os a um local retirado, a pouca distância acima do acampamento e, ali, lhes ensinou muitas novas verdades. Embora Jesus tenha feito outros discursos aos apóstolos durante as primeiras horas da tarde naquele dia, essa conversa de antes do meio-dia de quinta-feira foi a sua fala de despedida aos vários grupos do acampamento, de apóstolos e discípulos escolhidos, tanto judeus quanto gentios. Os doze estavam todos presentes, salvo Judas. Pedro e vários dos apóstolos notaram a ausência dele, e alguns até pensaram que Jesus o tinha enviado à cidade para cuidar de alguma questão, provavelmente para acertar os detalhes da celebração vindoura da Páscoa. Judas não retornou ao acampamento senão no meio da tarde, pouco antes de Jesus conduzir os doze a Jerusalém para compartilharem da Última Ceia.

1. DISCURSO SOBRE FILIAÇÃO E CIDADANIA


178:1:1 19292 Jesus falou para cerca de cinqüenta dos seus seguidores de confiança, durante quase duas horas, e respondeu a umas tantas perguntas a respeito da relação entre o Reino do céu e os reinos deste mundo, a respeito da relação entre a filiação a Deus e a cidadania nos governos terrenos. Este discurso, junto com as suas respostas, pode ser resumido e reescrito, em linguagem moderna, da seguinte maneira:

178:1:2 19293 Os reinos deste mundo, sendo materiais, podem freqüentemente considerar que seja necessário empregar a força física para a execução das suas leis e para a manutenção da ordem. No Reino do céu os verdadeiros crentes não recorrerão ao emprego da força física. O Reino do céu, sendo uma fraternidade espiritual dos filhos nascidos do espírito de Deus, pode apenas ser promulgado pelo poder do espírito. Essa distinção de procedimento refere-se às relações do Reino dos crentes com o reino do governo secular e não anula o direito que os grupos sociais de crentes têm de manter a ordem nas suas fileiras e de administrar a disciplina junto a membros rebeldes e indignos.

178:1:3 19294 Nada há de incompatível entre a filiação ao Reino espiritual e a cidadania no governo secular ou civil. É dever do crente conferir a César as coisas que são de César e a Deus as coisas que são de Deus. Não pode haver qualquer desacordo entre esses dois quesitos, um sendo material e o outro espiritual, a menos que aconteça que algum César presuma usurpar as prerrogativas de Deus e exigir que lhe sejam conferidas uma homenagem espiritual e a suprema adoração. Num tal caso vós adorareis apenas a Deus e, ao mesmo tempo, buscareis esclarecer a esses dirigentes terrenos mal orientados, para conduzi-los, desse modo, também ao reconhecimento do Pai no céu. Não deveríeis prestar culto espiritual a dirigentes terrenos nem empregar as forças físicas dos governos terrenos, cujos dirigentes possam em algum tempo tornar-se crentes, no trabalho de fazer progredir a missão do Reino espiritual.

178:1:4 19301 A filiação ao Reino, do ponto de vista da civilização em avanço, deveria ajudar-vos a tornar-vos cidadãos ideais dos reinos deste mundo, pois a fraternidade e o serviço são as pedras fundamentais do evangelho do Reino. O chamado de amor do Reino espiritual deveria mostrar-se como sendo o destruidor eficiente do instinto de ódio dos cidadãos descrentes e belicosos dos reinos primitivos. Mas esses filhos de mentes materialistas, vivendo nas trevas, nunca saberão da vossa luz espiritual para a verdade, a menos que vos aproximeis bastante deles naquele serviço social generoso que vem naturalmente como o fruto do espírito o qual cresce na experiência de vida de todo indivíduo que crê.

178:1:5 19302 Como homens mortais e materiais, vós sois de fato cidadãos dos reinos terrestres e devereis ser cidadãos bons, e tanto melhor que vos tenhais tornado filhos renascidos do espírito do Reino do céu. Como filhos esclarecidos pela fé e de espíritos liberados do Reino celeste, vós estais diante da responsabilidade dupla do dever para com o homem e do dever para com Deus e, ao mesmo tempo, voluntariamente, assumis uma terceira e sagrada obrigação: o serviço à irmandade dos crentes que conhecem a Deus.

178:1:6 19303 Vós não podeis cultuar os vossos dirigentes temporais, e não deveríeis empregar o poder temporal para dar apoio ao progresso do Reino espiritual; mas deveríeis manifestar, do mesmo modo, a ministração justa de serviço de amor aos crentes e descrentes. No evangelho do Reino reside o poderoso Espírito da Verdade, e em breve eu verterei esse espírito sobre toda a carne. Os frutos do espírito, do vosso serviço dedicado e sincero, são uma poderosa alavanca social para elevar as raças, tirando-as das trevas, e esse Espírito da Verdade tornar-se-á o vosso ponto de apoio para a multiplicação do vosso poder.

178:1:7 19304 Dai mostras de sabedoria e manifestai sagacidade no vosso trato com os dirigentes civis descrentes. Para melhor discernimento, mostrai-vos hábeis em remover as diferenças menores e em ajustar os pequenos mal-entendidos. De todos os modos possíveis – em tudo que não exija o sacrifício da vossa lealdade espiritual aos dirigentes do universo –, buscai viver pacificamente com todos os homens. Sede sempre sábios como as serpentes, mas inofensivos como os pombos.

178:1:8 19305 Deveríeis transformar-vos nos melhores cidadãos para o governo secular, como conseqüência de tornar-vos filhos esclarecidos do Reino; de um tal modo que os dirigentes dos governos terrenos tornem-se melhores nos assuntos civis por acreditarem neste evangelho do Reino celeste. A atitude do serviço desinteressado ao homem e a adoração inteligente a Deus deveriam fazer, de todos os crentes do Reino, melhores cidadãos deste mundo, enquanto a atitude de cidadania honesta e de devoção sincera ao próprio dever temporal deveriam ajudar a fazer desse cidadão um indivíduo mais facilmente alcançável pelo chamado do espírito à filiação ao Reino celeste.

178:1:9 19306 Se os dirigentes do governo terreno buscarem exercer a autoridade de ditadores religiosos, vós que credes neste evangelho, não podereis esperar nada mais do que complicações, perseguição e mesmo a morte. Mas a própria luz que trouxerdes ao mundo e mesmo o próprio modo pelo qual vós sofrereis e morrereis por este evangelho do Reino irão, por si mesmos, finalmente iluminar todo o mundo e resultar em uma separação gradativa entre a política e a religião. A pregação persistente deste evangelho do Reino irá, algum dia, trazer uma libertação nova a todas as nações e, também, uma liberdade intelectual e religiosa inacreditável.

178:1:10 19311 Sob as perseguições que logo virão, feitas por aqueles que odeiam este evangelho de alegria e liberdade, vós florescereis e o Reino prosperará. Contudo, estareis sob um grave perigo em épocas subseqüentes, quando a maior parte dos homens falará favoravelmente aos crentes do Reino, e muitos que ocupam altas posições nominalmente aceitarão o evangelho do Reino celeste. Aprendei a ser fiéis ao Reino, mesmo em tempos de paz e prosperidade. Não tenteis os anjos que vos supervisionam a conduzir-vos por caminhos de tribulações, como uma disciplina de amor designada a salvar as vossas almas que vagueiam despreocupadas.

178:1:11 19312 Lembrai-vos que tendes a missão de pregar este evangelho do Reino – o desejo supremo de cumprir a vontade do Pai combinado à suprema alegria da realização pela fé da filiação a Deus – e não deveis permitir que nenhuma coisa distraia a vossa devoção a esse dever. Deixai que toda a humanidade se beneficie do transbordamento da vossa amorosa ministração espiritual, da comunhão intelectual esclarecedora e do serviço social que eleva; mas não deveria ser permitido a nenhum desses trabalhos humanitários, nem a todos eles, tomar o lugar da proclamação do evangelho. Essas ministrações poderosas são os subprodutos sociais das ministrações e transformações, ainda mais poderosas e sublimes, formadas no coração do crente do Reino, pelo Espírito da Verdade vivo, pela compreensão e a realização pessoal de que a fé, em um homem nascido do espírito, confere a garantia da fraternidade viva com o Deus eterno.

178:1:12 19313 Não deveis buscar promulgar a verdade nem estabelecer a retidão pelo poder dos governos civis, ou pela aplicação das leis seculares. Vós podeis trabalhar sempre para persuadir às mentes dos homens, mas não deveis jamais ousar obrigá-los. Não vos deveis esquecer da grande lei da justiça humana que eu vos ensinei na forma positiva: fazei aos homens aquilo que gostaríeis que os homens fizessem a vós.

178:1:13 19314 Quando um crente do Reino é convocado para servir ao governo civil, que ele preste esse serviço como um cidadão temporal de tal governo; esse crente, todavia, deveria mostrar no seu serviço civil todas as qualidades ordinárias da cidadania, tais como estas tiverem sido realçadas pelo esclarecimento espiritual resultante da ligação social enobrecedora da mente do homem mortal com o espírito residente do Deus eterno. Se os descrentes podem qualificar-se como servidores civis superiores, vós devíeis questionar seriamente se as raízes da verdade no vosso coração não morreram pela falta da água viva da comunhão espiritual combinada com o serviço social. A consciência da filiação a Deus deveria estimular toda a vida de serviço de cada homem, mulher e criança que se tiver tornado um possuidor de um estímulo assim poderoso para todos os poderes inerentes a uma personalidade humana.

178:1:14 19315 Não deveis ser místicos passivos nem ascetas insípidos; não deveríeis transformar-vos em sonhadores, nem em andarilhos que, indolentemente, confiam em uma Providência fictícia que proporciona até as necessidades da vida. Em verdade, deveis ser doces no vosso trato com os mortais equivocados, pacientes no vosso intercâmbio com os homens ignorantes e indulgentes sob provocações; mas vós também deveis ser valentes na defesa da retidão, poderosos na promulgação da verdade e dinâmicos na pregação deste evangelho do Reino, até os confins da Terra.

178:1:15 19316 Este evangelho do Reino é uma verdade viva. Eu vos disse que é como o fermento na massa, como o grão da semente de mostarda; e agora eu declaro que é como a semente do ser vivo, que, de geração para geração, ao mesmo tempo em que permanece sendo a mesma semente viva, se desdobra infalivelmente em novas manifestações e cresce aceitavelmente nos canais de uma nova adaptação às necessidades e condições peculiares de cada geração sucessiva. A revelação que fiz a vós é uma revelação viva, e eu desejo que produza frutos apropriados em cada indivíduo e em cada geração, de acordo com as leis do crescimento espiritual, do desenvolvimento e do aperfeiçoamento adaptado. De geração para geração, este evangelho deve mostrar uma vitalidade crescente e exibir maior profundidade de poder espiritual. Não se deve permitir que se torne meramente uma memória sagrada, uma mera tradição sobre mim e sobre os tempos que agora vivemos.

178:1:16 19321 E não vos esqueçais: Não fizemos nenhum ataque direto às pessoas, nem às autoridades daqueles que tomam o assento de Moisés; apenas oferecemos a eles a nova luz, que eles rejeitaram tão vigorosamente. Apenas os atacamos com a denúncia da sua deslealdade espiritual às mesmas verdades que eles professam ensinar e salvaguardar. Entramos em conflito com esses líderes estabelecidos e dirigentes reconhecidos, apenas quando eles se opuseram diretamente à pregação do evangelho do Reino aos filhos dos homens. E, mesmo agora, não somos nós que os atacamos, mas são eles que buscam a nossa destruição. Não vos esqueçais de que a vossa missão é apenas sair pregando as boas-novas. Não deveis atacar os caminhos antigos; vós sois hábeis para pôr o fermento da nova verdade no meio das velhas crenças. Deixai que o Espírito da Verdade faça o seu próprio trabalho. Deixai que a controvérsia venha apenas quando aqueles que desprezam a verdade forçarem-na entre vós. No entanto, quando o descrente disposto vos atacar, não hesiteis em permanecer na defesa vigorosa da verdade que vos salvou e santificou.

178:1:17 19322 Ao longo das vicissitudes da vida, lembrai-vos sempre de amar-vos uns aos outros. Não luteis com os homens, nem mesmo com os descrentes. Mostrai misericórdia mesmo àqueles que abusam de vós com desprezo. Mostrai-vos cidadãos leais, artesãos probos, vizinhos dignos de louvor, membros devotados da família, pais compreensivos e crentes sinceros na fraternidade do Reino do Pai. E o meu espírito pairará sobre vós, agora e mesmo até o fim do mundo.

178:1:18 19323 Quando Jesus concluiu o seu ensinamento, era quase uma hora, e eles foram imediatamente de volta para o acampamento, onde Davi e os seus amigos estavam com o almoço pronto à espera deles.

2. APÓS A REFEIÇÃO DO MEIO-DIA


178:2:1 19324 Poucos dos ouvintes do Mestre foram capazes de entender sequer parte da sua alocução de antes do meio-dia. De todos os que o ouviram, os gregos foram os que mais compreenderam. Mesmo os onze apóstolos estavam desorientados, pelas suas alusões aos reinos políticos do futuro e às sucessivas gerações de crentes do Reino. Os mais devotados seguidores de Jesus não podiam conciliar o fim iminente da sua ministração terrena com essas referências a um futuro expandido de atividades do evangelho. Alguns desses crentes judeus estavam começando a sentir que a grande tragédia da Terra estava para acontecer, mas eles não podiam reconciliar um desastre tão iminente com a atitude pessoal alegremente indiferente do Mestre, nem com o seu discurso de antes do meio-dia, no qual repetidamente ele aludia às transações futuras do Reino celeste, que se estendiam a vastos intervalos de tempo e que abrangiam relações com muitos e sucessivos reinos temporais na Terra.

178:2:2 19325 Nesse dia, por volta do meio-dia, todos os apóstolos e discípulos estavam sabendo da fuga apressada de Lázaro da Betânia. Eles começaram a sentir a determinação inflexível dos dirigentes judeus de exterminar Jesus e os seus ensinamentos.

178:2:3 19326 Davi Zebedeu, por intermédio do trabalho dos seus agentes secretos em Jerusalém, estava plenamente avisado sobre o progresso do plano para prender e matar Jesus. E sabia de tudo sobre o papel de Judas nessa conspiração, mas ele não revelou esse conhecimento aos outros apóstolos, nem a qualquer dos discípulos. Pouco depois do almoço, ele levou Jesus a um local isolado e ousou perguntar-lhe se ele sabia – mas não foi adiante com a sua pergunta. O Mestre, segurando a sua mão, refreou-o, dizendo: “Sim, Davi, eu sei de tudo e sei que tu sabes, mas cuida de nada dizer a nenhum homem. Apenas não duvides, no teu próprio coração, de que a vontade de Deus prevalecerá no fim”.

178:2:4 19331 Essa conversa com Davi foi interrompida com a chegada de um mensageiro da Filadélfia trazendo notícias de Abner, que sabia da conspiração para matar Jesus, e que perguntava se ele devia partir para Jerusalém. Esse corredor apressou-se a voltar para a Filadélfia com esta mensagem para Abner: “Continuai com o vosso trabalho. Se eu me separar de vós na carne, é apenas para que eu possa voltar em espírito. Eu não vos abandonarei. Estarei convosco até o fim”.

178:2:5 19332 Nesse momento, Filipe veio ao Mestre e perguntou: “Mestre, vendo que a hora da Páscoa aproxima-se, onde desejarias que preparássemos o que há para comer?” E, quando ouviu a pergunta de Filipe, Jesus respondeu: “Vá e traga Pedro e João. E então eu darei a todos vós as instruções a respeito da ceia que faremos juntos nesta noite. Quanto à Páscoa, terás de considerá-la depois que tivermos feito isso”.

178:2:6 19333 Quando Judas ouviu o Mestre falar com Filipe sobre esses assuntos, ele aproximou-se para poder ouvir a conversa deles. Mas Davi Zebedeu, que estava por perto, aproximou-se de Judas e entabulou uma conversa com ele, enquanto Filipe, Pedro e João foram para um lado a fim de conversar com o Mestre.

178:2:7 19334 Disse Jesus aos três: “Ide imediatamente a Jerusalém e, ao passardes pelo portão, ireis encontrar um homem que traz consigo um cântaro de água. Ele falará convosco, e então vós o seguireis. Ele os levará a uma certa casa, ide com ele e perguntai ao bom homem daquela casa: ‘Onde é a sala de hóspedes em que o Mestre deve tomar a ceia com os seus apóstolos?’ E, quando tiverdes perguntado isso, esse dono da casa vos mostrará uma ampla sala no andar de cima, toda mobiliada e pronta para nós”.

178:2:8 19335 Ao chegar à cidade os apóstolos encontraram o homem com o cântaro de água perto do portão e seguiram-no até a casa de João Marcos, onde o pai do rapaz os recebeu e mostrou-lhes a sala no andar de cima pronta para a ceia.

178:2:9 19336 E tudo isso aconteceu como resultado de um entendimento ao qual chegaram o Mestre e João Marcos durante a tarde do dia anterior, quando eles estavam a sós nas colinas. Jesus queria estar certo de que teria essa última refeição sem ser perturbado, com os seus apóstolos. E, acreditando que Judas poderia armar com os seus inimigos para levá-lo, se soubesse de antemão do local de encontro deles, então, fez esse arranjo em segredo com João Marcos. Desse modo, Judas só ficou sabendo do local de encontro mais tarde, quando chegou lá em companhia de Jesus e dos outros apóstolos.

178:2:10 19337 Davi Zebedeu tinha muitos assuntos de que cuidar com Judas, de modo que este foi facilmente impedido de seguir Pedro, João e Filipe, como ele tanto desejava ter feito. Quando Judas entregou a Davi uma certa soma de dinheiro para as provisões, Davi disse a ele: “Judas, não seria oportuno, dadas as circunstâncias, proporcionares um pouco de dinheiro, em adiantamento, pelas minhas necessidades reais?” E, depois de haver refletido por um momento, Judas respondeu: “Sim, Davi, acho que seria sábio. De fato, por causa das condições inquietantes em Jerusalém, julgo que seria melhor eu entregar-te todo o dinheiro. Eles conspiram contra o Mestre e, em caso de acontecer qualquer coisa a mim, tu não ficarás em dificuldade”.

178:2:11 19341 E, assim, Davi recebeu todo o fundo do caixa apostólico e os recibos de todo dinheiro em depósito. Os apóstolos só souberam dessa transação na noite do dia seguinte.

178:2:12 19342 Era por volta de quatro e meia da tarde quando os três apóstolos voltaram e informaram a Jesus que tudo estava pronto para a ceia. O Mestre imediatamente preparou-se para levar os seus doze apóstolos até a trilha para a estrada da Betânia e até Jerusalém. E essa foi a última caminhada que ele fez com todos os doze juntos.

3. A CAMINHO DA CEIA


178:3:1 19343 Buscando novamente evitar as multidões, passando pelo vale do Cédrão, indo para a frente e para trás, entre o parque do Getsêmane e Jerusalém, Jesus e os doze caminharam pelo lado oeste do monte das Oliveiras, para alcançar a estrada que, da Betânia, levava até a cidade. À medida que aproximaram do local em que Jesus havia parado, na tarde anterior, para discursar sobre a destruição de Jerusalém, pararam inconscientemente e, em silêncio, olharam lá embaixo para a cidade. Como fosse um pouco antes da hora, e desde que Jesus não queria passar pela cidade antes do entardecer, ele disse aos seus seguidores:

178:3:2 19344 “Assentai-vos e descansai, enquanto eu converso convosco sobre tudo o que em breve irá acontecer. Por todos esses anos eu tenho vivido convosco como irmãos, eu ensinei-vos a verdade a respeito do Reino celeste e revelei-vos os mistérios dele. E meu Pai de fato fez muitas obras maravilhosas relacionadas à minha missão na Terra. Tendes sido testemunhas de tudo e tomastes parte na experiência de ser trabalhadores junto com Deus. E, agora, vós dareis o testemunho de que vos avisei há algum tempo, de que devo em breve voltar à obra que o Pai me consagrou para realizar; tenho-vos dito claramente que vos devo deixar no mundo para continuar o trabalho do Reino. Foi com esse propósito que me afastei convosco nas montanhas de Cafarnaum. A experiência que tivestes comigo, deveis agora estar prontos para compartilhá-la com outros. Como o Pai enviou-me a este mundo, eu estou pronto para enviar-vos adiante para que me representeis e termineis a obra que eu comecei.

178:3:3 19345 “Vós contemplais esta cidade com tristeza, pois ouvistes as minhas palavras contando sobre o fim de Jerusalém. E vos preveni de antemão, para que não pereçais na sua destruição, retardando assim a proclamação do evangelho do Reino. Do mesmo modo eu vos previno para que tomeis o cuidado de não vos expor desnecessariamente ao perigo, quando eles vierem buscar o Filho do Homem. Eu preciso ir, mas vós deveis permanecer e dar testemunho deste evangelho quando eu tiver ido e, do mesmo modo, eu instruí que Lázaro fugisse da ira dos homens, para que ele pudesse viver e tornar conhecida a glória de Deus. Se a vontade do Pai for de que eu parta, nada do que podeis fazer irá frustrar o plano divino. Tomai cuidado convosco, para que eles não vos matem também. Que as vossas almas sejam valentes na defesa do evangelho, pelo poder do espírito, mas não sejais levados a cometer tolices tentando defender o Filho do Homem. Não preciso de nenhuma defesa pela mão do homem; os exércitos celestes estão à disposição, neste mesmo instante, mas eu estou determinado a fazer a vontade do meu Pai no céu e, portanto, devemos submeter-nos àquilo que está para vir.

178:3:4 19346 “Quando virdes esta cidade destruída, não vos esqueçais de que entrastes já na vida eterna do serviço eterno no Reino celeste sempre em avanço, e mesmo no céu dos céus. Deveis saber que, no universo do meu Pai e no meu, existem muitas moradas, e que uma revelação aguarda pelos filhos da luz, a revelação de cidades cujo construtor é Deus e de mundos cujo hábito de vida é a retidão e a alegria da verdade. Eu trouxe a vós, aqui na Terra, o Reino do céu, mas eu declaro que todos dentre vós que, pela fé, entrardes nele e permanecerdes nele, pelo serviço vivo à verdade, certamente ascenderão aos mundos no alto e assentar-vos-ão comigo no Reino espiritual do nosso Pai. Mas deveis primeiro criar coragem e completar a obra que começastes comigo. Deveis primeiro passar por muitas tribulações e resistir a muitas tristezas – e essas provações estão já sobre nós – e, quando tiverdes terminado a vossa obra na Terra, deveis vir para a minha alegria, do mesmo modo que eu terminei a obra do meu Pai na Terra e estou na iminência de voltar para o Seu abraço”.

178:3:5 19351 Depois de ter dito isso, ele levantou-se, e todos eles seguiram-no, monte das Oliveiras abaixo, para a cidade. Nenhum dos apóstolos, exceto três deles, sabiam para onde eles estavam indo, enquanto passavam pelas ruas estreitas sob a escuridão da noite. As multidões apertavam-nos, mas ninguém os reconheceu, nem sabia que o Filho de Deus estava passando por ali, a caminho do último encontro mortal com os seus embaixadores escolhidos do Reino. Nem os apóstolos sabiam que um dentre eles tinha já entrado em uma conspiração para atraiçoar o Mestre, entregando-o nas mãos dos seus inimigos.

178:3:6 19352 João Marcos havia acompanhado-os por todo o caminho até a cidade e, após terem eles seguido portão adentro da cidade, ele apressou-se por uma outra viela, de modo que já estava esperando para dar-lhes as boas-vindas à casa do seu pai, quando eles chegaram lá.


DOCUMENTO 179

A ÚLTIMA CEIA
--------------------------------------------------------------------------------



Durante a tarde dessa quinta-feira, quando Filipe lembrou ao Mestre sobre a aproximação da Páscoa e perguntou a respeito dos seus planos para essa celebração, ele tinha em mente a ceia de Páscoa que se devia realizar na noite do dia seguinte, sexta-feira. O costume era começar as preparações para a celebração da Páscoa nunca depois do meio-dia do dia anterior. E, já que os judeus consideravam o dia como começando no entardecer, isso significava que a ceia do sábado de Páscoa seria celebrada na sexta-feira à noite, um pouco antes da meia-noite.

179:0:2 19362 Os apóstolos ficaram, portanto, inteiramente sem entender o anúncio do Mestre de que eles iriam celebrar a Páscoa um dia antes. E pensaram, ao menos alguns deles, que ele sabia que seria preso antes do momento da ceia da Páscoa, na noite de sexta-feira, e que por isso estava convidando-os para uma ceia especial nessa quinta-feira à noite. Outros pensaram que essa seria meramente uma ocasião especial que devia preceder a celebração corriqueira da Páscoa.

179:0:3 19363 Os apóstolos sabiam que Jesus tinha celebrado outras Páscoas sem o cordeiro; eles sabiam que ele não participava pessoalmente de qualquer serviço de sacrifício do sistema judeu. Por várias vezes ele tinha partilhado do cordeiro pascal como um convidado, mas sempre, quando ele era o anfitrião, nenhum cordeiro era servido. Não teria sido uma grande surpresa para os apóstolos verem o cordeiro suprimido mesmo na noite de Páscoa e, posto que essa ceia estava sendo celebrada um dia antes, a ausência de um cordeiro passou despercebida.

179:0:4 19364 Após receber os cumprimentos de boas-vindas, dados pelo pai e pela mãe de João Marcos, os apóstolos foram imediatamente para a sala de cima, enquanto Jesus permanecia embaixo para falar com a família Marcos.

179:0:5 19365 Combinou-se de antemão que o Mestre iria celebrar essa ocasião apenas com os seus doze apóstolos; e, portanto, nenhum serviçal foi chamado para servi-los.

1. O DESEJO DE TER PREFERÊNCIA


179:1:1 19366 Quando os apóstolos foram conduzidos ao andar de cima por João Marcos, eles viram uma sala ampla e confortável, completamente mobiliada para a ceia, e observaram que o pão, o vinho, a água e as ervas estavam todos prontos em uma extremidade da mesa. A não ser pela extremidade na qual foram colocados o pão e o vinho, essa longa mesa estava cercada de treze divãs para reclinar, exatamente como aconteceria em uma celebração da Páscoa na casa de uma família judaica de boa posição.

179:1:2 19367 Quando os doze entraram nessa sala do andar de cima, eles perceberam, perto da porta, os cântaros de água, as bacias e as toalhas para a lavação dos seus pés poeirentos; e, já que nenhum criado havia sido providenciado para prestar esse serviço, os apóstolos começaram a entreolhar-se logo que João Marcos os deixou, e cada qual passou a pensar com ele mesmo: quem lavará os nossos pés? E cada um do mesmo modo pensou que não seria ele próprio quem iria atuar como servo dos outros.

179:1:3 19371 Enquanto estavam ali, debatendo em seus assentos, com os seus corações agitados, eles olharam o arranjo dos assentos junto à mesa, e notaram que o divã mais alto, do anfitrião, tinha um divã à direita e onze dispostos em volta da mesa até o lado oposto a esse segundo assento de honra à direita do anfitrião.

179:1:4 19372 Eles esperavam que o Mestre chegasse a qualquer momento, mas estavam em um dilema quanto a se assentar ou esperar a sua vinda e dependerem de que ele lhes designasse os seus lugares. Enquanto hesitavam, Judas avançou sobre o assento de honra, à esquerda do anfitrião, indicando que ele tinha a intenção de reclinar-se ali como o convidado preferido. Esse ato de Judas provocou imediatamente uma disputa acirrada entre os outros apóstolos. Mal tinha Judas apossado-se do assento de honra, e João Zebedeu pretendeu o próximo assento de distinção, aquele à direita do anfitrião. Simão Pedro ficou tão furioso com essa pretensão de escolha de posições de Judas e de João que, sob o olhar enraivecido dos outros apóstolos, dando a volta na mesa, encaminhou-se para tomar o assento no divã mais baixo, no final da ordem de assentos e exatamente em frente ao assento escolhido por João Zebedeu. Desde que os outros se tinham apoderado dos assentos altos, Pedro pensou em escolher o mais baixo, e ele o fez, não meramente em protesto contra o orgulho inconveniente dos seus irmãos, mas com a esperança de que Jesus, quando viesse e o visse no lugar de menos honra, o chamasse para um lugar de mais honra, desalojando assim um daqueles que tinham tido a presunção de dar a si próprio certa honra.

179:1:5 19373 Com as posições mais altas e as mais baixas assim ocupadas, o restante dos apóstolos escolheu os seus lugares, alguns perto de Judas e alguns perto de Pedro, até que todos estavam nos seus lugares. Eles estavam sentados à mesa em forma de U, nesses divãs reclinados, na seguinte ordem: à direita do Mestre, João; à esquerda, Judas, Simão zelote, Mateus, Tiago Zebedeu, André, os gêmeos Alfeus, Filipe, Natanael, Tomé e Simão Pedro.

179:1:6 19374 Eles estavam juntos para celebrar, ao menos em espírito, uma instituição que antecedia mesmo a Moisés e que se referia aos tempos em que os seus pais eram escravos no Egito. Nessa ceia que foi o último encontro com Jesus, apesar de um quadro tão solene, sob a liderança de Judas, os apóstolos foram levados uma vez mais a dar vazão à sua antiga predileção pelas honrarias, pela preferência e pela exaltação pessoal.

179:1:7 19375 Quando o Mestre apareceu na porta, eles estavam ainda empenhados em lançar recriminações irritadas, e ali o Mestre permaneceu por um momento, enquanto uma expressão de desapontamento lentamente surgia no seu rosto. Sem comentários ele foi para o seu lugar, e não perturbou a disposição dos assentos ocupados.

179:1:8 19376 Eles estavam agora prontos para começar a ceia, exceto que os seus pés ainda estavam por lavar, e que o humor deles era qualquer coisa de não agradável. Quando o Mestre chegou, eles estavam ainda empenhados em fazer observações pouco elogiosas entre si, sem dizer sobre os pensamentos de alguns que tinham tido o controle emocional suficiente para abster-se de expressar publicamente os seus sentimentos.

2. COMEÇANDO A CEIA


179:2:1 19377 Por alguns instantes, depois que o Mestre tinha ido para o seu lugar, nem uma palavra foi dita. Jesus olhou para todos e, aliviando a tensão com um sorriso, disse: “Eu desejei muito compartilhar esta Páscoa convosco. Uma vez mais gostaria de ceiar convosco, antes do meu sofrimento e, compreendendo que a minha hora chegou, eu organizei esta ceia convosco esta noite, pois, no que concerne ao amanhã, estamos todos na mão do Pai, cuja vontade eu vim cumprir. Eu não comerei convosco novamente até que vos assenteis comigo no Reino que o meu Pai me dará quando eu tiver concluído o que Ele enviou-me para fazer neste mundo”.

179:2:2 19381 Após o vinho e a água terem sido misturados, eles trouxeram o cálice a Jesus, que, ao recebê-lo da mão de Tadeu, segurou-o enquanto oferecia agradecimentos. E, quando acabou de fazer o agradecimento, ele disse: “Tomai deste cálice e compartilhai-o entre vós e, quando beberdes dele, compreendeis que eu não beberei de novo convosco do fruto da vinha, pois esta é a nossa Última Ceia. Quando nos assentarmos novamente deste modo, será no Reino que virá”.

179:2:3 19382 Jesus começou assim a falar aos seus apóstolos porque sabia que a sua hora tinha chegado. Ele compreendeu que aquele era o momento em que devia voltar ao Pai, e que a sua obra na Terra estava quase concluída. O Mestre sabia que tinha revelado o amor do Pai na Terra e proclamado a Sua misericórdia à humanidade, e que havia completado aquilo que tinha vindo fazer no mundo; e até mesmo receber todo o poder e autoridade no céu e na Terra. E também sabia que Judas Iscariotes tinha decidido totalmente que o entregaria naquela noite nas mãos dos seus inimigos. Ele compreendia inteiramente que essa entrega traidora era o trabalho de Judas, mas que também agradava a Lúcifer, a Satã e a Caligástia, o príncipe das trevas. Jesus, contudo, não temia a nenhum dos que buscavam sua derrota espiritual, como não temia àqueles que iam realizar a sua morte física. O Mestre não tinha senão uma ansiedade, que era pela segurança e salvação dos seus seguidores escolhidos. E assim, com o pleno conhecimento de que o Pai tinha colocado todas as coisas sob a Sua autoridade, o Mestre agora se preparava para colocar em prática a parábola do amor fraterno.

3. LAVANDO OS PÉS DOS APÓSTOLOS


179:3:1 19383 Depois de beber o primeiro cálice da Páscoa, era do costume judeu que o anfitrião saísse da mesa e lavasse as próprias mãos. Mais tarde, durante a refeição e depois da segunda taça, todos os convidados também deviam levantar-se e lavar as próprias mãos. Já que os apóstolos sabiam que o seu Mestre nunca observava esses ritos do cerimonial de lavar as mãos, eles estavam curiosos para saber o que ele tinha a intenção de fazer quando, após terem eles compartilhado desse primeiro cálice, ele se levantou da mesa e silenciosamente foi até perto da porta, onde tinham sido colocados os cântaros de água, as bacias e as toalhas. E a curiosidade deles chegou ao assombro quando eles viram o Mestre retirar o seu manto externo, guarnecer-se com uma toalha, e começar a jogar água em uma das bacias para o lava-pé. Imaginai o assombro desses doze homens, que há pouco tinham se recusado a lavar os pés uns dos outros, e que tinham entrado naquelas disputas inconvenientes das posições de honra à mesa, quando eles viram-no tomar a direção da extremidade não ocupada da mesa, indo para o assento mais baixo da festa, onde Simão Pedro estava reclinado, e, ajoelhando-se na atitude de um servo, preparar-se para lavar os pés de Simão. Quando o Mestre ajoelhou-se, todos os doze se levantaram ao mesmo tempo como se fossem um só; até mesmo o traidor Judas esqueceu-se da sua infâmia, por um momento, enquanto levantava-se com os seus companheiros apóstolos nessa expressão de surpresa, de respeito e de total assombro.

179:3:2 19384 Lá estava Simão Pedro, olhando para baixo, vendo o rosto voltado para cima do seu Mestre. Jesus não disse nada; não era necessário que ele dissesse. A sua atitude revelava plenamente que ele estava disposto a lavar os pés de Simão Pedro. Não obstante a sua fragilidade da carne, Pedro amava o Mestre. Esse pescador galileu foi o primeiro ser humano a crer de todo o coração na divindade de Jesus e a fazer uma confissão pública dessa crença. E Pedro nunca havia duvidado realmente da natureza divina do Mestre. E posto que Pedro reverenciava e honrava a Jesus no seu coração, não era estranho que a sua alma se ressentisse com o pensamento de Jesus ajoelhado lá diante dele, na humilde atitude de um servo e propondo-se a lavar os seus pés, como o faria um escravo. Logo que Pedro acalmou-se o suficiente para dirigir-se ao Mestre, ele expressou os sentimentos que passavam pelo coração de todos os seus companheiros apóstolos.

179:3:3 19391 Após alguns momentos, nesse grande embaraço, Pedro perguntou: “Mestre, realmente pretendes lavar os meus pés?” E então, olhando no rosto de Pedro, Jesus respondeu: “Tu podes não compreender plenamente o que eu estou na iminência de fazer, mas no futuro tu saberás o significado de todas essas coisas”. Então Simão Pedro, suspirando profundamente, disse: “Mestre, nunca lavarás os meus pés!” E cada um dos apóstolos acenou com a sua aprovação à firme declaração de Pedro, recusando-se a permitir que Jesus se humilhasse, assim, diante deles.

179:3:4 19392 O apelo dramático dessa cena inusitada, a princípio, tocou até o coração de Judas Iscariotes; mas, quando o seu intelecto vaidoso fez um julgamento do espetáculo, ele concluiu que esse gesto de humildade era apenas mais um episódio para provar conclusivamente que Jesus nunca se qualificaria para ser o Libertador de Israel, e que ele não tinha cometido nenhum erro com a decisão de desertar a causa do Mestre.

179:3:5 19393 Enquanto, estupefatos, todos continham a respiração, Jesus disse: “Pedro, eu declaro que, se eu não lavar os teus pés, tu não terás nenhuma participação comigo na obra que eu estou na iminência de realizar”. Quando Pedro ouviu essa declaração, combinada ao fato de que Jesus continuava ajoelhado, lá, aos seus pés, ele tomou uma dessas decisões de aquiescência cega, de submissão ao desejo de alguém a quem ele respeitava e amava. E como começou a surgir em Simão Pedro a compreensão de que, ligada a essa ação proposta de serviço, estava alguma significação que determinava a ligação futura com a obra do Mestre, ele não apenas reconciliou-se com o pensamento de permitir a Jesus lavar os seus pés, como, à sua maneira característica e impetuosa, ele disse: “Então, Mestre, lava não apenas os meus pés mas também as minhas mãos e a minha cabeça”.

179:3:6 19394 Ao começar a lavar os pés de Pedro, o Mestre disse: “Aquele que já está limpo necessita apenas que tenha os seus pés lavados. Vós que sentais comigo nesta noite estais limpos – não todos, contudo. Mas o pó dos vossos pés deveria ter sido lavado antes de vos sentardes para a refeição comigo. E, além disso, eu gostaria de prestar esse serviço a vós, tal como uma parábola para ilustrar o significado de um novo mandamento que eu em breve dar-vos-ei”.

179:3:7 19395 De um modo semelhante, o Mestre contornou a mesa, em silêncio, lavando os pés dos seus doze apóstolos, não fazendo exceção nem de Judas. Quando Jesus terminou de lavar os pés dos doze, ele recolocou a sua túnica, voltou ao seu lugar de anfitrião e, depois de olhar para os seus desnorteados apóstolos, disse:

179:3:8 19396 “Vós realmente podeis compreender o que eu fiz para vós? Vos me chamais de Mestre, e estais certos, pois eu o sou. Se, então, o Mestre lavou os vossos pés, por que não estáveis dispostos a lavar os pés uns dos outros? Que lição deveríeis aprender dessa parábola na qual o Mestre, com tão boa disposição, faz o serviço que os seus irmãos não queriam fazer uns para os outros? Em verdade, em verdade, eu vos digo: Um servo não é maior do que o seu senhor; nem aquele que é enviado é maior do que aquele que o envia. Vós vistes o caminho do serviço pela minha vida entre vós, e abençoados sois vós que tereis a coragem graciosa de servir. Mas por que sois tão lentos para aprender que o segredo da grandeza no Reino espiritual não é como os métodos do poder no mundo material?

179:3:9 19401 “Nesta noite, quando eu entrei nesta sala, não vos contentando em recusar por orgulho a lavar-vos os pés, uns dos outros, também caístes na disputa de quem deveria ter os lugares de honra à minha mesa. Tais honras são buscadas pelos fariseus e pelos filhos deste mundo, e não devia ser assim, todavia, entre os embaixadores do Reino celeste. Não sabeis que não pode haver lugares preferenciais à minha mesa? Acaso não compreendeis que eu amo a cada um de vós como amo todos os outros? Não sabeis que o lugar mais perto de mim, como os homens encaram essas honras, pode não significar nada no que diz respeito à vossa posição no Reino do céu? Sabeis que os reis dos gentios têm a soberania sobre os seus súditos, enquanto aqueles que exercem essa autoridade, algumas vezes, são chamados de benfeitores. Mas não será assim no Reino do céu. Aquele que quer ser grande entre vós, que se torne como que o mais jovem; enquanto aquele que quer ser o dirigente, que se transforme em alguém que serve. Quem é o maior, aquele que se senta para comer, ou aquele que serve? Não é comumente considerado maior aquele que se senta para comer? Mas vós ireis observar que eu fico entre vós como aquele que serve. Se quiserdes tornar-vos os meus companheiros de serviço fazendo a vontade do Pai, no Reino que está por vir, sentar-vos-eis comigo no poder, fazendo também a vontade do Pai na glória futura”.

179:3:10 19402 Quando Jesus terminou de falar, os gêmeos Alfeus trouxeram o pão e o vinho com as ervas amargas e a pasta de frutas secas, como o próximo prato da Última Ceia.

4. ÚLTIMAS PALAVRAS AO TRAIDOR


179:4:1 19403 Por alguns minutos os apóstolos comeram em silêncio, mas, sob a influência do comportamento jovial do Mestre logo foram levados a conversar, e a refeição passou a transcorrer como se nada de fora do comum estivesse acontecendo, que interferisse no bom humor e na harmonia social dessa ocasião extraordinária. Depois de algum tempo, mais ou menos na metade da segunda parte da refeição, Jesus, olhando-os a todos, disse: “Eu vos declarei o quanto eu desejava realizar esta ceia convosco e, sabendo como as forças do mal e das trevas conspiraram para a morte do Filho do Homem, eu determinei compartilhar esta ceia convosco, nesta sala secreta, e um dia antes da Páscoa, pois eu não mais estarei convosco amanhã a esta hora. Eu já vos disse repetidamente que devo retornar ao Pai. Agora a minha hora chegou, e não era necessário que um de vós me traísse entregando-me nas mãos dos meus inimigos”.

179:4:2 19404 Quando os doze ouviram isso, tendo sido tirado deles muito da sua auto-segurança e autoconfiança, com a parábola do lava-pés e com o discurso subseqüente do Mestre, eles começaram a olhar uns para os outros, enquanto em tom desconsertado perguntavam hesitantes: “Serei eu?” E então, quando eles todos se haviam perguntado isso, Jesus disse: “Já que é preciso que eu vá para o Pai, não havia a necessidade de que um de vós se tornasse um traidor, para que a vontade do Pai fosse cumprida. Isso é devido à maturação do fruto do mal, escondido no coração daquele que não conseguiu amar a verdade com toda a sua alma. Quão enganador é o orgulho intelectual que precede a queda espiritual! Um amigo meu de muitos anos, que ainda agora compartilha comigo do meu pão, está prestes a trair-me, este mesmo que agora coloca a sua mão junto comigo no prato”.

179:4:3 19405 E quando Jesus acabou de dizer isso, eles começaram novamente a perguntar: “Serei eu?” E Judas, assentado à esquerda do Mestre, de novo perguntou: “Serei eu?” Jesus, segurando o pão no prato das ervas, passou-o a Judas, dizendo: “Tu o disseste”. Os outros, entretanto, não ouviram Jesus falar a Judas. João, que estava reclinado no divã à mão direita de Jesus, apoiou-se e perguntou ao Mestre: “Quem é? Deveríamos saber quem é que se mostrou infiel à confiança nele depositada”. Jesus respondeu: “Eu já vos disse, o mesmo a quem eu dei o pão empastado”. Era tão natural, entretanto, o anfitrião assim passar um pedaço de pão àquele que se assentava próximo a ele à esquerda, que nenhum deles notou isso, ainda que o Mestre tivesse dito tão claramente. Mas Judas estava dolorosamente consciente do significado das palavras do Mestre ligadas ao seu ato, e tornou-se temeroso de que os seus irmãos estivessem agora também cientes de que era ele o traidor.

179:4:4 19411 Pedro estava bastante agitado com aquilo que tinha sido dito e, inclinando-se para a frente sobre a mesa, dirigiu-se a João: “Pergunte-lhe quem é; ou, se ele tiver dito a ti, dize-me quem é o traidor”.

179:4:5 19412 Jesus colocou um fim àqueles sussurros dizendo: “Entristeço-me de que esse mal tenha acontecido e até este momento eu esperei que o poder da verdade pudesse triunfar sobre o engano causado pelo mal, mas essas vitórias não são ganhas sem a fé do amor sincero à verdade. Eu gostaria de não ter de dizer essas coisas, nesta que é a nossa Última Ceia, mas desejei prevenir-vos sobre esses sofrimentos e, desse modo, preparar-vos para o que nos espera. Eu vos disse isso porque desejo que vos lembreis, depois que eu me for, de que eu sabia sobre todas essas conspirações maldosas, e que vos preveni sobre a traição feita contra mim. E tudo isso eu faço apenas para que sejais fortalecidos contra as tentações e provações que estão pela frente”.

179:4:6 19413 Depois de falar assim, Jesus, inclinando-se para o lado de Judas, disse: “O que decidiste fazer, faze-o rapidamente”. E quando Judas ouviu essas palavras, ele levantou-se da mesa e apressadamente deixou a sala, saindo à noite para executar o que tinha decidido cumprir. Quando os outros apóstolos viram Judas apressar-se e sair depois que Jesus falou com ele, pensaram que ele tinha ido à procura de algo complementar para a ceia, ou cuidar de alguma mensagem para o Mestre, pois supunham que ele ainda estivesse com a bolsa.

179:4:7 19414 Jesus sabia agora que nada poderia ser feito para impedir que Judas se tornasse um traidor. Ele começara com doze – agora estava com onze. Ele escolhera seis dentre esses apóstolos, e ainda que Judas estivesse entre aqueles indicados pelos próprios apóstolos escolhidos inicialmente, mesmo assim o Mestre aceitara-o, e tinha, até esta mesma hora, feito tudo o que era possível para santificá-lo e salvá-lo, do mesmo modo que havia trabalhado para a paz e a salvação dos outros.

179:4:8 19415 Essa ceia, com os seus episódios de ternura e com os seus toques de brandura, foi o último apelo de Jesus ao desertor Judas, mas esse apelo resultou em vão. Uma vez que o amor esteja realmente morto, a advertência, mesmo quando ministrada da maneira mais cuidadosa e transmitida com o espírito mais bondoso, via de regra, apenas intensifica o ódio e acende a determinação maldosa de efetuar integralmente os próprios projetos egoístas.

5. INSTITUINDO A CEIA DA LEMBRANÇA


179:5:1 19416 Quando eles trouxeram o terceiro cálice de vinho para Jesus, o “cálice da bênção”, ele levantou-se do divã e, tomando o cálice nas suas mãos, abençoou-o, dizendo: “Tomai deste cálice, todos vós, e bebei dele. Este será o cálice da lembrança de mim. Este é o cálice da bênção de uma nova dispensação de graça e de verdade. E será, para vós, o emblema do outorgamento e da ministração do divino Espírito da Verdade. E eu não beberei novamente deste cálice convosco até que beba em uma nova forma convosco no Reino eterno do Pai”.

179:5:2 19421 Os apóstolos todos sentiram que alguma coisa de fora do ordinário estava acontecendo, quando eles beberam desse cálice da bênção em reverência profunda e em perfeito silêncio. A velha Páscoa comemorava a emergência dos seus pais, de um estado de escravidão racial para a liberdade individual; agora o Mestre estava instituindo uma nova ceia da lembrança como um símbolo da nova dispensação, na qual o indivíduo escravizado emerge do aprisionamento, ao cerimonialismo e ao egoísmo, para a alegria espiritual da fraternidade e da irmandade dos filhos libertados do Deus vivo.

179:5:3 19422 Quando eles terminaram de beber dessa nova taça da lembrança, o Mestre tomou do pão e, após dar as graças, partiu-o em pedaços e, mandando que o passassem adiante, disse: “Tomai este pão da lembrança e comei-o. Eu vos disse que sou o pão da vida. E este pão da vida é a vida unida do Pai e do Filho, em uma só dádiva. A palavra do Pai, como revelada no Filho, é de fato o pão da vida”. Depois de terem comido do pão da lembrança, o símbolo da palavra viva da verdade encarnada à semelhança da carne mortal, todos eles sentaram-se.

179:5:4 19423 Ao organizar esta ceia de lembrança, o Mestre, como era sempre do seu hábito, recorreu a parábolas e a símbolos. Ele empregou símbolos porque queria ensinar algumas grandes verdades espirituais, de uma tal maneira que tornasse difícil para os sucessores apegarem-se a interpretações precisas e significados definidos para as suas palavras. Desse modo ele buscou impedir gerações sucessivas de cristalizarem o seu ensinamento e de ligarem os seus significados espirituais às correntes mortas da tradição e do dogma. Ao estabelecer a única cerimônia ou sacramento ligado à missão de toda a sua vida, Jesus tomou um grande cuidado em sugerir os seus significados mais do que em comprometer-se com definições precisas. Ele não queria destruir o conceito individual da comunhão divina, estabelecendo uma forma precisa; nem desejava limitar a imaginação espiritual do crente, paralisando-a formalmente. Ele buscava mais colocar a alma do homem renascido em liberdade e nas asas jubilosas de uma liberdade espiritual nova e viva.

179:5:5 19424 Não obstante o esforço do Mestre, de estabelecer assim esse novo sacramento da lembrança, aqueles que o seguiram, nos séculos seguintes, encarregaram-se de opor-se a que o seu desejo expresso fosse efetivamente satisfeito, naquilo em que o simbolismo espiritual simples daquela noite na carne teria sido reduzido a interpretações precisas e submetido à precisão quase matemática de uma fórmula estabelecida. De todos os ensinamentos de Jesus, nenhum se tornou mais padronizado pela tradição.

179:5:6 19425 Essa ceia da lembrança, quando é compartilhada por aqueles que são crentes dos Filhos e conhecedores de Deus, não precisa ter quaisquer das interpretações malfeitas e pueris dos homens ligadas ao seu simbolismo, a respeito do significado da divina presença, pois em todas essas ocasiões o Mestre está presente realmente. A ceia da lembrança é um encontro simbólico do crente com Michael. Quando vós vos tornais assim conscientes do espírito, o Filho está realmente presente, e o seu espírito confraterniza-se com o fragmento residente do seu Pai.

179:5:7 19426 Após terem entrado em meditação, por alguns momentos, Jesus continuou falando: “Quando fizerdes essas coisas, relembrai-vos da vida que eu vivi na Terra entre vós e rejubilai, pois eu devo continuar a viver na Terra convosco servindo por vosso intermédio. Como indivíduos, não tenhais entre vós disputas sobre quem será o maior. Sede como irmãos. E, quando o Reino crescer e abranger grandes grupos de crentes, do mesmo modo deveríeis abster-vos de disputas pela grandeza e de buscar a preferência entre tais grupos”.

179:5:8 19431 E essa ocasião grandiosa teve lugar na sala do andar superior da casa de um amigo. Nem a ceia nem a casa apresentavam qualquer forma sagrada de consagração cerimonial. A ceia da lembrança foi organizada sem a sanção eclesiástica.

179:5:9 19432 Depois que Jesus estabeleceu assim a ceia da lembrança, ele disse aos apóstolos: “E sempre que fizerdes isso, fazei em lembrança de mim. E quando vos lembrardes de mim, primeiro olhai para a minha vida na carne, lembrai-vos de que eu estive certa vez entre vós e, então, pela fé, podeis saber que todos vós ireis algum dia cear comigo no Reino eterno do Pai. Esta é a nova Páscoa, que eu deixo convosco, a da memória da minha vida de auto-outorga, a palavra da verdade eterna; e do meu amor por vós, da efusão do meu Espírito da Verdade sobre toda a carne”.

179:5:10 19433 E eles concluíram essa celebração da velha Páscoa, que, sem derramamento de sangue de sacrifício, estabelecia a inauguração da nova ceia da lembrança, cantando todos juntos o salmo cento e dezoito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário