sexta-feira, 20 de agosto de 2010

URANTIA JESUS DE NAZARÉ IV

DOCUMENTO 154

OS ÚLTIMOS DIAS EM CAFARNAUM
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Na noite agitada de sábado, 30 de abril, enquanto Jesus dizia palavras de conforto e de encorajamento aos seus tristes e desnorteados discípulos, em Tiberíades, um conselho de um grupo de comissários especiais representando o sinédrio de Jerusalém reunia-se com Herodes Antipas. Esses escribas e fariseus solicitavam insistentemente que Herodes prendesse Jesus; eles deram o melhor de si para convencê-lo de que Jesus estava incitando o populacho à discórdia e mesmo à rebelião. Mas Herodes negou-se a tomar posição contra ele, como transgressor político. Os conselheiros de Herodes haviam informado exatamente o episódio ocorrido no lago, como o povo havia tentado proclamar Jesus como rei, e como ele recusou a proposta.

154:0:2 17172 Um dos membros da família dos oficiais de Herodes, Cuza, cuja mulher pertencia ao corpo ministrante das mulheres, tinha dito-lhe que Jesus não se propunha imiscuir-se nos assuntos do governo terreno; que ele estava preocupado apenas com o estabelecimento da fraternidade espiritual dos seus crentes; e a essa fraternidade ele denominava o Reino do céu. Herodes confiava nos relatos de Cuza, e tanto assim que não quis interferir nas atividades de Jesus. Nessa época, Herodes era também influenciado, na sua atitude para com Jesus, pelo seu medo supersticioso de João Batista. Herodes era um daqueles judeus apóstatas que, ao mesmo tempo em que em nada acreditava, a tudo temia. Tinha a consciência pesada por ter mandado executar João, e não queria envolver-se nessas intrigas contra Jesus. Sabia de muitos casos de doença que, aparentemente, tinham sido curados por Jesus, e ele o considerava mais como um profeta ou um fanático religioso, relativamente inofensivo.

154:0:3 17173 Quando os judeus ameaçaram relatar a César que ele estava dando cobertura a um súdito traidor, Herodes expulsou-os dessa câmara de conselho. Assim, as questões acalmaram-se por uma semana e, durante esse tempo, Jesus preparou os seus seguidores para a dispersão iminente.

1. UMA SEMANA DE RECOMENDAÇÕES


154:1:1 17174 De primeiro a 7 de maio, Jesus deu aconselhamentos íntimos aos seus seguidores, na casa de Zebedeu. Apenas os discípulos fiéis e de confiança foram admitidos nessas conferências. Nessa época, havia apenas cerca de cem discípulos que tinham coragem moral para afrontar a oposição dos fariseus e para declarar abertamente a sua lealdade a Jesus. Com esse grupo ele mantinha reuniões pela manhã, à tarde e à noite. Pequenos grupos reuniam-se todas as tardes, à beira-mar; faziam perguntas, e um dos evangelistas ou dos apóstolos falava a eles. Esses grupos raramente contavam com mais de cinqüenta pessoas.

154:1:2 17175 Na sexta-feira dessa semana foi tomada a medida oficial, pelos chefes da sinagoga de Cafarnaum, de fechar a casa de Deus para Jesus e todos os seus seguidores. Essa medida foi tomada por instigação dos fariseus de Jerusalém. Jairo renunciou da sua posição de direção e abertamente alinhou-se com Jesus.

154:1:3 17181 O último dos encontros à beira-mar foi realizado no sábado à tarde, 7 de maio. Jesus falou para menos de cento e cinqüenta pessoas que se tinham reunido naquela ocasião. A noite desse sábado assinalou o momento de maior baixa na maré da consideração popular para com Jesus e os seus ensinamentos. Daí em diante, houve um progresso dos sentimentos favoráveis a Jesus, mas de um modo lento, se bem que contínuo, e mais saudável e confiável; um novo grupo de seguidores formou-se, e este era mais bem ancorado na fé espiritual e na verdadeira experiência religiosa. Chegava definitivamente ao fim o estágio de transição, composto e comprometido, mais ou menos, entre os conceitos materialistas do reino, mantidos pelos seguidores do Mestre, e aqueles conceitos mais idealistas e espirituais, ensinados por Jesus. De agora em diante havia uma proclamação mais aberta do evangelho do Reino, em seu alcance mais amplo e com implicações espirituais mais vastas.

2. UMA SEMANA DE DESCANSO


154:2:1 17182 No domingo, 8 de maio, do ano 29 d. C. , em Jerusalém, o sinédrio aprovou um decreto fechando todas as sinagogas da Palestina para Jesus e os seus seguidores. Esta foi uma nova usurpação da autoridade, e sem precedentes, da parte do sinédrio de Jerusalém. Até então cada sinagoga tinha existido, e funcionado, como uma congregação independente de adoradores e ficara sob a direção e chefia da sua própria junta de governantes. Apenas as sinagogas de Jerusalém tinham estado sujeitas à autoridade do sinédrio. Essa ação sumária do sinédrio foi seguida pela renúncia de cinco dos seus membros. Cem mensageiros foram imediatamente despachados para transmitir e para impor esse decreto. Dentro do curto prazo de duas semanas todas as sinagogas na Palestina tinham-se dobrado a essa manifestação do sinédrio, exceto a sinagoga de Hebrom. Os chefes da sinagoga de Hebrom recusaram-se a reconhecer o direito do sinédrio de exercer tal jurisdição sobre a sua assembléia. Essa rejeição de aceitar o decreto de Jerusalém baseou-se na argumentação da autonomia da congregação, mais do que na simpatia à causa de Jesus. Pouco depois, a sinagoga de Hebrom foi destruída pelo fogo.

154:2:2 17183 Nesse mesmo domingo, pela manhã, Jesus declarou uma semana de folga, solicitando a todos os seus discípulos que retornassem aos seus lares ou aos seus amigos, para descansar as suas almas perturbadas e para que dissessem palavras de encorajamento aos seres amados. Ele disse: “Ide aos seus vários locais queridos, para folgar ou pescar, ao mesmo tempo em que deveis orar para a expansão do Reino”.

154:2:3 17184 Essa semana de repouso capacitou Jesus a visitar muitas famílias e grupos à beira-mar. Ele também foi pescar com Davi Zebedeu, em várias ocasiões, e, conquanto ele tenha ido a sós muitas das vezes, havia sempre, espreitando por perto, dois ou três dos mensageiros mais confiáveis de Davi, que tinham ordens muito claras do seu dirigente sobre a salvaguarda de Jesus. Não houve nenhum ensinamento público de qualquer espécie durante essa semana de descanso.

154:2:4 17185 Essa foi a semana em que Natanael e Tiago Zebedeu sofreram de uma doença um pouco mais séria. Por três dias e noites eles ficaram afligidos agudamente por uma perturbação digestiva dolorosa. Na terceira noite Jesus mandou Salomé, a mãe de Tiago, descansar e ficou ele próprio ministrando aos seus apóstolos que sofriam. Evidentemente que Jesus poderia ter curado instantaneamente esses dois homens, mas esse não é nem o método do Filho, nem o do Pai, de lidar com tais dificuldades e aflições comuns dos filhos dos homens nos mundos evolucionários do tempo e do espaço. Nem por uma vez, durante toda a sua movimentada vida na carne, Jesus empenhou-se em qualquer espécie de ministração sobrenatural, em benefício de qualquer membro da sua família terrena ou de qualquer dos seus seguidores diretos.

154:2:5 17191 As dificuldades no universo devem ser enfrentadas e os obstáculos planetários devem ser deparados tal como uma parte da experiência de aperfeiçoamento, proporcionada para o crescimento e o desenvolvimento, na perfeição progressiva, das almas em evolução das criaturas mortais. A espiritualização da alma humana requer experiência íntima com a solução educativa, de uma ampla gama de problemas reais do universo. A natureza animal e as formas inferiores de criaturas de vontade não progridem favoravelmente em meio a facilidades ambientais. As situações problemáticas, combinadas com estímulos à ação, conspiram para produzir as atividades da mente, da alma e do espírito, que contribuem poderosamente para a realização de metas valiosas para o progresso mortal e para que se atinjam níveis mais elevados no destino espiritual.

3. A SEGUNDA CONFERÊNCIA EM TIBERÍADES


154:3:1 17192 Aos 16 de maio, a segunda conferência em Tiberíades, entre as autoridades de Jerusalém e Herodes Antipas, foi realizada. Estavam presentes os líderes religiosos e políticos de Jerusalém. Os líderes judeus puderam reportar a Herodes que praticamente todas as sinagogas, da Galiléia e igualmente da Judéia, estavam fechadas para os ensinamentos de Jesus. Um novo esforço foi feito para que Herodes colocasse Jesus na prisão, mas ele negou-se a atender esse pedido deles. Aos 18 de maio, contudo, Herodes concordou com o plano de permitir às autoridades do sinédrio que capturassem Jesus e que o levassem a Jerusalém, para ser julgado sob acusações religiosas, desde que o governador romano da Judéia estivesse de acordo com esse arranjo. Nesse meio tempo, os inimigos de Jesus espalhavam industriosamente, por toda a Galiléia, o rumor de que Herodes tinha tornado-se hostil a Jesus, e de que ele iria exterminar todos aqueles que acreditassem nos ensinamentos dele.

154:3:2 17193 No sábado à noite, 21 de maio, chegou a Tiberíades a notícia de que as autoridades civis em Jerusalém não opunham objeção ao acordo entre Herodes e os fariseus, para que Jesus fosse apreendido e levado a Jerusalém, para julgamento diante do sinédrio, sob acusações de escarnecer das leis sagradas da nação judaica. E assim, pouco antes da meia-noite desse dia, Herodes assinou o decreto que autorizava os oficiais do sinédrio a prender Jesus, nos domínios de Herodes, e a levá-lo à força a Jerusalém, para julgamento. Uma forte pressão de muitos lados foi exercida sobre Herodes, antes que ele desse a permissão e ele bem sabia que Jesus não podia esperar um julgamento justo, diante dos seus inimigos implacáveis em Jerusalém.

4. SÁBADO À NOITE EM CAFARNAUM


154:4:1 17194 Nesse mesmo sábado à noite, em Cafarnaum, um grupo de cinqüenta cidadãos importantes reuniram-se na sinagoga para discutir sobre a questão momentosa: “O que faremos com Jesus?” Eles falaram e debateram até depois da meia-noite, mas não puderam encontrar um ponto comum para um acordo. À parte umas poucas pessoas que estavam inclinadas à crença de que Jesus poderia ser o Messias, ou ao menos um homem santo, ou talvez um profeta, a reunião ficou dividida em quatro grupos quase iguais que sustentavam, respectivamente, os seguintes pontos de vista sobre Jesus:

17196 1. Que ele era um fanático, iludido e inofensivo.

17197 2. Que ele era um agitador perigoso e astuto, que poderia incitar a rebelião.

17201 3. Que ele estava aliado a demônios, que poderia mesmo ser um príncipe dos demônios.

17202 4. Que ele estava fora de si, que estava louco, mentalmente desequilibrado.

154:4:2 17203 Muito se falou sobre as doutrinas pregadas por Jesus, que eram inquietadoras para a gente comum; os seus inimigos sustentavam que os ensinamentos dele eram impraticáveis, que tudo ruiria se todos fizessem um esforço honesto para viver de acordo com as suas idéias. E os homens de muitas gerações subseqüentes disseram as mesmas coisas. Muitos homens inteligentes e bem-intencionados, mesmo na época mais esclarecida dessas revelações, sustentaram que a civilização moderna não poderia ter sido edificada sob os ensinamentos de Jesus – e eles estão parcialmente certos. Mas todos esses céticos esquecem-se de que uma civilização muito melhor poderia ter sido edificada com os seus ensinamentos, e o será, em alguma época. Esse mundo nunca tentou seriamente colocar em prática os ensinamentos de Jesus, em larga escala, não obstante terem ocorrido tentativas acanhadas, de seguir as doutrinas do chamado cristianismo.

5. A ACIDENTADA MANHÃ DE DOMINGO


154:5:1 17204 Foi um dia movimentado na vida de Jesus, o 22 de maio. Nessa manhã de domingo, antes da aurora, um dos mensageiros de Davi chegou, muito apressado, de Tiberíades, trazendo a notícia de que Herodes tinha autorizado, ou estava para autorizar, que Jesus fosse preso pelos oficiais do sinédrio. O recebimento da notícia sobre esse perigo iminente levou Davi Zebedeu a despertar os seus mensageiros e a enviá-los a todos os grupos locais de discípulos, convocando-os para um conselho de emergência, às sete horas naquela manhã. Quando a cunhada de Judá (o irmão de Jesus) ouviu essa informação alarmante, ela apressou-se a passá-la a todos da família de Jesus, que residiam por perto, chamando-os para reunirem-se, sem demora, na casa de Zebedeu. E, respondendo a essa chamada apressada, em breve estavam lá reunidos Maria, Tiago, José, Judá e Rute.

154:5:2 17205 Na reunião, feita de manhã cedo, Jesus deu as suas instruções de despedida aos discípulos presentes; isto é, ele despediu-se pelo momento, sabendo muito bem que eles logo seriam dispersados de Cafarnaum. Ele instruiu-os, a todos, para que procurassem a orientação de Deus e para que continuassem o trabalho do Reino, independentemente das conseqüências. Os evangelistas deveriam trabalhar como melhor lhes parecesse, até o momento em que fossem chamados. Ele selecionou doze dos evangelistas para acompanhá-lo; instruiu os doze apóstolos para que permanecessem com ele, não importa o que acontecesse. Às doze mulheres, ele as instruiu para que permanecessem na casa de Zebedeu e na casa de Pedro, até que ele mandasse buscá-las.

154:5:3 17206 Jesus consentiu que Davi Zebedeu continuasse o seu serviço de mensageiros por todo o país e, ao dar ao Mestre a sua despedida, Davi disse: “Vai em frente com a tua obra, Mestre. Não deixa os fanáticos te pegar, e nunca duvide de que os mensageiros te seguirão. Os meus homens nunca perderão o contato contigo e, por intermédio deles, tu saberás do Reino em outros lugares, assim como nós todos saberemos de ti. Nada que me possa acontecer interferirá nesse serviço, pois eu já apontei o primeiro líder e o segundo, e mesmo um terceiro. Não sou nem um instrutor, nem um pregador, mas está no meu coração fazer isso, e ninguém pode parar-me”.

154:5:4 17207 Por volta das sete horas e trinta minutos dessa manhã, Jesus começou a sua alocução para os quase cem crentes, que tinham entrado na casa para ouvi-lo. Essa foi uma ocasião solene, para todos os presentes, e Jesus parecia estar especialmente alegre; novamente ele estava como sempre fora. A sua seriedade das últimas semanas havia desparecido e ele inspirava a todos, com as suas palavras de fé, esperança e coragem.

6. CHEGA A FAMÍLIA DE JESUS


154:6:1 17211 Aproximadamente às oito horas, nesse domingo de manhã, cinco membros da família terrena de Jesus ali chegaram, respondendo à chamada urgente da cunhada de Judá. Apenas um membro de toda a sua família na carne, Rute, acreditava de coração e continuamente na divindade da missão de Jesus na Terra. Judá e Tiago e, mesmo, José ainda mantinham grande parte da sua fé em Jesus, mas tinham permitido que o orgulho interferisse sobre o seu melhor julgamento e sobre as suas inclinações espirituais reais. Maria estava, do mesmo modo, dividida entre o amor e o medo, entre o amor de mãe e o orgulho de família. Embora ela estivesse atormentada pelas dúvidas, ela nunca pôde esquecer inteiramente a visita de Gabriel, antes de Jesus nascer. Os fariseus haviam envidado esforços para persuadir Maria de que Jesus estava demente, fora de si. Eles incitavam-na a ir com os seus filhos tentar dissuadi-lo de fazer esforços maiores no ensinamento público. Eles asseguraram a Maria que logo a saúde de Jesus não iria resistir, e que apenas a desonra e a desgraça viriam, sobre toda a família, em conseqüência de permitir que ele continuasse. E assim, quando chegou a notícia da cunhada de Judá, todos os cinco partiram imediatamente para a casa de Zebedeu, tendo estado juntos na casa de Maria, onde encontraram-se com os fariseus, na noite anterior. Eles haviam conversado com os líderes de Jerusalém, até alta noite, e todos estavam mais ou menos convencidos de que Jesus estava agindo estranhamente, que ele vinha agindo assim desde algum tempo. Embora Rute não pudesse explicar toda a conduta dele, ela insistia em afirmar que ele tinha sempre tratado a sua família com equanimidade e se recusava a concordar com o plano de tentar dissuadi-lo de continuar a sua obra.

154:6:2 17212 A caminho da casa de Zebedeu eles conversaram sobre essas coisas e concordaram entre si que iriam tentar persuadir Jesus a vir para casa com eles, pois, disse Maria: “Eu sei que poderia influenciar o meu filho se apenas ele pudesse vir para casa e me escutar”. Tiago e Judá tinham ouvido rumores a respeito dos planos de prender Jesus e levá-lo a Jerusalém para julgamento. Eles também temiam pela própria segurança. Enquanto Jesus tinha sido uma figura querida aos olhos do público, a sua família permitiu que as coisas continuassem, mas agora que o povo de Cafarnaum e que os líderes de Jerusalém tinham subitamente se voltado contra ele, eles começaram a sentir fortemente a pressão da suposta desgraça de sua situação embaraçosa.

154:6:3 17213 Eles esperavam encontrar Jesus, chamá-lo de lado e pressioná-lo a ir para casa com eles. Eles tinham pensado em assegurar-lhe de que esqueceriam que ele os havia negligenciado – eles perdoariam e esqueceriam – se ele apenas desistisse da tolice de tentar pregar uma nova religião, que apenas traria complicações para ele próprio e a desonra para a sua família. A tudo isso Rute apenas diria: “Vou dizer ao meu irmão que acho que ele é um homem de Deus, e que eu espero que ele esteja disposto a morrer antes de permitir que esses fariseus perniciosos ponham um fim à sua pregação”. José prometeu manter Rute em silêncio enquanto os outros insistissem com Jesus.

154:6:4 17214 Quando chegaram à casa de Zebedeu, Jesus estava exatamente no meio das suas palavras de despedida aos discípulos. Eles tentaram entrar na casa, mas estava transbordando de gente. Finalmente eles se estabeleceram na porta dos fundos e mandaram o recado a Jesus, de pessoa a pessoa, de modo que finalmente foi sussurrado a ele, por Simão Pedro, que interrompeu a sua palestra com esse propósito, e disse: “Lá fora, Mestre, estão a tua mãe e os teus irmãos, e eles estão ansiosos para falar contigo”. Ora, não ocorreu à sua mãe o quão importante era a mensagem de despedida aos seus seguidores, nem sabia ela que essa despedida estava para ser interrompida a qualquer momento com a chegada dos seus captores. Após uma desavença aparente tão longa, e por causa do fato de que ela e os irmãos dele houvessem conhecido a graça de vir de fato até ele, ela realmente chegou a pensar que Jesus pararia de falar e viria a eles, no momento mesmo em que soubesse que eles o estavam esperando.

154:6:5 17221 E foi só mais uma dessas instâncias em que a sua família terrena não pôde compreender que ele devia cuidar dos assuntos do seu Pai. E, assim, Maria e os irmãos de Jesus ficaram profundamente magoados quando, não obstante ter ele parado a sua fala para receber a mensagem, em vez de acorrer até lá para saudá-los, ele falou com a sua voz musical em volume mais elevado: “Dize a minha mãe e aos meus irmãos que eles não deveriam temer por mim. O Pai que me enviou ao mundo não me abandonará; nem mal nenhum virá sobre a minha família. Pede-lhes para que tenham muita coragem e que ponham a sua confiança no Pai do Reino. Mas, afinal, quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos?” E estendendo as próprias mãos para todos os seus discípulos reunidos na sala, ele disse: “Eu não tenho mãe; não tenho irmãos. Eis a minha mãe e eis os meus irmãos! Pois todo aquele que cumpre a vontade do meu Pai, que está no céu, este é a minha mãe, o meu irmão e a minha irmã”.

154:6:6 17222 E, quando Maria ouviu essas palavras, ela desmaiou nos braços de Judá. Eles carregaram-na até o jardim, para reavivá-la, enquanto Jesus dizia as suas palavras de conclusão da sua mensagem de partida. E então, ele teria ido ter com a sua mãe e com os seus irmãos, não fora um mensageiro ter chegado, às pressas, de Tiberíades, trazendo a notícia de que os oficiais do sinédrio estavam a caminho, com autoridade para prender Jesus e levá-lo a Jerusalém. André recebeu essa mensagem e, interrompendo Jesus, transmitiu-a a ele.

154:6:7 17223 André não se lembrou que Davi tinha colocado umas vinte e cinco sentinelas em volta da casa de Zebedeu, e que ninguém os tomaria de surpresa; e assim ele perguntou a Jesus o que deveria ser feito. O Mestre permaneceu lá, em silêncio, no momento em que a sua mãe, ouviu: “Eu não tenho mãe”. E estava ela, no jardim, recuperando-se do choque causado por essas palavras, quando, exatamente nesse momento, uma mulher na sala levantou-se e exclamou: “Abençoado seja o ventre que te concebeu, e abençoados sejam os seios que te amamentaram”. Jesus voltou-se de lado e, por um momento, saiu da sua conversa com André para responder a essa mulher, dizendo: “Não, mais abençoado é aquele que ouve a palavra de Deus e que ousa obedecê-la”.

154:6:8 17224 Maria e os irmãos de Jesus pensaram que Jesus não os entendera, que ele tinha perdido o interesse neles, mal entendendo que haviam sido eles que não compreenderam Jesus. Jesus compreendeu plenamente quão difícil é, para os homens, romper com o seu passado. Ele sabia como os seres humanos ficam balançados com a eloqüência do pregador, e que a consciência responde ao apelo emocional, tanto quanto a mente responde à lógica e à razão, mas ele também sabia quão mais difícil é persuadir os homens a renunciar ao passado.

154:6:9 17225 É para sempre certo que todos os que se julgam incompreendidos, ou não apreciados, têm em Jesus um amigo compassivo e um conselheiro compreensivo. Ele tinha advertido aos seus apóstolos que os inimigos de um homem podem estar na sua própria casa, mas não tinha imaginado quão próxima tal predição estaria de ser aplicada à sua própria experiência. Jesus não abandonou a sua família terrena para fazer a obra do seu Pai – a sua família o abandonou. Mais tarde, depois da morte e da ressurreição do Mestre, quando Tiago tornou-se ligado aos primórdios do movimento cristão, ele sofreu imensamente em conseqüência de ter deixado de aproveitar do convívio inicial com Jesus e com os seus discípulos.

154:6:10 17231 Ao passar por esses acontecimentos, Jesus escolheu ser guiado pelo conhecimento limitado da sua mente humana. Ele desejava submeter-se à experiência com os seus colaboradores, como um mero ser humano. E estava na mente humana de Jesus ver a sua família antes de partir. Ele não queria parar no meio do seu discurso e assim transformar o primeiro encontro deles, depois de tanto tempo de separação, em um assunto tão público. A sua intenção era acabar a sua fala e, então, ter uma conversa com eles antes de ir embora; mas esse plano foi frustrado por uma conspiração dos acontecimentos que se seguiram imediatamente.

154:6:11 17232 A pressa da fuga deles foi aumentada pela chegada de um grupo de mensageiros de Davi, pela porta dos fundos da casa de Zebedeu. O tumulto produzido por esses homens amedrontou os apóstolos, levando-os a pensar que poderiam ser aqueles que vinham prendê-los e, de medo de serem imediatamente presos, eles se precipitaram, pela entrada da frente, para o barco que esperava. E tudo isto explica por que Jesus não viu a sua família que o esperava na entrada dos fundos.

154:6:12 17233 Mas, na presa da fuga, Jesus disse, a Davi Zebedeu, quando entrou no barco: “Dize à minha mãe e aos meus irmãos que agradeço por terem vindo, e que eu tinha a intenção de vê-los. Recomende-lhes para que não se ofendam comigo, mas que busquem conhecer a vontade de Deus e que tenham a graça e a coragem de fazer essa vontade”.

7. A FUGA APRESSADA


154:7:1 17234 E, assim, foi nessa manhã de domingo, 22 de maio, do ano 29 d. C. , que Jesus, com os seus doze apóstolos e os doze evangelistas, empreendeu essa fuga apressada, dos oficiais do sinédrio que estavam a caminho de Betsaida, com a autorização de Herodes Antipas para prendê-lo e levá-lo até Jerusalém, a julgamento, sob as acusações de blasfêmia e outras violações das leis sagradas dos judeus. Era quase oito horas e meia de uma bela manhã, quando esse grupo de vinte e cinco homens manejou os remos na direção da margem oriental do mar da Galiléia.

154:7:2 17235 Seguindo o barco do Mestre estava uma outra embarcação menor, levando seis dos mensageiros de Davi, que tinham instruções para manter contato com Jesus e os seus seguidores e cuidar de que a informação sobre o seu paradeiro e segurança fosse transmitida com regularidade para a casa de Zebedeu, em Betsaida; a mesma que serviu de centro de operações para o trabalho do Reino durante algum tempo. Mas nunca mais, novamente, Jesus faria, da casa de Zebedeu a sua casa. De agora em diante, pelo restante da sua vida na Terra, o Mestre verdadeiramente “não tinha onde recostar a sua cabeça”. Nunca mais ele teve uma morada fixa, nem mesmo algo semelhante a isso.

154:7:3 17236 Eles remaram até perto da aldeia de Queresa, colocaram o barco sob a custódia de amigos, e começaram as peregrinações desse movimentado último ano da vida do Mestre na Terra. Durante um certo período eles permaneceram nos domínios de Filipe, indo de Queresa a Cesaréia-Filipe e, de lá, tomando o caminho da costa da Fenícia.

154:7:4 17237 A multidão demorou-se ainda, na casa de Zebedeu, olhando os dois barcos atravessarem o lago até a margem oriental; e eles já estavam bem longe quando os oficiais de Jerusalém chegaram e iniciaram a sua busca indo atrás de Jesus. Eles se recusavam a acreditar que Jesus lhes tinha escapado e, enquanto Jesus e os seus estavam viajando na direção norte, já passando por Batanea, os fariseus e os seus assistentes passaram quase toda uma semana procurando em vão por ele, nas cercanias de Cafarnaum.

154:7:5 17241 A família de Jesus voltou para a sua casa em Cafarnaum e passou quase uma semana falando, debatendo e orando. Eles estavam cheios de confusão e de consternação. Eles não tiveram paz mental até quinta-feira à tarde, quando Rute retornou de uma visita à casa de Zebedeu, onde ela soube, por Davi, que o seu pai-irmão estava a salvo e com boa saúde e a caminho da costa fenícia.


DOCUMENTO 155

A FUGA PELO NORTE DA GALILÉIA
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Logo depois de aportar perto de Queresa, nesse domingo agitado, Jesus e os vinte e quatro foram um pouco para o norte, onde passaram a noite em um belo parque ao sul de Betsaida-Júlias. Eles estavam ambientados com esse local de acampamento, tendo estado lá em dias passados. Antes de se retirar para dormir, o Mestre reuniu os seus seguidores em torno de si e discutiu com eles sobre os planos para o projeto da campanha que fariam por Batanea e pelo Norte da Galiléia e pela costa fenícia.

1. POR QUE OS PAGÃOS SE ENFURECEM?


155:1:1 17252 Disse Jesus: “Deveríeis todos lembrar-vos como o salmista falou dessas épocas, dizendo: ‘Por que se enfurecem os pagãos, e os povos conspiram em vão? Os reis da Terra coroam-se a si próprios, e os governantes do povo fazem conselhos entre si, contra o Senhor e contra os seus sagrados, dizendo: Façamos as correntes da misericórdia em pedaços e livremo-nos dos laços do amor’.

155:1:2 17253 “Hoje vedes que isso se cumpre, diante dos vossos olhos. Mas vós não vereis cumprido o restante da profecia do salmista, pois ele manteve idéias errôneas sobre o Filho do homem e a sua missão na Terra. O meu Reino funda-se no amor, é proclamado na misericórdia e é estabelecido por meio do serviço não egoísta. O meu Pai não se assenta no céu, rindo de menosprezo dos pagãos. Ele não fica irado, no seu grande desprazer. Verdadeira é a promessa de que o Filho terá como herança a todos os chamados pagãos (na realidade os seus irmãos ignorantes e sem instrução). E eu receberei esses gentios com os braços abertos, com misericórdia e afeto. Toda essa bondade amorosa será mostrada aos chamados pagãos, não obstante a infeliz declaração registrada que insinua que o Filho triunfante ‘quebrá-los-á com um cilindro de ferro e os deixará em pedaços como a um vaso de argila’. O salmista vos exortou a ‘servir ao Senhor com temor’ – eu vos conclamo a aceitar os privilégios elevados da filiação divina por meio da fé; ele vos comanda que rejubileis com tremores; eu vos conclamo a rejubilar-vos na certeza. Ele diz: ‘Beijai o Filho, para que ele não fique com raiva, e para que não pereçais quando a sua ira for inflamada’. E vós que vivestes comigo, bem sabeis que a raiva e a ira não são uma parte do estabelecimento do Reino do céu, nos corações dos homens. Mas o salmista apercebeu-se da verdadeira luz quando, ao terminar a sua exortação, disse: ‘Abençoados aqueles que põem a sua confiança nesse Filho’”.

155:1:3 17254 Jesus continuou a ensinar aos vinte e quatro, dizendo: “Os pagãos não ficam sem uma desculpa, quando se enfurecem conosco. O seu ponto de vista sendo pequeno e estreito, levam-nos a ser capazes de concentrar as suas energias entusiasticamente. A sua meta está bem próxima deles e é mais ou menos visível, razão pela qual os seus esforços são valentes e a sua execução é eficiente. Vós, que tendes professado a entrada no Reino do céu, sois de todo vacilantes demais, e indefinidos, ao conduzirdes os vossos ensinamentos. Os pagãos dão golpes diretos para conseguir os seus objetivos; vós sois culpados de ter demasiadas aspirações crônicas. Se desejardes entrar no Reino, por que não o tomar em um assalto espiritual, tal como os pagãos tomam uma cidade à qual eles sitiam? Dificilmente sereis dignos do Reino se o vosso serviço consistir tão primariamente em uma atitude de lamentar o passado, em queixumes quanto ao presente e em esperanças vãs para o futuro. Por que os pagãos se enfurecem? Porque não conhecem a verdade. Porque enlaguescei-vos em desejos fúteis? Porque não obedeceis à verdade. Cessai com os vossos anseios inúteis e ide em frente, com bravura, fazendo aquilo que diz respeito ao estabelecimento do Reino.

155:1:4 17261 “Em tudo o que fizerdes, não vos torneis nunca unilaterais, nem excessivamente especializados. Os fariseus, que verdadeiramente querem a nossa destruição, pensam que estão fazendo o serviço de Deus. Eles tornaram-se tão estreitos, por tradição, que estão cegos pelo preconceito e endurecidos pelo medo. Considerai os gregos, que têm uma ciência sem religião, enquanto os judeus têm uma religião sem ciência. E, quando os homens são assim, erroneamente conduzidos a aceitar uma desintegração estreita e confusa da verdade, a sua única esperança de salvação é tornarem-se coordenados com a verdade – convertendo-se.

155:1:5 17262 “Deixai que eu afirme enfaticamente a verdade eterna seguinte: Se vós, por uma coordenação com a verdade, aprenderdes a dar o exemplo, nas vossas vidas, dessa magnífica integridade de retidão, os vossos semelhantes humanos, então, vos seguirão para poder obter o que vós adquiristes desse modo. A medida pela qual os buscadores da verdade são atraídos para vós representa a medida do vosso dom de verdade, a vossa retidão. A escala, na qual vós tendes de vos prolongar na vossa mensagem ao povo, é de um certo modo a medida da vossa incapacidade de viver a vida reta e íntegra, a vida coordenada à verdade. ”

155:1:6 17263 E muitas outras coisas o Mestre ensinou aos seus apóstolos e evangelistas, antes que eles lhe dessem boa-noite e fossem descansar nos seus travesseiros.

2. OS EVANGELISTAS EM CORAZIM


155:2:1 17264 Na segunda-feira, 23 de maio pela manhã, Jesus ordenou a Pedro que fosse a Corazim com os doze evangelistas; nisso, ele com os outros onze partiram para Cesaréia-Filipe, pelo caminho do Jordão, pela via Damasco-Cafarnaum, e dali para o nordeste, até a junção com a estrada de Cesaréia-Filipe, e então, entrando naquela cidade, permaneceram lá ensinando por duas semanas. Ali chegaram durante a tarde de terça-feira, 24 de maio.

155:2:2 17265 Pedro e os evangelistas permaneceram em Corazim por duas semanas, pregando o evangelho do Reino a um pequeno, mas fervoroso, grupo de crentes. E, porém, eles não foram capazes de conquistar muitos novos convertidos. Nenhuma cidade em toda a Galiléia rendeu tão poucas almas para o Reino, quanto Corazim. De acordo com as instruções de Pedro, os doze evangelistas tiveram menos a dizer sobre as curas – as coisas físicas – enquanto pregavam e ensinavam com mais vigor as verdades espirituais do Reino do céu. Nessas duas semanas Corazim constituiu-se em um verdadeiro batismo na adversidade para os doze evangelistas, pois foi o período mais difícil e improdutivo das suas carreiras até esse momento. Estando assim privados da satisfação de conquistar almas para o Reino, cada um deles escutou mais sincera e honestamente a sua própria alma e o seu progresso no caminho espiritual da nova vida.

155:2:3 17266 Quando parecia que ninguém mais estava disposto a procurar entrar no Reino, Pedro, na terça-feira, 7 de junho, reuniu os condiscípulos e partiu para Cesaréia-Filipe com o intuito de juntar-se a Jesus e aos apóstolos. Eles chegaram por volta do meio-dia, na quarta-feira, e passaram toda a noite contando sobre as experiências com os descrentes de Corazim. Durante as conversas dessa noite Jesus fez outra referência à parábola do semeador e ensinou a eles muito sobre o significado dos aparentes fracassos nos empreendimentos da vida.

3. EM CESARÉIA-FILIPE


155:3:1 17271 Embora Jesus não tenha feito nenhum trabalho público durante essas duas semanas de permanência perto de Cesaréia-Filipe, os apóstolos tiveram numerosos encontros calmos, à noite, na cidade, e muitos dos crentes vieram até o acampamento, para falar com o Mestre. Pouquísimos foram acrescentados ao grupo de crentes em conseqüência dessa visita. Jesus falava com os apóstolos todos os dias, e eles discerniram com mais clareza que uma nova fase do trabalho de pregação do Reino do céu estava começando agora. Eles estavam começando a compreender que o “Reino do céu não é comer e beber, mas que realizar a alegria espiritual da aceitação da divina filiação”.

155:3:2 17272 A permanência em Cesaréia-Filipe foi um teste real para os onze apóstolos; foi um período difícil, de duas semanas, para eles viverem. Eles estavam ainda deprimidos, e sentiam falta do estímulo periódico da personalidade entusiástica de Pedro. Nesses momentos era verdadeiramente uma grande aventura de provações acreditar em Jesus e continuar seguindo-o. Embora eles tenham convertido poucas pessoas durante essas duas semanas, eles aprenderam muitas coisas que lhes foram de bastante proveito, das conferências diárias com o Mestre.

155:3:3 17273 Os apóstolos aprenderam que os judeus estavam espiritualmente estagnados e moribundos, porque eles tinham cristalizado a verdade em um credo; que quando a verdade é formulada como sendo uma linha limite de exclusividade, útil para que uns se considerem mais virtuosos do que os outros, em vez de servir como uma indicadora de norteamenteo para o progresso espiritual, esses ensinamentos perdem o seu poder criativo e provedor da vida e passam a ser meramente preservadores fossilizantes.

155:3:4 17274 Cada vez mais, de Jesus, eles aprendiam a olhar as personalidades humanas em termos das suas possibilidades no tempo e na eternidade. Eles aprendiam que muitas almas poderão ser levadas a melhor amar o Deus não visível, se lhes for ensinado primeiro a amar os seus irmãos, aos quais eles podem ver. E foi em relação a isso que um novo significado tornou-se ligado ao pronunciamento do Mestre a respeito do serviço não egoísta para o semelhante: “Na mesma medida que fizerdes ao menor dos meus irmãos, a mim é que o fareis”.

155:3:5 17275 Uma das grandes lições dessa estada em Cesaréia teve a ver com a origem das tradições religiosas, com o grave perigo de permitir o senso do sagrado de tornar-se ligado a coisas não sagradas, idéias comuns, ou acontecimentos cotidianos. De uma conferência eles saíram com o ensinamento de que a verdadeira religião, para o homem, é a lealdade sincera às suas convicções mais elevadas e verdadeiras.

155:3:6 17276 Jesus advertiu aos seus crentes de que, se as suas aspirações religiosas fossem apenas materiais, um conhecimento crescente da natureza iria, por um deslocamento progressivo da origem sobrenatural das coisas, em última instância, privá-los da sua fé em Deus. Mas que, se a sua religião fosse espiritual, nunca, o progresso da ciência física perturbaria a sua fé nas realidades eternas e nos valores divinos.

155:3:7 17277 Eles aprenderam que, quando a religião tem motivos totalmente espirituais, ela faz toda a vida melhor e mais digna de ser vivida, preenchendo-a com propósitos elevados, dignificando-a com valores transcendentes, inspirando-a com motivos magníficos e, ao mesmo tempo, confortando a alma humana com uma esperança sublime e sustentadora. A verdadeira religião destina-se a diminuir as forças extenuantes da existência; ela libera a fé e a coragem para a vida cotidiana e para o serviço não egoísta. A fé fomenta a vitalidade espiritual e a fecundidade da retidão.

155:3:8 17278 Jesus ensinou repetidamente aos seus apóstolos que nenhuma civilização poderia sobreviver por muito tempo à perda do melhor na sua religião. E ele nunca se cansou de apontar aos doze o grande perigo de se aceitar símbolos e cerimônias religiosas em lugar da experiência religiosa. Toda a sua vida terrena foi devotada consistentemente à missão de degelar as formas congeladas de religião, dando-lhe as liberdades líquidas da filiação esclarecida.

4. A CAMINHO DA FENÍCIA


155:4:1 17281 Na quinta-feira, 9 de junho pela manhã, após receber a notícia a respeito dos progressos do Reino, trazida pelos mensageiros de Davi vindos de Betsaida, esse grupo de vinte e cinco instrutores da verdade deixou Cesaréia-Filipe para iniciar a sua viagem à costa fenícia. Eles contornaram a parte pantanosa pelo caminho de Luz, até o ponto de junção com a trilha de Magdala–monte Líbano, e daí seguiram para o cruzamento com a estrada que leva a Sidom, chegando lá na sexta-feira à tarde.

155:4:2 17282 Enquanto paravam para o almoço, à sombra de uma saliência de rocha, perto de Luz, Jesus fez um dos pronunciamentos mais notáveis que os seus apóstolos jamais haviam ouvido durante todos os anos da sua ligação com ele. Tão logo eles assentaram-se para partir o pão, Simão Pedro perguntou a Jesus: “Mestre, já que o Pai no céu sabe de todas as coisas, e já que o espírito Dele é a nossa sustentação no estabelecimento do Reino do céu na Terra, por que é que estamos fugindo das ameaças dos nossos inimigos? Por que nos negamos a confrontarmo-nos com os inimigos da verdade?” Mas antes de Jesus iniciar a sua resposta à pergunta de Pedro, Tomé irrompeu, perguntando: “Mestre, eu realmente gostaria de saber o que há exatamente de errado com a religião dos nossos inimigos em Jerusalém. Qual é a diferença real entre a religião deles e a nossa? Por que é que temos essa divergência de crença quando todos nós professamos servir ao mesmo Deus?” E quando Tomé terminou, Jesus disse: “Conquanto não queira ignorar a pergunta de Pedro, sabendo muito bem quão fácil seria interpretar mal as minhas razões para evitar um conflito aberto com os chefes dos judeus, neste momento, ainda assim, revelar-se-ia de maior ajuda para todos vós se eu escolhesse responder à pergunta de Tomé. E é a isso que eu farei quando tiverdes terminado o vosso almoço”.

5. O DISCURSO SOBRE A VERDADEIRA RELIGIÃO


155:5:1 17283 Esse discurso memorável sobre a religião, resumido e reformulado em linguagem moderna, deu expressão às verdades seguintes:

155:5:2 17284 As religiões do mundo têm duas origens – a natural e a da revelação – em qualquer época e em meio a qualquer povo podem ser encontradas três formas distintas de devoção religiosa. E estas três manifestações do impulso religioso são:

155:5:3 17285 1. A religião primitiva. O impulso seminatural e instintivo de temer as energias misteriosas e de adorar as forças superiores; principalmente em uma religião da natureza física, a religião do medo.

155:5:4 17286 2. A religião da civilização. Os conceitos e as práticas religiosas que avançam, das raças civilizadas – a religião da mente – a teologia intelectual cuja autoridade é a tradição religiosa estabelecida.

155:5:5 17287 3. A verdadeira religião – a religião da revelação. A revelação dos valores supra-naturais, uma visão com um discernimento parcial das realidades eternas, um vislumbre da bondade e da beleza do caráter infinito do Pai no céu – a religião do espírito, tal como fica demonstrada na experiência humana.

155:5:6 17291 O Mestre recusou-se a depreciar a religião dos sentidos físicos e dos medos supersticiosos do homem natural, embora deplorasse o fato de que tanto dessa forma primitiva de adoração perdurasse nas formas de religiões das raças mais inteligentes da humanidade. Jesus deixou claro que a grande diferença entre a religião da mente e a religião do espírito é que, enquanto a primeira é sustentada pela autoridade eclesiástica, a última é totalmente baseada na experiência humana.

155:5:7 17292 E então o Mestre, no seu momento de ensinar, continuou deixando claras as seguintes verdades:

155:5:8 17293 Até que as raças se tornem altamente inteligentes e mais amplamente civilizadas, persistirão muitas dessas cerimônias infantis e supersticiosas, que são tão características das práticas da religião evolucionária dos povos primitivos e retrógrados. Enquanto a raça humana progride até o nível de um reconhecimento mais elevado e mais geral das realidades da experiência espiritual, uma grande quantidade de homens e mulheres continuará a demonstrar uma preferência pessoal por aquelas religiões autoritárias, que exigem apenas um consentimento intelectual. A religião do espírito, ao contrário, requer uma participação ativa da mente da alma na aventura da fé, no corpo a corpo com as realidades rigorosas da experiência humana progressiva.

155:5:9 17294 A aceitação das religiões tradicionais, de autoridade, apresenta uma saída fácil para a urgência que o homem tem de buscar satisfação para os anseios da sua natureza espiritual. As religiões estabelecidas, cristalizadas e bem assentadas, de autoridade, proporcionam um refúgio pronto para dentro do qual a alma desatenta e perturbada do homem pode escapar, quando fustigada pelo medo e atormentada pela incerteza. Uma tal religião solicita dos seus devotos, como preço a ser pago pelas satisfações e seguranças oferecidas, apenas um consentimento passivo e puramente intelectual.

155:5:10 17295 E por muito tempo ainda viverão na Terra, esses indivíduos temerosos, hesitantes e acomodados que preferirão assegurar assim as suas consolações religiosas, ainda que, arriscando a sorte com as religiões de autoridade, comprometam a soberania da personalidade, degradem a dignidade do respeito próprio e renunciem totalmente ao direito de participar da mais emocionante e inspiradora de todas as experiências humanas possíveis: A busca pessoal da verdade, a alegria de encarar os perigos da descoberta intelectual, a determinação de explorar as realidades da experiência religiosa pessoal, a satisfação suprema de experienciar o triunfo pessoal da realização factual da vitória da fé espiritual sobre a dúvida intelectual ganha honestamente, na aventura suprema de toda a existência humana – o homem buscando a Deus, para si próprio e por si próprio, e encontrando-O.

155:5:11 17296 A religião do espírito significa esforço, luta, conflito, fé, determinação, amor, lealdade e progresso. A religião da mente – a teologia da autoridade – requer pouco ou nenhum desses exercícios dos seus crentes formais. A tradição é um refúgio seguro e um caminho fácil para as almas temerosas e acanhadas, que instintivamente evitam as lutas espirituais e as incertezas mentais que estão associadas a essas viagens da fé, de aventuras ousadas, no alto-mar da verdade inexplorada em busca das margens distantes de realidades espirituais. Essas realidades espirituais podem ser descobertas pela mente humana progressiva, e experimentadas pela alma humana em evolução. E Jesus continuou dizendo: “Em Jerusalém os líderes religiosos formularam as várias doutrinas dos seus instrutores tradicionais e dos profetas de outras épocas, formando um sistema estabelecido de crenças intelectuais, em uma religião autoritária.

155:5:12 17297 O apelo de todas essas religiões é, sobretudo, à mente. E agora estamos para entrar em um conflito mortal com tal religião, pois iremos muito em breve começar a proclamação ousada de uma nova religião – uma religião que não é uma religião no sentido atualmente dado a essa palavra, uma religião que faz o seu apelo principal ao espírito divino do meu Pai, que reside na mente do homem; uma religião que tirará a sua autoridade dos frutos da sua aceitação; e esses frutos irão certamente aparecer na experiência pessoal de todos aqueles que real e verdadeiramente tornam-se apoiadores e crentes das verdades dessa comunhão espiritual mais elevada”.

155:5:13 17301 E apontando para cada um dos vinte e quatro, e chamando-os pelo nome, Jesus disse: “E, agora, qual de vós preferiria tomar esse caminho fácil, conformando-se a uma religião estabelecida e fossilizada, como a que é defendida pelos fariseus em Jerusalém, a sofrer as dificuldades e perseguições que virão juntas com a missão de proclamar um caminho melhor de salvação para os homens, podendo nesse caminho experimentardes a satisfação de descobrir por vós próprios as belezas das realidades de uma experiência viva e pessoal, as verdades eternas e a grandiosidade suprema do Reino do céu? Será que sois amedrontados e moles; será que buscais coisas fáceis? Estais com medo de confiar o vosso futuro nas mãos do Deus da verdade, e de quem sois filhos? Estais desconfiados do Pai, cujos filhos sois vós? Será que ireis voltar ao caminho fácil da certeza e da acomodação intelectual, na religião da autoridade tradicional, ou ireis preparar-vos para ir à frente comigo, até aquele futuro incerto e turbulento, da proclamação das novas verdades da religião do espírito, o Reino do céu nos corações dos homens?”

155:5:14 17302 Todos os seus vinte e quatro ouvintes puseram-se de pé, com a intenção de querer dar uma resposta unânime de lealdade, a esse apelo emocional de Jesus, como os que jamais fez a eles. E Jesus levantou a sua mão e impediu-os, dizendo: “Ide agora, cada um por si, cada homem a sós com o Pai, e encontrai uma resposta não emocional para a minha pergunta e, tendo encontrado uma atitude verdadeira e sincera de alma, dizei a vossa resposta livre e ousadamente ao meu Pai e vosso Pai, cuja vida infinita de amor é o espírito mesmo da religião que proclamamos”.

155:5:15 17303 Os evangelistas e os apóstolos separaram-se, por um curto espaço de tempo. Os seus espíritos ficaram elevados, as suas mentes inspiradas e as suas emoções tornaram-se poderosamente agitadas por tudo o que Jesus havia dito. Mas quando André os chamou para reunirem-se, o Mestre apenas disse: “Vamos retomar a nossa viagem. Iremos para a Fenícia, onde permaneceremos um pouco, e todos vós deveríeis orar para que o Pai transforme as vossas emoções de corpo e de mente, nas lealdades mais elevadas da mente e nas experiências mais satisfatórias do espírito”.

155:5:16 17304 Quando viajavam estrada abaixo os vinte e quatro estavam silentes, mas em breve eles começaram a falar uns com os outros, e às três horas, naquela tarde eles não podiam ir adiante; então pararam, e Pedro, indo até Jesus, disse: “Mestre, tu nos disseste as palavras da vida e da verdade. Nós gostaríamos de ouvir mais; nós te suplicamos que nos fale mais a respeito dessas questões”.

6. O SEGUNDO DISCURSO SOBRE A RELIGIÃO


155:6:1 17305 E, assim, enquanto eles estavam parados à sombra da encosta, Jesus continuou a ensinar-lhes a respeito da religião do espírito, dizendo em essência:

155:6:2 17306 Vós viestes de entre os vossos companheiros que escolheram permanecer satisfeitos com uma religião da mente, que almejam pela segurança e preferem o conformismo. Vós escolhestes trocar os vossos sentimentos, de certeza autoritária, pela segurança do espírito, que vem da fé cheia de audácia e progressão. Vós ousastes protestar contra a pegajosa prisão da religião institucionalizada e rejeitar a autoridade das tradições escritas, que estão agora sendo consideradas como a palavra de Deus. O nosso Pai, de fato, falou por intermédio de Moisés, Elias, Isaías, Amós e Oséias, mas Ele não cessou de ministrar palavras de verdade ao mundo, quando esses profetas antigos colocaram um fim nas suas afirmações. Meu Pai não tem preferências por raças, nem por gerações, no sentido de que a palavra da verdade seja condescendida a uma idade e contida em uma outra. Não cometais a loucura de chamar de divino àquilo que é totalmente humano, e não deixeis de perceber as palavras da verdade mesmo não provindo dos oráculos tradicionais de suposta inspiração.

155:6:3 17311 Eu vos convoquei a nascer de novo, a nascer do espírito. Eu vos tirei das trevas do autoritarismo, da letargia da tradição, para a luz transcendente da realização da possibilidade de fazerdes, para vós próprios, a maior descoberta que é possível à alma humana realizar – a experiência superna de encontrar Deus para vós próprios, dentro de vós próprios, e por vós próprios, e de fazerdes a tudo isso, como um fato na vossa própria experiência pessoal. E, assim, vós podeis passar da morte para a vida, do autoritarismo da tradição para a experiência de conhecer a Deus; assim vós passareis das trevas à luz, de uma fé racial herdada a uma fé pessoal conquistada pela experiência real. E, por meio disso, ireis progredir, de uma teologia da mente, passada a vós pelos vossos ancestrais, a uma verdadeira religião do espírito, que será edificada nas vossas almas como um dom eterno.

155:6:4 17312 A vossa religião passará da mera crença intelectual na autoridade tradicional, para a experiência factual da fé viva, que é capaz de captar a realidade de Deus e tudo o que está relacionado ao espírito divino do Pai. A religião da mente vos vincula irremediavelmente ao passado; a religião do espírito consiste na revelação progressiva e vos conclama a realizações mais elevadas e mais santificadas, de ideais espirituais e de realidades eternas.

155:6:5 17313 Conquanto a religião da autoridade possa comunicar um sentimento presente de segurança estabelecida, por essa satisfação transitória vós pagais como preço a perda da vossa liberdade espiritual e da liberdade religiosa. Meu Pai não exige de vós, como preço de entrada no Reino do céu, que devêsseis forçar a vós próprios a aceitar uma crença em coisas que são espiritualmente repugnantes, profanas e não verdadeiras. Não é exigido de vós que o vosso próprio senso de misericórdia, justiça e verdade devesse ser ultrajado pela submissão a um sistema de formas religiosas e de cerimoniais desgastados. A religião do espírito vos deixa sempre livres para seguir a verdade até onde quer que o vosso espírito vos possa conduzir. E quem pode julgar – talvez esse espírito possa ter alguma coisa a comunicar a essa geração, que outras gerações tenham recusado-se a escutar?

155:6:6 17314 Que vergonha que aqueles falsos instrutores religiosos arrastem as almas famintas de volta ao passado, distante e obscuro, e que lá as deixem! E assim essas pessoas desafortunadas ficam condenadas a tornar-se amedrontadas frente a todas as novas descobertas, a desconcertar-se com toda a nova revelação da verdade. O profeta que disse: “Aquele cuja mente permanece com Deus será mantido em perfeita paz”, não era um mero crente intelectual da teologia autoritária. Esse ser humano, conhecedor da verdade, tinha descoberto a Deus; ele não estava meramente falando de Deus.

155:6:7 17315 Eu aconselho-vos a desistir da prática de sempre citar os profetas de outrora e de louvar os heróis de Israel e, em vez disso, a aspirar a tornar-vos profetas vivos do Altíssimo e heróis espirituais do Reino que virá. Honrar os líderes conhecedores de Deus, do passado, pode de fato valer a pena, mas por que, ao fazer isto, deveis sacrificar a experiência suprema da existência humana: encontrar a Deus por vós próprios e conhecê-Lo nas vossas próprias almas?

155:6:8 17321 Cada raça da humanidade tem a sua própria abordagem mental da existência humana; e, pois, a religião da mente deve sempre ser fiel a esses vários pontos de vista raciais. As religiões autoritárias nunca podem chegar à unificação. A unidade humana e a fraternidade entre os mortais somente podem ser alcançadas por meio da supradotação dada pela religião do espírito. As mentes podem diferir racialmente, mas toda a humanidade é residida pelo mesmo espírito divino e eterno. A esperança da irmandade humana só pode ser realizada quando, e na medida em que, as religiões mentais autoritárias divergentes tornarem-se impregnadas e eclipsadas pela religião unificadora e enobrecedora do espírito – a religião da experiência espiritual pessoal.

155:6:9 17322 As religiões da autoridade só podem dividir os homens e arregimentá-los em frentes conscientes uns contra os outros; a religião do espírito progressivamente congregará os homens e os levará a tornar-se compreensivos e compassivos uns para com os outros. As religiões autoritárias exigem dos homens uniformidade na crença, mas isso é impossível de ser alcançado no estado presente de coisas no mundo. A religião do espírito requer apenas unidade de experiência – uniformidade de destino –, permitindo a plena diversidade de crenças. A religião do espírito requer uniformidade apenas de visão interior, não uniformidade de ponto de vista nem de enfoque. A religião do espírito não requer uniformidade de ponto de vista intelectual, requer apenas a unidade dos sentimentos espirituais. As religiões da autoridade cristalizam-se em credos sem vida; a religião do espírito cresce em alegria e na liberdade dos feitos enobrecedores, no serviço do amor e na ministração da misericórdia.

155:6:10 17323 Mas, atenção, que nenhum de vós olhe com desdém aos filhos de Abraão, só porque eles caíram nesses maus tempos de esterilidade tradicional. Os nossos ancestrais entregaram-se à busca persistente e apaixonada de Deus, e eles encontraram-No, como nenhuma outra raça de homens jamais O conheceu desde os tempos de Adão, que sabia muito a esse respeito, pois era ele próprio um Filho de Deus. O meu Pai não deixou de observar a luta longa e incansável de Israel, desde os dias de Moisés, para encontrar Deus e para conhecer a Deus. Durante muitas gerações os judeus não cessaram de trabalhar, de suar, sofrer, penar e suportar os sofrimentos e experimentar as tristezas de um povo incompreendido e desprezado, tudo para que pudessem chegar um pouco mais perto da descoberta da verdade sobre Deus. E, não obstante todos os fracassos e fraquezas de Israel, os nossos pais, progressivamente, desde Moisés aos tempos de Amós e Oséias, revelaram cada vez mais, a todo o mundo, uma imagem sempre mais clara e mais verdadeira do Deus eterno. E, assim, o caminho foi preparado para a revelação ainda maior do Pai, da qual vós fostes chamados a compartilhar.

155:6:11 17324 Nunca esqueçais de que só há uma aventura que pode ser mais satisfatória e emocionante do que tentar descobrir a vontade do Deus vivo, e essa é a experiência suprema de tentar honestamente fazer essa vontade divina. E não deixeis de lembrar-vos de que a vontade de Deus pode ser feita, em qualquer ocupação terrena. Não há vocações que sejam santas e vocações que sejam seculares. Todas as coisas são sagradas, nas vidas daqueles que são guiados pelo espírito; isto é, subordinados à verdade, enobrecidos pelo amor, dominados pela misericórdia, e controlados pela equanimidade – a justiça. O espírito que o meu Pai e eu enviaremos ao mundo não é apenas o Espírito da Verdade, mas é também o espírito da beleza idealista.

155:6:12 17325 Deveis cessar de buscar a palavra de Deus apenas nas páginas dos registros antigos e com autoridade teológica. Aqueles de vós que nascestes do espírito de Deus ireis, doravante, discernir a palavra de Deus, independentemente de onde ela pareça ter origem. Não há que se depreciar a verdade divina pelo fato de ser aparentemente humano o canal usado para a sua apresentação. Muitos dos vossos irmãos têm mentes que aceitam a teoria de Deus, enquanto espiritualmente deixam de compreender a presença de Deus. E essa é exatamente a razão pela qual eu tenho tão freqüentemente vos ensinado que o Reino do céu pode ser mais bem compreendido, se adquirirdes a atitude espiritual sincera de uma criança. Não é a imaturidade mental da criança o que eu vos recomendo, é mais a simplicidade espiritual desse pequeno ser, a sua facilidade de crer e a confiança plena dele. Não é tão importante que devêsseis considerar o fato da existência de Deus, é mais importante que cresçais na capacidade de sentir a presença de Deus.

155:6:13 17331 Quando principiardes a encontrar Deus na vossa alma, em breve vós começareis a descobri-Lo nas almas dos outros homens e, finalmente, em todas as criaturas e criações de um poderoso universo. Mas que chance tem o Pai de aparecer como um Deus de lealdades supremas, e de ideais divinos, nas almas de homens que pouco ou nenhum tempo dedicam à contemplação reflexiva de tais realidades eternas? Se bem que a mente não seja o assento da natureza espiritual, a mente é de fato o portal para essa natureza espiritual.

155:6:14 17332 Não cometais, contudo, o erro de tentar provar a outros homens que vós encontrastes a Deus; vós não podeis conscientemente gerar uma prova válida para tal, se bem que existam duas demonstrações positivas e poderosas do fato de que vós sois conhecedores de Deus, e elas são:

155:6:15 17333 1. Os frutos do espírito de Deus, que se mostram na rotina diária da vossa vida.

155:6:16 17334 2. O fato de todo o plano da vossa vida fornecer uma prova positiva de que vós tendes, sem reservas, arriscado tudo o que sois e que possuís, na aventura da sobrevivência após a morte, na busca da esperança de encontrar o Deus da eternidade, cuja presença vós provastes antecipadamente no tempo.

155:6:17 17335 Agora, não vos equivoqueis, o meu Pai responderá sempre à mais débil chama de fé. Ele toma nota das emoções físicas e supersticiosas do homem primitivo. E com essas almas honestas, mas temerosas, cuja fé é tão fraca que chega a ser só um pouco mais do que a conformidade intelectual de uma atitude passiva de consentimento às religiões autoritárias, o Pai está sempre alerta para honrar e fomentar até mesmo todas essas fracas tentativas de alcançá-Lo. Mas vós, que fostes chamados, da escuridão para a luz, de vós é esperado que creiais de todo o coração; a vossa fé irá dominar as atitudes combinadas do corpo, da mente e do espírito.

155:6:18 17336 Sois meus apóstolos e, para vós, a religião não se transformará em um abrigo teológico, para o qual podeis fugir com medo de enfrentar as duras realidades do progresso espiritual e a aventura idealista; mas a vossa religião irá transformar-se, mais, no fato da experiência real a testificar que Deus vos encontrou, vos idealizou, vos enobreceu e vos espiritualizou, e que já vos alistastes na aventura eterna de encontrar esse Deus, que já vos encontrou e vos filiou.

155:6:19 17337 E quando Jesus terminou de falar, ele fez um sinal a André e, apontando para o oeste, para a Fenícia, disse: “Sigamos, pois, o nosso caminho”.

DOCUMENTO 156

A ESTADA EM TIRO E SIDOM
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Na sexta-feira, 10 de junho à tarde, Jesus e os seus colaboradores chegaram aos arredores de Sidom; e lá eles ficaram na casa de uma próspera senhora, que tinha sido paciente do hospital de Betsaida durante a época em que Jesus estava no auge da predileção popular. Os evangelistas e os apóstolos ficaram alojados com os amigos dela, na vizinhança próxima, e descansaram durante o dia de sábado, nesse ambiente repousante. Passaram quase duas semanas e meia em Sidom e nas redondezas, antes de prepararem-se para visitar as cidades da costa, ao norte.

156:0:2 17342 Esse dia de sábado, em junho, foi um dia de muita calmaria. Os evangelistas e os apóstolos todos ficaram absorvidos, nas suas meditações sobre os discursos do Mestre a respeito da religião, que eles tinham escutado a caminho de Sidom. Todos eles haviam sido capazes de apreciar um pouco daquilo que lhes tinha sido dito, mas nenhum deles havia captado totalmente a importância desse ensinamento.

1. THE SYRIAN WOMAN




156:1:1 17343 Perto da casa de Karuska, onde o Mestre estava alojado, vivia uma mulher síria que muito tinha ouvido falar sobre Jesus, das suas grandes curas e dos seus ensinamentos, e nesse sábado à tarde, ela veio até ele trazendo a sua filha pequena. A criança, de cerca de doze anos de idade, estava afligida por uma desordem nervosa grave, caracterizada por convulsões e outras manifestações extenuantes.

156:1:2 17344 Jesus havia recomendado aos seus seguidores para que não dissessem a ninguém sobre a sua presença na casa de Karuska, explicando que ele desejava descansar. Eles obedeceram às instruções do Mestre, mas o serviçal de Karuska foi até a casa dessa mulher síria, Norana, para informar-lhe que Jesus estava hospedado na casa da sua patroa e para estimular essa mãe ansiosa a trazer a sua filha afligida para a cura. A mãe, evidentemente, acreditava que a sua filha estava possuída por um demônio, um espírito impuro.

156:1:3 17345 Quando Norana chegou com a sua filha, os gêmeos Alfeus explicaram-lhe, por meio de um intérprete, que o Mestre estava descansando e que não devia ser incomodado; e a isso Norana replicou que ela e a sua filha permaneceriam ali até que o Mestre terminasse o seu descanso. Pedro também tentou argumentar com ela e persuadi-la a voltar para a sua casa. Explicou que Jesus estava cansado de tantos ensinamentos e curas, e que ele tinha vindo à Fenícia para um período de calma e de descanso. Mas era inútil; Norana não iria embora. À solicitação de Pedro ela apenas respondeu: “Eu não irei embora, não antes de ver o teu Mestre. Eu sei que ele pode expulsar o demônio da minha filha, e eu não irei antes de o curador cuidar da minha filha”.

156:1:4 17346 Então Tomé procurou mandar a mulher embora, mas não obteve êxito. A ele, ela redargüiu: “Eu tenho fé na capacidade que possui o vosso Mestre de poder expulsar esse demônio que atormenta a minha filha. Ouvi falar do poder dos seus trabalhos na Galiléia, e acredito nele. O que aconteceu a vós, discípulos dele, que mandais embora àqueles que vêm procurar a ajuda do vosso Mestre?” E, quando Tomé ouviu-a dizer isso, ele retirou-se.

156:1:5 17351 E então Simão zelote adiantou-se para argumentar com Norana. Disse Simão: “Mulher, tu és uma gentia de fala grega. Não seria justo que esperasses que o Mestre tomasse do pão destinado aos filhos da casa favorecida, e que o atirasse aos cães”. Norana, contudo, se negou a sentir-se ofendida com a arremetida de Simão. Ela apenas disse: “Sim, professor, eu compreendi as tuas palavras. Eu sou apenas um cão, aos olhos dos judeus, mas, no que concerne ao teu Mestre, eu sou um cão que crê. Estou determinada a esperar que ele veja a minha filha, pois estou convencida de que, se apenas olhar para ela, ele irá curá-la. E nem mesmo tu, meu bom homem, ousarias privar os cães da prerrogativa de obter as migalhas que por acaso caem da mesa das crianças”.

156:1:6 17352 E exatamente nesse momento a pequenina foi tomada de uma convulsão violenta, diante de todos, e a mãe gritou: “Aí está, podeis ver que a minha criança está possuída por um espírito impuro. A nossa necessidade não vos impressiona, mas certamente impressionará ao vosso Mestre, pois fui informada que ele ama a todos os homens e que ousa curar até mesmo aos gentios, quando eles crêem. Não sois dignos de ser discípulos dele. Eu só irei quando a minha filha estiver curada”.

156:1:7 17353 Jesus, que tinha ouvido toda essa conversa por meio de uma janela aberta, agora saía, para a surpresa de todos, e dizia: “Ó mulher, grande é a tua fé, tão grande que não consigo impedir o que desejas; toma o teu caminho em paz. A tua filha já está curada”. E a menina ficou boa a partir daquele momento. Quando Norana e a criança estavam saindo, Jesus solicitou a todos que nada dissessem a ninguém, sobre esse acontecimento; e, conquanto os seus seguidores viessem a atender esse pedido, a mãe e a criança não cessariam de proclamar o fato da cura da menina por toda a região e até mesmo em Sidom, tanto assim que Jesus julgou aconselhável mudar de alojamento, dentro de poucos dias.

156:1:8 17354 No dia seguinte, enquanto Jesus ensinava aos seus apóstolos, comentando sobre a cura da filha da mulher síria, ele disse: “E tem sido assim, por todo o caminho; vós podeis ver por vós próprios como os gentios podem exercer a fé salvadora nos ensinamentos do evangelho do Reino do céu. Em verdade, em verdade, eu vos digo que o Reino do Pai será tomado pelos gentios, se os filhos de Abraão não estiverem dispostos a demonstrar fé suficiente para entrarem nele”.

2. TEACHING IN SIDON




156:2:1 17355 Ao entrar em Sidom, Jesus e os seus colaboradores passaram por uma ponte, a primeira que muitos deles viam. Quando passavam sobre essa ponte, Jesus, entre outras coisas, disse: “Este mundo é apenas uma ponte; passai por ele, mas não deveis pensar em construir nele um local de residência”.

156:2:2 17356 Quando os vinte e quatro começaram os seus trabalhos, em Sidom, Jesus foi instalar-se numa casa ao norte da cidade, a casa de Justa e da sua mãe, Berenice. A cada manhã Jesus dava ensinamentos aos vinte e quatro, na casa de Justa, e eles espalhavam-se por toda Sidom para ensinar e pregar durante as tardes e noites.

156:2:3 17357 Os apóstolos e os evangelistas ficaram bastante animados pelo modo como os gentios de Sidom recebiam a mensagem deles; durante a sua curta estada ali, muitos foram acrescidos ao Reino. Esse período de cerca de seis semanas na Fenícia foi um tempo muito frutífero para o trabalho de conquistar almas. No entanto os escritores judeus, que mais tarde redigiram os evangelhos, habituaram-se a passar por cima e desconsiderar o registro dessa calorosa recepção aos ensinamentos de Jesus da parte desses gentios no exato momento em que uma grande parte dos do seu próprio povo estava mobilizada contra ele.

156:2:4 17361 De muitos modos esses crentes gentios apreciaram os ensinamentos de Jesus mais integralmente do que os judeus. Muitos desses siro-fenícios de fala grega vieram saber não apenas que Jesus era como Deus, mas também que Deus era como Jesus. Esses chamados pagãos alcançaram um bom entendimento dos ensinamentos do Mestre, sobre a uniformidade das leis deste mundo e de todo o universo. Eles captaram o ensinamento de que Deus não tem preferência por pessoas, raças, nações; que não há favoritismo com o Pai Universal; que o universo obedece às leis, para sempre e integralmente, e que é também confiável. Esses gentios não tinham temor de Jesus; eles ousaram aceitar a sua mensagem. Em todas as idades, os homens não têm sido incapazes de compreender Jesus; eles têm tido medo de fazê-lo.

156:2:5 17362 Jesus deixou claro para os vinte e quatro que ele não tinha fugido da Galiléia porque lhe faltara coragem para enfrentar os seus inimigos. Eles compreenderam que não estava pronto para um choque aberto com a religião estabelecida, e que ele não buscava tornar-se um mártir. Durante uma dessas conferências na casa de Justa, o Mestre, pela primeira vez, disse aos seus discípulos: “ainda que passem, o céu e a Terra, as minhas palavras de verdade não passarão”.

156:2:6 17363 O tema das instruções de Jesus durante a estada em Sidom foi a progressão espiritual. Ele disse-lhes que não podiam permanecer estagnados; que deviam ir em frente, na retidão, ou retrocederiam até o mal e o pecado. Ele advertiu-os a “esquecer aquelas coisas que estão no passado, enquanto vos adiantais para abraçar as realidades maiores do Reino”. Ele rogava-lhes que não se contentassem com a sua infância no evangelho, mas que lutassem para a realização e para a maturidade plena da filiação divina, na comunhão do espírito e na fraternidade dos crentes.

156:2:7 17364 Disse Jesus: “Os meus discípulos não devem apenas cessar de fazer o mal, mas devem aprender a fazer o bem; vós não deveis apenas ser purificados de todos os pecados conscientes, mas deveis recusar-vos a dar abrigo até mesmo aos sentimentos de culpa. Se confessardes os vossos pecados, eles estão perdoados; e portanto deveis ter a consciência vazia de ofensas”.

156:2:8 17365 Jesus tinha um grande prazer com o apurado senso de humor que os gentios demonstravam. Foram o senso de humor apresentado por Norana, a mulher síria, bem como a sua grande e persistente fé que tanto tocaram o coração do Mestre e que funcionaram como um grande apelo à sua misericórdia. Jesus lamentava grandemente que o seu povo – o judeu – fosse tão desprovido de humor. Ele disse uma certa vez a Tomé: “O meu povo se leva por demais a sério; eles são inteiramente desprovidos de qualquer apreciação do senso de humor. A religião pesadona dos fariseus nunca poderia ter tido origem junto a um povo com algum senso de humor. A eles também falta a coerência; eles ficam atentos às moscas mas engolem camelos”.

3. A JORNADA COSTA ACIMA


156:3:1 17366 Na terça-feira, 28 de junho, o Mestre e os seus companheiros deixaram Sidom, indo para a costa, até Porfírio e Heldua. Tendo sido bem recebidos pelos gentios, muitos foram acrescentados ao Reino, durante essa semana de ensinamento e de pregação. Os apóstolos pregaram em Porfírio e os evangelistas ensinaram em Heldua. Enquanto os vinte e quatro estavam empenhados assim no seu trabalho, Jesus deixou-os por um período de três ou quatro dias, fazendo uma visita à cidade costeira de Beirute, onde ele esteve conversando com um sírio, de nome Malaque, que era um crente e que tinha estado em Betsaida no ano anterior.

156:3:2 17371 Na quarta-feira, 6 de julho, todos retornaram a Sidom e ficaram na casa de Justa, até o domingo pela manhã, quando partiram para Tiro, indo para o sul, ao longo da costa, passando por Sarepta, chegando a Tiro na segunda-feira, 11 de julho. A essa altura, os apóstolos e os evangelistas estavam acostumando-se a trabalhar entre esses chamados gentios que, na realidade, descendiam principalmente das primeiras tribos dos cananeus, de uma origem semítica ainda mais primitiva. Todos esses povos falavam a língua grega. Foi uma grande surpresa para os apóstolos e os evangelistas observar a avidez desses gentios ao ouvir o evangelho, e perceber a prontidão com a qual muitos deles acreditavam.

4. EM TIRO


156:4:1 17372 De 11 a 24 de julho, eles ensinaram em Tiro. Cada um dos apóstolos fez-se acompanhar de um evangelista e, assim, dois a dois, ensinaram e pregaram em todas as partes de Tiro e nos arredores. A população poliglota desse movimentado porto de mar ouviu-os com contentamento, e muitos foram batizados na fraternidade exterior do Reino. Jesus manteve o seu centro de apoio na casa de um judeu chamado José, um crente que vivia a uns cinco ou seis quilômetros ao sul de Tiro, não muito longe da tumba de Hiram, o qual tinha sido o rei da cidade-estado de Tiro, durante os tempos de Davi e Salomão.

156:4:2 17373 Diariamente, nesse período de duas semanas, os apóstolos e os evangelistas entravam em Tiro, pelo dique de Alexandre, para conduzir pequenas reuniões, e todas as noites a maioria deles voltava para o acampamento na casa de José, ao sul da cidade. Todos os dias vinham crentes da cidade para conversar com Jesus, no seu local de descanso. O Mestre falou em Tiro apenas uma vez; foi na tarde de 20 de julho, quando ele ensinou aos crentes a respeito do amor do Pai por toda a humanidade e sobre a missão do Filho de revelar o Pai a todas as raças de homens. Houve um tal interesse no evangelho do Reino, entre esses gentios, que, nessa ocasião, as portas do templo de Melquart foram abertas para ele; e é interessante relembrar que em anos posteriores uma igreja cristã foi edificada no mesmo local desse antigo templo.

156:4:3 17374 Muitos dos líderes na manufatura da púrpura tireana, a tinta que emprestou fama a Tiro e a Sidom em todo o mundo, e que contribuiu tanto para que o seu comércio fosse mundial e o seu conseqüente enriquecimento, acreditaram no Reino. Quando, pouco depois disso, o suprimento dos animais marinhos, que eram a fonte dessa tinta, começou a diminuir, esses fabricantes de tinta foram em busca dos novos habitats desses moluscos. E, assim, migrando para os confins da Terra, levaram consigo a mensagem da paternidade de Deus e da irmandade dos homens – a boa-nova do evangelho do Reino.

5. O ENSINAMENTO DE JESUS EM TIRO


156:5:1 17375 Nessa quarta-feira à tarde, durante o seu sermão, Jesus primeiro contou aos seus seguidores a história do lírio branco, que levanta a sua cabeça, pura como a neve, à luz do sol, enquanto as suas raízes estão enterradas no lodo e no esterco do solo escuro. “Do mesmo modo, disse ele,“o homem mortal, conquanto tenha as suas raízes de origem e do ser no solo animal da natureza humana, ele pode, pela fé, elevar a sua natureza espiritual até a luz do sol da verdade celeste e mesmo conceber os frutos nobres do espírito”.

156:5:2 17381 Foi durante esse mesmo sermão que Jesus fez uso da sua primeira e única parábola, que tinha a ver com o seu próprio trabalho – a carpintaria. Ao dar o seu conselho para “construir bem as fundações para o crescimento de um nobre caráter de dons espirituais”, ele disse: “Para dar os frutos do espírito, vós deveis nascer do espírito. Deveis deixar-vos ensinar pelo espírito e ser conduzidos pelo espírito, se quiserdes viver a vida plena do espírito entre os vossos semelhantes. Mas não cometais o erro do carpinteiro tolo que passa o seu precioso tempo esquadrinhando, medindo e aplainando a madeira comida pelos cupins e apodrecida por dentro, e, depois de todo o seu trabalho em um barrote podre, ter de rejeitá-lo como inadequado para ser parte das fundações da construção que seria levantada, devendo suportar os ataques do tempo e das tempestades. Que cada homem certifique-se de que as fundações intelectuais e morais do caráter sejam tais que suportem adequadamente a superestrutura da natureza espiritual, que se amplia e se enobrece, e assim deve transformar a mente mortal e então, em conjunção com essa mente recriada, deve realizar a evolução da alma, para o destino imortal. A vossa natureza espiritual – a alma, conjuntamente criada – é um desenvolvimento vivo, mas a mente e a moral do indivíduo são o solo a partir do qual essas manifestações mais elevadas, do desenvolvimento humano e do destino divino, devem florescer. O solo da alma em evolução é humano e material, mas o destino dessa criatura combinada, de mente e de espírito, é espiritual e divino”.

156:5:3 17382 Na tarde desse mesmo dia, Natanael perguntou a Jesus: “Mestre, por que oramos para que Deus não nos induza à tentação, quando nós bem sabemos, pela tua revelação do Pai, que Ele nunca faz tais coisas?” Jesus respondeu a Natanael:

156:5:4 17383 “Não é estranho que me façais tais perguntas, vendo que todos vós já começais a conhecer o Pai, como eu O conheço e não como os profetas hebreus primitivos tão vagamente O viam. Vós bem sabeis que os vossos antepassados estavam dispostos a ver Deus em quase tudo o que acontecia. Eles procuravam a mão de Deus em todos os acontecimentos naturais e em cada episódio inusitado da experiência humana. Eles associavam Deus tanto ao bem quanto ao mal. Eles julgavam que Ele abrandava o coração de Moisés e que endurecia o coração do Faraó. Quando o homem estava com um impulso forte de fazer alguma coisa, boa ou má, tinha o hábito de justificar essas emoções inusitadas dizendo: ‘O Senhor falou comigo assim: faze isso e faze aquilo, ou vai por aqui e por ali’. E, desse modo, já que os homens caem tão freqüente e violentamente em tentação, tornou-se um hábito dos nossos ancestrais, acreditar que Deus os induzia à tentação para testá-los, puni-los, ou fortalecê-los. Mas, vós, na verdade, sabeis melhor agora. Vós sabeis que os homens, muito freqüentemente, são levados à tentação pelos desejos do seu próprio egoísmo e pelos impulsos da sua natureza animal. Quando sois tentados desse modo, eu vos recomendo que, ao mesmo tempo em que reconheçais a tentação, honesta e sinceramente, exatamente pelo que ela é, que redirijais inteligentemente as energias do espírito, da mente e do corpo, que estão buscando expressão, para canais mais elevados e para metas mais idealistas. Desse modo vós podeis transformar as vossas tentações nos tipos mais elevados de ministração mortal edificante, ao mesmo tempo em que evitais quase que totalmente esses conflitos desgastantes e enfraquecedores entre a natureza animal e a natureza espiritual.

156:5:5 17384 “Mas deixai-me prevenir-vos contra a loucura que é o afã de superar a tentação por meio do esforço de suplantar um desejo com um outro desejo supostamente superior, por intermédio da mera força da vontade humana. Se quiserdes ser verdadeiramente triunfantes sobre as tentações de natureza inferior, deveis alcançar aquela posição de vantagem espiritual para a qual e na qual, real e verdadeiramente, desenvolvestes um interesse de fato, e um amor real, por aquelas formas mais elevadas e idealistas de conduta que a vossa mente deseja substituir em lugar daqueles hábitos inferiores e menos idealistas de comportamento, que vós reconheceis como sendo tentações. Desse modo sereis libertados por meio da transformação espiritual, mais do que sobrecarregados cada vez mais com a supressão decepcionante dos desejos mortais. O que é velho e inferior será esquecido no amor do novo e do superior. A beleza sempre triunfa sobre a fealdade nos corações de todos aqueles que são iluminados pelo amor da verdade. Há um forte poder na energia de eliminação, de uma afeição espiritual nova e sincera. E de novo eu vos digo, não vos deixeis vencer pelo mal, mas antes triunfai junto com o bem, sobre o mal”.

156:5:6 17391 Os apóstolos e os evangelistas continuaram, noite adentro, a fazer perguntas, e, das muitas respostas, gostaríamos de apresentar os pensamentos seguintes, colocados em uma linguagem moderna:

156:5:7 17392 A ambição impetuosa, o julgamento inteligente e a sabedoria temperada são essenciais ao sucesso material. A liderança depende da habilidade natural, da discrição, da força de vontade e da determinação. O destino espiritual depende da fé, do amor e da devoção à verdade – fome e sede de retidão –, do desejo de todo o coração de encontrar Deus e de ser como Ele.

156:5:8 17393 Não vos desencorajeis com a descoberta de que sois humanos. A natureza humana pode ter a tendência para o mal, mas não é inerentemente pecadora. Não vos deixeis abater, caso não consigais esquecer inteiramente algumas das vossas experiências lamentáveis. Os erros que não consigais esquecer no tempo serão esquecidos na eternidade. Deveis aliviar os fardos da vossa alma adquirindo rapidamente uma visão de longa distância do vosso destino, uma expansão da vossa carreira no universo.

156:5:9 17394 Não cometais o erro de estimar o valor da alma pelas imperfeições da mente, nem pelos apetites do corpo. Não deveis julgar a alma, nem avaliar o seu destino pelo padrão de um único episódio humano infeliz. O vosso destino espiritual é condicionado apenas pelas vossas aspirações e propósitos espirituais.

156:5:10 17395 A religião é a experiência exclusivamente espiritual da alma imortal, em evolução, do homem sabedor de Deus; e o poder moral e a energia espiritual são forças poderosas, que podem ser utilizadas para lidar com as situações sociais difíceis e para resolver problemas econômicos intrincados. Esses dons morais e espirituais enriquecem todos os níveis do viver humano, tornando-os mais significativos.

156:5:11 17396 Vós estais destinados a viver uma vida pequena e medíocre, se apenas amardes àqueles que vos amam. O amor humano pode de fato ser recíproco, mas o amor divino expande-se em toda a sua busca de satisfação. Quanto menos amor existir na natureza de qualquer criatura, maior é a necessidade de amor, e tanto mais o amor divino busca satisfazer a essa necessidade. O amor nunca é egoísta, e não pode ser dado a si próprio. O amor divino não pode ser autocontido; deve ser dado sem egoísmo.

156:5:12 17397 Os crentes do Reino deveriam possuir uma fé implícita, deveriam acreditar, com toda a alma, no triunfo certo da retidão. Os edificadores do Reino não devem duvidar da verdade no evangelho da salvação eterna. Os crentes devem aprender cada vez mais a se colocarem à parte da afobação da vida – escapando dos embaraços da existência material –, refrescando a alma, inspirando a mente e renovando o espírito por meio da comunhão da adoração.

156:5:13 17398 Os indivíduos sabedores de Deus não se deixam desencorajar pelos infortúnios, nem ser abatidos pelo desapontamento. Aqueles que crêem são imunes à depressão conseqüente de perturbações puramente materiais; aqueles que levam uma vida espiritual não se deixam perturbar pelos episódios do mundo material. Os candidatos à vida eterna são praticantes de uma técnica vivificante e construtiva para enfrentar todas as vicissitudes e embaraços da vida mortal. A cada dia que um verdadeiro crente vive, ele acha mais fácil fazer a coisa certa.

156:5:14 17401 A vida espiritual faz o auto-respeito aumentar vigorosamente. Mas o auto-respeito não é auto-admiração. O auto-respeito está sempre coordenado com o amor e o serviço ao semelhante. Não é possível respeitar a si próprio mais do que amar ao semelhante; um é a medida da capacidade para o outro.

156:5:15 17402 Com o passar dos dias, todo o verdadeiro crente torna-se mais hábil em convencer os seus semelhantes do amor da verdade eterna. Vós não tendes hoje mais recursos para revelar a bondade à humanidade do que tínheis ontem? Neste ano, não estais mais aptos para recomendar a retidão do que estivestes no ano passado? A vossa técnica para conduzir as almas famintas ao Reino espiritual não está tornando-se cada vez mais uma arte?

156:5:16 17403 Os vossos ideais estão elevados o suficiente para assegurar a vossa salvação eterna e, ao mesmo tempo, as vossas idéias estão tão práticas a ponto de fazerem de vós cidadãos úteis para funcionarem bem na Terra na vossa associação com os semelhantes mortais? Em espírito, a vossa cidadania está no céu; na carne, sois ainda cidadãos dos reinos da Terra. Dai a César as coisas que são materiais e a Deus as coisas que são espirituais.

156:5:17 17404 A medida da capacidade espiritual da alma em evolução é a vossa fé na verdade e o vosso amor pelo homem, mas a medida da vossa força humana de caráter é a vossa capacidade de resistir à ação dos rancores e a vossa capacidade de suportar o acabrunhamento em face de uma profunda mágoa. A derrota é o verdadeiro espelho no qual deveis ver, honestamente, o vosso eu real.

156:5:18 17405 À medida que envelheceis no tempo e ficais mais experientes nos assuntos do Reino, estais adquirindo mais tato para lidar com os mortais importunos, e mais tolerância para conviver com os condiscípulos teimosos? O tato é o ponto de apoio da alavanca social, e a tolerância é a identificação de uma grande alma. Se vós possuirdes esses dons raros e encantadores, com o passar dos dias ireis tornar-vos mais alertas e experientes nos vossos valiosos esforços de evitar todos os mal-entendidos sociais desnecessários. As almas assim sábias são capazes de evitar muitas das complicações que certamente são o quinhão de todos aqueles que sofrem da falta de ajustamento emocional, daqueles que se recusam a crescer, e daqueles que se recusam a envelhecer com galhardia.

156:5:19 17406 Evitai a desonestidade e a injustiça, em todos os vossos esforços para pregar a verdade e para proclamar o evangelho. Não busqueis um reconhecimento que não vem do esforço e nenhuma compaixão ou simpatia imerecida. Amai, recebei livremente das fontes divinas e humanas, independentemente do vosso mérito, e amai livremente em retribuição. Mas em todas as outras coisas relacionadas à honra e à adulação, buscai tão somente o que honestamente vos couber.

156:5:20 17407 O mortal consciente de Deus está certo da sua salvação; ele é destemido na sua vida, é honesto e coerente. Ele sabe como suportar com bravura os sofrimentos inevitáveis; não se queixa quando enfrenta os sofrimentos inescapáveis.

156:5:21 17408 O verdadeiro crente não fica cansado de fazer o bem, apenas porque encontra oposições. A dificuldade aguça o fervor do amante da verdade, e os obstáculos apenas incitam mais o empenho dos construtores destemidos do Reino.

156:5:22 17409 E muitas outras coisas Jesus ensinou a todos eles, antes de se aprontarem para partir de Tiro.

156:5:23 174010 No dia antes de deixar Tiro, e retornar para a região do mar da Galiléia, Jesus reuniu os seus companheiros e ordenou aos doze evangelistas que retornassem por um itinerário diferente daquele que ele e os doze apóstolos deviam tomar. E depois que os evangelistas separam-se de Jesus, ali em Tiro, nunca mais voltaram a estar tão intimamente ligados a ele.

6. O REGRESSO DA FENÍCIA


156:6:1 17411 Por volta do meio-dia de domingo, 24 de julho, Jesus e os doze deixaram a casa de José, no sul de Tiro, indo até Ptolemais, pela costa. E permaneceram lá, por um dia, dizendo palavras confortantes ao grupo de crentes residentes naquele local. Pedro pregou a eles na noite de 25 de julho.

156:6:2 17412 Na terça-feira, deixaram Ptolemais, indo para o interior a leste até perto de Jotapata, pela estrada de Tiberíades. Na quarta-feira, pararam em Jotapata e deram aos crentes novas instruções sobre as coisas do Reino. Na quinta-feira, deixaram Jotapata, indo para o norte, pela trilha de Nazaré, ao monte Líbano e até a aldeia de Zebulom, passando por Ramá. Realizaram encontros em Ramá, na sexta-feira, e ficaram lá para o sábado. Chegaram a Zebulom, no domingo, dia 31, fazendo uma reunião nessa noite e partindo na manhã seguinte.

156:6:3 17413 Deixando Zebulom, viajaram para o entroncamento com a estrada Magdala-Sidom, perto de Giscala, e dali tomaram o caminho de Genesaré, na costa oeste do lago da Galiléia, no sul de Cafarnaum, onde haviam marcado de encontrar-se com Davi Zebedeu, e onde tinham a intenção de aconselhar-se quanto ao próximo passo a ser dado, no trabalho de pregar o evangelho do Reino.

156:6:4 17414 Durante uma breve conversa com Davi eles souberam que muitos líderes estavam, então, reunidos no lado oposto do lago, perto de Queresa e, desse modo, naquela mesma tarde, um barco levou-os ao outro lado. Por um dia, eles descansaram tranqüilamente nas colinas, indo, no dia seguinte, para o parque, perto dali, onde o Mestre certa vez tinha alimentado cinco mil pessoas. Lá, eles descansaram por três dias e fizeram conferências diárias, as quais foram presenciadas pelos cinqüenta homens e mulheres remanescentes daquele que havia sido o numeroso grupo de crentes residentes em Cafarnaum e arredores.

156:6:5 17415 Enquanto Jesus esteve ausente de Cafarnaum e da Galiléia, o período da estada na Fenícia, os seus inimigos estimaram que todo o movimento tinha sido desmembrado, e concluíram que a pressa de Jesus, de retirar-se, indicava que ele estava tão profundamente amedrontado que, provavelmente, não voltaria para incomodá-los. Toda a oposição ativa aos ensinamentos do Mestre havia diminuído. Os crentes estavam começando a ter encontros públicos novamente, e ocorria uma consolidação gradual, mas efetiva, dos sobreviventes verdadeiros, testados na grande filtragem pela qual os crentes no evangelho tinham acabado de passar.

156:6:6 17416 Filipe, o irmão de Herodes, havia-se tornado um crente, todavia ainda pouco convicto, de Jesus, mas mandou dizer que o Mestre estava livre para viver e trabalhar nos seus domínios.

156:6:7 17417 O mandato para fechar as sinagogas do mundo judeu, aos ensinamentos de Jesus e de todos os seus seguidores, tinha funcionado adversamente para os escribas e fariseus. Imediatamente depois que Jesus, objeto da controvérsia, havia-se retirado, adveio uma reação em meio ao povo judeu; surgiu um ressentimento geral contra os líderes fariseus e o sinédrio em Jerusalém. Muitos dos dirigentes das sinagogas começaram sub-repticiamente a abrir as suas sinagogas para Abner e seus condiscípulos, alegando que esses instrutores eram seguidores de João e não discípulos de Jesus.

156:6:8 17418 Até mesmo Herodes Antipas experimentou uma mudança de sentimentos, pois, ao tomar conhecimento de que Jesus permanecia no outro lado do lago, no território do seu irmão Filipe, fez-lhe saber que, embora tivesse assinado o mandato da sua prisão na Galiléia, ele não havia comandado a prisão de Jesus na Peréia, indicando assim que o Mestre não seria molestado, se permanecesse fora da Galiléia; e comunicou esse mesmo comando aos judeus, em Jerusalém.

156:6:9 17421 E essa era a situação por volta do dia primeiro de agosto, do ano 29 d. C. , quando o Mestre retornou da missão na Fenícia e começou a reorganização das suas forças desmembradas e exauridas, e provadas, pois, para esse memorável último ano da sua missão na Terra.

156:6:10 17422 Enquanto o Mestre e os seus colaboradores preparavam-se para iniciar a proclamação de uma nova religião, a religião do espírito do Deus vivo que reside nas mentes dos homens, os motivos da batalha iam ficando claramente definidos.

DOCUMENTO 157

EM CESARÉIA-FILIPE
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Antes de Jesus levar os doze para uma curta estada na vizinhança de Cesaréia-Filipe, ele arranjou, por meio dos mensageiros de Davi, para que fosse a Cafarnaum, no domingo, 7 de agosto, com o propósito de encontrar a sua família. Segundo o combinado, esse encontro deveria acontecer na oficina de barcos de Zebedeu. Davi Zebedeu havia arranjado com Judá, irmão de Jesus, para que toda a família de Nazaré estivesse presente – Maria e todos os irmãos e irmãs de Jesus –, e Jesus foi, com André e Pedro, ao encontro marcado. Certamente era a intenção de Maria e dos seus filhos manter o compromisso, mas aconteceu que um grupo de fariseus, sabendo que Jesus estava do lado oposto do lago, nos domínios de Filipe, decidiu encontrar-se com Maria para saber tudo o que fosse possível sobre o paradeiro dele. A chegada desses emissários de Jerusalém deixou Maria muito perturbada e, notando a tensão e o nervosismo de toda a família, eles deduziram que uma visita de Jesus deveria estar sendo esperada. E, desse modo, instalaram-se na casa de Maria e, depois de chamarem por reforços, esperaram pacientemente pela chegada de Jesus. E isso, de fato, impediu definitivamente que qualquer membro da família tentasse ir ao compromisso marcado com Jesus. Por várias vezes, durante o dia, tanto Judá quanto Rute tentaram iludir a vigilância dos fariseus, nos seus esforços de mandar avisar a Jesus, mas esse esforço de nada valeu.

157:0:2 17432 Cedo, na parte da tarde, os mensageiros de Davi trouxeram a Jesus a informação de que os fariseus estavam acampados na porta de entrada da casa da sua mãe e que, portanto, ele não tentasse visitar a sua família. E assim novamente, se bem que não por culpa deles, Jesus e a sua família terrena deixaram de ter contato.

1. O COLETOR DE IMPOSTOS DO TEMPLO


157:1:1 17433 Enquanto Jesus junto com André e Pedro permaneciam perto do lago, na oficina de barcos, veio um coletor de impostos do templo e, reconhecendo Jesus, chamou Pedro de lado e disse: “O teu Mestre não paga o imposto do templo?” Pedro estava inclinado a mostrar indignação com a sugestão de que se esperava que Jesus contribuísse para a manutenção das atividades religiosas dos seus inimigos jurados, mas, percebendo uma expressão peculiar no rosto do coletor, ele acertou em supor que o propósito era pegá-los no ato de recusarem-se a pagar o costumeiro meio dinheiro para sustentar os serviços do templo em Jerusalém. E, desse modo, Pedro respondeu: “Pois não, é claro que o Mestre paga a taxa do templo. Espere no portão, e logo eu voltarei com o dinheiro do imposto”.

157:1:2 17434 Ora, Pedro tinha falado sem refletir. Judas, que tinha a posse dos fundos, estava do outro lado do lago. Nem ele, nem o seu irmão, nem Jesus tinham trazido qualquer dinheiro consigo. E sabendo que os fariseus estavam procurando-os, eles não podiam ir a Betsaida para conseguir o dinheiro. Quando Pedro contou a Jesus sobre o coletor e que tinha prometido o dinheiro a ele, Jesus disse: “Se prometeste, então deverias pagar. Mas com o que irás cumprir o prometido? Tu irás tornar-te de novo um pescador para poder honrar a tua palavra? Entretanto, Pedro, nas circunstâncias é bom que paguemos o imposto. Não podemos dar a esses homens a oportunidade de se ofender com a nossa atitude. Esperaremos aqui, enquanto tu vais com o barco, jogar a rede pelos peixes e, quando tiveres vendido os peixes, lá no mercado, pagues ao coletor por todos nós três”.

157:1:3 17441 Tudo isso tinha sido ouvido pelo mensageiro secreto de Davi que havia ficado por perto, e que então fez um sinal para um companheiro, que pescava perto da margem, para que viesse depressa. Quando Pedro estava pronto para sair no barco e pescar, esse mensageiro e o seu amigo pescador presentearam-lhe com várias cestas grandes de peixes e ajudaram-no a carregá-las para perto dali até o mercador de peixes, que os comprou, pagando o suficiente para que, com uma ajuda do mensageiro de Davi, se pagasse o imposto do templo para os três. O coletor aceitou o dinheiro, antecipando a penalidade pelo pagamento atrasado, por terem estado durante algum tempo ausentes da Galiléia.

157:1:4 17442 Não é de se estranhar que os vossos registros tragam uma cena de Pedro pegando um peixe que tinha um dinheiro na boca. Naqueles dias corriam muitas histórias sobre achar tesouros na boca de peixes; tais lendas de cunho quase miraculoso eram comuns. Assim, quando Pedro os deixou para ir ao barco, Jesus observou, não sem um certo humor: “Estranho que os filhos do rei devam pagar tributo; em geral é um estrangeiro que é taxado para ficar na corte, mas convém que não deixemos nada em que as autoridades possam tropeçar. Vai! Talvez tu pegues o peixe com o dinheiro na boca”. Jesus teria falado assim, e Pedro tão rápido, teria voltado com o dinheiro do imposto; com isso não é de se surpreender que o episódio se tenha espalhado, mais tarde, transformado em um milagre como está registrado pelo escritor do Evangelho Segundo Mateus.

157:1:5 17443 Jesus junto com André e Pedro, esperaram na praia até quase o entardecer. Os mensageiros trouxeram-lhes a informação de que a casa de Maria estava ainda sob vigilância; portanto, quando escureceu, os três homens que esperavam, entraram no barco e remaram lentamente para a margem oriental do mar da Galiléia.

2. EM BETSAIDA-JULIAS


157:2:1 17444 Na segunda-feira, 8 de agosto, enquanto Jesus e os doze apóstolos estavam acampados no parque de Magadam, perto de Betsaida-Júlias, mais de cem crentes, os evangelistas, o corpo de mulheres e outros interessados no estabelecimento do Reino vieram de Cafarnaum para uma conferência. E muitos dos fariseus, sabendo que Jesus estava lá, vieram também. Nessa altura, alguns dos saduceus haviam-se unido aos fariseus nos esforços para pegar Jesus em uma cilada. Antes de ir para a conferência fechada com os crentes, Jesus teve um encontro público no qual os fariseus estiveram presentes, e eles incomodaram o Mestre com perguntas e procuraram perturbar a assembléia de outras maneiras. Disse o líder dos perturbadores: “Mestre, gostaríamos que nos desse um sinal da autoridade que tens de ensinar, para que então, quando esse sinal acontecer, todos os homens venham a saber que tu foste enviado por Deus”. E Jesus respondeu-lhes: “Quando for a tardinha, vós direis que fará bom tempo, porque o céu está vermelho; pela manhã direis que fará mau tempo, porque o céu está vermelho e que abaixaram as nuvens. Quando virdes uma nuvem subindo a oeste, direis que as chuvas virão; quando o vento soprar do sul, direis que virá um calor tórrido.

157:2:2 17451 Como é que sabeis tão bem discernir a face dos céus, se sois tão incapazes para discernir os sinais dos tempos? Para aqueles que conhecem a verdade, já foi dado um sinal; mas para uma geração hipócrita e com a mente cheia de maldade, nenhum sinal será dado”. E, depois de dizer isso, Jesus retirou-se e preparou-se para a conferência da noite com os seus seguidores. Nessa conferência, ficou decidido que seria organizada uma missão unificada em todas as cidades e aldeias da Decápolis, tão logo Jesus e os doze voltassem da visita que fariam a Cesaréia-Filipe. O Mestre participou do planejamento da missão da Decápolis e, ao despedir-se do grupo, falou-lhes: “Eu vos digo: tenhais cuidado com a influência dos fariseus e dos saduceus. Não vos enganeis com a exibição de muito saber e com a profunda lealdade que demonstram ter às formas da religião. Preocupai-vos apenas com o espírito da verdade viva e com o poder da verdadeira religião. Não é o medo de uma religião morta que vos salvará, mas sim a vossa fé em uma experiência viva, com as realidades espirituais do Reino. Não permitais a vós próprios vos tornardes cegos pelo preconceito e paralisados pelo medo. Nem permitais que a reverência pelas tradições desvirtue o vosso entendimento daquilo que os vossos olhos não vêem e os vossos ouvidos não ouvem. Não é propósito da verdadeira religião trazer meramente a paz, mas sim assegurar o progresso. E não pode haver paz no coração, nem progresso na mente se vós não estiverdes amando de todo o coração à verdade, e aos ideais das realidades eternas. As questões da vida e da morte estão sendo colocadas bem diante de vós – os prazeres pecaminosos do tempo contra as realidades justas da eternidade. E, agora mesmo, devíeis começar a encontrar a libertação da servidão do medo e da dúvida, ao entrardes na nova vida da fé e da esperança. E, quando os sentimentos do serviço ao vosso semelhante nascerem na vossa alma, não os sufoqueis; quando as emoções do amor pelo vosso semelhante brotarem dentro do vosso coração, deveis dar expressão a esses impulsos de afeto, na ministração inteligente às necessidades reais dos vossos semelhantes”.

3. A CONFISSÃO DE PEDRO


157:3:1 17452 Cedo, naquela manhã de terça-feira, Jesus e os doze apóstolos saíram do parque de Magadam rumo a Cesaréia-Filipe, a capital de domínio do tetrarca Filipe. Cesaréia-Filipe situava-se em uma região de uma beleza magnífica. Estava abrigada em um vale encantador, entre colinas, por onde o Jordão corria, saindo de uma grota subterrânea. O cimo do monte Hermom dava visão plena para o norte, enquanto das colinas para o sul tinha-se uma vista magnífica do alto Jordão e do mar da Galiléia.

157:3:2 17453 Jesus tinha ido ao monte Hermom nas suas primeiras experiências com os assuntos do Reino, e agora, que estava entrando na época final do seu trabalho, desejava retornar a esse lugar de provações e de triunfos, onde esperava que os apóstolos pudessem ganhar uma nova visão das próprias responsabilidades e adquirir uma nova força, para os períodos difíceis que viriam. À medida que viajavam pelo caminho, quando passavam ao sul das Águas de Merom, os apóstolos começaram a conversar entre si sobre as suas experiências recentes na Fenícia, e outros lugares, e a contarem como a mensagem deles tinha sido recebida, e como os diferentes povos consideravam o seu Mestre.

157:3:3 17454 Quando pararam para o almoço, Jesus subitamente lançou, pela primeira vez, uma pergunta aos doze, que jamais tinha feito, a respeito de si próprio. Esta foi a pergunta surpreendente que lhes fez Jesus: “Quem os homens dizem que sou?”

157:3:4 17461 Jesus passara longos meses treinando esses apóstolos quanto à natureza e ao caráter do Reino do céu e bem sabia que tinha chegado a época em que devia começar a ensinar a eles mais sobre a sua própria natureza e a sua relação pessoal com o Reino. E agora, com eles assentados sob as amoreiras, o Mestre estava pronto para ter uma das mais memoráveis sessões da sua longa ligação com os apóstolos escolhidos.

157:3:5 17462 Mais da metade dos apóstolos participaram das respostas à pergunta de Jesus. Eles disseram que ele era considerado um profeta, ou um homem extraordinário, por todos que o conheciam; e, que, mesmo os seus inimigos o temiam muito, explicando os seus poderes com a acusação de que estava coligado ao príncipe dos demônios. Disseram-lhe que algumas pessoas na Judéia e na Samaria, que não o tinham conhecido pessoalmente, acreditavam que ele era João Batista ressuscitado dos mortos. Pedro explicou que ele tinha sido, em várias épocas e por várias pessoas, comparado a Moisés, Elias, Isaías, e Jeremias. Depois de ouvir a tudo isso, Jesus colocou-se sobre os próprios pés e, olhando para os doze assentados em volta dele em um semicírculo, com ênfase surpreendente apontou para eles com um gesto expressivo de mão e perguntou: “Mas, e vós, quem dizeis que eu sou?” Houve um momento de silêncio tenso. Nenhum dos doze tirava os olhos do Mestre e, então, Simão Pedro, colocando-se de pé bruscamente, exclamou: “Tu és o Libertador, o Filho do Deus vivo”. E os outros onze apóstolos assentados levantaram-se e, em uma só voz, indicaram que Pedro tinha falado por todos eles.

157:3:6 17463 Depois Jesus acenou-lhes para que se assentassem de novo, ficando ainda de pé diante deles, para dizer: “Isso lhes foi revelado pelo meu Pai. É chegada a hora em que deveis saber a verdade sobre mim. Mas por enquanto eu vos peço que não digais nada sobre isso a nenhum homem. Vamos embora daqui”.

157:3:7 17464 E, assim, retomaram a viagem a Cesaréia-Filipe, chegando tarde naquela noite e parando na casa de Celsus, que estava esperando por eles. Os apóstolos dormiram pouco naquela noite; pareciam sentir que um grande fato havia acontecido nas suas vidas de trabalho do Reino.

4. A PALESTRA SOBRE O REINO


157:4:1 17465 Desde as duas ocasiões, a do batismo de Jesus, feito por João, e a da transformação da água em vinho em Caná, em vários momentos, os apóstolos tinham virtualmente aceito Jesus como o Messias. Durante curtos períodos, alguns deles tinham verdadeiramente acreditado que era ele o Libertador esperado. Mas mal essas esperanças surgiam nos seus corações e o Mestre despedaçava-as com alguma palavra que os esmagava ou com um feito que os desapontava. Eles tinham estado, há algum tempo já, fortemente agitados devido ao conflito entre o conceito do Messias esperado, que eles acalentavam nas suas mentes, e a experiência fascinante do convívio que vinham tendo com aquele homem também extraordinário, o qual eles mantinham nos seus corações.

157:4:2 17466 Era já o final da manhã dessa quarta-feira, quando os apóstolos reuniram-se no jardim de Celsus para a refeição do meio-dia. Durante a maior parte da noite, e desde que eles se tinham levantado naquela manhã, Simão Pedro e Simão zelote haviam estado trabalhando sinceramente com os seus irmãos, para trazê-los até aquele ponto de aceitação, de todo o coração, do Mestre, não meramente como o Messias, mas também como o Filho divino do Deus vivo. Os dois Simãos estavam quase de acordo, nas suas considerações sobre Jesus, e trabalharam diligentemente para trazer os seus irmãos à plena aceitação da visão que eles tinham. Enquanto André continuava como dirigente geral do corpo apostólico, o seu irmão, Simão Pedro, estava tornando-se, com o consenso geral, cada vez mais, o porta-voz dos doze.

157:4:3 17471 Estavam todos assentados no jardim, exatamente ao meio-dia, quando o Mestre apareceu. Eles exibiam expressões de solenidade dignificada, e todos se puseram de pé quando Jesus se aproximou deles. E Jesus aliviou a tensão com aquele sorriso amigável e fraterno, tão característico dele quando acontecia que os seus seguidores levavam a si próprios, ou a algum acontecimento ligado a eles, demasiadamente a sério. Com um gesto de comando, indicou que deviam todos estar assentados. Nunca mais os doze saudaram o seu Mestre levantando-se, quando ele se aproximava. Eles perceberam que ele não aprovara uma demonstração tão externa de respeito.

157:4:4 17472 Depois de ter compartilhado a refeição e quando estavam empenhados em discutir os planos da próxima viagem pela Decápolis, Jesus, subitamente olhando-os nos seus rostos, disse: “Agora, que se passou todo um dia, desde que vós consentistes na declaração de Simão Pedro a respeito da identidade do Filho do Homem, eu gostaria de perguntar se ainda vos mantendes fiéis àquela conclusão?” Ao escutar isso, os doze colocaram-se de pé, e Simão Pedro, dando uns passos na direção de Jesus, disse: “Sim, Mestre, nos mantemos. Nós cremos que tu és o Filho do Deus vivo”. E Pedro voltou a assentar-se junto com os seus irmãos.

157:4:5 17473 Jesus, ainda de pé, então, disse aos doze: “Vós sois os meus embaixadores escolhidos, mas, nestas circunstâncias, eu sei que não poderíeis ter essa crença em resultado de um conhecimento meramente humano. Essa é uma revelação do espírito do meu Pai ao interior das vossas almas. E, pois, ao fazerdes essa confissão, com o discernimento do espírito do meu Pai, que reside dentro de vós, sou levado a declarar que sobre essa fundação eu irei edificar a fraternidade do Reino do céu. Sobre essa rocha de realidade espiritual, eu edificarei o templo vivo da fraternidade espiritual, das realidades eternas do Reino do meu Pai. Todas as forças do mal e as hostes do pecado não prevalecerão contra essa fraternidade humana do espírito divino. E, enquanto o espírito do meu Pai, para sempre, for o guia e o mentor divino de todos aqueles que entrarem nos laços dessa fraternidade do espírito, a vós e aos vossos sucessores eu agora entrego as chaves do Reino exterior – a autoridade sobre as coisas temporais –, as partes sociais e econômicas essenciais dessa associação de homens e mulheres, como companheiros neste Reino”. E, novamente, ele os incumbiu, por enquanto, de não dizer a ninguém que ele era o Filho de Deus.

157:4:6 17474 Jesus estava começando a ter fé na lealdade e na integridade dos seus apóstolos. O Mestre concebia que uma fé que pôde resistir a tudo aquilo pelo qual os seus representantes escolhidos tinham passado recentemente, sem dúvida, resistiria às provações veementes que tinham pela frente e, pois, essa fé emergiria do naufrágio aparente de todas as esperanças deles, na nova luz de uma nova dispensação e, assim, essa fé seria capaz de continuar a iluminar um mundo que permanecia nas trevas. Nesse dia, o Mestre começou a crer na fé dos seus apóstolos, exceto na de um deles.

157:4:7 17475 E, desde aquele dia, esse mesmo Jesus esteve construindo aquele templo vivo sobre aquela mesma fundação eterna da sua divina filiação, e aqueles que, assim, se tornaram os filhos autoconscientes de Deus, são as pedras humanas a constituir-se neste templo vivo de filiação, erigido para a glória e a honra da sabedoria e do amor do Pai eterno dos espíritos.

157:4:8 17476 E, quando Jesus terminou de falar, ele ordenou aos doze que fossem, a sós, até as colinas, em busca de sabedoria, força e guiamento espiritual, até a hora da refeição da noite. E eles fizeram o que o Mestre lhes havia aconselhado.

5. O NOVO CONCEITO


157:5:1 17481 O aspecto novo e vital da confissão de Pedro era o reconhecimento claro e nítido de que Jesus era o Filho de Deus, da Sua inquestionável divindade. Desde o seu batismo, e das bodas em Caná, que esses apóstolos o haviam, de modos variados, considerado como o Messias, mas não fazia parte do conceito judeu do Libertador nacional que ele devesse ser divino. Os judeus não tinham ensinado que o Messias teria uma origem divina; ele deveria ser “o ungido”, mas dificilmente eles o teriam considerado como sendo “o Filho de Deus”. Na segunda confissão foi colocada mais ênfase na natureza combinada, no fato superno de que ele era o Filho do Homem e o Filho de Deus, e foi nessa grande verdade, da união da natureza humana com a natureza divina, que Jesus declarou que ele iria construir o Reino do céu.

157:5:2 17482 Jesus tinha buscado viver a sua vida na Terra e completar a sua missão de auto-outorga como o Filho do Homem. Os seus seguidores estavam dispostos a considerá-lo como o Messias esperado. Sabendo que jamais poderia atender às suas expectativas messiânicas, ele esforçou-se para efetuar essa modificação no conceito que faziam do Messias, de um modo que o capacitava parcialmente a satisfazer as expectativas deles. Agora, todavia, ele reconhecia que um tal plano dificilmente poderia ser levado adiante, com êxito. E, portanto, escolheu ousadamente revelar o terceiro plano – o de anunciar abertamente a sua divindade, de reconhecer a verdade da confissão de Pedro, e diretamente proclamar aos doze que ele era um Filho de Deus.

157:5:3 17483 Durante três anos, Jesus tinha estado proclamando que ele era o “Filho do Homem”, enquanto, durante esses mesmos três anos, os apóstolos haviam insistido cada vez mais no fato de que ele era o esperado Messias judeu. E, agora, ele revelava que era o Filho de Deus, e que sobre o conceito da natureza combinada de Filho do Homem e de Filho de Deus, ele determinara edificar o Reino do céu. Ele tinha decidido não fazer mais esforços para convencê-los de que ele não era o Messias. E propunha, agora, ousadamente revelar a eles o que ele é, de fato, e então ignorar a determinação deles de persistir em considerá-lo o Messias.

6. A TARDE SEGUINTE


157:6:1 17484 Jesus e os apóstolos permaneceram mais um dia na casa de Celsus, esperando que os mensageiros de Davi Zebedeu chegassem com os fundos. Em seguida ao colapso da popularidade de Jesus junto às massas, ocorreu uma grande queda na receita. Quando eles chegaram a Cesaréia-Filipe, o fundo de caixa tinha-se esvaziado. Mateus estava relutante em deixar Jesus e os seus irmãos nessas circunstâncias, e realmente não tinha fundos próprios disponíveis para passar a Judas, como o tinha feito tantas vezes no passado. Contudo, Davi Zebedeu havia previsto essa provável diminuição da receita e, por isto mesmo, instruiu aos seus mensageiros para que, quando eles percorressem o caminho da Judéia, Samaria e Galiléia, atuassem como coletores do dinheiro que seria enviado aos apóstolos exilados e ao seu Mestre. E assim, na noite daquele dia, esses mensageiros chegaram de Betsaida trazendo fundos suficientes para sustentar os apóstolos até o seu retorno com o fito de embarcar para a campanha da Decápolis. Mateus esperava ter o dinheiro da venda da sua última propriedade em Cafarnaum naqueles dias, tendo arranjado para que esses fundos fossem anonimamente revertidos para Judas.

157:6:2 17491 Nem Pedro, nem os outros apóstolos tinham uma concepção muito adequada da divindade de Jesus. Eles mal divisavam que esse seria o começo de um novo período na carreira do seu Mestre na Terra, o período em que o instrutor-curador estava tornando-se o Messias recentemente concebido – o Filho de Deus. Desse momento em diante um novo tom apareceu na mensagem do Mestre. Doravante, o seu único ideal de vida seria a revelação do Pai, enquanto a única idéia do seu ensinamento era apresentar ao seu universo a personificação daquela sabedoria suprema que apenas pode ser compreendida sendo vivida. Ele veio para que todos nós pudéssemos ter a vida e tê-la mais abundandemente.

157:6:3 17492 Jesus agora entrava no quarto e último estágio da sua vida humana na carne. O primeiro estágio fora aquele da sua infância, os anos em que ele era apenas indistintamente consciente da sua origem, natureza e destino, como um ser humano. O segundo estágio foi aquele de uma autoconsciência crescente, nos anos da sua adolescência e da sua juventude de homem, durante o qual ele veio a compreender mais claramente a sua natureza divina e a sua missão humana. Esse segundo estágio terminou com as experiências e as revelações ligadas ao seu batismo. O terceiro estágio da experiência terrena do Mestre estendeu-se, do batismo, até os anos da sua ministração como mestre e curador e até aquela memorável hora da confissão de Pedro em Cesaréia-Filipe. Esse terceiro período da sua vida terrena abrangeu os tempos em que os seus apóstolos e seguidores imediatos o conheceram como o Filho do Homem e consideraram-no o Messias. O quarto e último período da sua carreira terrena começou aqui, em Cesaréia-Filipe e estendeu-se até a crucificação. Esse estágio da sua ministração foi caracterizado pela sua declaração de divindade e abrange as obras do seu último ano na carne. Durante o quarto período, enquanto a maioria dos seus seguidores ainda o considerava o Messias, Jesus se fez conhecer aos apóstolos como o Filho de Deus. A confissão de Pedro marcou o início do novo período, o da compreensão mais completa da verdade, da sua ministração suprema, como um Filho auto-outorgado em Urântia, e para um universo inteiro e, pelo reconhecimento desse fato, ao menos nebulosamente, da parte dos seus embaixadores escolhidos.

157:6:4 17493 Assim Jesus confirmou, na sua vida, o que ele ensinou na sua religião: o crescimento da natureza espiritual pela técnica do progresso vivo. Ele não colocou ênfase, como o fizeram os seus seguidores posteriores, na luta incessante entre a alma e o corpo. E ele ensinou mais, que o espírito era facilmente um vitorioso sobre ambos, e que era eficiente na reconciliação proveitosa de grande parte dessa batalha entre o intelecto e o instinto.

157:6:5 17494 Um novo significado acompanha todos os ensinamentos de Jesus, desse ponto em diante. Antes de Cesaréia-Filipe ele apresentara o evangelho do Reino como um mestre-instrutor. Depois de Cesaréia-Filipe ele surgiu, não meramente como um instrutor, mas como um representante divino do Pai eterno, que é o centro e o círculo deste Reino espiritual, e foi preciso que ele fizesse tudo isso como um ser humano, o Filho do Homem.

157:6:6 17495 Jesus tinha-se esforçado sinceramente para conduzir os seus seguidores ao Reino espiritual, inicialmente como um instrutor, e depois, como um mestre-curador, mas eles não aceitaram isso. Ele sabia muito bem que a sua missão terrena não podia possivelmente satisfazer às expectativas messiânicas do povo judeu; os profetas de outrora tinham retratado um Messias que ele não poderia ser jamais. Ele buscara estabelecer o Reino do Pai como o Filho do Homem, mas os seus seguidores não quiseram lançar-se nessa aventura. Jesus, vendo isso, então escolheu satisfazer parcialmente aos seus crentes e, ao fazer isso, preparou-se abertamente para assumir o papel do Filho auto-outorgado de Deus.

157:6:7 17501 E, desse modo, os apóstolos ouviram muitas coisas novas, quando Jesus conversou com eles nesse dia no jardim. E alguns desses pronunciamentos soaram estranhos, até mesmo para eles. Entre outros anúncios surpreendentes, eles ouviram alguns como os seguintes:

157:6:8 17502 “De agora em diante, se um homem quiser um lugar na nossa fraternidade, que ele assuma as obrigações da filiação e me siga. E, quando eu não estiver mais convosco, não penseis que o mundo tratar-vos-á melhor do que o fez ao vosso Mestre. Se vós me amais, preparai-vos para provar essa afeição com a vossa disposição de fazer o sacrifício supremo”.

157:6:9 17503 “E observai bem as minhas palavras: Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores. O Filho do Homem não veio para que se lhe ministrassem, mas para ele próprio ministrar e para dar a sua vida como dádiva a todos. Eu declaro a vós que eu vim para buscar salvar aqueles que estão perdidos.

157:6:10 17504 “Nenhum homem neste mundo agora vê o Pai, exceto o Filho que veio do Pai. Mas, se o Filho for elevado, ele elevará todos os homens consigo e, quem acreditar nessa verdade sobre a natureza do Filho, combinada de Pai-Filho, receberá o dom de uma vida que transcenderá a todas as idades.

157:6:11 17505 “Nós ainda não podemos proclamar abertamente que o Filho do Homem é o Filho de Deus, mas isso foi revelado a vós; e é por isso que eu falo, ousadamente, a vós, sobre esses mistérios. Embora eu me apresente diante de vós por meio dessa presença física, eu venho de Deus, o Pai. Antes que Abraão fosse, eu sou. Eu vim do Pai, para este mundo, como me conhecestes, e eu declaro-vos que, em breve, devo deixar este mundo e retomar o serviço do meu Pai.

157:6:12 17506 “E, agora, em face das minhas palavras, a vossa fé poderá compreender a verdade, de que eu vos estou prevenindo, de que o Filho do Homem não irá satisfazer as expectativas dos vossos pais, de ser o Messias como eles conceberam? O meu Reino não é desse mundo. Podeis acreditar na verdade a meu respeito, diante do fato de que, embora as raposas tenham tocas e os pássaros do céu tenham ninhos, eu não tenho onde repousar a minha cabeça?

157:6:13 17507 “Entretanto, vos digo que o Pai e eu somos um. Aquele que me tiver visto, terá visto o Pai. O meu Pai está trabalhando comigo, em todas estas coisas e ele nunca me deixará sozinho na minha missão, do mesmo modo que nunca eu vos abandonarei, quando, em breve, sairdes para proclamar este evangelho pelo mundo.

157:6:14 17508 “E agora, eu vos trouxe comigo e, por um momento, vos peço que fiqueis a sós, para que possais todos compreender a glória, e para que diviseis a grandeza da vida para a qual eu vos chamei: a aventura da fé, do estabelecimento do Reino do meu Pai nos corações da humanidade; da edificação da minha fraternidade de associação viva com as almas de todos aqueles que acreditam neste evangelho”.

157:6:15 17509 Os apóstolos ouviram essas declarações ousadas e surpreendentes em silêncio; e ficaram atordoados. E se dispersaram, em grupos pequenos, para discutir e ponderar sobre as palavras do Mestre. Eles haviam confessado que ele era o Filho de Deus, mas não podiam captar inteiramente o que significava tudo aquilo que tinham sido levados a fazer.

7. AS PALAVRAS DE ANDRÉ


157:7:1 175010 Naquela noite André tomou a si a tarefa de ter uma palavra pessoal e questionadora com cada um dos seus irmãos, e ele teve conversas proveitosas e encorajadoras com todos os condiscípulos, exceto Judas Iscariotes. André nunca tinha tido uma ligação pessoal íntima com Judas, como tivera com os outros apóstolos e, portanto, não tinha dado maior importância ao fato de que Judas nunca se relacionara, confiante e livremente, com o dirigente do corpo apostólico. Mas André estava, agora, tão preocupado com a atitude de Judas que, mais tarde naquela noite, depois que todos os apóstolos estavam profundamente adormecidos, procurou Jesus e falou ao Mestre sobre a causa da sua ansiedade. Jesus disse-lhe: “Não é inoportuno, André, que tenhas vindo a mim com essa questão, mas nada mais há que possamos fazer; apenas continue colocando a maior confiança nesse apóstolo. E nada digas, aos irmãos dele, a respeito dessa conversa que tiveste comigo”.

157:7:2 17511 E isso foi tudo o que André conseguiu extrair de Jesus. Sempre tinha havido alguma estranheza entre esse judeu e os seus irmãos galileus. Judas tinha ficado chocado com a morte de João Batista; ficara severamente magoado com as repreensões do Mestre em várias ocasiões; chegara a desapontar-se, quando Jesus se recusara a ser proclamado rei; sentira-se humilhado quando ele fugiu dos fariseus; sentira pesar quando ele não aceitou o desafio dos fariseus, para dar um sinal; desnorteara-se com a rejeição do Mestre de recorrer a manifestações de poder e, agora, mais recentemente, ficara deprimido e, algumas vezes, desanimado com uma tesouraria vazia. E Judas sentia falta do estímulo das multidões.

157:7:3 17512 Cada um dos outros apóstolos também estava afetado de algum modo e em vários graus, por essas mesmas provações e atribulações; mas eles amavam Jesus. Ou pelo menos deviam ter amado o Mestre mais do que Judas, pois eles acompanharam-no até o fim amargo.

157:7:4 17513 Sendo da Judéia, Judas ofendeu-se pessoalmente com o recente aviso de Jesus aos apóstolos para “terem cuidado com a influência dos fariseus”; ele estava disposto a considerar essa afirmação como uma referência velada, a ele próprio. Mas o grande erro de Judas foi que, por repetidas vezes, quando Jesus enviava os seus apóstolos para irem orar sozinhos, Judas, em vez de entrar em comunhão sincera com as forças espirituais do universo, permitia-se pensamentos de temor humano e, ao mesmo tempo, persistia em alimentar dúvidas sutis sobre a missão de Jesus, bem como em ceder à sua infeliz tendência de abrigar sentimentos de vingança.

157:7:5 17514 E, agora, Jesus gostaria de levar os seus apóstolos junto consigo ao monte Hermom, onde ele decidira inaugurar a sua quarta fase de ministração, na Terra, como o Filho de Deus. Alguns deles estavam presentes ao seu batismo, no Jordão, e tinham testemunhado o começo da sua carreira, como o Filho do Homem; e ele desejava que alguns deles também estivessem presentes para ouvirem a autorização que ele receberia para assumir a nova posição pública de Filho de Deus. E, desse modo, na manhã de sexta-feira, 12 de agosto, Jesus disse aos doze: “Cuidai das provisões e preparai-vos para ir àquela montanha, onde o espírito me diz para ir e ser dotado para terminar o meu trabalho na Terra. E eu gostaria de levar junto comigo os meus irmãos, para que também eles possam ser fortalecidos para os tempos difíceis durante os quais me acompanharão, até o fim desta experiência”.

DOCUMENTO 158

O MONTE DA TRANSFIGURAÇÃO
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À tarde na sexta-feira, 12 de agosto do ano 29 d. C. , o pôr-do-sol já se aproximava, quando Jesus e os seus seguidores chegaram ao pé do monte Hermom, perto daquele mesmo local onde o jovem Tiglá certa vez ficou aguardando, enquanto o Mestre sozinho subia a montanha, para estabelecer os destinos espirituais de Urântia e para, tecnicamente, dar fim à rebelião de Lúcifer. E ali eles permaneceram por dois dias, na preparação espiritual para os acontecimentos que viriam em breve.

158:0:2 17522 De um modo geral, Jesus sabia de antemão o que estava para acontecer na montanha, e ele desejava muito que os seus apóstolos pudessem compartilhar essa experiência. E foi para colocá-los em condições de receber essa revelação dele próprio, que Jesus ficou parado com eles, ao pé da montanha. Mas eles não poderiam alcançar aqueles níveis espirituais que teriam justificado o risco de colocá-los expostos na presença plena da visitação dos seres celestes que tão em breve iriam aparecer na Terra. E desde que não podia levar todos os seus companheiros consigo, ele decidiu levar apenas os três que tinham o hábito de acompanhá-lo nessas vigílias especiais. Desse modo, apenas Pedro, Tiago e João foram os que compartilharam de uma parte dessa experiência única com o Mestre.

1. A TRANSFIGURAÇÃO


158:1:1 17523 Bem cedo na manhã de segunda-feira, 15 de agosto, Jesus e os três apóstolos começaram a subida do monte Hermom, e isso aconteceu seis dias depois da memorável confissão de Pedro, feita ao meio-dia à margem da estrada, sob as amoreiras.

158:1:2 17524 Jesus havia sido convocado a subir a montanha separadamente e sozinho, pois iriam ser tratadas questões importantes que tinham a ver com o desenrolar da sua auto-outorga na carne, no que essa experiência estava relacionada a todo o universo que ele próprio criara. É bastante significativo que esse evento extraordinário tivesse sido marcado para ocorrer na hora em que Jesus e os apóstolos estavam nas terras dos gentios, e que acontecesse factualmente em uma montanha dos gentios.

158:1:3 17525 Eles chegaram ao destino, a meio caminho da subida da montanha, pouco antes do meio-dia e, durante o almoço, Jesus contou aos três apóstolos algo da sua experiência nos montes a leste do Jordão, pouco depois do seu batismo, e, também, algo mais da sua experiência no monte Hermom, quando da sua visita anterior àquele retiro solitário.

158:1:4 17526 Quando era um menino, Jesus tinha o hábito de subir o monte perto da sua casa e sonhar com as batalhas que tinham sido travadas pelos exércitos dos impérios nas planícies de Esdraelon; agora, ele subia o monte Hermom para receber o dom que iria prepará-lo para descer às planícies do Jordão e vivenciar as cenas finais do drama da sua auto-outorga em Urântia. O Mestre poderia ter desistido da luta naquele dia, no monte Hermom, e ter retornado ao governo dos domínios do universo, mas não apenas escolheu preencher os quesitos da sua ordem de filiação divina, compreendidos no mandato do Filho Eterno do Paraíso, como também escolheu cumprir, na sua totalidade, e até o fim, a vontade presente do seu Pai no Paraíso. Neste dia de agosto, três dos seus apóstolos viram-no recusar-se a ser investido em plena autoridade no universo. Com estupor, eles assistiram aos mensageiros celestes partirem, deixando-o sozinho para concluir a sua vida terrena como Filho do Homem e Filho de Deus.

158:1:5 17531 A fé dos apóstolos tinha atingido um ponto culminante, no momento em que ele alimentou os cinco mil e, em seguida, caiu até um ponto muito baixo. Agora, pelo fato de o Mestre ter admitido a sua divindade, a fé retardatária dos doze apóstolos, voltou ao seu apogeu, nas semanas que se seguiram, para, de novo retornar a um novo declínio progressivo. A terceira revitalização dessa fé ocorreria apenas após o Mestre haver ressuscitado.

158:1:6 17532 Era aproximadamente três horas de uma bela tarde quando Jesus destacou-se dos três apóstolos, dizendo: “Vou só, durante algum tempo, vou comungar com o Pai e com os Seus mensageiros; peço-vos que permaneçam aqui e, enquanto aguardam a minha volta, que orem para que a vontade do Pai possa ser feita em toda a vossa experiência ligada à continuação da missão de outorga do Filho do Homem”. E, após dizer-lhes isso, Jesus retirou-se para uma longa conferência com Gabriel e com o Pai Melquisedeque, só retornando às seis horas. Quando Jesus percebeu a ansiedade deles, por causa da sua ausência prolongada, disse: “Por que ficastes com medo? Bem sabíeis que eu devia ocupar-me dos assuntos do meu Pai; então, por que duvidais quando não estou convosco? Agora eu vos declaro que o Filho do Homem decidiu passar o resto da sua vida terrestre em meio a vós e como um de vós. Animai-vos, pois não os deixarei até que o meu trabalho tenha chegado ao fim”.

158:1:7 17533 Enquanto compartilhavam a refeição frugal da noite, Pedro perguntou ao Mestre: “Por quanto tempo permaneceremos nestas montanhas, longe dos nossos irmãos?” E Jesus respondeu: “Até que tenhais visto a glória do Filho do Homem e saibais que tudo o que declarei a vós é verdadeiro”. E eles conversaram sobre os assuntos da rebelião de Lúcifer, assentados em volta das brasas vermelhas do fogo que haviam acendido, até que a escuridão chegou deixando os olhos dos apóstolos pesados, pois tinham começado a jornada muito cedo naquela manhã.

158:1:8 17534 Depois que os três apóstolos já estavam dormindo profundamente, por uma meia hora, eles foram subitamente despertados por um som agudo, em volta deles e, para a sua maravilha e consternação, ao olharem em volta, viram Jesus em conversa íntima com dois seres brilhantes revestidos pelo manto da luz do mundo celestial. E o rosto e a forma de Jesus resplandeciam com a luminosidade de uma luz celeste. Aqueles três falavam em uma língua estranha, mas, de algumas coisas ditas, Pedro erroneamente conjecturou que os seres com Jesus eram Moisés e Elias; na realidade, eles eram Gabriel e o Pai Melquisedeque. Os controladores físicos tinham arranjado para que os apóstolos testemunhassem essa cena, a pedido de Jesus.

158:1:9 17535 Os três apóstolos ficaram tão terrivelmente amedrontados que levaram algum tempo para refazer-se, mas Pedro, que tinha sido o primeiro a se recuperar, disse, à medida que a visão deslumbrante desaparecia diante deles e eles passavam a ver Jesus de pé, sozinho: “Mestre, Jesus, é bom estar aqui. Regozijamo-nos de ver essa glória. É-nos repugnante voltar ao mundo inglório. Se quiseres, nós moraremos aqui e erigiremos três tendas, uma para ti, uma para Moisés, e uma para Elias”. E Pedro disse isso por causa da sua confusão, e porque nada mais veio à sua mente naquele momento.

158:1:10 17536 Enquanto Pedro ainda falava, uma nuvem prateada aproximou-se deles e envolveu os quatro homens. Os apóstolos agora ficaram extremamente amedrontados e, caindo com os rostos no chão, em adoração, ouviram uma voz, a mesma que tinha falado na ocasião do batismo de Jesus, dizendo: “Este é o Meu Filho amado; dêem ouvidos a ele”. E quando a nuvem desapareceu, de novo Jesus estava a sós com os três e então ele abaixou-se para tocar neles, dizendo: “Levantai-vos e não tenhais medo; vereis coisas ainda maiores do que esta”. Mas os apóstolos estavam mesmo com muito medo; e eram três homens pensativos e em silêncio quando se prepararam para descer a montanha pouco antes da meia-noite.

2. DESCENDO A MONTANHA


158:2:1 17541 Durante a metade da distância da descida nem uma palavra foi dita. Jesus então começou a conversação, observando: “Assegurai-vos de não falar a nenhum homem, nem mesmo aos vossos irmãos, sobre o que vistes e ouvistes nessa montanha, até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”. Os três apóstolos ficaram chocados e desconcertados com as palavras do Mestre: “Até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”. Tão recente era a reafirmação da sua fé nele como o Libertador, o Filho de Deus, e tinham acabado de vê-lo transfigurado em glória diante dos seus próprios olhos, e agora ele começava a falar de “ressurreição de entre os mortos”!

158:2:2 17542 Pedro tremia com o pensamento do Mestre morrendo – era uma idéia por demais desagradável de se alimentar –, e, de temor de que Tiago e João fizessem alguma pergunta relativa a essa afirmação, achou melhor começar uma conversação para desviar do assunto, mas, não sabendo sobre o que mais falar, deu expressão ao primeiro pensamento que veio à sua mente, que foi: “Mestre, por que é que os escribas dizem que Elias deve vir antes que o Messias apareça?” E Jesus, sabendo que Pedro buscava evitar qualquer referência à sua morte e ressurreição, respondeu: “Elias, de fato, vem primeiro para preparar o caminho para o Filho do Homem, que deve sofrer muitas coisas e finalmente ser rejeitado. Mas eu vos digo que Elias já veio, e eles não o receberam bem, e fizeram com ele tudo o que quiseram”. E, então, os três apóstolos perceberam que ele se referia a João Batista como Elias. Jesus sabia que, já que eles insistiam em considerá-lo o Messias, então era necessário que João fosse o Elias da profecia.

158:2:3 17543 Jesus exortou-os a silenciar sobre o que tinham observado, da antecipação da sua glória pós-ressurreição, porque ele não queria estimular neles a noção de que, sendo agora recebido como o Messias, de qualquer modo ou em qualquer grau, pudesse ele satisfazer aos conceitos errôneos de um libertador que operava prodígios. Ainda que Pedro, Tiago e João ponderassem sobre tudo isso nas suas mentes, eles não falaram disso a nenhum homem até depois da ressurreição do Mestre.

158:2:4 17544 Enquanto continuavam a descer a montanha, Jesus disse a eles: “Vós não quisestes receber-me como o Filho do Homem; e por isso eu consenti em ser recebido de acordo com a vossa determinação, mas não vos enganeis, a vontade do meu Pai deve prevalecer. Se vós escolhestes seguir a inclinação das vossas próprias vontades, então deveis preparar-vos para sofrer muitas decepções e muitas provações, mas o aperfeiçoamento que eu lhes dei deve ser suficiente para levar-vos em triunfo, mesmo sobre essas tristezas que vós próprios escolhestes”.

158:2:5 17545 Jesus levara Pedro, Tiago e João consigo até o topo da montanha da transfiguração, mas não porque eles estivessem, sob algum ponto de vista, mais bem preparados do que os outros apóstolos, para testemunhar o que aconteceu, ou porque fossem eles mais adequados espiritualmente para ter um privilégio tão raro. De nenhum modo. Ele bem sabia que nenhum dos doze apóstolos estava espiritualmente qualificado para essa experiência; e por isso ele levara consigo apenas os três apóstolos que estavam designados para acompanhá-lo naqueles momentos em que ele desejava estar a sós para desfrutar de uma comunhão solitária.

3. O SIGNIFICADO DA TRANSFIGURAÇÃO


158:3:1 17551 Aquilo que Pedro, Tiago e João testemunharam, no monte da transfiguração, foi apenas um vislumbre fugaz do espetáculo celeste que de fato aconteceu naquele dia memorável no monte Hermom. A transfiguração foi a ocasião em que:

158:3:2 17552 1. Houve a aceitação da plenitude da auto-outorga na vida encarnada de Michael em Urântia, da parte do Filho-Mãe Eterno do Paraíso. Jesus tinha agora a certeza de que as exigências do Filho Eterno estavam satisfeitas, no que lhe concernia. E Gabriel trouxera para Jesus essa confirmação.

158:3:3 17553 2. Houve o testemunho de que, quanto às exigências do Espírito Infinito, estavam satisfeitas todas na sua plenitude, na outorga feita em Urântia, na semelhança da carne mortal. A representante, neste universo, do Espírito Infinito, a coligada e sempre-presente colaboradora imediata de Michael em Salvington, nessa ocasião falou por intermédio do Pai Melquisedeque.

158:3:4 17554 Jesus recebeu com júbilo esse testemunho do êxito da sua missão na Terra, apresentado pelos mensageiros do Filho Eterno e do Espírito Infinito; mas ele percebeu que o seu Pai não indicou que a outorga de Urântia estava completa; a presença não visível do Pai apenas testemunhou, por intermédio do Ajustador Personalizado de Jesus, dizendo: “Este é o meu Filho bem amado; escutai-o”. E isso foi expresso nas palavras que foram ouvidas também pelos três apóstolos.

158:3:5 17555 Depois dessa visitação celeste, Jesus procurou saber qual a vontade do seu Pai e decidiu levar a sua outorga mortal até o seu final natural. Esse foi o significado da transfiguração para Jesus. Para os três apóstolos foi um acontecimento que marcava a entrada do Mestre na fase final da sua carreira terrena como o Filho de Deus e Filho do Homem.

158:3:6 17556 Depois da visitação formal de Gabriel e do Pai Melquisedeque, Jesus manteve uma conversa informal com estes dois Filhos do seu ministério, comungando com eles no que dizia respeito aos assuntos do universo.

4. O JOVEM EPILÉTICO


158:4:1 17557 Jesus e os seus companheiros chegaram no acampamento dos apóstolos, na terça-feira de manhã, pouco antes da hora do repasto matinal. Ao aproximarem-se, eles puderam ver uma multidão considerável, reunida em torno dos outros apóstolos e logo começaram a escutar as vozes que se elevavam em uma discussão e na argumentação, em um grupo de cerca de cinqüenta pessoas, que envolvia os nove apóstolos e um ajuntamento igualmente dividido entre escribas de Jerusalém e discípulos crentes, que tinham tentado seguir Jesus e os seus companheiros desde que haviam partido de Magadam.

158:4:2 17558 Embora a multidão se dividisse em várias discussões, a divergência principal era sobre um certo cidadão de Tiberíades que tinha chegado no dia anterior, à procura de Jesus. Esse homem, Tiago de Safed, tinha um filho com a idade aproximada de quatorze anos, um filho único que estava sendo gravemente afligido pela epilepsia. Além dessa doença nervosa, esse rapaz estava possuído por uma dessas criaturas intermediárias rebeldes, errantes e malevolamente brincalhonas, e sem controle, que estavam ainda presentes na Terra, de modo que o jovem era tanto epilético quanto possuído por um demônio.

158:4:3 17559 Durante quase duas semanas, o pai ansioso, um oficial subalterno de Herodes Antipas, tinha percorrido as fronteiras ocidentais dos domínios de Filipe, procurando Jesus para suplicar a ele que curasse o seu filho afligido. E ele só encontrara o grupo apostólico por volta das doze horas desse dia em que Jesus estivera na montanha com os três apóstolos.

158:4:4 17561 Os nove apóstolos ficaram muito surpresos e consideravelmente perturbados quando esse homem, acompanhado por cerca de mais quarenta pessoas que estavam procurando por Jesus, aproximou-se subitamente deles. Com a chegada desse grupo, os nove apóstolos, ou pelo menos a maioria deles, tinham sucumbido à sua antiga tentação – de discutir sobre quem seria o maior no Reino vindouro –; eles estavam discutindo acirradamente sobre as prováveis posições que seriam dadas a cada apóstolo individualmente. E simplesmente não podiam livrar-se totalmente de uma idéia tão longamente alimentada da missão material do Messias. E agora que o próprio Jesus tinha aceitado a confissão deles, de que era ele realmente o Libertador – ao menos ele tinha admitido o fato da sua divindade –, seria muito natural que, durante esse período de separação do Mestre, eles caíssem naquela falação sobre as esperanças e ambições que eram tão preponderantes nos seus corações. E mal eles tinham começado a discutir, quando Tiago de Safed e seus acompanhantes aproximaram-se deles à procura de Jesus.

158:4:5 17562 André levantou-se para saudar esse pai e o seu filho, dizendo: “A quem procurais?” E Tiago disse: “Meu bom homem, procuro o vosso Mestre. Busco a cura para o meu filho doente. Gostaria que Jesus expulsasse o diabo que está possuindo o meu filho”. E então o pai continuou a relatar aos apóstolos que o seu filho estava tão doente que tinha por várias vezes quase perdido a própria vida em conseqüência desses ataques malignos.

158:4:6 17563 Enquanto os apóstolos escutavam, Simão zelote e Judas Iscariotes adiantaram-se até o pai dizendo: “Podemos curá-lo; não necessitais esperar pelo retorno do Mestre. Somos os embaixadores do Reino; não mais temos de manter sigilo sobre essas coisas. Jesus é o Libertador, e as chaves do Reino foram entregues a nós”. Nesse momento André e Tomé estavam conversando de um lado. Natanael e os outros olhavam a cena, pasmos; estavam todos horrorizados com a audácia súbita, se não a presunção, de Simão e Judas. Então o pai disse: “Se foi dado a vós fazer esses trabalhos, eu oro para que vós digais as palavras que irão livrar o meu filho dessa escravidão”. E Simão deu um passo adiante e, colocando a sua mão na cabeça do garoto, então, olhou diretamente dentro dos seus olhos e comandou: “Sai dele, espírito sujo; em nome de Jesus obedeça-me”. Mas o garoto apenas teve mais um violento ataque, enquanto os escribas zombavam dos apóstolos com desprezo, e os crentes decepcionados sofriam os sarcasmos desses críticos pouco amigáveis.

158:4:7 17564 André ficou profundamente triste com todo esse esforço equivocado e com o fracasso lamentável. Chamou os apóstolos à parte para uma conversa e uma oração. Depois de uma meditação, sentindo um remorso agudo pela derrota e percebendo a humilhação que pairava sobre todos eles, André procurou, em uma segunda tentativa, expulsar o demônio, mas apenas mais um fracasso coroou os seus esforços. André confessou francamente a derrota e pediu ao pai que permanecesse com eles, durante aquela noite ou até o retorno de Jesus, dizendo: “Talvez esse tipo de demônio não saia, a não ser pela ordem pessoal do Mestre”.

158:4:8 17565 E assim, enquanto Jesus descia a montanha com Pedro, Tiago e João, bastante exuberantes e enlevados, os seus nove irmãos estavam tomados mais ainda pela insônia, debatendo-se na confusão e no abatimento da humilhação. Formavam um grupo deprimido e desiludido. Mas Tiago de Safed não desistia. Ainda que não pudessem dar a ele nenhuma idéia de quando Jesus retornaria, ele decidiu permanecer ali até que o Mestre voltasse.

5. JESUS CURA O JOVEM


158:5:1 17571 Quando Jesus aproximou-se, os nove apóstolos ficaram mais do que aliviados de acolhê-lo de volta e cheios de alento ao contemplar o regozijo e o entusiasmo incomum nas expressões de Pedro, Tiago e João. Eles correram todos para saudar Jesus e os seus três irmãos. E, enquanto trocavam cumprimentos, a multidão aproximou-se, e Jesus perguntou: “Sobre o que estáveis debatendo quando aproximávamo-nos?” Mas, antes que os apóstolos desconcertados e humilhados pudessem responder à pergunta do Mestre, o ansioso pai do garoto afligido adiantou-se e, ajoelhando-se aos pés de Jesus, disse: “Mestre, tenho um filho, um único filho, que está possuído por um espírito mau. Ele não só grita de terror, espuma pela boca, e cai como um morto no momento da possessão, mas muitas vezes esse espírito mau, que o possui, leva-o a convulsões e algumas vezes joga-o na água e mesmo no fogo. De tanto ranger de dentes e como resultado de muito se machucar, o meu filho depaupera-se. A sua vida é pior que a morte; a mãe dele e eu temos o coração triste e o espírito alquebrado. Ontem, lá pelo meio-dia, procurando por vós, deparei-me com os vossos discípulos e, enquanto esperávamos, os vossos apóstolos tentaram expulsar esse demônio, mas não conseguiram. E agora, Mestre, fareis isso para nós, curareis o meu filho?”

158:5:2 17572 Quando Jesus terminou de escutar essas palavras, ele tocou o pai que se ajoelhava e rogou-lhe que se levantasse, enquanto dirigia aos apóstolos um olhar interrogativo. Então disse Jesus a todos que estavam à sua frente: “Ó geração perversa e sem fé, até quando eu vos suportarei? Por quanto tempo ficarei convosco? Quanto tempo será necessário para aprenderdes que as obras da fé não surgem por uma demanda em descrença cética?” E então, apontando o pai desconsertado, Jesus disse: “Traze aqui o teu filho”. E, quando Tiago trouxe o menino à sua frente, Jesus perguntou: “Por quanto tempo o menino tem sido afligido dessa maneira?” O pai respondeu: “Desde que era uma criança pequena”. E, enquanto falavam, o menino foi tomado por um ataque violento e caiu entre eles, rangendo os dentes e espumando pela boca. Depois de uma sucessão de convulsões violentas, ficou estendido lá diante deles como um morto. E, de novo, o pai ajoelhou-se aos pés de Jesus implorando ao Mestre, dizendo: “Se puderdes curá-lo, eu imploro a vós que tendes compaixão de nós e que nos livre dessa aflição”. Ao ouvir essas palavras, Jesus abaixou os olhos para ver o rosto ansioso do pai, dizendo: “Não coloqueis em dúvida o poder do amor do meu Pai, mas sim a sinceridade e o alcance da vossa própria fé. Todas as coisas são possíveis para aquele que realmente crê”. E, então, Tiago de Safed pronunciou estas palavras, que seriam sempre relembradas, de fé confundida com a dúvida: “Senhor, eu creio. Mas oro para que me ajudeis na minha descrença”.

158:5:3 17573 Ao ouvir essas palavras, Jesus deu um passo à frente e, tomando o menino pela mão, disse: “Eu farei isso segundo a vontade do meu Pai e em honra da fé viva. Meu filho, levanta-te! Sai dele, espírito desobediente, e não voltes”. E, colocando a mão do filho na mão do pai, Jesus disse: “Toma o teu caminho. O Pai concedeu o desejo da tua alma”. E todos que estavam presentes, mesmo os inimigos de Jesus, ficaram estupefatos com o que viram.

158:5:4 17574 De fato, foi uma desilusão para os três apóstolos, que tão recentemente tinham desfrutado do êxtase espiritual das cenas e das experiências da transfiguração, retornar tão cedo a essa cena de derrota e frustração dos seus companheiros apóstolos. Mas era sempre assim com esses doze embaixadores do Reino. Eles nunca deixaram de revezar-se entre a exaltação e a humilhação nas experiências das suas vidas.

158:5:5 17581 Foi uma cura verdadeira para uma aflição dupla, um mal físico e uma doença do espírito. E o menino ficou definitivamente curado daquele momento em diante. Quando Tiago partiu com o seu filho são, Jesus disse: “Agora, vamos para Cesaréia-Filipe; preparai-vos imediatamente”. E eles então formavam um grupo silencioso nessa viagem para o sul, enquanto a multidão seguia atrás deles.

6. NO JARDIM DE CELSUS


158:6:1 17582 Eles passaram a noite com Celsus e, naquela tarde no jardim, depois de terem comido e descansado, os doze reuniram-se ao redor de Jesus, e Tomé disse: “Mestre, como nós ficamos para trás continuamos ainda ignorando o que aconteceu na montanha, e que tanto regozijo trouxe aos nossos irmãos que estiveram contigo, nós desejamos ardentemente que nos fales a respeito da nossa derrota e nos instrua sobre aquelas questões, pois vemos que aquelas coisas que aconteceram na montanha não podem ser reveladas neste momento. ”

158:6:2 17583 E Jesus respondeu a Tomé, dizendo: “Tudo de que os vossos irmãos tomaram conhecimento na montanha vos será revelado na hora devida. Contudo, agora eu mostrarei a vós a causa da vossa derrota naquilo que tão pouco sabiamente tentastes fazer. Enquanto o vosso Mestre e os vossos irmãos ontem iam montanha acima, para buscar um conhecimento mais amplo da vontade do Pai e para pedir um dom mais rico em sabedoria para realizar mais efetivamente aquela vontade divina, vós permanecestes aqui de vigília, com instruções para esforçar-vos para adquirir o discernimento espiritual na vossa mente e orar conosco para uma revelação mais plena da vontade do Pai. E, então, deixastes de manter a fé sobre o vosso comando. Em vez disso, cedestes à tentação e caístes nas velhas tendências más de buscar vós próprios os lugares preferidos no Reino do céu – como se ele fosse o reino material e temporal que persistis em contemplar. E apegando-vos a esses conceitos errôneos a despeito das declarações reiteradas de que o meu Reino não é deste mundo.

158:6:3 17584 “Mal a vossa fé acaba de captar a identidade do Filho do Homem e o vosso desejo egoísta de favoritismos terrestres vos possui novamente, e caís em discussões, entre vós, sobre quem será o maior no Reino do céu, um reino que não existe do modo como insistis em conceber, nem existirá jamais. Já não vos disse que quem quiser ser o maior no Reino da irmandade espiritual do meu Pai deve tornar-se pequeno aos seus próprios olhos e assim converter-se no servidor dos seus irmãos? A grandeza espiritual consiste em um amor compreensivo, que é semelhante ao amor de Deus, e não em um desfrute de exercício do poder material para a exaltação do ego. Naquilo que tentastes e em que falhastes tão completamente, o vosso propósito não era puro. O vosso motivo não foi divino. O vosso ideal não foi espiritual. A vossa ambição não foi altruísta. O vosso procedimento não se baseou no amor, e a meta que queríeis atingir não era a vontade do Pai nos céus”.

158:6:4 17585 “Quanto tempo demorará até aprenderdes que não se pode abreviar o curso estabelecido dos fenômenos naturais, a não ser quando isso estiver de acordo com a vontade do Pai? E que não podeis realizar obras espirituais sem o poder espiritual. E que não podeis efetivar nenhuma dessas duas coisas, mesmo quando as possibilidades estiverem presentes, sem a existência daquele terceiro fator humano essencial, a experiência pessoal da posse da fé viva. E por que quereis ter sempre manifestações materiais como atração para as realidades espirituais do Reino? Não podeis compreender a significação espiritual da minha missão, sem que haja exibição visível de obras inusitadas? Quando afinal sereis confiáveis para aderir às realidades mais elevadas e espirituais do Reino, independentemente das aparências externas de todas as manifestações materiais?”

158:6:5 17591 Depois de falar assim aos doze, Jesus acrescentou: “E agora ide descansar, pois amanhã retornaremos cedo para Magadam e lá nos aconselharemos a respeito da nossa missão nas cidades e aldeias da Decápolis. E, como conclusão da experiência deste dia, deixe-me declarar a cada um de vós sobre o que falei aos vossos irmãos na montanha, e que essas palavras encontrem um lugar profundo nos vossos corações: O Filho do Homem entra agora na última fase da sua auto-outorga. Estamos para começar aqueles trabalhos que logo levarão todos vós à prova, grande e final, para a vossa fé e devoção, quando então eu serei entregue nas mãos dos homens que buscam a minha destruição. E lembrai-vos do que eu vos estou dizendo: O Filho do Homem será levado à morte, mas ele ressuscitará”.

158:6:6 17592 Eles retiraram-se tristemente para dormir. Estavam desnorteados; não podiam compreender aquelas palavras. E, mesmo tendo tido medo de fazer perguntas a respeito do que ele havia dito, eles lembraram-se de tudo depois da sua ressurreição.

7. O PROTESTO DE PEDRO


158:7:1 17593 Bem cedo, na manhã dessa quarta-feira, Jesus e os doze partiram de Cesaréia-Filipe para o parque de Magadam, perto de Betsaida-Júlias. Os apóstolos dormiram pouco naquela noite, tendo levantado cedo e logo se aprontado para partir. Mesmo os imperturbáveis gêmeos Alfeus estavam chocados com a conversa sobre a morte de Jesus. Indo para o sul, depois das Águas de Merom, eles chegaram à estrada de Damasco; e, para evitar os escribas e os outros, que, Jesus sabia, estariam logo vindo atrás deles, ele ordenou que fossem para Cafarnaum, pela estrada de Damasco que passa pela Galiléia. E assim ele o fez porque sabia que aqueles que o seguiam iriam descer a leste da estrada do Jordão, pois consideravam que Jesus e os apóstolos temeriam atravessar o território de Herodes Antipas. Jesus procurava escapar dos seus críticos e da multidão que os seguia, para poder estar a sós com os seus apóstolos nesse dia.

158:7:2 17594 Eles viajaram pela Galiléia até bem depois da hora do seu almoço, e pararam em uma sombra para refrescar-se. E, depois de compartilhar a comida, André, dirigindo-se a Jesus, disse: “Mestre, os meus irmãos não compreendem as tuas palavras profundas. Chegamos a crer plenamente que és o Filho de Deus, e agora ouvimos essas afirmações estranhas de que nos deixarás, e de que morrerás. Não compreendemos o teu ensinamento. Estás falando-nos por meio de parábolas? Rogamos-te que fales a nós diretamente, e sem disfarce”.

158:7:3 17595 Em resposta a André, Jesus disse: “Meus irmãos, porque vós tendes confessado que sou o Filho de Deus é que me sinto obrigado a começar a revelar-vos a verdade sobre o fim da auto-outorga do Filho do Homem na Terra. Vós insistis em apegar-vos à crença de que sou o Messias, e não estais dispostos a abandonar a idéia de que o Messias deve assentar-se em um trono em Jerusalém; e é por isso que eu insisto em dizer-vos que o Filho do Homem deve ir, em breve, para Jerusalém, sofrer muitas coisas, ser rejeitado pelos escribas, pelos anciães e pelos chefes dos sacerdotes, para, depois de tudo isso, ser morto e ressuscitar. E não vos falo por parábolas; falo a verdade, a vós, para que possais estar preparados para esses acontecimentos, quando eles subitamente sobrevierem até nós”. E, quando ele estava ainda falando, Simão Pedro, irrompendo impetuosamente na direção dele, colocou as mãos nos ombros do Mestre e disse: “Mestre, longe de nós contradizer-te, mas eu declaro que essas coisas não irão jamais te acontecer”.

158:7:4 17601 Pedro disse isso porque amava Jesus; mas a natureza humana do Mestre reconheceu nessas palavras, de afeição bem-intencionada, uma sugestão sutil de tentação para que ele mudasse a sua política, de prosseguir até o fim com a sua missão de outorga terrena, de acordo com a vontade do seu Pai no Paraíso. E porque ele detectou o perigo de permitir que as sugestões, mesmo a dos seus afeiçoados e leais amigos, dissuadissem-no, é que ele se voltou para Pedro e para os outros apóstolos, dizendo: “Ficai para trás. Tendes o espírito do adversário, o tentador. Ao falardes desse modo, vós não estais do meu lado, mas do lado do nosso inimigo. Desse modo fazeis, do vosso amor por mim, um obstáculo ao meu cumprimento da vontade do Pai. Importai-vos menos com os caminhos humanos, cuidai antes da vontade de Deus”.

158:7:5 17602 Após recobrarem-se do primeiro choque da reprimenda pungente de Jesus, e antes de reassumirem a sua viagem, o Mestre acrescentou ainda: “Se algum homem quiser seguir-me, que esqueça de si próprio, que assuma as suas responsabilidades diariamente e me siga. Pois todo aquele que quiser salvar a sua vida egoisticamente, perdê-la-á, mas todo aquele que perder a sua vida, por minha causa e por causa do evangelho, salvá-la-á. De que vale a um homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua própria alma? O que pode um homem dar em troca da vida eterna? Não vos envergonheis de mim e das minhas palavras nessa geração pecadora e hipócrita, do mesmo modo que não terei vergonha de reconhecer-vos quando, em glória, eu aparecer diante do meu Pai na presença de todas as hostes celestes. Todavia, muitos, dentre os que agora estão diante de mim, não terão o gosto da morte antes de verem esse Reino de Deus chegar com poder”.

158:7:6 17603 E, assim, Jesus mostrou aos doze o caminho doloroso e conflitante que eles deveriam trilhar, se quisessem segui-lo. Que choque essas palavras causaram nesses pescadores da Galiléia, que persistiam em sonhar com um reino na Terra, com posições de honra para si próprios! Mas os seus corações leais encheram-se de emoção com esse apelo corajoso e nenhum deles teve a idéia de abandoná-lo. Jesus não os estava mandando para a luta sozinhos, ele os conduzia. Pedia-lhes apenas que o seguissem com bravura.

158:7:7 17604 Devagar, os doze apóstolos estavam captando a idéia de que Jesus lhes estava contando algo sobre a possibilidade da sua morte. E, apenas vagamente, eles compreenderam o que ele havia dito sobre a própria morte, enquanto a sua afirmação sobre ressurgir dos mortos não se registrou absolutamente naquelas mentes. À medida que passaram os dias, Pedro, Tiago e João, relembrando-se da experiência pela qual haviam passado no monte da transfiguração, chegaram a um entendimento mais pleno de algumas dessas questões.

158:7:8 17605 Em toda a ligação dos doze com o seu Mestre, apenas umas poucas vezes eles viram aquele olho relampejante assim e ouviram palavras tão bruscas de repreensão, como as que foram administradas a Pedro e ao restante deles nessa ocasião. Jesus tinha sempre sido paciente, com as limitações humanas deles, mas não tinha sido assim quando colocado de frente a uma ameaça iminente contra o programa de cumprir implicitamente a vontade do seu Pai no restante da sua carreira terrena. Os apóstolos ficaram literalmente assombrados; estavam estupefatos e horrorizados. Eles não podiam encontrar palavras para exprimir a sua tristeza. Aos poucos começaram a compreender o que o Mestre iria suportar; e que deveriam passar por aquelas experiências junto com ele, mas não despertaram para a realidade desses acontecimentos que se aproximavam, senão muito depois das primeiras sugestões da chegada iminente da tragédia que seriam os últimos dias dele.

158:7:9 17611 Em silêncio, Jesus e os doze partiram para o seu acampamento no parque de Magadam, viajando pelo caminho de Cafarnaum. À medida que caía a tarde, embora não falassem com Jesus, muito conversaram entre si, enquanto André dialogava com o Mestre.

8. NA CASA DE PEDRO


158:8:1 17612 Chegaram em Cafarnaum durante o crepúsculo e, seguindo por caminhos pouco freqüentados, foram diretamente à casa de Simão Pedro para jantar. Enquanto Davi Zebedeu preparava-se para levá-los ao outro lado do lago, eles ficaram na casa de Simão, e Jesus, levantando os olhos até Pedro e os outros apóstolos, perguntou: “Enquanto caminháveis juntos, esta tarde, sobre o que faláveis tão gravemente entre vós?” Os apóstolos permaneceram calados, porque muitos deles tinham continuado a discussão iniciada no monte Hermom, sobre as posições que eles deveriam ter no Reino que estava para vir; quem deveria ser o maior, e assim por diante. Jesus, sabendo o que ocupara os pensamentos deles naquele dia, com um gesto chamou um dos pequenos de Pedro e, colocando a criança entre eles, disse: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, se não mudardes e se não vos tornardes mais como esta criança, pouco progresso fareis no Reino do céu. Aquele que se humilhar e tornar-se como este pequeno, virá a ser o maior no Reino do céu. E aquele que receber este pequeno é a mim que recebe. E aqueles que recebem a mim recebem também a Ele que me enviou. Se quiserdes ser os primeiros no Reino, procurai ministrar essas boas verdades aos vossos irmãos na carne. Mas se alguém fizer um destes pequenos tropeçar, seria melhor para ele que uma pedra de moinho lhe fosse atada ao pescoço e que fosse jogado no mar. Se as coisas que fizerdes com as vossas mãos, ou as coisas que virdes com os vossos olhos ofenderem o progresso do Reino, sacrificai então esses ídolos amados, pois é melhor entrardes no Reino sem muitas das coisas amadas da vossa vida, do que vos apegar a esses ídolos e ver-vos excluídos do Reino. Mas mais do que tudo vos assegureis de não desprezar nenhum destes pequenos, pois os anjos deles contemplam sempre as faces das hostes celestes”.

158:8:2 17613 Quando Jesus acabou de falar, eles entraram no barco e velejaram para o outro lado, até Magadam.

DOCUMENTO 159

A CAMPANHA NA DECÁPOLIS
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Quando Jesus e os doze chegaram ao parque de Magadam, encontraram um grupo de quase cem evangelistas e discípulos esperando por eles, incluindo o corpo de mulheres, e eles fizeram-se imediatamente prontos para começar a campanha de ensinamento e de pregação pelas cidades da Decápolis.

159:0:2 17622 Nessa quinta-feira, 18 de agosto pela manhã, o Mestre reuniu os seus seguidores e ordenou que cada um dos apóstolos deveria associar-se a um dos doze evangelistas e que, junto com outros dos evangelistas, deveriam sair em doze grupos para trabalhar nas cidades e aldeias da Decápolis. Ele ordenou, ao corpo de mulheres e aos discípulos restantes, que permanecessem com ele. Jesus destinou quatro semanas a essa viagem, instruindo os seus seguidores para que retornassem a Magadam não depois de sexta-feira, 16 de setembro. Prometeu visitá-los freqüentemente durante esse tempo. Durante esse mês, os doze grupos trabalharam em Gerasa, Gamala, Hipos, Zafon, Gadara, Abila, Edrei, Filadélfia, Hesbon, Dium, Sitópolis e muitas outras cidades. Durante esta viagem, não aconteceu nenhum milagre de cura, nem outros eventos extraordinários.

1. O SERMÃO SOBRE O PERDÃO


159:1:1 17623 Uma noite em Hipos, Jesus ensinou sobre o perdão, em resposta a uma pergunta de um discípulo. Disse o Mestre:

159:1:2 17624 “Se um homem de bom coração tem cem ovelhas, e uma delas desvia-se, ele não deixa imediatamente as noventa e nove e sai em busca daquela que se desviou? E se ele for um bom pastor, não manterá a busca da ovelha perdida até encontrá-la? E então, quando o pastor tiver encontrado a sua ovelha perdida, ele a colocará nos ombros e, rejubilante, chamará os seus amigos e vizinhos, para ‘rejubilar-se comigo, pois eu encontrei a minha ovelha que estava perdida’. Eu declaro que há mais alegria no céu por causa de um pecador que se arrepende, do que por causa de noventa e nove pessoas corretas que não precisam de arrependimento. E, mesmo assim, não é da vontade do meu Pai no céu que nenhuma dessas pequeninas se perca, e muito menos que elas pereçam. Na vossa religião, Deus pode receber os pecadores arrependidos; no evangelho do Reino, o Pai sai para encontrá-los, antes até mesmo de que eles pensem seriamente em arrependimento.

159:1:3 17625 “O Pai do céu ama os seus filhos; e, portanto, deveríeis aprender a amar-vos uns aos outros; o Pai do céu perdoa os vossos pecados; e, portanto, deveríeis aprender a perdoar-vos uns aos outros. Se o vosso irmão peca contra vós, ide até ele e, com tato e paciência, mostrai a ele o seu erro. E fazei tudo isso apenas entre vós e ele, a sós. Se ele vos escutar, então conquistastes o vosso irmão. Mas se o vosso irmão não vos escutar, se ele persistir no caminho do erro, ide novamente a ele, levando convosco um ou dois amigos comuns, para que possais ter duas, ou mesmo três testemunhas, para confirmar o depoimento dele e estabelecer o fato de que vós tratastes com justiça e com misericórdia ao vosso irmão que vos ofendeu. Agora se ele se recusa a ouvir os vossos irmãos, podeis contar o caso à fraternidade e, então, se ele se recusar a ouvir a congregação, deixai que tomem as providências que julgarem sábias; e deixai que esse membro, obstinado assim, se torne um pária deste reino. Se bem que não podeis pretender fazer o julgamento das almas dos vossos semelhantes, e, se bem que vós não podeis perdoar os pecados, nem presumir, de qualquer outro modo, usurpar as prerrogativas dos supervisores das hostes celestes, ao mesmo tempo, foi confiado a vós manterdes a ordem temporal deste reino da Terra. Apesar de não poderdes interferir nos decretos divinos que dizem respeito à vida eterna, vós ireis determinar as questões da conduta, no que disserem respeito ao bem-estar temporal da fraternidade na Terra. E assim, em todas essas questões ligadas à disciplina da irmandade, o que vós decretardes na Terra, será reconhecido no céu. Embora não possais determinar o destino eterno do indivíduo, podeis legislar a respeito da conduta do grupo, pois, naquilo em que dois ou três de vós concordardes, a respeito de qualquer dessas coisas e perguntardes a mim, assim será feito para vós, se o vosso pedido não for incompatível com a vontade do meu Pai no céu. E tudo isso é, para sempre, a verdade, pois, naquilo em que dois ou três crentes estiverem juntos, lá eu estarei no meio deles”.

159:1:4 17631 Simão Pedro era o apóstolo encarregado dos trabalhadores em Hipos e quando ouviu Jesus falar assim perguntou: “Senhor, quantas vezes o meu irmão pecará contra mim, e quantas eu devo perdoá-lo? Até sete vezes?” E Jesus respondeu a Pedro: “Não apenas sete vezes, mas mesmo até setenta e sete vezes. E, portanto, o Reino do céu pode ser comparado a um certo rei que ordenou uma verificação financeira das contas dos seus intendentes. E quando começaram a fazer esse exame das contas, foi trazido diante dele um dos seus principais servidores, o qual, confessava que devia ao seu rei dez mil talentos. Ora, esse oficial da corte do rei argumentou que tinha passado por tempos difíceis e que não possuía com o que pagar o que era da sua obrigação. Assim, o rei ordenou que a sua propriedade fosse confiscada, e que os seus filhos fossem vendidos para pagar o seu débito. Quando esse servidor ouviu essa dura sentença, ele caiu com o rosto no chão, diante do rei, implorando-lhe que tivesse misericórdia e que lhe concedesse mais tempo, dizendo: ‘Senhor, tende um pouco mais de paciência comigo, e eu vos pagarei tudo’. E quando o rei olhou para esse servidor negligente e para a sua família, ficou comovido de compaixão. E ordenou que fosse liberado e que a sua dívida fosse totalmente perdoada.

159:1:5 17632 “E esse importante servidor, tendo assim recebido a misericórdia e o perdão das mãos do rei, retornou aos seus afazeres; depois, encontrando um dos seus subordinados, que lhe devia a mera quantia de cem denários, aproximou-se dele e, pegando-o pelo pescoço, disse: ‘Paga tudo o que me deve’. E, então, esse servidor caiu aos pés do seu dirigente e, implorando-lhe, disse: ‘Tende só um pouco de paciência comigo, e em breve poderei pagar-vos’. Mas o servidor dirigente não demonstrou misericórdia para com o seu companheiro servidor e, ao contrário, mandou-o para a prisão, até que pagasse o seu débito. Quando os companheiros servidores viram o que havia acontecido, ficaram tão aflitos que foram contar ao senhor e mestre, o rei. E quando o rei ouviu sobre o que o seu servidor dirigente fizera, chamou esse homem ingrato e implacável diante de si e disse: ‘Tu és um servidor maldoso e indigno. Quando buscaste a compaixão, eu te perdoei graciosamente de toda a tua dívida. Por que tu não mostraste misericórdia também para com o teu companheiro servidor, do mesmo modo que mostrei misericórdia para contigo?’ E o rei ficou com tanta raiva que entregou o servidor ingrato aos soldados, para que eles o prendessem até que ele tivesse pago tudo o que devia. E, desse mesmo modo, o meu Pai celeste mostrará a mais abundante misericórdia para com aqueles que graciosamente demonstrarem misericórdia para com os seus semelhantes. Como podeis vós vir a Deus, pedindo consideração pelas vossas faltas, se tendes o hábito de castigar os vossos irmãos por serem culpados dessas mesmas fragilidades humanas? Eu digo a todos, dentre vós: graciosamente recebestes as boas coisas do Reino e, portanto, gratuitamente deveis dá-las aos vossos companheiros na Terra”.

159:1:6 17641 Assim Jesus ensinou sobre os perigos, e ilustrou a injustiça de fazer-se um julgamento pessoal do semelhante. A disciplina deve ser mantida, a justiça deve ser administrada, mas em todas essas questões a sabedoria da fraternidade deve prevalecer. Jesus investiu o grupo com autoridade legislativa e judiciária, não o indivíduo. E mesmo esse investimento de autoridade no grupo, não deve ser exercido com autoridade pessoal. Há sempre o perigo de que o veredicto de um indivíduo possa ser deformado pelo preconceito, ou distorcido pela paixão. O julgamento grupal é mais apropriado para remover os perigos e eliminar as injustiças da propensão pessoal. Jesus buscou sempre minimizar os elementos de injustiça, de retaliação e de vingança.

159:1:7 17642 [O uso da expressão setenta e sete como uma ilustração de misericórdia e de clemência veio das escrituras; em uma referência à exultação de Lamec, por causa da arma de metal do seu filho Tubal-Caim. Ao comparar esses instrumentos superiores com os dos seus inimigos, exclamou: “Se Caim, sem nenhuma arma na sua mão, foi vingado sete vezes, eu serei agora setenta e sete vezes vingado”.]

2. O ESTRANHO PREGADOR


159:2:1 17643 Jesus foi a Gamala, para visitar João e aqueles que trabalhavam com ele, naquela cidade. Nessa noite, depois da sessão de perguntas e respostas, João disse a Jesus: “Mestre, ontem eu fui até Astarot para ver um homem que estava ensinando em teu nome, e até mesmo clamando ser capaz de expulsar demônios. Ora, esse homem nunca tinha estado conosco, nem jamais nos seguiu; por isso proibi-o de fazer essas coisas”. E então disse Jesus: “Não o proíbas. Não percebes que esse evangelho do Reino em breve será proclamado em todo o mundo? Como podes esperar que todos aqueles que acreditam no evangelho fiquem sujeitos à tua direção? Rejubila-te porque o nosso ensinamento já começou a manifestar-se para além das fronteiras da nossa influência pessoal. Acaso tu não vês, João, que aqueles que professam fazer grandes trabalhos no meu nome acabarão, finalmente, dando suporte à nossa causa? Eles certamente não se apressarão em me maldizer. Meu filho, em questões dessa espécie seria melhor que tu reconhecesses que aquele que não está contra nós, está a nosso favor. Nas gerações vindouras, muitos homens que não são integralmente dignos farão muitas coisas estranhas no meu nome, mas eu não os proibirei. Eu te digo que, até mesmo quando um copo de água for dado a uma alma sedenta, os mensageiros do Pai sempre registrarão um tal serviço de amor”.

159:2:2 17644 Essa instrução deixou João bastante desconsertado. Será que ele não tinha antes ouvido o Mestre dizer: “Aquele que não está comigo, está contra mim”? Mas não havia percebido que, neste caso, Jesus estava referindo-se à relação pessoal do homem com os ensinamentos espirituais do Reino, enquanto no outro caso a referência tinha sido feita às relações externas e amplamente sociais, dos crentes, para com as questões do controle administrativo, e da jurisdição, de um grupo de crentes, sobre o trabalho de outros grupos, que finalmente iriam compor a fraternidade mundial vindoura.

159:2:3 17651 Contudo, muitas vezes João relatou essa experiência, por ocasião dos seus trabalhos subseqüentes em benefício do Reino. E, com freqüência os apóstolos consideraram como ofensiva toda a pregação daqueles que decidiram ensinar em nome do Mestre. Sempre lhes pareceu impróprio que aqueles que nunca se assentaram aos pés de Jesus ousassem ensinar em nome dele.

159:2:4 17652 Esse homem, a quem João proibiu de ensinar e trabalhar, em nome de Jesus, não deu atenção maior à proibição do apóstolo. E continuou com os seus esforços e formou um grupo considerável de crentes, em Canata, antes de ir para a Mesopotâmia. Esse homem, Aden, tinha sido levado a acreditar em Jesus por meio do testemunho daquele demente a quem Jesus curara, perto de Queresa, e que, com tanta confiança, havia acreditado que os supostos espíritos impuros, que o Mestre expulsara dele, haviam entrado na vara de porcos, levando-os todos a destruir-se, caindo de um precipício.

3. O ENSINAMENTO PARA OS INSTRUTORES E PARA OS CRENTES


159:3:1 17653 Em Edrei, onde Tomé e os seus condiscípulos trabalhavam, Jesus passou um dia e uma noite e, no curso da discussão à noite, deu expressão aos princípios que deveriam guiar aqueles que pregam a verdade, e que deveriam estimular a todos que ensinam o evangelho do Reino. Resumido e reformulado, em uma linguagem moderna, eis o que Jesus ensinou:

159:3:2 17654 Sempre respeitar a personalidade do homem. Uma causa justa nunca deveria ser promovida pela força; as vitórias espirituais apenas podem ser ganhas pelo poder espiritual. Essa determinação contra o emprego de influências materiais refere-se à força psíquica, tanto quanto à força física. Os argumentos esmagadores, e a superioridade mental, não devem ser empregados para coagir os homens e as mulheres a abraçar o Reino. A mente do homem não deve ser subjugada pelo mero peso da lógica, nem intimidada pela eloqüência astuta. Ainda que a emoção, como um fator para as decisões humanas, não possa ser totalmente eliminada, não deveria ser feito um apelo direto a ela, nos ensinamentos dados àqueles que gostariam de avançar na causa do Reino. Fazei os vossos apelos diretamente ao espírito divino que reside no interior das mentes dos homens. Não façais apelos ao medo, à piedade, nem a meros sentimentos. Ao fazer apelos aos homens, sede equânimes; exercei o autocontrole e demonstreis uma reserva devida; demonstreis um respeito oportuno pelas personalidades dos vossos discípulos. Lembrai-vos de que eu disse: “Vede, eu estou à porta e bato, se alguém abri-la, eu entrarei”.

159:3:3 17655 Ao trazer os homens para o Reino, não diminuais, nem destruais o seu auto-respeito. Embora um excesso de auto-respeito possa destruir a humildade adequada e por um fim ao orgulho, à presunção e à arrogância; quantas vezes a perda do auto-respeito leva à paralisação da vontade. O propósito deste evangelho é restaurar o auto-respeito para aqueles que o tenham perdido, e restringi-lo para aqueles que o mantêm. Não cometais o engano de condenar apenas os erros, nas vidas dos vossos alunos; lembrai-vos também de dar um reconhecimento generoso a coisas mais dignas de louvor nas suas vidas. Não esqueçais de que nada impedirá que eu busque restaurar o auto-respeito daqueles que o perderam e que realmente desejam reconquistá-lo.

159:3:4 17656 Tomai cuidado para que não firais o auto-respeito das almas tímidas e temerosas. Não vos permitais ser sarcásticos às custas dos meus irmãos de mente simples. Não sejais cínicos com os meus filhos temerosos. A preguiça é destrutiva para o auto-respeito; portanto, aconselhai os vossos irmãos a manterem-se sempre ocupados com as tarefas que escolheram, e não poupeis esforços para assegurar trabalho àqueles que se encontram sem emprego.

159:3:5 17661 Nunca vos culpeis de táticas indignas, tais como tentar amedrontar os homens e as mulheres para que entrem no Reino. Um pai que ama, não amedronta os seus filhos para que sejam obedientes às suas exigências justas.

159:3:6 17662 Os filhos do Reino acabarão por compreender que os sentimentos fortes na emoção, não são equivalentes à condução do espírito divino. Ficar fortemente impressionado a fazer alguma coisa ou a ir a um certo lugar não significa necessariamente que tais impulsos tenham sido um guiamento do espírito residente.

159:3:7 17663 Preveni a todos os crentes a respeito do nível de conflito que deve ser enfrentada por todos aqueles que passam da vida, como é vivida na carne, para a vida mais elevada, como é vivida no espírito. Para aqueles que vivem inteiramente dentro de qualquer dos reinos, há um pequeno conflito ou confusão, mas todos estão fadados a experimentar uma incerteza, maior ou menor, durante os tempos de transição entre os dois níveis de vida. Vós não podeis escapar das vossas responsabilidades, nem evitar as obrigações do Reino, ao entrardes nele, mas lembrai-vos: O jugo do evangelho é fácil de levar, e o fardo da verdade é leve.

159:3:8 17664 O mundo está cheio de almas famintas que, mesmo estando em presença do pão da vida, passam fome; homens morrem procurando o próprio Deus que vive dentro deles. Homens buscam os tesouros do Reino com os corações cheios de anseio e os pés cansados, e os tesouros estão todos dentro do alcance imediato da fé viva. A fé é para a religião o que as velas são para um barco: um acréscimo na força, não uma carga a mais na vida. Só há uma luta para aqueles que entram no Reino, e esta é a boa batalha da fé. O crente tem apenas uma batalha, e esta é contra a dúvida – a descrença.

159:3:9 17665 Ao pregar o evangelho do Reino, vós estais simplesmente ensinando a amizade a Deus. E essa amizade é tão atraente para os homens quanto o é para as mulheres, pois ambos encontrarão aquilo que satisfaz, mais verdadeiramente, aos seus desejos característicos e ideais. Dizei aos meus filhos que eu sou, não apenas terno, para com os seus sentimentos, e paciente, com as suas fraquezas, mas que eu sou também sem piedade, com o pecado, e intolerante, com a iniqüidade. Eu sou de fato manso e humilde, na presença do meu Pai, mas eu sou implacável e inexorável, na mesma medida, quando há o erro deliberado e a rebelião pecaminosa, contra a vontade do meu Pai no céu.

159:3:10 17666 Vós não ireis descrever o vosso Mestre como um homem de pesares. As gerações futuras conhecerão também o resplendor do nosso júbilo, a alegria da nossa boa vontade e a inspiração do nosso bom humor. Nós proclamamos uma mensagem de boas-novas, que é contagiante, pelo seu poder de transformação. A nossa religião está pulsando, com nova vida e novos significados. Aqueles que aceitam esse ensinamento ficam repletos de júbilo e, nos seus corações, são levados a rejubilarem-se ainda mais. Uma felicidade crescente é a experiência contínua para todos aqueles que estão seguros a respeito de Deus.

159:3:11 17667 Ensinai todos os crentes a evitar que se apoiem nos esteios inseguros da falsa compaixão. Vós não podeis desenvolver um caráter forte a partir da indulgência na autopiedade; esforçai honestamente para evitar a influência enganosa da mera comunhão, na miséria. Estendei a vossa compaixão aos valentes e aos corajosos e, ao mesmo tempo, evitareis dedicar um excesso de piedade àquelas almas covardes que, apenas frouxamente, se postam diante das provações da vida. Não ofereçais consolo àqueles que caem diante dos seus problemas, sem uma luta. Não simpatizeis com os vossos semelhantes apenas para que, em retribuição, eles possam simpatizar convosco.

159:3:12 17668 Quando os meus filhos tornam-se autoconscientes da segurança da divina presença, essa fé expande a mente, enobrece a alma, reforça a personalidade, aumenta a felicidade, aprofunda a percepção espiritual e realça o poder de amar e de ser amado.

159:3:13 17671 Ensinai a todos os crentes que aqueles que entram no Reino não se tornam, por isso, imunes aos acidentes do tempo, nem às catástrofes ordinárias da natureza. Crer no evangelho não terminará com os problemas, mas irá assegurar que vós não tereis medo, quando os problemas baterem à vossa porta. Se ousardes crer em mim e se, de todo o vosso coração, continuardes a seguir-me, fazendo isso, vós ireis, com toda a certeza, entrar no caminho que vos afasta de problemas. Eu não vos prometo livrar-vos das águas da adversidade, mas eu vos prometo estar convosco durante todas elas.

159:3:14 17672 E Jesus ensinou muito mais a esse grupo de crentes antes que eles se preparassem para o sono daquela noite. E, aqueles que ouviram essas palavras, guardaram-nas nos seus corações como tesouros e muitas vezes recitaram-nas para a edificação daqueles apóstolos e discípulos que não estiveram presentes quando elas foram pronunciadas.

4. A CONVERSA COM NATANAEL


159:4:1 17673 E então Jesus foi para Ábila, onde Natanael e os seus companheiros trabalhavam. Natanael estava muito incomodado com alguns dos pronunciamentos de Jesus que pareciam depreciar a autoridade das escrituras hebraicas reconhecidas. E, sendo assim, nessa noite, depois do período usual de perguntas e respostas, Natanael levou Jesus para longe dos outros e perguntou: “Mestre, poderias confiar em mim, a ponto de fazeres com que eu conheça a verdade sobre as escrituras? Eu observo que nos ensinas apenas uma parte das escrituras sagradas – a melhor, segundo o que posso notar – e concluo que rejeitas os ensinamentos dos rabinos, que afirmam que as palavras da lei devem ser as próprias palavras de Deus, que estavam com Deus no céu antes mesmo dos tempos de Abraão e Moisés. Qual é a verdade sobre as escrituras?” Ao ouvir a pergunta do seu apóstolo desnorteado, Jesus respondeu:

159:4:2 17674 “Natanael, tu julgaste certo; eu não considero as escrituras como os rabinos as consideram. Eu falarei contigo sobre essa questão, sob a condição de que tu não relates essas coisas aos teus irmãos, pois não são todos que estão preparados para receber esse ensinamento. As palavras da lei de Moisés, e os ensinamentos das escrituras, não existiam antes de Abraão. Apenas em tempos recentes as escrituras foram formadas, como agora as conhecemos. Embora contenham o melhor dos pensamentos mais elevados, e das aspirações do povo judeu, elas também contêm muita coisa que está longe de representar o caráter e os ensinamentos do Pai, no céu; e é por essa razão que eu devo escolher, dentre os melhores ensinamentos, aquelas verdades que devem ser reunidas para o evangelho do Reino.

159:4:3 17675 “Aqueles escritos são o trabalho de homens, alguns deles são homens santos, outros não o são totalmente. Os ensinamentos desses compêndios representam as visões e a extensão do esclarecimento dos tempos, nos quais eles tiveram a sua origem. Como revelação da verdade, os últimos são mais confiáveis do que os primeiros. As escrituras são errôneas e de todo humanas, pela sua origem, mas não vos enganeis, elas constituem a melhor coleção de sabedoria religiosa e de verdade espiritual a ser encontrada em todo o mundo, neste momento.

159:4:4 17676 “Muitos desses livros não foram escritos pelas pessoas cujos nomes constam neles, mas, isso, de modo algum vai em detrimento do valor das verdades que contêm. Se a história de Jonas não for um fato, mesmo se Jonas não tiver vivido nunca, ainda assim a profunda verdade dessa narrativa, o amor de Deus por Nínive e pelos chamados pagãos, não seria menos preciosa, aos olhos de todos aqueles que amam os seus semelhantes. As escrituras são sagradas porque elas apresentam os pensamentos e os atos de homens que estavam em busca de Deus, e que, nesses escritos, deixaram registrados os seus conceitos mais elevados de retidão, verdade e santidade. As escrituras contêm muito que é verdade, muito mesmo, entretanto, à luz dos vossos ensinamentos atuais, vós podeis entender que esses escritos contêm também muito que apenas de um modo falso representa o Pai do céu, o Deus de amor que eu vim revelar a todos os mundos.

159:4:5 17681 “Natanael, nunca te permita, nem por um momento, acreditar nos registros daquelas escrituras que te dizem que o Deus do amor comandou aos teus antepassados que prosseguissem na batalha para matar a todos os inimigos deles – homens, mulheres e crianças. Esses registros são as palavras de homens, e homens não muito santos, e essas não são a palavra de Deus. As escrituras refletem sempre, e sempre refletirão, o status intelectual, moral e espiritual daqueles que as criaram. Acaso não percebeste que os conceitos de Yavé crescem, em beleza e glória, à medida que os profetas fazem os seus registros, de Samuel a Isaías? E tu deverias lembrar-te de que as escrituras são destinadas à instrução religiosa e ao guiamento espiritual. Elas não são uma obra, nem de historiadores, nem de filósofos.

159:4:6 17682 “A coisa mais deplorável não é meramente essa idéia errônea da perfeição absoluta dos registros das escrituras e da infalibilidade dos seus ensinamentos, mas sim a interpretação confusa e errada que os escribas e os fariseus em Jesrusalém, escravizados à tradição, fazem desses escritos sagrados. E agora eles irão empregar a doutrina de que as escrituras são tão inspiradas quanto as suas interpretações falaciosas delas, no seu esforço determinado para resistir a esses novos ensinamentos do evangelho do Reino. Natanael, nunca esqueças, o Pai não limita a revelação da verdade a nenhuma geração, nem a nenhum povo. Muitos buscadores honestos da verdade têm sido, e continuarão a ser, confundidos e desalentados por essas doutrinas da perfeição das escrituras.

159:4:7 17683 “A autoridade da verdade é o próprio espírito que reside nas suas manifestações vivas e não as palavras mortas dos homens menos iluminados, e supostamente inspirados, de uma outra geração. E ainda que esses homens santos de outrora tivessem vivido vidas inspiradas e preenchidas pelo espírito, isso não quer dizer que as palavras deles sejam, do mesmo modo, espiritualmente inspiradas. Hoje nós não fazemos o registro dos ensinamentos do nosso evangelho do Reino, para que, quando eu tiver partido, vós não vos torneis rapidamente divididos, em vários grupos de defensores da verdade, por causa das diversidades das vossas interpretações dos meus ensinamentos. Para esta geração, é melhor que essas verdades sejam vividas, evitando fazer o registro delas, por escrito.

159:4:8 17684 “Marca bem as minhas palavras, Natanael, nada que a natureza humana tiver tocado pode ser considerado como infalível. Por meio da mente do homem, a verdade divina de fato pode resplandecer, mas sempre com uma pureza relativa e com uma divindade parcial. A criatura pode almejar a infalibilidade, mas apenas os Criadores a possuem.

159:4:9 17685 “Mas o maior dos erros, do que se ensina sobre as escrituras, é a doutrina de que são livros selados de mistério e de sabedoria, que apenas as mentes sábias da nação ousam interpretar. As revelações da verdade divina não são seladas, a não ser pela ignorância humana, pelo fanatismo e pela intolerância da mente estreita. A luz das escrituras é obscurecida apenas pelo preconceito e obliterada apenas pela superstição. Um medo falso do sagrado impediu que a religião fosse salvaguardada pelo bom senso. O medo da autoridade, dos escritos sagrados do passado, impede efetivamente que as almas honestas de hoje aceitem a nova luz do evangelho, a luz que os mesmos homens conhecedores de Deus, de outra geração, tão intensamente almejaram ver.

159:4:10 17691 “E o aspecto mais triste de tudo é o fato de alguns dos instrutores, partidários da santidade desse tradicionalismo, conhecerem a verdade. Eles compreendem mais ou menos plenamente as limitações das escrituras, mas eles são covardes morais, e são intelectualmente desonestos. Eles sabem da verdade a respeito das sagradas escrituras, mas preferem ocultar do povo esses fatos perturbadores. E, assim, desvirtuam e deturpam as escrituras, fazendo delas um guia de detalhes escravizadores da vida diária, e uma autoridade nas coisas não espirituais, em vez de apelar para os escritos sagrados como um depositário de sabedoria moral, de inspiração religiosa e de ensinamento espiritual, vindos dos homens conhecedores de Deus de outras gerações”.

159:4:11 17692 Natanael estava esclarecido, e chocado, com o pronunciamento do Mestre. E ponderou longamente, sobre essa conversa, nas profundezas da sua alma; mas nada falou, a nenhum homem, a respeito desse diálogo, não antes da ascensão de Jesus; e, mesmo então, ele temia contar toda a história da instrução do Mestre.

5. A NATUREZA POSITIVA DA RELIGIÃO DE JESUS


159:5:1 17693 Na Filadélfia, onde Tiago estava trabalhando, Jesus ensinou aos discípulos a natureza positiva do evangelho do Reino. Quando, no decorrer das suas observações, ele insinuou que algumas partes da Escritura continham mais verdade do que outras e quando preveniu aos seus ouvintes sobre alimentar as suas almas com o melhor do alimento espiritual, Tiago interrompeu o Mestre, perguntando: “Mestre, tu serias tão bom a ponto de sugerir a nós como podemos escolher as melhores passagens, das escrituras, para a nossa edificação pessoal?” E Jesus respondeu: “Sim, Tiago, quando leres as escrituras procura por aqueles ensinamentos eternamente verdadeiros e divinamente belos, tais como:

159:5:2 17694 “Cria em mim um coração puro, ó Senhor”.

159:5:3 17695 “O Senhor é meu pastor; nada me há de faltar”.

159:5:4 17696 “Ama o teu semelhante como a ti próprio”.

159:5:5 17697 “Pois eu, o Senhor teu Deus, segurarei a tua mão direita, dizendo, não temas; eu ajudar-te-ei”.

159:5:6 17698 “E as nações não mais farão o aprendizado da guerra”.

159:5:7 17699 E isso é ilustrativo do modo como Jesus, dia a dia, apropriava-se do melhor das escrituras dos hebreus para a instrução dos seus seguidores, incluindo-o nos ensinamentos do novo evangelho do Reino. Outras religiões tinham sugerido o pensamento de que Deus está próximo do homem, mas Jesus transformou o cuidado de Deus, para com o homem, na solicitude de um Pai cheio de amor pelo bem-estar dos filhos que dele dependem; fazendo então, desse ensinamento, a pedra angular da sua religião. E, assim, a doutrina da paternidade de Deus torna imperativa a prática da fraternidade dos homens. A adoração de Deus e o serviço do homem tornam-se a soma e a essência da sua religião. Jesus tomou do melhor da religião judaica, transpondo-o para o quadro digno que são os novos ensinamentos do evangelho do Reino.

159:5:8 176910 Jesus colocou o espírito da ação positiva nas doutrinas passivas da religião judaica. No lugar da submissão negativa, da submissão às exigências cerimoniais, Jesus indicou a realização positiva daquilo que a sua nova religião exigia daqueles que a aceitavam. A religião de Jesus não consistiu meramente em acreditar, mas, de fato, em fazer todas aquelas coisas que o evangelho exigia. Ele não ensinou que a essência da sua religião consistia no serviço social, mas sim que aquele serviço social era um dos efeitos certos da posse do espírito da verdadeira religião.

159:5:9 17701 Jesus não hesitou em apropriar-se da melhor metade de uma escritura, repudiando, ao mesmo tempo, a parte inferior de conteúdo. A sua grande exortação, “Ama ao próximo como a ti mesmo”, ele tomou-a das escrituras, onde se lê: “Não exercerás a vingança contra o filho do teu povo, mas amarás o teu semelhante, como a ti mesmo”. Jesus apropriou-se da parte positiva dessa escritura, rejeitando a parte negativa. Ele se opôs até mesmo à não-resistência negativa ou puramente passiva. Ele disse:“Quando um inimigo te golpear em uma face, não fiques emudecido e passivo, mas, em uma atitude positiva, dá-lhe a outra face; isto é, faze o melhor possível, ativamente, para conduzir o teu irmão errado até longe do caminho do mal, levando-o para os melhores caminhos do viver na retidão”. Jesus exigiu que os seus seguidores reagissem positiva e dinamicamente a todas as situações na vida. Dar a outra face, ou qualquer ato que signifique isso, tipicamente, demanda iniciativa, pede uma expressão vigorosa, ativa e corajosa, da personalidade daquele que crê.

159:5:10 17702 Jesus não preconizava a prática da submissão negativa às indignidades daqueles que pudessem buscar propositalmente impor-se aos praticantes da não resistência ao mal, mas sim que os seus seguidores devessem ser sábios e alertas para reagir, de modo rápido e positivo, com o bem para enfrentar o mal, com o fito de que pudessem efetivamente vencer o mal com o bem. Não esqueçais, o bem verdadeiro é, invariavelmente, mais poderoso do que o mal mais maligno. O Mestre ensinou um critério positivo de retidão: “Quem desejar ser meu discípulo, que esqueça de si e assuma plenamente as suas responsabilidades diárias de seguir-me”. E ele próprio dava o exemplo, pois “ele manteve-se no seu caminho, fazendo o bem”. E esse aspecto do evangelho ficou bem ilustrado nas muitas parábolas que, mais tarde, ele contou aos seus seguidores. Jesus nunca exortou os seus seguidores a suportar pacientemente as suas obrigações, mas sim, com energia e entusiasmo, a viver na medida plena das suas responsabilidades humanas e dos privilégios divinos, no Reino de Deus.

159:5:11 17703 Quando Jesus instruiu os seus apóstolos para que, se alguém lhes tomasse injustamente o agasalho, eles lhe oferecessem um outro agasalho, ele referia-se não tanto a um segundo agasalho literalmente, mas mais à idéia de fazer algo positivo para salvar aquele que errou, em lugar do conselho antigo que era o da retaliação – “um olho por outro olho”, e assim por diante. Jesus abominava a idéia tanto da retaliação, quanto de tornar-se apenas um sofredor passivo ou uma vítima da injustiça. Nessa ocasião ele ensinou-lhes os três caminhos de lutar e de resistir ao mal:

17704 1. Retribuir o mal com o mal – o método positivo, mas incorreto.

17705 2. Sofrer o mal sem queixa e sem resistência – o método puramente negativo.

17706 3. Retribuir o mal com o bem, de afirmar a vontade, visando tornar-se o senhor da situação, de vencer o mal com o bem – o método positivo e reto.

159:5:12 17707 Um dos apóstolos perguntou, certa vez: “Mestre, o que eu deveria fazer se um estranho me forçasse a carregar a sua carga por uma légua?” Jesus respondeu: “Não te assentes para suspirar, repreendendo o estranho. A retidão não vem dessas atitudes passivas. Se tu não conseguires pensar em nada mais efetivamente positivo para fazer, tu podes ao menos carregar o fardo dele por uma segunda légua. Isso irá sem dúvida desafiar o injusto e incrédulo estranho”.

159:5:13 17708 Os judeus tinham ouvido falar de um Deus que perdoaria aos pecadores arrependidos e que tentaria esquecer os erros deles, mas jamais, antes da vinda de Jesus, os homens ouviram falar de um Deus que tivesse ido à procura da ovelha perdida e que tomaria a iniciativa de procurar os pecadores, e que se rejubilaria quando os encontrasse querendo voltar para a casa do Pai. Essa nota positiva, na religião, Jesus estendeu-a até mesmo às suas orações. E ele converteu a restritiva regra de ouro em uma exortação positiva em favor da equanimidade humana.

159:5:14 17711 Em todos os seus ensinamentos, Jesus evitou, infalivelmente, os detalhes que dispersam. Ele evitava a linguagem floreada e as imagens meramente poéticas, como o jogo de palavras. E, habitualmente, punha significados amplos, em expressões curtas. Com o propósito de ilustração, Jesus alterava o significado corrente de muitos termos, tais como sal, fermento, pescar e filhinhos. Ele empregava muito eficientemente a antítese, comparando o diminuto ao infinito, e assim por diante. As suas descrições eram surpreendentes: “O cego conduzindo um cego”. Todavia, a maior força encontrada, no seu ensinamento ilustrativo, foi a da sua naturalidade. Jesus trouxe a filosofia da religião, do céu à Terra. Ele retratou as necessidades elementares da alma, com uma nova visão de discernimento interior e dentro de uma nova concessão de afeto.

6. O RETORNO A MAGADAM


159:6:1 17712 A missão de quatro semanas, na Decápolis, teve um êxito moderado. Centenas de almas foram recebidas no Reino, os apóstolos e os evangelistas tiveram uma experiência valiosa ao realizar o seu trabalho, sem a inspiração da presença pessoal de Jesus.

159:6:2 17713 Na sexta-feira, 16 de setembro, todo o corpo de servidores reuniu-se, como convencionado previamente, no parque de Magadam. No dia de sábado foi feito um conselho de mais de cem crentes, no qual os planos futuros para expandir o trabalho do Reino foram considerados de modo completo. Os mensageiros de Davi estiveram presentes e fizeram relatos a respeito do bem-estar dos crentes, em toda a Judéia, Samaria, Galiléia e distritos adjacentes.

159:6:3 17714 Poucos dos seguidores de Jesus, nessa época, sabiam apreciar totalmente o grande valor dos serviços do corpo dos mensageiros. Os mensageiros mantinham não apenas os crentes da Palestina em contato uns com os outros, com Jesus e com os apóstolos, mas, durante aqueles dias sombrios, também serviram como coletores de fundos, tanto para o sustento de Jesus e dos seus companheiros, quanto para sustentar as famílias dos doze apóstolos e dos doze evangelistas.

159:6:4 17715 Nessa época, Abner mudou a sua base de operações, de Hebrom para Belém, e este último local foi também o centro para os mensageiros de Davi, na Judéia. Davi mantinha um serviço de revezamento de mensageiros, durante toda a noite, entre Jerusalém e Betsaida. Esses corredores deixavam Jerusalém todas as noites, revezando-se em Sichar e em Sitópolis, chegando em Betsaida por volta da hora do desjejum, na manhã seguinte.

159:6:5 17716 Jesus e os seus seguidores agora se preparavam para ter um descanso de uma semana, antes de aprontarem-se para começar a última época de trabalhos em benefício do Reino. Esse foi o último descanso deles, pois a missão pereiana transformou-se em uma campanha de pregação e de ensinamento, que se estendeu até o momento da chegada deles em Jerusalém e do desenrolar dos episódios finais da carreira terrena de Jesus.

DOCUMENTO 160

RODAM DE ALEXANDRIA
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No domingo pela manhã, 18 de setembro, André anunciou que nenhum trabalho seria programado para a semana seguinte. Todos os apóstolos, exceto Natanael e Tomé, foram para casa visitar os familiares ou estar com amigos. Nessa semana Jesus desfrutou de um período de descanso quase completo, mas Natanael e Tomé estiveram bastante ocupados com as suas conversas com um certo filósofo grego de Alexandria, chamado Rodam. Esse grego tinha-se tornado recentemente um discípulo de Jesus, por meio dos ensinamentos de um dos colaboradores de Abner que havia conduzido uma missão a Alexandria. Rodam estava agora sinceramente empenhado na tarefa de harmonizar a sua filosofia de vida com os novos ensinamentos religiosos de Jesus e tinha vindo a Magadam esperando que o Mestre conversasse sobre essa questão com ele. Ele também desejava assegurar uma versão autorizada, do evangelho, em primeira mão e diretamente de Jesus ou de um dos seus apóstolos. Apesar de o Mestre não se ter mostrado inclinado a entrar em tal conferência com Rodam, recebeu-o amavelmente e imediatamente determinou a Natanael e Tomé que escutassem a tudo o que ele tinha para dizer e que, por sua vez, falassem com ele sobre os evangelhos.

1. A FILOSOFIA GREGA DE RODAM


160:1:1 17722 No domingo cedo, pela manhã, Rodam começou uma série de dez discursos para Natanael, Tomé e um grupo de uns vinte e quatro crentes que se encontravam em Magadam. Essas palestras, condensadas, combinadas e relatadas na construção moderna de frases, apresentam os seguintes pensamentos à consideração:

160:1:2 17723 A vida humana consiste de três grandes impulsos: ímpetos, desejos e atrações. Um caráter firme e uma personalidade de comando são adquiridos apenas convertendo os ímpetos naturais da vida em arte social de viver, pela transformação dos desejos, do instante presente, em anseios mais elevados, que sejam capazes de um alcance duradouro; enquanto a atração lugar-comum da existência deve ser transferida das idéias convencionais e estabelecidas, para domínios mais elevados de idéias inexploradas e ideais não descobertos.

160:1:3 17724 Quanto mais complexa a civilização se torna, mais difícil ficará a arte de viver. Quanto mais rápidas as mudanças nos hábitos sociais, mais complicada ficará a tarefa de desenvolvimento do caráter. A cada dez gerações a humanidade deve aprender de novo a arte de viver, se é que o progresso deva continuar. E se o homem torna-se tão engenhoso, que mais rapidamente ele aumenta as complexidades da sociedade, a arte de viver necessitará ser reformada em menos tempo, talvez, a cada nova geração. Se a evolução da arte de viver fracassar em manter-se à altura da técnica de existência, a humanidade a reverterá rapidamente à condição simples de urgência da sobrevivência – busca da satisfação dos desejos presentes. E assim a humanidade permanecerá imatura; e a sociedade fracassará no seu crescimento até a maturidade plena.

160:1:4 17731 A maturidade social é equivalente ao grau pelo qual o homem está disposto a sacrificar a gratificação de desejos meramente transitórios e presentes, e passar a entreter aqueles anseios superiores, cuja obtenção requer esforço, mas que, se atingidos, proporcionam satisfações mais abundantes e de avanço mais progressivo, na direção de metas permanentes. A verdadeira indicação de maturidade social, entretanto, é a vontade que um povo tem de renunciar ao direito de viver, pacífica e satisfatoriamente sob os padrões promotores da comodidade e sob crenças estabelecidas e idéias convencionais, em troca da atração, inquietante sim e absorvedora de energia também, da busca de possibilidades inexploradas, para atingir metas novas não descobertas, de realidades espirituais idealistas.

160:1:5 17732 Os animais respondem nobremente ao impulso da vida, mas apenas o homem pode atingir uma arte de viver, se bem que a maioria da humanidade apenas experimente um ímpeto animal de vida. Os animais conhecem apenas essa urgência cega e instintiva; o homem é capaz de transcender a esses ímpetos de função natural. O homem pode optar por uma vida, no plano elevado da arte inteligente e, até mesmo, no plano da alegria celestial ou do êxtase espiritual. Os animais nada se perguntam sobre os propósitos da vida; e conseqüentemente nunca se preocupam, nem cometem suicídio. O suicídio entre os homens atesta que esses seres emergiram do estágio puramente animal de existência e subseqüentemente atesta o fato de que os esforços exploratórios de tais seres humanos falharam em atingir os níveis artísticos da experiência mortal. Os animais não conhecem o sentido da vida; o homem não somente possui a capacidade de reconhecer os valores e a compreensão dos significados, mas também é cônscio do significado dos significados – é autoconsciente do discernimento interior.

160:1:6 17733 Quando os homens ousam abandonar uma vida de desejos naturais por uma vida de aventuras na arte, cuja lógica é incerta, eles devem esperar sofrer os acasos conseqüentes das perdas emocionais – conflitos, infelicidade e incertezas –, pelo menos até que chegue o tempo de atingir, em algum grau, a maturidade intelectual e emocional. O desencorajamento, a preocupação e a indolência são evidências claras de imaturidade moral. A sociedade humana confronta-se com dois problemas: a maturidade do indivíduo, por ser atingida, e a maturidade da raça, também por ser atingida. O ser humano amadurecido logo começa a encarar todos os outros mortais com sentimentos de ternura e com emoções de tolerância. Os homens amadurecidos encaram os imaturos com o amor e a consideração com que os pais criam os filhos.

160:1:7 17734 O viver com êxito é, nada mais, nada menos do que a arte na mestria e no domínio de técnicas confiáveis para resolver problemas comuns. O primeiro passo na solução de qualquer problema é localizar a dificuldade, é isolar o problema e reconhecer francamente a sua natureza e gravidade. O grande erro é que, quando os problemas da vida despertam os nossos medos profundos, nós nos recusamos a reconhecê-los. Da mesma forma, quando o reconhecimento das nossas dificuldades envolve uma redução na nossa vaidade, já tão longamente acalentada, e a admissão da inveja ou o abandono de preconceitos já profundamente arraigados, o indivíduo comum prefere apegar-se às velhas ilusões de imunidade e aos falsos sentimentos de segurança, também acalentados há muito. Apenas uma pessoa valente pode estar honestamente disposta a admitir e a encarar, destemidamente, o que a sua mente sincera e lógica descobre.

160:1:8 17735 A solução sábia e efetiva de qualquer problema demanda que a mente seja isenta de sectarismos, paixões e todos os outros condicionamentos puramente pessoais, que poderiam interferir em uma busca desinteressada dos fatores reais que constituem o problema que se apresenta para ser solucionado. A solução dos problemas da vida requer coragem e sinceridade. Apenas os indivíduos honestos e valentes são capazes de seguir bravamente, através do labirinto perturbador e confuso da vida, até onde a lógica de uma mente destemida pode levar. E essa emancipação da mente e da alma não pode efetivar-se sem o poder impulsionador de um entusiasmo inteligente, que beira o zelo religioso. A atração de um grande ideal é necessária para impulsionar o homem a perseguir uma meta que seja cerceada de problemas materiais difíceis e de cheia riscos intelectuais múltiplos.

160:1:9 17741 Ainda que vós estejais efetivamente equipados para encarar as situações difíceis da vida, não podereis esperar ter êxito, a menos que estejais providos com aquela sabedoria da mente e o encanto da personalidade que vos propiciarão obter a cooperação e o apoio sincero dos vossos semelhantes. Vós não podeis esperar ter um sucesso em larga escala, seja no vosso trabalho secular, seja no religioso, a menos que possais aprender como persuadir os vossos semelhantes, como convencer os homens. Deveis ter tato e tolerância, simplesmente.

160:1:10 17742 O maior de todos os métodos, de solução dos problemas, contudo, eu aprendi com Jesus, o vosso Mestre. Estou referindo-me àquilo que ele tão coerentemente pratica e que, com tanta fé, ensinou a vós: o isolamento da meditação adoradora. Nesse costume, que Jesus tem de sair tão freqüentemente e de se isolar, para comungar com o Pai que está no céu, deve ser encontrada a técnica, não apenas para reunir as forças e a sabedoria a fim de lidar com os conflitos ordinários da vida, mas também para apossar-se da energia necessária à solução dos mais altos problemas de natureza moral e espiritual. Pois nem mesmo os métodos corretos de solução dos problemas poderão compensar os defeitos inerentes da personalidade, nem harmonizar a ausência de fome e sede de retidão verdadeira.

160:1:11 17743 Estou profundamente impressionado com o costume que Jesus tem de apartar-se e de engajar-se sozinho nessas sessões de sondagens solitárias dos problemas da vida; de busca de novas reservas de sabedoria e energia, para enfrentar as múltiplas demandas do serviço social; de estimular e aprofundar o propósito supremo da vida, ao sujeitar a personalidade total à consciência do contato com a divindade; de lutar por alcançar métodos novos e melhores de ajustamento às situações sempre mutantes da existência nesta vida; de efetuar aquelas reconstruções vitais e os reajustes das atitudes pessoais, que são tão essenciais ao discernimento elevado, de tudo o que é real e que vale a pena; e de fazer tudo isso com os olhos apenas na glória de Deus – e respirar com sinceridade na oração favorita do vosso Mestre: “Não o meu desejo, mas o Vosso seja cumprido”.

160:1:12 17744 Essa prática plena da adoração, do vosso Mestre, proporciona aquele relaxamento que renova a mente; aquela iluminação, que inspira a alma; aquela coragem, que capacita para enfrentar valentemente os problemas; aquela autocompreensão, que oblitera o medo debilitador; e aquela consciência de união com a divindade, que dota o homem com a segurança necessária para atrever-se a ser como Deus. O relaxamento da adoração, ou comunhão espiritual, como praticada pelo Mestre, alivia a tensão, elimina os conflitos; e aumenta poderosamente os recursos totais da personalidade. E toda essa filosofia, mais o evangelho do Reino, constitui a nova religião como eu a entendo.

160:1:13 17745 O preconceito cega a alma para o reconhecimento da verdade; o preconceito pode ser removido somente pela devoção sincera da alma à adoração de uma causa que abranja e inclua plenamente todos os nossos semelhantes. O preconceito está inseparavelmente vinculado ao egoísmo. O preconceito pode ser eliminado somente se a busca do ego for abandonada e substituída pela busca da satisfação pelo serviço de uma causa, que seja, não apenas maior do que o ego, mas maior até do que toda a humanidade – a busca de Deus, o alcance da divindade. Uma evidência da maturidade da personalidade consiste na transformação do desejo humano, pela procura constante da realização desses valores, que são os mais elevados e os mais divinamente reais.

160:1:14 17746 Num mundo continuamente em mudança, em meio a uma ordem social em evolução, é impossível manter metas imutáveis e rígidas de destino. A estabilidade da personalidade somente pode ser experimentada por aqueles que descobriram e abraçaram o Deus vivo, como meta eterna de alcance infinito. E assim, transferir a meta do tempo para a eternidade, da Terra para o Paraíso, do humano para o divino, requer que o homem se torne regenerado, convertido, que nasça de novo; e que ele se torne a criança recriada do espírito divino, conquistando assim a entrada na irmandade do Reino do céu. Todas as filosofias e religiões que não chegam a esses ideais são imaturas. A filosofia que eu ensino, ligada ao evangelho que vós pregais, representa a nova religião da maturidade, o ideal das gerações futuras. E isso é verdade porque o nosso ideal é definitivo, infalível, eterno, universal, absoluto e infinito.

160:1:15 17751 A minha filosofia deu-me o impulso de buscar as realidades de alcance verdadeiro, a meta da maturidade. Todavia esse meu ímpeto foi impotente; à minha procura faltava a força impulsionadora; a minha indagação sofria da ausência da certeza de direcionamento. E essas deficiências foram abundantemente supridas por esse novo evangelho de Jesus, com o seu enaltecimento do discernimento interior, da elevação de ideais e nitidez de metas. Sem dúvidas e sem apreensões, eu posso agora, de coração pleno, entrar na aventura eterna.

2. A ARTE DE VIVER


160:2:1 17752 Há apenas duas maneiras por meio das quais os mortais podem viver juntos: a maneira material ou animal e a maneira espiritual ou humana. Pelo uso de sinais e sons, os animais são capazes de comunicar-se uns com os outros, de um modo limitado. Mas tais formas de comunicação não transmitem significados, valores ou idéias. Uma distinção entre homem e animal é que o homem pode comunicar-se com os seus semelhantes, por meio de símbolos que, com toda certeza, designam e identificam significados, valores, idéias e mesmo ideais.

160:2:2 17753 Posto que os animais não podem comunicar idéias, uns aos outros, eles não podem desenvolver personalidade. O homem desenvolve personalidade, porque ele pode comunicar-se dessa maneira com os seus semelhantes, tanto sobre idéias, quanto sobre ideais.

160:2:3 17754 É essa habilidade de comunicar e compartilhar significados que constitui a cultura humana e que capacita o homem, por meio de agrupamentos sociais, a construir civilizações. O conhecimento e a sabedoria tornam-se cumulativos, por causa da habilidade que o homem tem de comunicar essas conquistas às gerações vindouras. E dessa maneira surgem as atividades culturais da raça: a arte, a ciência, a religião e a filosofia.

160:2:4 17755 A comunicação simbólica entre os seres humanos, predetermina o iniciar da existência de grupos sociais. O mais eficiente de todos os grupos sociais é a família, mais particularmente o grupo dos dois progenitores. O afeto pessoal é o laço espiritual que mantém essas ligações materiais unidas. Uma tal relação eficaz é também possível entre duas pessoas do mesmo sexo, como é ilustrado tão abundantemente pela devoção das amizades genuínas.

160:2:5 17756 Essas associações de amizade e afeto mútuo são socializantes e enobrecedoras, porque encorajam e facilitam os seguintes fatores essenciais ao mais alto nível da arte de viver:

160:2:6 17757 1. A auto-expressão e a autocompreensão mútuas. Muitos impulsos humanos nobres desaparecem porque não há ninguém que escute a sua expressão. Verdadeiramente, não é bom para o homem ficar só. Um certo grau de aprovação e uma certa quantidade de apreço são essenciais ao desenvolvimento do caráter humano. Sem o genuíno amor por um lar, nenhuma criança pode realizar o desenvolvimento pleno de um caráter normal. O caráter é algo mais do que a mera moral da mente e mais do que a moralidade. De todas as relações sociais entabuladas para desenvolver o caráter, a mais eficaz e ideal é a amizade afetuosa e compreensiva entre homem e mulher, no abraço mútuo de um matrimônio inteligente. O matrimônio com as suas relações múltiplas é mais bem indicado para estimular aqueles impulsos preciosos e aqueles motivos mais elevados, que são indispensáveis ao desenvolvimento de um caráter firme. Eu não hesito, dessa forma, em glorificar a vida familiar, pois o vosso Mestre elegeu sabiamente a relação pai-filho como a pedra angular desse novo evangelho do Reino. E uma comunhão tão inigualável de relacionamento, entre homem e mulher, no abraço afetuoso dos mais altos ideais do tempo, é uma experiência tão valiosa e satisfatória que vale a pena tê-la a qualquer preço, sob pena de qualquer sacrifício necessário para consegui-la.

160:2:7 17761 2. A união de almas – a mobilização da sabedoria. Todo ser humano, mais cedo ou mais tarde, adquire um certo conceito deste mundo e uma certa visão do próximo. Pois bem, é possível, por meio da conjunção de personalidades, unir essas visões da existência temporal e das perspectivas eternas. Assim, a mente de um aumenta os seus valores espirituais ao ganhar muito do discernimento interior do outro. Dessa forma os homens enriquecem as suas almas, fazendo entre si a união das suas respectivas conquistas espirituais. Do mesmo modo, o homem torna-se capacitado para evitar aquela tendência sempre presente de ser vítima de uma distorção na sua visão, de um ponto de vista preconcebido, ou de uma estreiteza de julgamento. O medo, a inveja e a imodéstia somente podem ser evitados pelo estreito contato com outras mentes. Chamo a vossa atenção para o fato de que o Mestre nunca vos envia sozinhos para o trabalho de expansão do Reino; ele sempre vos envia dois a dois. E posto que a sabedoria é supraconhecimento, a conseqüência é que, com a união de sabedorias, em um grupo social pequeno ou grande, todo o conhecimento é compartilhado mutuamente.

160:2:8 17762 3. O entusiasmo pela vida. O isolamento tende a exaurir a carga de energia da alma. A associação com os semelhantes é essencial para a renovação do gosto pela vida e é indispensável à manutenção da coragem para lutar nas batalhas conseqüentes da ascensão a níveis mais elevados da vida humana. A amizade intensifica as alegrias e glorifica os triunfos da vida. As ligações humanas e amor e intimidade tendem a aliviar o sofrimento das penas da vida e a dificuldade de muitas amarguras. A presença de um amigo acentua toda a beleza e exalta toda a bondade. Por meio de símbolos inteligentes, o homem torna-se capaz de vivificar e aumentar as capacidades de apreciação dos seus amigos. Uma das glórias que coroam as amizades humanas é esse poder e possibilidade de estímulo mútuo da imaginação. Um grande poder espiritual é inerente à consciência da devoção, de todo o coração, a uma causa comum, à lealdade mútua a uma Deidade cósmica.

160:2:9 17763 4. O aumento da defesa contra todo o mal. A associação de personalidades e o afeto mútuo são uma segurança eficiente contra o mal. As dificuldades, as penas, o desapontamento e a derrota são mais dolorosos e desalentadores quando suportados a sós. O companheirismo não transmuta o mal em retidão, mas contribui muito para a mitigação do golpe. Disse vosso Mestre: “Felizes são aqueles que choram” – se tiverem junto um amigo para consolá-los. Há uma força positiva no conhecimento de que vós viveis para o bem de outros e que esses outros da mesma forma vivem pelo vosso bem-estar e avanço. O homem definha em isolamento. Os seres humanos infalivelmente se tornam desalentados quando podem visualizar apenas as transações transitórias no tempo. O presente, quando divorciado do passado e do futuro, torna-se exasperadamente trivial. Um vislumbre apenas, do círculo da eternidade, pode inspirar o homem a dar o melhor de si; e pode desafiar esse melhor de si a se ultrapassar. E, quando o homem, assim, está no melhor de si, ele vive de forma menos egocêntrica, e pelo bem dos outros, os seus companheiros de jornada no tempo e na eternidade.

160:2:10 17771 E repito: uma associação tão inspiradora e enobrecedora encontra as suas possibilidades ideais na relação humana do matrimônio. É bem verdade que muito se realiza fora do matrimônio; e que muitos e muitos casamentos posteriormente fracassam em produzir esses frutos morais e espirituais. Em um número grande de vezes o matrimônio é adotado por aqueles que procuram outros valores, que são menos elevados do que aquelas características que acompanham a maturidade humana. O matrimônio ideal deve fundamentar-se em algo mais estável do que as flutuações do sentimento e do que o mero capricho da atração sexual; deve ser baseado em devoção pessoal genuína e recíproca. E assim, se vós podeis construir essas pequenas unidades eficientes e plenas de confiabilidade de ligação humana, quando estas forem agrupadas no todo, o mundo irá contemplar uma estrutura social grande e glorificada, a civilização da maturidade mortal. Tal raça poderia começar a realizar algo do ideal do vosso Mestre, de “Paz na Terra aos homens de boa vontade”. Ainda que tal sociedade não seja perfeita, nem inteiramente livre do mal, ao menos aproximar-se-ia da estabilização da maturidade.

3. A ATRAÇÃO DA MATURIDADE


160:3:1 17772 O esforço na direção da maturidade exige trabalho; e trabalho requer energia. De onde viria o poder para realizar tudo isso? As coisas materiais poderiam ser visualizadas como algo garantido e, pois, o Mestre não disse bem: “Nem só de pão vive o homem”. Garantida a posse de um corpo normal e com saúde razoavelmente boa, devemos em seguida procurar pelas atrações que atuarão como estímulo para despertar as forças espirituais adormecidas, do homem. Jesus ensinou que Deus vive no homem; então, como podemos induzir os homens a liberar esses poderes, de divindade e de infinitude, de dentro das suas almas? Como induzirmos os homens a liberar Deus de dentro si, para que possa Ele refrescar as nossas próprias almas; e para que, manifestando-se fora de nós, possa, pois, servir ao propósito de iluminar, elevar e abençoar outras incontáveis almas? Como posso eu, da melhor maneira, despertar esses poderes latentes para o bem, que estão adormecidos nas vossas almas? De uma coisa estou seguro: a excitação emocional não é o estímulo espiritual ideal. A excitação não aumenta a energia; antes exaure os poderes, tanto da mente, quanto do corpo. De onde vem então a energia para fazer essas grandes coisas? Vede o vosso Mestre. Ainda agora, ele está longe, nas montanhas, enchendo-se de energias, enquanto nós estamos aqui, gastando energia. O segredo de toda essa questão está guardado na comunhão espiritual, na adoração. Do ponto de vista humano, é uma questão de combinação entre meditação e relaxamento. A meditação faz o contato da mente com o espírito; o relaxamento determina a capacidade de receptividade espiritual. E esse intercâmbio, de força por fraqueza, de coragem por medo, da vontade de Deus pela vontade da mente do ego, constitui em si a adoração. Pelo menos, esse é o modo pelo qual o filósofo a vê.

160:3:2 17773 Quando são freqüentemente repetidas, essas experiências cristalizam-se em hábitos, hábitos de fortalecimento na adoração; tais hábitos formulam certamente, por si mesmos, um caráter espiritual e tal caráter é finalmente reconhecido pelos semelhantes, como o de uma personalidade amadurecida. Essas práticas são difíceis e consomem tempo, no início, mas, quando se tornam habituais, passam a ser, de imediato, restauradoras e permitem poupar tempo. Quanto mais complexa a sociedade torna-se e quanto mais as atrações da civilização multiplicam-se, mais urgente torna-se a necessidade, dos indivíduos que conhecem a Deus, de transformar essas práticas protetoras, cada vez mais, em hábitos destinados a conservar e aumentar as suas energias espirituais.

160:3:3 17781 Outro quesito para atingir a maturidade é o ajustamento cooperativo de grupos sociais ao ambiente em contínua mutação. O indivíduo imaturo desperta antagonismos nos seus semelhantes; o homem amadurecido ganha a cooperação, de coração aberto, dos seus amigos, multiplicando em muito, dessa forma, os frutos dos esforços de sua vida.

160:3:4 17782 A minha filosofia me diz que há momentos em que devo lutar, se necessário for, em defesa do meu conceito de retidão, mas não duvido que, com um tipo mais maduro de personalidade, o Mestre ganhasse com facilidade e graça uma vitória igual, por meio da sua técnica superior e cativante, de tato e tolerância. Muito freqüentemente, quando lutamos pelo certo, acontece que ambos, o vitorioso e o vencido são derrotados. Ouvi, ontem mesmo, o Mestre dizer que “o homem sábio, ao tentar entrar por uma porta fechada, não destruiria a porta, mas buscaria antes a chave com que a abrir”. Não são poucas as vezes em que nós entramos em uma luta, simplesmente para convencer a nós mesmos de que não temos medo.

160:3:5 17783 Esse novo evangelho do Reino presta um grande serviço à arte da vida, no sentido de apresentar um incentivo novo e mais rico, para uma vida mais elevada. Apresenta uma nova e elevada meta de destino, com um propósito supremo de vida. E esses novos conceitos de uma meta eterna e divina para a existência são, em si mesmos, estímulos transcendentais, que clamam por uma reação do que há de melhor dentro da melhor natureza do homem. No ponto mais elevado do pensamento intelectual devem ser encontrados: o relaxamento para a mente, a força para a alma e a comunhão para o espírito. Com tantos pontos de vantagem da vida elevada, o homem torna-se capaz de transcender as irritações materiais dos níveis mais baixos de pensamento e preocupação: angústia, ciúme, inveja, vingança e o orgulho da personalidade imatura. Essas almas, que farão altas escaladas, libertam-se a si mesmas dos inúmeros conflitos triviais e comuns da vida, tornando-se assim livres para dedicar as suas consciências às correntes mais elevadas de conceitos espirituais e de comunicação celeste. Contudo, o propósito da vida deve ser guardado zelosamente contra a tentação de realizações passageiras e fáceis de alcançar; da mesma forma deve ser levado avante, o propósito; mas de modo a tornar o homem imune às ameaças desastrosas do fanatismo.

4. O EQUILÍBRIO DA MATURIDADE


160:4:1 17784 Conquanto mantendes uma vista voltada apenas para alcançar realidades eternas, deveis também fazer a provisão para as necessidades da vida temporal. Enquanto o espírito é a nossa meta, a carne é um fato. Uma vez ou outra, as coisas que são necessárias para viver, podem cair nas nossas mãos por acaso, mas, de forma geral, devemos trabalhar inteligentemente para obtê-las. Os dois maiores problemas da vida são: cuidar da sobrevivência temporal e realizar a sobrevivência eterna. E, mesmo a questão da sobrevivência necessita da religião para a sua solução ideal. Esses são, ambos, problemas altamente pessoais. A verdadeira religião, de fato, não funciona separadamente do indivíduo.

160:4:2 17785 Os fatores essenciais da vida temporal, como os vejo, são:

17786 1. A boa saúde física.

17787 2. O pensar claro e desimpedido.

17788 3. A habilidade e a perícia.

17789 4. A riqueza – os bens da vida.

177810 5. A capacidade de suportar a derrota.

177811 6. A cultura – educação e sabedoria.

160:4:3 17791 Até mesmo as questões físicas, de saúde e capacidade corpórea, são mais bem resolvidas quando vistas do ponto de vista religioso dos ensinamentos do nosso Mestre: pois o corpo e a mente do homem são a morada do dom dos Deuses, o espírito de Deus tornando-se o espírito do homem. A mente do homem, assim, torna-se a mediadora entre as coisas materiais e as realidades espirituais.

160:4:4 17792 Assegurar a nossa parte de coisas desejáveis na vida, requer inteligência. É inteiramente errôneo supor que a fidelidade de fazer o nosso trabalho diário vai assegurar as recompensas da riqueza. Exceção feita à aquisição ocasional e acidental de riqueza, as recompensas materiais da vida temporal devem fluir de certos canais, e somente aqueles que têm acesso a esses canais podem esperar ser bem recompensados pelos seus esforços temporais. A pobreza será sempre o quinhão de todos os homens que procuram a riqueza em canais isolados e individuais. O planejamento sábio, por conseguinte, torna-se o único elemento essencial à prosperidade no mundo. O êxito requer não apenas a nossa devoção ao próprio trabalho, mas também que funcionemos como uma parte de um dos canais da riqueza material. Se não fordes prudentes, podereis entregar uma vida devotada à vossa geração sem obter recompensa material; se fordes um beneficiário acidental do fluir da riqueza, podereis nadar no luxo, ainda que não tenhais feito nada que valha a pena para os vossos semelhantes.

160:4:5 17793 Habilidade é o que herdais, enquanto perícia é o que adquiris. A vida não é real para alguém que não pode fazer bem – como um especialista – ao menos uma coisa. A perícia é uma das fontes reais de satisfação do viver. A habilidade implica o dom de prever, de ver longe. Não vos deixeis decepcionar pelas recompensas tentadoras da realização desonesta; estejais dispostos a trabalhar arduamente pelos retornos futuros inerentes da conduta honesta. O homem sábio é capaz de distinguir entre meios e fins; mas, algumas vezes, o próprio excesso de planejamento para o futuro derrota-se no seu alto propósito. Como um buscador de prazeres deveríeis sempre visar ser tanto um criador quanto um consumidor.

160:4:6 17794 Treinai a vossa memória para manter em lugar sagrado os episódios fortalecedores e valiosos da vida, dos quais vós podeis vos lembrar à vontade para o vosso prazer e edificação. Assim, construais para vós próprios, e em vós mesmos, galerias de reserva de beleza, bondade e grandeza artística. E as memórias mais nobres de todas são os tesouros guardados na memória como grandes momentos de uma amizade magnífica. E todos esses tesouros da memória irradiam as suas mais preciosas e elevadas influências sob o toque liberador da adoração espiritual.

160:4:7 17795 A vida, contudo, transformar-se-á em uma carga existencial, a menos que vós aprendais como fracassar airosamente. Existe na derrota uma arte que as almas nobres sempre adquirem; deveis saber como perder sem perder a alegria; não deveis ter temor ao desapontamento. Nunca hesiteis em admitir o fracasso. Não tenteis disfarçar o fracasso por baixo de sorrisos justificativos ou de decepção ou de otimismo irradiante. Soa bem clamarmos pelo sucesso, sempre, mas os resultados ao fim podem ser consternadores. Tal técnica leva diretamente à criação de um mundo de irrealidade e ao inevitável choque da desilusão final.

160:4:8 17796 O êxito pode gerar coragem e proporcionar autoconfiança, mas a sabedoria advém somente das experiências de ajustamento dos resultados dos fracassos. Os homens que preferem as ilusões otimistas à realidade nunca se tornam sábios. Somente aqueles que enfrentam de frente os fatos, ajustando-os aos ideais, podem alcançar a sabedoria. A sabedoria inclui tanto os fatos, quanto o ideal e, por conseguinte, salva os seus devotos dos dois extremos estéreis da filosofia – o do homem cujo idealismo exclui os fatos, e o do materialista que é desprovido de abertura espiritual. As almas tímidas, que só mantêm a luta pela vida com a ajuda de falsas ilusões continuadas de sucesso, estão fadadas a sofrer fracassos e a experimentar a derrota quando, finalmente, acordarem do mundo de sonhos da sua própria imaginação.

160:4:9 17801 E é nesse afã de encarar os insucessos, e de ajustamento à derrota, que a visualização de longa distância, da religião, exerce a sua suprema influência. O malogro é simplesmente um episódio educacional – um experimento cultural na aquisição da sabedoria –, na experiência do homem que busca a Deus e que embarcou na aventura eterna da exploração de um universo. Para tais homens a derrota não é senão um novo instrumento para a realização de níveis mais elevados de realidade no universo.

160:4:10 17802 A carreira de um homem que busca a Deus pode ser um grande êxito à luz da eternidade, ainda que toda a empresa da vida temporal possa parecer um completo malogro, cada fracasso na vida deve ser colhido como um complemento para se alcançar a cultura da sabedoria e do espírito. Não cometais o erro de confundir conhecimento, cultura e sabedoria. Eles estão relacionados entre si na vida, mas representam valores espirituais bastante diferentes: a sabedoria sempre domina o conhecimento, e sempre glorifica a cultura.

5. A RELIGIÃO DO IDEAL


160:5:1 17803 Vós tendes dito a mim que o vosso Mestre considera que a genuína religião humana é a experiência pessoal com as realidades espirituais. Eu tenho considerado a religião como a experiência humana de reagir a algo que o homem encara como sendo digno da homenagem e devoção de toda a humanidade. Nesse sentido, a religião simboliza a nossa suprema devoção àquilo que representa o nosso mais elevado conceito dos ideais de realidade e de alcance mais profundo da nossa mente, na direção das possibilidades eternas de realização espiritual.

160:5:2 17804 Quando os homens reagem à religião no sentido tribal, nacional ou racial, é porque encaram os que não estão no seu grupo como não sendo verdadeiramente humanos. Nós sempre encaramos o objeto da nossa lealdade religiosa como sendo digno da reverência de todos os homens. A religião jamais poderá ser uma questão de mera crença intelectual ou de raciocínio filosófico; a religião é sempre e para sempre um modo de reagir às situações da vida; é uma espécie de modo de conduta. A religião abrange o pensamento, os sentimentos e os atos, reverentemente, na direção de alguma realidade que julgamos ser digna da adoração universal.

160:5:3 17805 Se alguma coisa na vossa experiência transformou-se em religião, é evidente que vós já vos convertestes em um evangelho ativo dessa religião, desde que vós categorizais o supremo conceito desta vossa religião como sendo digno da adoração de toda humanidade, de todas as inteligências do universo. Se não sois um evangelho positivo e missionário da vossa religião, estais iludindo-vos com aquilo que chamais de religião; e que é, pois, apenas uma crença tradicional ou um mero sistema de filosofia intelectual. Se a vossa religião é uma experiência espiritual, o vosso objeto de adoração deve ser a realidade do espírito universal e ideal de todos os vossos conceitos espiritualizados. Todas as religiões baseadas no medo, na emoção, na tradição e na filosofia, eu as categorizo como religiões intelectuais; enquanto aquelas que são baseadas em verdadeiras experiências espirituais, eu as denominaria religiões verdadeiras. O objeto da devoção religiosa pode ser material ou espiritual, verdadeiro ou falso, real ou irreal, humano ou divino. As religiões podem, por conseguinte, ser tanto boas como más.

160:5:4 17806 Moralidade e religião não são necessariamente a mesma coisa. Um sistema de moral, caso adote um objetivo de adoração, pode transformar-se em uma religião. Uma religião, ao perder o seu apelo universal de lealdade e suprema devoção, pode transformar-se em um sistema filosófico ou em um código moral. Essa coisa – ser, estado, ordem de existência ou possibilidade de obtenção – que constitui o ideal supremo, digno da lealdade religiosa, e que é o receptáculo da devoção religiosa daqueles que adoram, é Deus. Independentemete do nome dado a esse ideal de realidade espiritual, ele é Deus.

160:5:5 17811 As características sociais de uma verdadeira religião consistem no fato de que, invariavelmente, ela procura converter o indivíduo e transformar o mundo. A religião implica a existência de ideais não descobertos que, de longe, transcendem aos padrões conhecidos da ética e da moralidade, ainda que incorporados nos mais altos costumes sociais, das instituições mais amadurecidas da civilização. A religião procura ideais não descobertos, realidades inexploradas, valores supra-humanos, sabedoria divina e verdadeira realização espiritual. A verdadeira religião faz tudo isso; todas as outras crenças não são dignas do nome. Não podeis ter uma religião espiritual genuína sem o ideal supremo e superno de um Deus eterno. Uma religião sem esse Deus é uma invenção do homem, uma instituição humana de crenças intelectuais sem vida e de cerimoniais emocionais sem significação. Uma religião poderia aclamar, como objeto da sua devoção, um grande ideal. Tais ideais irreais, contudo, não são alcançáveis; tal conceito é ilusório. Os únicos ideais susceptíveis de serem realizados pelo homem são as realidades divinas de valores infinitos, que residem na realidade espiritual do Deus eterno.

160:5:6 17812 A palavra Deus, a idéia de Deus, em contraste com o ideal de Deus, pode tornar-se parte de qualquer religião, não importa quão pueril ou falsa essa religião possa ser. E essa idéia de Deus pode tornar-se qualquer coisa que aqueles que a mantêm possam escolher fazer dela. As religiões menos elevadas modelam as suas idéias de Deus de modo a satisfazer o estado natural do coração do homem; as mais elevadas religiões requerem que o coração humano seja modificado para satisfazer as demandas dos ideais de uma verdadeira religião.

160:5:7 17813 A religião de Jesus transcende a todos os nossos conceitos anteriores da idéia de adoração, não apenas na forma como ele retrata o seu Pai, como o ideal da realidade infinita, mas quando declara, de forma afirmativa, que essa fonte divina de valores, e centro eterno do universo, é verdadeira e pessoalmente atingível, por toda criatura mortal na Terra, que escolha entrar no Reino do céu, reconhecendo assim a aceitação da sua filiação a Deus e a sua irmandade com o homem. Esse, admito, é o conceito mais elevado de religião, que o mundo jamais conheceu, e eu afirmo que nunca poderá existir um sequer mais elevado, já que esse evangelho abrange a infinitude das realidades, a divindade de valores e a eternidade das realizações universais. Tal conceito constitui a realização da experiência do idealismo do Supremo e do Último.

160:5:8 17814 Estou não apenas intrigado pelos ideais consumados dessa religião do vosso Mestre, mas estou fortemente inclinado a professar a minha crença nessa anunciação que ele faz de que esses ideais das realidades do espírito são alcançáveis; que vós, tanto quanto eu, podemos entrar nessa longa e eterna aventura, com a garantia dele, na certeza da nossa chegada final aos portais do Paraíso. Meus irmãos, eu sou um crente, eu me entreguei; estou convosco no caminho dessa aventura eterna. O Mestre diz que veio do Pai e que vai mostrar-nos o caminho. Estou plenamente persuadido de que ele diz a verdade. Estou finalmente convencido de que não há ideais atingíveis de realidade, nem valores de perfeição, fora do Pai Universal e eterno.

160:5:9 17815 Venho, então, adorar, não meramente o Deus das existências, mas o Deus da possibilidade de todas as existências futuras. Portanto, a vossa devoção a um ideal supremo, se esse ideal for real, deve ser a devoção a esse Deus dos universos passados, presentes e futuros de coisas e seres. E não há outro Deus, pois não é possível existir nenhum outro Deus. Todos os outros deuses são meras ficções da imaginação, ilusões da mente mortal, distorções de uma lógica falsa, ídolos ilusórios a auto-decepcionar àqueles que os criaram. Sim, vós podeis ter uma religião sem esse Deus, mas isso não vai significar nada. E se procurais substituir a palavra Deus pela realidade desse ideal do Deus vivo, tereis apenas enganado a vós mesmos ao colocar uma idéia no lugar de um ideal, uma realidade divina. Tais crenças são meramente religiões de aspirações fantasiosas.

160:5:10 17821 Vejo, nos ensinamentos de Jesus, a religião na sua melhor expressão. Esse evangelho nos permite buscar o verdadeiro Deus e encontrá-Lo. Estamos, todavia, dispostos a pagar o preço dessa entrada no Reino do céu? Estamos querendo realmente nascer outra vez? E nos refazer? Estamos dispostos a nos sujeitar a esse terrível processo de provação e destruição do ego e de reconstrução da alma? O Mestre, pois, não disse: “Quem quiser salvar a sua vida deve perdê-la. Acaso não vejais que vim para vos trazer a paz, que vim mais vos trazer uma batalha da alma?” Em verdade, após pagarmos o preço da dedicação à vontade do Pai, experimentamos uma grande paz, desde que continuemos a seguir nesse caminho espiritual, de vida consagrada.

160:5:11 17822 Ora, estamos verdadeiramente abandonando as atrações da ordem conhecida de existência, ao dedicarmo-nos sem reservas à busca das atrações da ordem desconhecida e inexplorada, da existência de uma vida futura de aventura nos mundos do espírito, do mais elevado idealismo da realidade divina. E nós buscamos aqueles símbolos plenos de significado, por meio dos quais podemos transmitir aos nossos semelhantes esses conceitos da realidade, do idealismo da religião de Jesus, e não iremos cessar de orar pelo dia em que toda a humanidade comover-se-á com a visão comungada dessa verdade suprema. Agora mesmo, o nosso conceito focalizado do Pai, tal como o mantemos no nosso coração, é o de que Deus é espírito; e, tal como o transmitimos aos nossos semelhantes, de que Deus é amor.

160:5:12 17823 A religião de Jesus exige uma experiência viva e espiritual. Outras religiões podem consistir nas crenças tradicionais, nos envolvimentos emocionais, na consciência filosófica e em tudo o mais, mas o ensinamento do Mestre requer o alcance de níveis de progresso espiritual real.

160:5:13 17824 A consciência do impulso de ser como Deus, não é a verdadeira religião. Os sentimentos e a emoção da adoração de Deus, não são a verdadeira religião. O conhecimento da convicção de esquecer o eu e servir a Deus, não é a verdadeira religião. A sabedoria do pensamento de que uma religião é a melhor de todas, não é religião em si, como uma experiência espiritual pessoal. A verdadeira religião refere-se ao destino e à realidade daquilo que se alcança, assim como também se refere à realidade e ao idealismo daquilo que se aceita por meio da fé, de coração aberto e pleno. E tudo isso deve ser tornado pessoal para nós, pela revelação do Espírito da Verdade.

160:5:14 17825 E assim terminaram as dissertações do filósofo grego, um dos maiores da sua raça, que se tornou um crente na palavra de Jesus.

DOCUMENTO 161

NOVAS DISCUSSÕES COM RODAM
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No domingo, 25 de setembro do ano 29 d. C. , os apóstolos e os evangelistas reuniram-se em Magadam. Depois de uma longa conferência, naquela noite, com os seus colaboradores, Jesus surpreendeu a todos quando anunciou que, no dia seguinte cedo, ele e os doze apóstolos partiriam para Jerusalém, e que compareceriam à Festa de Tabernáculos. Ele ordenou que os evangelistas visitassem os crentes na Galiléia, e que o corpo de mulheres retornasse, por algum tempo, a Betsaida.

161:0:2 17832 Quando chegou a hora de partir para Jerusalém, Natanael e Tomé ainda estavam no meio das suas argumentações com Rodam de Alexandria, e então eles conseguiram a permissão do Mestre para permanecer em Magadam por uns poucos dias mais. E assim, enquanto Jesus e os dez estavam a caminho de Jerusalém, Natanael e Tomé continuavam empenhados em um debate sincero com Rodam. Na semana anterior, em que Rodam havia exposto a sua filosofia, Tomé e Natanael tinham-se alternado na apresentação do evangelho do Reino, para o filósofo grego. Rodam descobriu que ele havia sido bem instruído sobre os ensinamentos de Jesus, pelo seu instrutor, em Alexandria, o qual havia sido um dos antigos apóstolos de João Batista.

1. A PERSONALIDADE DE DEUS


161:1:1 17833 Havia uma questão sobre a qual Rodam e os dois apóstolos divergiam, e esta era sobre a personalidade de Deus. Rodam aceitou prontamente tudo o que foi apresentado a ele a respeito dos atributos de Deus, mas argumentava que o Pai no céu não é, nem pode ser, uma pessoa como o homem concebe a personalidade. Enquanto os apóstolos se viam em dificuldades para tentar provar que Deus é uma pessoa, Rodam achava ainda mais difícil provar que ele não é uma pessoa.

161:1:2 17834 Rodam sustentava que o fato da personalidade consiste na coexistência de uma comunicação plena e mútua entre seres iguais, seres que são capazes de uma simpática compreensão. Disse Rodam: “Para que seja uma pessoa, Deus deveria ter símbolos de comunicação espiritual que O capacitem a tornar-Se plenamente compreendido por aqueles que fazem contato com Ele. Mas posto que Deus, o Criador de todos os outros seres, é infinito e eterno, a conseqüência, no que diz respeito à igualdade de seres, é que Deus está só no universo. Não há iguais a Ele; não há nenhum ser com quem ele possa comunicar-se como um igual. Deus de fato pode ser a Fonte de toda a personalidade, mas, como tal, Ele transcende à personalidade, do mesmo modo que o Criador está acima e além da criatura”.

161:1:3 17835 Esse argumento deixou Tomé e Natanael muito inquietos, e eles tinham pedido a Jesus que viesse socorrê-los, mas o Mestre negou-se a entrar nessas discussões. Jesus havia dito a Tomé: “A idéia que tu tens do Pai não importa muito, desde que tu sejas sabedor do ideal da natureza infinita e eterna Dele”.

161:1:4 17841 Tomé argumentou que Deus comunica-se com o homem e que, portanto, o Pai é uma pessoa, até mesmo segundo a definição de Rodam. E isso o grego rejeitou, apoiando-se no fato de que Deus não Se revela a Si próprio pessoalmente; de que Ele ainda é um mistério. Então Natanael apelou para a sua experiência pessoal com Deus, coisa que Rodam admitiu, afirmando que recentemente tivera experiências semelhantes, mas essas experiências, argumentava ele, provavam apenas a realidade de Deus, não a Sua personalidade.

161:1:5 17842 Na segunda-feira à noite Tomé desistiu. Na terça-feira à noite, porém, Natanael levou Rodam a acreditar na personalidade do Pai, e ele conseguiu essa mudança, na visão do grego, raciocinando segundo os passos seguintes:

161:1:6 17843 1. O Pai no Paraíso desfruta da igualdade de comunicação, pelo menos com dois outros seres, que são plenamente iguais e semelhantes a Ele próprio – o Filho Eterno e o Espírito Infinito. Em vista da doutrina da Trindade, o grego foi obrigado a conceder na possibilidade da personalidade do Pai Universal. (Foi uma consideração posterior sobre essas discussões que conduziu à ampliação do conceito da Trindade, nas mentes dos doze apóstolos. É claro que a crença geral era de que Jesus era o Filho Eterno. )

161:1:7 17844 2. Posto que Jesus é igual ao Pai, e, já que este Filho havia realizado a manifestação da personalidade para os filhos terrenos, este fenômeno constituía-se na prova do fato e na demonstração da possibilidade de que todas as três Pessoas da Deidade possuíam uma personalidade, e estabelecia para sempre sobre a questão da capacidade de Deus comunicar-se com o homem e a possibilidade da comunicação do homem com Deus.

161:1:8 17845 3. Que Jesus encontrava-se na situação de coligação mútua e de comunicação perfeita com o homem; que Jesus era o Filho de Deus. Que a relação do Filho e do Pai pressupõe igualdade de comunicação e mutualidade de compreensão simpática; pois Jesus e o Pai eram Um. Que Jesus mantinha, ao mesmo tempo, uma comunicação de compreensão, tanto com Deus quanto com o homem, e que, desde que ambos, Deus e o homem, compreendessem o significado dos símbolos da comunicação de Jesus, tanto Deus quanto o homem possuíam os atributos de personalidade no que concerne aos quesitos da capacidade de intercomunicação. Que a personalidade de Jesus demonstrava a personalidade de Deus, ao mesmo tempo que provava conclusivamente a presença de Deus no homem. Que duas coisas que são ligadas a uma terceira coisa são relacionadas entre si.

161:1:9 17846 4. Que a personalidade representa o conceito mais elevado da realidade do homem e dos valores divinos; que Deus também representa o conceito mais elevado de realidade divina e de valores infinitos que pode o homem ter; portanto, Deus deve ser uma personalidade divina e infinita, uma personalidade real, que transcende infinita e eternamente o conceito e a definição que o homem tem de personalidade, sendo, todavia, sempre universalmente uma personalidade.

161:1:10 17847 5. Que Deus deve ser uma personalidade, posto que Ele é o Criador de todas as personalidades e o destino de todas as personalidades. Rodam tinha sido tremendamente influenciado por esse ensinamento de Jesus: “Sede então perfeitos como o vosso Pai no céu é perfeito”.

161:1:11 17848 Quando Rodam ouviu esses argumentos, ele disse: “Estou convencido. Eu reconhecerei Deus como uma pessoa se me permitirdes atribuir qualificações, à minha confissão dessa crença, acrescentando ao significado da personalidade um conjunto de valores mais amplos, tais como supra-humano, transcendente, supremo, infinito, eterno, final e universal. Eu estou convencido agora de que, ao mesmo tempo em que Deus deve ser infinitamente mais do que uma personalidade, Ele não pode ser nada menos. Dou-me por satisfeito ao terminar aqui o debate; e aceito Jesus como a revelação pessoal do Pai, dando também por compensados todos os fatores não satisfeitos da lógica, da razão e da filosofia”.

2. A NATUREZA DIVINA DE JESUS


161:2:1 17851 Natanael e Tomé haviam aprovado plenamente os pontos de vista de Rodam quanto ao evangelho do Reino, entretanto, apenas um ponto ainda restava para ser considerado: o ensinamento que tratava da natureza divina de Jesus, uma doutrina só anunciada publicamente há pouco tempo. Natanael e Tomé, em conjunto, apresentaram as suas visões da natureza divina do Mestre, e a seguinte narrativa é uma apresentação condensada, reorganizada e restabelecida desses seus ensinamentos:

161:2:2 17852 1. Jesus havia admitido a sua divindade, e nós cremos nele. Muitas coisas notáveis, ligadas à sua ministração, têm acontecido, e só podemos compreendê-las se acreditarmos que ele é o Filho de Deus, bem como o Filho do Homem.

161:2:3 17853 2. A sua associação vital conosco exemplifica o ideal da amizade humana; apenas um ser divino seria capaz de ser um amigo humano assim. Ele é a pessoa mais verdadeiramente não egoísta que já conhecemos. Ele é amigo, até mesmo de pecadores; ele ousa amar os seus inimigos. Ele é totalmente leal a nós. Embora ele não hesite em nos reprovar, fica bem claro para todos que nos ama verdadeiramente. Quanto mais vós o conheceis, mais ireis amá-lo. E ficareis encantados com a sua devoção inabalável. Durante todos esses anos, em que não conseguimos compreender a sua missão, ele se manteve como um amigo fiel. Conquanto ele não lance mão de elogios, ele nos trata a todos com uma bondade igual; ele é invariavelmente terno e compassivo. Ele tem compartilhado a sua vida, e tudo o mais, conosco. Nós formamos uma comunidade feliz; e partilhamos de todas as coisas em comum. Não acreditamos que um mero ser humano pudesse viver uma vida tão irrepreensível sob circunstâncias tão difíceis.

161:2:4 17854 3. Pensamos que Jesus é divino, pois ele nunca faz o mal; ele não erra. A sua sabedoria é extraordinária; a sua piedade é magnífica. Ele vive, dia a dia, em harmonia perfeita com a vontade do Pai. Ele nunca se arrepende de ter cometido erros, porque ele não transgride nenhuma das leis do Pai. Ele ora por nós e conosco, mas ele nunca nos pede que oremos para ele. Acreditamos que ele esteja permanentemente livre do pecado. Não acreditamos que alguém que seja simplesmente humano tenha jamais professado viver uma vida assim. Ele clama viver uma vida perfeita, e nós reconhecemos que ele o faz. A nossa piedade brota do arrependimento, mas a sua piedade brota da retidão. Ele professa mesmo perdoar os pecados, e realmente cura doenças. Nenhum ser meramente humano professaria sensatamente perdoar pecados; isso é uma prerrogativa divina. E ele parece ter sido perfeito, assim, na sua retidão, desde o momento do nosso primeiro contato com ele. Nós crescemos na graça e no conhecimento da verdade, mas o nosso Mestre exibe a maturidade da retidão, desde o princípio. Todos os homens, bons e maus, reconhecem esses elementos de bondade em Jesus. E, com tudo isso, a sua piedade nunca é intrusa nem ostentosa. Ele é meigo e destemido. Ele parece aprovar a nossa crença, na sua divindade. Ou ele é o que professa ser, ou então ele é o maior hipócrita e a maior fraude que o mundo já conheceu. Estamos persuadidos de que ele é exatamente o que diz ser.

161:2:5 17855 4. A singularidade do seu caráter e a perfeição do seu controle emocional nos convencem de que ele é uma combinação de humanidade e de divindade. Ele é infalivelmente sensível ao espetáculo das necessidades da miséria humana; o sofrimento nunca deixa de comovê-lo. A sua compaixão é tocada de modo igual pelo sofrimento físico, pela angústia mental e pela aflição espiritual. Ele reconhece rápida e generosamente a presença da fé ou de qualquer outra graça, nos seus irmãos mortais. Ele é justo, equânime e, ao mesmo tempo, tão misericordioso quanto pleno de consideração. Ele entristece-se com a obstinação espiritual dos homens e rejubila-se quando eles consentem em ver a luz da verdade.

161:2:6 17861 5. Ele parece saber conhecer os pensamentos das mentes dos homens e compreender os desejos dos seus corações. E ele é sempre compassivo para com os nossos espíritos angustiados. Ele parece possuir todas as nossas emoções humanas, mas elas estão magnificamente glorificadas nele. Ele ama fortemente a bondade e do mesmo modo odeia o pecado. Ele possui uma consciência supra-humana da presença da Deidade. Ele ora como um homem, mas age como um Deus. Ele parece saber as coisas de antemão; ele ousa, já agora, falar sobre a sua morte e como uma referência mística à sua futura glorificação. Conquanto seja amável, ele é também bravo e corajoso. Ele nunca vacila em cumprir o seu dever.

161:2:7 17862 6. Estamos constantemente impressionados pelo fenômeno do seu conhecimento supra-humano. Dificilmente passa um dia sem que algum incidente revele que o Mestre sabe o que acontece bem longe da sua presença imediata. Ele também parece conhecer os pensamentos do seu semelhante. Não há dúvida de que ele está em comunhão com personalidades celestes; e inquestionavelmente ele vive em um plano espiritual muito acima de todos nós. Tudo parece estar aberto ao seu entendimento único. Ele nos faz perguntas para que nos exteriorizemos, não para obter informação.

161:2:8 17863 7. Pouco tempo faz que o Mestre não mais hesita em afirmar a sua supra-humanidade. Desde o dia da nossa ordenação como apóstolos, até tempos recentes, ele nunca negou que tenha vindo do Pai do alto. Ele fala com a autoridade de um instrutor divino. O Mestre não hesita em refutar os ensinamentos religiosos de hoje, nem em declarar o novo evangelho, com uma firme autoridade. Ele é afirmativo, positivo e pleno de autoridade. Até mesmo João Batista, quando ouviu Jesus falar, declarou que ele era o Filho de Deus. Ele parece ser auto-suficiente dentro de si próprio. Ele não busca o apoio da multidão; ele é indiferente às opiniões dos homens. Ele é bravo e, ainda assim, tão sem orgulho.

161:2:9 17864 8. Ele fala constantemente de Deus como um Ser coligado a ele, sempre presente em tudo o que ele faz. Ele prossegue fazendo o bem, pois Deus parece estar nele. E faz as afirmações mais espantosas sobre si próprio e sobre a sua missão na Terra; declarações estas que seriam absurdas, se ele não fosse divino. Certa vez ele declarou: “Antes que Abraão fosse, eu sou”. Definitivamente ele alega a sua divindade; e professa estar em sociedade com Deus. Ele quase exaure as possibilidades de expressão para reiterar a sua associação estreita com o Pai celeste. Ele ousa mesmo afirmar que ele e o Pai são Um. E diz que quem tiver visto a ele terá visto o Pai. E ele diz e faz tantas coisas extraordinárias com a naturalidade de uma criança. Ele refere-se à sua ligação com o Pai, do mesmo modo que se refere à sua ligação conosco. Ele parece estar tão seguro de Deus porque fala dessas relações de um modo muito natural.

161:2:10 17865 9. Na sua vida de orações, ele parece comunicar-se diretamente com o seu Pai. Nós ouvimos poucas das suas orações, mas essas poucas orações indicam que ele fala com Deus, como se estivesse frente a frente com Ele. Ele parece conhecer o futuro, tanto quanto o passado. Ele simplesmente não poderia ser tudo isso e fazer todas essas coisas extraordinárias a menos que fosse mais do que humano. Sabemos que ele é humano, estamos certos disso, mas estamos quase que tão certos de que ele também é divino. Acreditamos que ele é divino. Estamos convencidos de que ele é o Filho do Homem e o Filho de Deus.

161:2:11 17871 Quando Natanael e Tomé terminaram as suas conversas com Rodam, eles apressaram-se a ir até Jerusalém para juntarem-se aos seus companheiros apóstolos, chegando na sexta-feira daquela semana. Essa tinha sido uma grande experiência nas vidas de todos esses três crentes, e os outros apóstolos aprenderam muito da narrativa dessas experiências de Natanael e Tomé.

161:2:12 17872 Rodam tomou o seu caminho de volta à Alexandria, onde ensinou durante muito tempo a sua filosofia, na escola de Meganta. Ele tornou-se um homem poderoso nos assuntos posteriores do Reino do céu; ele foi um crente fiel, até o fim dos seus dias terrenos; e entregou a sua vida na Grécia, junto com outros, quando as perseguições atingiram o seu auge.

3. A MENTE HUMANA E A MENTE DIVINA DE JESUS


161:3:1 17873 A consciência da divindade teve um crescimento gradual na mente de Jesus, até a ocasião do seu batismo. Depois que se tornou plenamente autoconsciente da sua natureza divina, da sua existência pré-humana e das suas prerrogativas no universo, parece que ele passou a ser possuidor do poder de limitar de modos diversos a sua consciência humana da própria divindade. Parece-nos que, do seu batismo até a crucificação, era inteiramente opcional para Jesus depender apenas da sua mente humana ou utilizar-se do conhecimento, tanto da mente humana, quanto da mente divina. Às vezes ele parecia valer-se apenas da informação que reside no intelecto humano. Em outras ocasiões, ele parecia agir com uma plenitude tal de conhecimento e sabedoria, que só poderia ser possibilitada pela utilização do conteúdo supra-humano da sua consciência divina.

161:3:2 17874 Nós só podemos compreender as suas atuações únicas aceitando a teoria de que ele podia, segundo a sua vontade, autolimitar a sua consciência da divindade. Somos plenamente conhecedores de que ele freqüentemente abstinha-se de mostrar aos seus colaboradores a presciência que possuía dos acontecimentos, e de que ele estava ciente da natureza dos pensamentos deles e do que planejavam. Compreendemos que ele não queria que os seus seguidores soubessem com muita certeza de que ele era capaz de discernir os seus pensamentos e de penetrar em seus planos. Ele não desejava transcender, em muito, o conceito do humano, do modo como era mantido nas mentes dos seus apóstolos e discípulos.

161:3:3 17875 Somos de todo incapazes de distinguir entre a sua prática de autolimitação da consciência divina e a sua técnica de manter em segredo, para os seus companheiros humanos, a sua presciência e o seu discernimento dos pensamentos deles. Estamos convencidos de que ele usava de ambas as técnicas, mas não somos sempre capazes de, em uma determinada instância, especificar qual método ele pode ter empregado. Freqüentemente o observamos atuando apenas com o contexto humano da consciência; e, então, o veríamos em conferência com os diretores das hostes celestes do universo e discernimos o funcionamento indubitável da mente divina. E em inúmeras ocasiões, então, quase testemunhamos o trabalho dessa personalidade combinada de homem e de Deus, do modo como era ativada pela união aparentemente perfeita da mente humana e da mente divina. Esse é o limite do nosso conhecimento de tais fenômenos; nós realmente não sabemos de fato qual é a verdade plena sobre esse mistério.

DOCUMENTO 162

NA FESTA DE TABERNÁCULOS
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Quando Jesus partiu para Jerusalém com os dez apóstolos, ele havia planejado ir pelo caminho de Samaria, sendo esse o caminho mais curto. E, desse modo, eles passaram pela costa leste do lago e, indo pelo caminho de Citópolis, entraram nas fronteiras de Samaria. Quase ao cair da noite, Jesus enviou Filipe e Mateus até uma aldeia nos declives do monte Gilboa, a fim de assegurar alojamento para todo o grupo. E aconteceu que esses aldeões tinham fortes preconceitos contra os judeus, bem mais do que em geral possuíam os samaritanos, e tais sentimentos estavam exacerbados nesse momento em particular, quando tantos deles estavam a caminho da Festa de Tabernáculos. Essa gente sabia pouco sobre Jesus, e eles negaram-lhe alojamentos porque Jesus e os do seu grupo eram judeus. Quando Mateus e Filipe manifestaram a sua indignação e informaram a esses samaritanos que eles estavam negando hospitalidade ao Santo Homem de Israel, os aldeões enfurecidos expulsaram-nos da pequena cidade com bastões e pedras.

162:0:2 17882 Depois que Filipe e Mateus retornaram para junto dos companheiros e relataram como tinham sido expulsos da aldeia, Tiago e João foram até Jesus e disseram: “Mestre, oramos para que nos dê permissão de chamar o fogo dos céus para devorar esses samaritanos insolentes e impenitentes”. Mas, quando Jesus ouviu essas palavras de vingança, ele voltou-se para os filhos de Zebedeu e os repreendeu severamente: “Vós não estais conscientes do tipo de atitude que manifestais. A vingança nada tem em comum com o Reino do céu. E, pois, em vez de discutir, vamos para a pequena aldeia à beira do vau do Jordão”. E assim, por causa dos preconceitos sectários, esses samaritanos negaram a si próprios a honra de mostrar hospitalidade ao Filho Criador de um universo.

162:0:3 17883 Jesus e os dez pararam para passar a noite na aldeia, perto do vau do Jordão. E, no dia seguinte, bem cedo, atravessaram o rio e continuaram a caminho de Jerusalém, pela estrada do leste do Jordão, chegando à Betânia na quarta-feira à noite. Tomé e Natanael vieram na sexta-feira, tendo sido retardados por causa das suas conversas com Rodam.

162:0:4 17884 Jesus e os doze permaneceram na vizinhança de Jerusalém até o fim do mês seguinte (outubro), cerca de quatro semanas e meia depois. Jesus foi à cidade apenas umas poucas vezes, e essas visitas breves foram feitas durante os dias da Festa de Tabernáculos. Ele passou uma parte considerável de outubro com Abner e os condiscípulos em Belém.

1. OS PERIGOS DA VISITA A JERUSALÉM


162:1:1 17885 Muito antes de partirem da Galiléia, os seguidores de Jesus haviam implorado a ele para ir a Jerusalém e proclamar o evangelho do Reino, com o objetivo de que a sua mensagem pudesse contar com o prestígio de ter sido pregada no centro da cultura e do ensino judaico; mas agora que ele de fato viera a Jerusalém para ensinar, eles estavam temerosos pela sua vida. Sabendo que o sinédrio tinha tentado trazer Jesus a Jerusalém para julgá-lo e, relembrando-se das recentes declarações reiteradas do Mestre de que ele iria sujeitar-se à morte, os apóstolos estavam literalmente atordoados com a sua súbita decisão de comparecer à Festa de Tabernáculos. A todas as solicitações anteriores deles, para que fosse a Jerusalém ele havia respondido: “Ainda não chegou a hora”. E, quanto aos protestos de temor deles, agora ele apenas respondia: “Mas a hora chegou”.

162:1:2 17891 Durante a Festa de Tabernáculos, Jesus, ousadamente, esteve em Jerusalém por várias ocasiões e ensinou publicamente no templo. Ele fez isso a despeito dos esforços dos seus apóstolos para dissuadi-lo dessa idéia. Embora eles tivessem, durante um bom tempo, instado-o a proclamar a sua mensagem em Jerusalém, agora temiam vê-lo entrar na cidade, sabendo muito bem que os escribas e os fariseus estavam dispostos a levá-lo à morte.

162:1:3 17892 A ousada presença de Jesus em Jerusalém, mais do que nunca, confundiu os seus seguidores. Muitos dos seus discípulos e, até mesmo Judas Iscariotes, ainda apóstolo, chegaram a pensar que Jesus tinha fugido apressadamente para a Fenícia porque temia os líderes judeus e Herodes Antipas. Eles não conseguiam compreender o significado dos movimentos do Mestre. A sua presença em Jerusalém para a Festa de Tabernáculos, até mesmo contra os conselhos dos seus seguidores, foi o suficiente para colocar, definitivamente, um fim em todos os murmúrios sobre medo e covardia.

162:1:4 17893 Durante a Festa de Tabernáculos, milhares de crentes de todas as partes do império romano viram Jesus, ouviram-no ensinando, e muitos até viajaram à Betânia para conversar com ele a respeito do progresso do Reino nos seus próprios distritos.

162:1:5 17894 Várias razões havia para que tivesse sido permitido a Jesus pregar publicamente nos pátios do templo durante os dias da festa, e a principal delas era o temor que surgira, entre os oficiais do sinédrio, em resultado da divisão secreta de sentimentos nas suas próprias fileiras. Era um fato, que muitos dos membros do sinédrio, ou secretamente criam em Jesus ou, então, eram decididamente contra prendê-lo durante a festa, enquanto uma quantidade tão grande de pessoas estava presente em Jerusalém, muitas das quais ou acreditavam nele ou ao menos eram amistosas para com o movimento espiritual que ele promovia.

162:1:6 17895 Os esforços de Abner e seus companheiros, em toda a Judéia, haviam também feito bastante para consolidar os sentimentos favoráveis ao Reino, e tanto foi assim que os inimigos de Jesus não ousaram ser muito francos na oposição. Essa foi uma das razões por que Jesus pôde visitar Jerusalém publicamente e sair dali ainda vivo. Um ou dois meses antes disso, ele teria certamente sido levado à morte.

162:1:7 17896 Contudo, a intrepidez ousada que teve Jesus de aparecer publicamente em Jerusalém apavorou os seus inimigos; eles não estavam preparados para um desafio tão arrojado. Várias vezes, durante esse mês, o sinédrio fez tentativas ineficazes de prender o Mestre, mas tais esforços deram em nada. Os seus inimigos ficaram tão surpreendidos com o comparecimento inesperado de Jesus em público, em Jerusalém, que chegaram a pensar que deveria ter sido prometida a ele a proteção das autoridades romanas. Sabendo que Filipe (o irmão de Herodes Antipas) era quase um seguidor de Jesus, os membros do sinédrio especularam que talvez Filipe tivesse dado a Jesus a promessa de proteção contra os seus inimigos. E antes que eles despertassem e entendessem que estiveram enganados, ao fazerem a suposição de que essa presença súbita e ousada dele, em Jerusalém, fosse devido a um acordo secreto com os oficiais romanos, Jesus havia já deixado a jurisdição deles.

162:1:8 17897 Apenas os doze apóstolos, ao partirem de Magadam, sabiam que Jesus tinha a intenção de comparecer à Festa de Tabernáculos. Os outros seguidores do Mestre ficaram bastante surpresos quando ele apareceu nos pátios do templo e começou a ensinar publicamente, e as autoridades judias ficaram pasmadas, para mais além de qualquer expressão, quando lhes foi relatado que ele estava ensinando no templo.

162:1:9 17901 Embora os seus discípulos não esperassem que Jesus comparecesse à festa, a grande maioria dos peregrinos, vinda de longe, que tinha ouvido falar dele, alimentava a esperança de poder vê-lo em Jerusalém. E eles não se desapontaram, pois, por várias ocasiões, ele ensinou no Portão de Salomão e em outros locais, como nos pátios dos templos. Esses ensinamentos foram, na realidade, o anúncio oficial, ou formal, da divindade de Jesus para o povo judeu e para todo o mundo.

162:1:10 17902 As multidões, que ouviram os ensinamentos do Mestre, estavam divididas nas suas opiniões. Alguns diziam que ele era um bom homem; alguns, que era um profeta; alguns, que ele era verdadeiramente o Messias; outros diziam que era um intrometido pernicioso, que estava desencaminhando o povo com as suas doutrinas estranhas. Os seus inimigos hesitaram em denunciá-lo abertamente, por medo dos crentes amistosos, enquanto os seus amigos temiam reconhecê-lo abertamente, por medo dos líderes judeus, informados de que o sinédrio estava determinado a mandá-lo para a morte. Entretanto, mesmo os seus inimigos maravilharam-se com o seu ensinamento, sabendo que ele não tinha sido instruído nas escolas dos rabinos.

162:1:11 17903 Toda vez que Jesus ia a Jerusalém, os seus apóstolos ficavam tomados pelo terror. E eles sentiam mais medo porque, dia a dia, escutavam os seus pronunciamentos cada vez mais corajosos a respeito da natureza da sua missão na Terra. Eles não estavam acostumados a ouvir Jesus fazer asserções tão peremptórias; e afirmações tão espantosas, mesmo quando pregando entre amigos.

2. A PRIMEIRA PALESTRA NO TEMPLO


162:2:1 17904 Na primeira tarde que Jesus ensinou no templo, um grupo considerável sentou-se para ouvir as suas palavras, que descreviam a liberdade do novo evangelho; e havia júbilo naqueles que creram nas boas-novas. Foi então que um ouvinte curioso interrompeu-o para perguntar: “Mestre, como é que tu podes citar as escrituras e ensinar tão fluentemente ao povo, sendo que fui informado de que não aprendeste segundo os ensinamentos dos rabinos?” Jesus respondeu: “Nenhum homem ensinou-me as verdades que eu vos declaro. E esse ensinamento não é meu e sim Dele, que me enviou. Se qualquer homem deseja realmente fazer a vontade do meu Pai, ele deve certamente conhecer o meu ensinamento, seja ele vindo de Deus ou sejam palavras vindas de mim. Aquele que fala por si próprio busca a sua própria glória, mas, quando eu falo as palavras do Pai, com isso eu busco a glória Dele, que me enviou. Mas antes de tentardes entrar na nova luz, não devíeis antes seguir a luz que vós já tendes? Moisés vos deu a lei, mas quantos de vós tentais honestamente atender às exigências dele? Moisés, nessa lei, ordena-vos, dizendo: ‘Não matareis’; e, apesar dessa ordem, alguns de vós tentais matar o Filho do Homem”.

162:2:2 17905 Ao ouvir essas palavras, o povo começou a discutir entre si. Alguns disseram que ele estava louco; alguns que era um demônio. Outros disseram ser esse de fato o profeta da Galiléia, a quem escribas e fariseus há muito vinham tentando matar. Alguns disseram que as autoridades religiosas estavam com medo de molestá-lo; outros achavam que ainda não se tinha colocado as mãos nele porque tinham tornado-se crentes dele. Após um debate considerável, alguém, na multidão, deu um passo à frente e perguntou a Jesus: “Por que os dirigentes tentam matá-lo?” E ele respondeu: “Os dirigentes buscam matar-me porque eles se ressentem do meu ensinamento sobre as boas-novas do Reino, um evangelho que liberta os homens das tradições pesadas de uma religião formal de cerimônias que esses instrutores estão determinados a manter a qualquer custo. Eles circuncisam de acordo com a lei, no dia de sábado, mas seriam capazes de matar-me porque uma vez, no dia de sábado, eu libertei um homem da servidão da aflição. Eles me seguem no dia de sábado para espionar-me; e matar-me-iam porque, em uma outra ocasião, eu escolhi curar completamente a um homem acometido de dores, no dia de sábado. Eles buscam matar-me porque sabem muito bem que, se vós crerdes honestamente e se ousardes aceitar os meus ensinamentos, o sistema da religião tradicional deles ficará arruinado, destruído para sempre. E assim ficarão privados da autoridade sobre aquilo a que eles devotaram as suas vidas, já que eles se recusam firmemente a aceitar esse evangelho novo e mais glorioso do Reino de Deus. E agora eu faço um apelo a cada um de vós: julgai, não de acordo com as aparências exteriores, mas julgai, sim, segundo o verdadeiro espírito desses ensinamentos; julgai com retidão”.

162:2:3 17911 Então um outro inquiridor disse: “Sim, Mestre, nós buscamos o Messias, mas, quando ele vier, sabemos que ele aparecerá em mistério. Nós sabemos de onde tu és. Tens estado entre os teus irmãos desde o começo. O libertador virá em poder, para restaurar o trono do reino de Davi. Tu realmente reivindicas ser o Messias?” E Jesus respondeu: “Vós pretendeis conhecer-me e saber de onde eu venho. Eu gostaria de que essas pretensões fossem verdadeiras, pois se de fato assim fosse, vós acharíeis vida abundante nesse conhecimento. Mas eu declaro que eu não vim a vós por minha própria causa; eu vim enviado pelo Pai, e Aquele que me enviou é verdadeiro e é fiel. Ao recusardes ouvir-me, estais recusando receber Aquele que me enviou. Vós, se receberdes esse evangelho, chegareis a conhecer a Ele que me enviou. Eu conheço o Pai, pois eu vim do Pai, para declará-Lo e revelá-Lo para vós”.

162:2:4 17912 Os agentes dos escribas queriam colocar as mãos nele, mas temiam a multidão, pois eram muitos os que criam nele. O trabalho de Jesus, desde o seu batismo, tinha tornado-se bem conhecido de todo o mundo judeu e, quando muitos deles contavam sobre essas coisas, eles diziam entre si: “Mesmo que esse instrutor seja da Galiléia, e ainda que não satisfaça a todas as nossas expectativas de um Messias, nós nos perguntamos, quando vier o libertador, se ele fará alguma coisa mais bela do que esse Jesus de Nazaré já fez”.

162:2:5 17913 Quando os fariseus e os seus agentes ouviram o povo falando desse modo, eles foram aconselhar-se com os seus líderes e decidiram que alguma coisa deveria ser feita, sem demora, para colocar um fim nessas apresentações públicas de Jesus, nos pátios dos templos. Os líderes dos judeus, em geral, estavam dispostos a evitar um confronto com Jesus, acreditando que as autoridades romanas tivessem prometido imunidade a ele. Eles não conseguiam explicar de outro modo a sua coragem de vir a Jerusalém naquele momento; mas os oficiais do sinédrio não acreditaram totalmente nesse rumor. Eles ponderaram que os governantes romanos não fariam uma tal coisa secretamente e sem o conhecimento do corpo mais alto do governo da nação judaica.

162:2:6 17914 E desse modo, Eber, o agente qualificado do sinédrio, com dois assistentes, foi despachado para prender Jesus. E, quando Eber aproximava-se de Jesus, o Mestre disse: “Não temais aproximar-vos de mim. Chegai mais perto para ouvir o meu ensinamento. Eu sei que fostes enviados para prender-me, mas devíeis entender que nada sucederá ao Filho do Homem antes que chegue a sua hora. Não estejais contra mim; viestes apenas para cumprir as ordens dos vossos patrões e, até mesmo esses dirigentes dos judeus, em verdade, pensam estar fazendo o serviço de Deus ao buscar secretamente a minha destruição.

162:2:7 17921 “Não tenho nenhum rancor contra vós. O Pai vos ama e, portanto, eu quero a vossa libertação das cadeias do preconceito e das trevas da tradição. Eu ofereço a vós a liberdade da vida e o júbilo da salvação. Eu proclamo o caminho novo e vivo, a libertação do mal e a ruptura das cadeias do pecado. Eu vim para que vós pudésseis ter a vida, e tê-la eternamente. Se vós buscais livrar-vos de mim e dos meus ensinamentos inquietantes; deveríeis compreender que eu devo estar convosco apenas um pouco mais! Em pouquíssimo tempo eu irei para Ele, que me enviou a este mundo. E, então, muitos de vós ireis diligentemente procurar por mim, mas não tereis a minha presença, pois até onde eu devo ir vós não podeis chegar. Porém todos aqueles que verdadeiramente tentarem encontrar-me, em algum momento, irão alcançar a vida que conduz à presença do meu Pai”.

162:2:8 17922 Alguns daqueles que zombavam, entre si, disseram: “Para onde vai este homem, que não poderemos encontrá-lo? Será que ele irá viver entre os gregos? Será que irá destruir-se a si próprio? O que poderá estar querendo dizer, quando declara que logo partirá de perto de nós, e que não poderemos ir até onde ele vai?”

162:2:9 17923 Eber e os seus assistentes negaram-se a prender Jesus e retornaram sem ele. Entretanto, quando o dirigente dos sacerdotes e fariseus repreendeu Eber e os seus assistentes, porque eles não haviam trazido Jesus, Eber apenas respondeu: “Tememos prendê-lo no meio da multidão, porque muitos são os que crêem nele. Além do mais, nunca ouvimos um homem falando como ele. Há algo de fora do comum com esse instrutor. Vós todos faríeis bem de ir até lá para escutá-lo”. E, quando os principais dirigentes ouviram essas palavras, ficaram surpresos e disseram insultuosamente a Eber: “Tu também já te desgarraste? Acaso estás à beira de crer nesse enganador? Já ouviste falar de algum dos nossos homens cultos ou de algum dos dirigentes que acreditaram nele? Alguém dentre os escribas ou dentre os fariseus já foi enganado por esses ensinamentos astutos? Como podes tu estar influenciado pelo comportamento dessa multidão ignorante, que não conhece a lei nem os profetas? Acaso não sabes que esse povo inculto está amaldiçoado?” E Eber então respondeu: “Mesmo assim, meus mestres, esse homem diz palavras de misericórdia e de esperança à multidão. Ele encoraja os desalentados, e as suas palavras foram confortantes até mesmo para as nossas almas. O que pode haver de errado nesses ensinamentos, mesmo que ele não seja o Messias das escrituras? E ainda assim a nossa lei não exige justiça? Condenamos um homem antes de ouvi-lo?” E o dirigente do sinédrio estava irado com Eber e, voltando-se para ele, disse: “Ficaste louco? Acaso também és da Galiléia? Busca nas escrituras, e descobrirás que, da Galiléia, não sai nenhum profeta, muito menos o Messias”.

162:2:10 17924 O sinédrio dispersou-se em confusão e Jesus recolheu-se na Betânia para passar a noite.

3. A MULHER SURPREENDIDA EM ADULTÉRIO


162:3:1 17925 Foi durante essa visita a Jerusalém que Jesus esteve com uma certa mulher de má reputação. Ela foi trazida à presença de Jesus pelos que a acusavam e pelos inimigos dele. A narrativa distorcida, que vós conheceis, desse episódio sugere que tal mulher tenha sido trazida diante de Jesus pelos escribas e fariseus, e que Jesus lidou, assim, com eles, como que para indicar que esses líderes religiosos dos judeus pudessem, eles próprios, ser culpados de imoralidade. Jesus sabia muito bem que, conquanto esses escribas e fariseus fossem cegos espiritualmente e preconceituosos intelectualmente, por causa da sua lealdade à tradição, eles deviam estar entre os homens mais íntegros moralmente daqueles dias e daquela geração.

162:3:2 17931 Eis o que realmente aconteceu: Cedo, na terceira manhã da festa, quando Jesus aproximava-se do templo, um grupo de agentes contratados pelo sinédrio veio ao seu encontro. Eles traziam consigo, à força, uma mulher. Ao aproximar-se, o porta-voz deles disse: “Mestre, esta mulher foi encontrada em adultério – no ato mesmo. Ora, a lei de Moisés manda que apedrejemos esta mulher. O que dizes sobre o que deve ser feito com ela?”

162:3:3 17932 O plano dos inimigos de Jesus, se ele sustentasse a lei de Moisés, exigindo que a transgressora confessa fosse apedrejada, era envolvê-lo em dificuldades com os governantes romanos, que tinham negado aos judeus o direito de infringir a pena de morte sem a aprovação de um tribunal romano. Se ele proibisse o apedrejamento da mulher, eles iriam acusá-lo diante do sinédrio, por colocar-se acima de Moisés e da lei judaica. Se ele permanecesse em silêncio, eles o acusariam de covardia. O Mestre, todavia, manobrou a situação de um modo tal que toda a armadilha caiu com o peso da própria sordidez.

162:3:4 17933 Essa mulher, outrora decente, era esposa de um cidadão inferior de Nazaré, um homem que tinha causado dificuldades a Jesus durante os seus dias de juventude. O homem, tendo casado com essa mulher, vergonhosamente forçava-a a ganhar a vida fazendo comércio do próprio corpo. Ele tinha vindo à festa, em Jerusalém, para que a sua mulher pudesse prostituir-se por ganhos financeiros. Ele tinha aceito uma barganha com os mercenários dos dirigentes judeus, traindo, assim, a sua própria mulher no seu vício comercializado. E, pois, eles vinham com a mulher e o companheiro de transgressão, com o propósito de surpreender Jesus fazendo alguma declaração que pudesse ser usada contra ele próprio, para a sua prisão.

162:3:5 17934 Jesus, procurando na multidão, viu o marido dela, detrás de outras pessoas. Ele sabia que espécie de homem era esse marido e percebeu que fazia parte da transação desprezível. Jesus andou até perto de onde esse marido degenerado estava e escreveu na areia algumas palavras que o fizeram ir embora às pressas. Então Jesus veio diante da mulher e escreveu de novo no chão algo para os seus possíveis acusadores; e, quando eles leram essas palavras, também foram embora, um a um. E quando o Mestre escreveu pela terceira vez na areia, o companheiro, de pecado, da mulher, por sua vez partiu e, assim, quando o Mestre levantou-se, depois de escrever, contemplou a mulher que ficara sozinha diante dele. Jesus disse: “Mulher, onde estão os teus acusadores? Ninguém ficou para apedrejar-te?” E a mulher, levantando os olhos, respondeu: “Ninguém, Senhor”. E então Jesus disse: “Eu sei sobre você; mas nem eu te condeno. Tome o teu caminho em paz”. E essa mulher, Hildana, renunciou ao seu marido perverso e juntou-se aos discípulos do Reino.

4. A FESTA DE TABERNÁCULOS


162:4:1 17935 A presença de pessoas de todo o mundo conhecido, da Espanha à Índia, fazia da Festa de Tabernáculos uma ocasião ideal para que Jesus, pela primeira vez, proclamasse publicamente em Jerusalém todo o seu evangelho. Nessa festa, o povo ficava, boa parte do tempo, ao ar livre, em cabanas feitas de folhagens. Era uma festa das colheitas e, estando assim como era, no frescor dos meses de outono, os judeus do mundo inteiro freqüentavam a essa festa em maior número do que à da Páscoa ao final do inverno, ou à de Pentecostes no começo do verão. Os apóstolos contemplavam o seu Mestre, afinal, fazendo o anúncio corajoso da sua missão na Terra, por assim dizer, perante todo o mundo.

162:4:2 17941 Essa era a festa das festas, pois nenhum sacrifício que não tivesse sido realizado nas outras festas podia ser feito nessa época. Era a ocasião para a recepção das oferendas ao templo; era uma combinação de prazeres das férias com os ritos solenes da adoração religiosa. E era uma época de júbilo racial, mesclado a sacrifícios, a cantos levíticos e a toques solenes das trombetas prateadas dos sacerdotes. À noite, em um espetáculo impressionante, o templo e as multidões de peregrinos eram brilhantemente iluminados pelos grandes candelabros, que queimavam, com muito brilho, nos pátios das mulheres, e também pelo resplendor de dezenas de tocheiros nos pátios do templo. Toda a cidade estava alegremente decorada, exceto o castelo romano de Antônia, que dominava, em um contraste sinistro, essa cena festiva e adoradora. E como os judeus odiavam essa lembrança, sempre presente, do jugo romano!

162:4:3 17942 Setenta touros eram sacrificados durante a festa, simbolizando as setenta nações do paganismo. A cerimônia do derramamento da água simbolizava o espargimento do espírito divino. Essa cerimônia da água era precedida da procissão dos sacerdotes e dos levitas, ao nascer do sol. Os adoradores caminhavam pelos degraus que iam do pátio de Israel ao pátio das mulheres, enquanto ouvia-se o soar sucessivo das trombetas prateadas. E então os fiéis marchavam até o belo portão, que se abria para o pátio dos gentios. E aí eles davam uma meia-volta para retomar pelo oeste, repetindo os seus cânticos, e continuando a sua marcha simbólica da água.

162:4:4 17943 Quase quatrocentos e cinqüenta sacerdotes, aproximadamente, junto com um número correspondente de levitas oficiaram no último dia da festa. Ao alvorecer, os peregrinos reuniam-se, de todas as partes da cidade, cada um deles carregando na mão direita um ramalhete feito de murta, de salgueiro e de ramos de palma, enquanto na mão esquerda eles carregavam um ramo da maçã do paraíso – a cidra, ou a “fruta proibida”. Esses peregrinos dividiam-se em três grupos para a cerimônia do alvorecer. Uma parte permanecia no templo, a fim de presenciar os sacrifícios da manhã. Outro grupo marchava de Jerusalém até perto de Maza, com o fito de cortar os ramos de salgueiro para adornar o altar dos sacrifícios. Já o terceiro grupo formava uma procissão que seguia de perto o sacerdote com a água; este, ao som das trombetas prateadas, levava o cântaro dourado que iria conter a água simbólica, de Ofel, partindo do templo e seguindo até a proximidade de Siloé, onde estava localizado o portão da fonte. Depois de enchido o cântaro dourado, na piscina da fonte de Siloé, a procissão marchava de volta para o templo, entrando pelo caminho do portão da água e indo diretamente até o pátio dos sacerdotes, onde o sacerdote que levava o cântaro de água juntava-se com outro que levava o vinho para a oferenda da bebida. Esses dois sacerdotes, então, dirigiam-se aos funis de prata que conduziam à base do altar e, ali, deixavam jorrar os conteúdos dos cântaros. O cumprimento desse ritual, de fazer jorrar o vinho e a água, era o sinal para que os peregrinos reunidos começassem a cantar os salmos, desde o 113 até o 118, inclusive, alternando-se com os levitas. E, enquanto repetiam esses versos, eles faziam ondular os seus ramos no altar. Então vinham os sacrifícios do dia, relacionados com o repetir do salmo da data, sendo o octogésimo segundo o salmo do último dia da festa, começando pelo quinto verso.

5. O SERMÃO SOBRE LUZ DO MUNDO


162:5:1 17944 Da noite do dia seguinte até a última noite da festa, quando a cena era brilhantemente iluminada pelas luzes dos candelabros e dos tocheiros, Jesus permaneceu em meio da multidão reunida e disse:

162:5:2 17951 “Eu sou a luz do mundo. Aquele que me segue não andará na escuridão, mas terá a luz da vida. Presumindo colocar-me em julgamento e assumindo serem os meus juízes, vós declarais que, se eu der o testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não poderá ser verdadeiro. Mas a criatura nunca pode julgar o Criador. E se eu der testemunho de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro para a eternidade, pois sei de onde vim, sei quem sou, e para onde vou. Vós, que mataríeis o Filho do Homem, não sabeis de onde eu vim, quem sou eu, nem para onde vou. Vós julgais apenas pelas aparências da carne; não percebeis as realidades do espírito. Eu não julgo os homens, nem mesmo o meu arquiinimigo. Mas se eu devesse escolher julgar, o meu julgamento seria verdadeiro e justo, pois eu não julgaria a sós, mas em associação com o meu Pai, que me enviou ao mundo, e que é a fonte de todo o julgamento verdadeiro. Se vós podeis aceitar o testemunho de duas pessoas confiáveis – bem, então, eu testemunho essas verdades, e também o faz o meu Pai no céu. E quando eu vos disse isso, ontem, na vossa escuridão, vós perguntastes a mim: ‘Onde está o teu Pai?’ Verdadeiramente, não conheceis, nem a mim, nem ao meu Pai, pois se tivésseis conhecido a mim, vós teríeis também conhecido o Pai.

162:5:3 17952 “Eu já vos disse que eu vou embora, e que vós buscareis por mim e não me encontrareis, pois, para onde eu vou, não podeis ir. Vós, que rejeitastes essa luz, vindes debaixo; eu venho de cima. Vós, que preferistes ficar na escuridão, sois deste mundo; eu não sou deste mundo, e vivo na luz eterna do Pai das luzes. Todos vós tivestes oportunidades abundantes de saber quem eu sou, mas vós tereis ainda outras evidências confirmando a identidade do Filho do Homem. Eu sou a luz da vida, e todo aquele que, deliberadamente, e com a compreensão disso, rejeitar essa luz salvadora morrerá dos próprios pecados. Muito tenho eu para vos contar, mas sois incapazes de receber as minhas palavras. Contudo, Aquele que me enviou é verdadeiro e fiel; o meu Pai ama até mesmo os seus filhos no erro. E tudo que o meu Pai disse eu também proclamo ao mundo.

162:5:4 17953 “Quando o Filho do Homem elevar-se, então todos vós sabereis que eu sou ele e que eu nada fiz por mim mesmo, mas apenas como o Pai ensinou-me. Eu digo essas palavras a vós e aos vossos filhos. E Aquele que me enviou agora mesmo está comigo; Ele não me deixou sozinho, pois eu faço sempre aquilo que é agradável à vista Dele”.

162:5:5 17954 E, quando Jesus ensinava assim aos peregrinos nos pátios dos templos, muitos acreditaram. E ninguém ousou colocar as mãos nele.

6. O DISCURSO SOBRE A ÁGUA DA VIDA


162:6:1 17955 No último dia, o grande dia da festa, quando a procissão vinda da piscina de Siloé passou pelos pátios dos templos e, imediatamente depois que a água e o vinho haviam sido derramados no alta,r pelos sacerdotes, Jesus, entre os peregrinos, disse: “Se alguém tiver sede, que venha a mim e beba. Do Pai que está no alto, eu trago para este mundo a água da vida. Aquele que acreditar em mim será preenchido com o espírito que essa água representa, pois até mesmo as escrituras declaram: ‘Dele fluirão rios de água da vida’. Quando o Filho do Homem tiver terminado a sua obra na Terra, o Espírito vivo da Verdade será vertido sobre toda a carne. Aqueles que recebem esse espírito nunca conhecem a sede espiritual”.

162:6:2 17956 Jesus não interrompeu o serviço para dizer essas palavras. Ele dirigiu a resposta aos adoradores, imediatamente depois do canto de Hallel, na forma de leitura dos salmos, acompanhada da ondulação dos ramos, diante do altar. E exatamente então houve uma pausa, enquanto os sacrifícios estavam sendo preparados, e foi nesse momento que os peregrinos ouviram a voz fascinante do Mestre, declarando que ele era o doador da água da vida a toda alma com sede espiritual.

162:6:3 17961 Na conclusão desse serviço matinal, Jesus continuou a ensinar à multidão, dizendo: “Não lestes nas escrituras: ‘Vede, do mesmo modo que as águas são derramadas no chão seco e aspergidas sobre o solo ressecado, eu irei dar o espírito da santidade para que seja vertido como uma bênção sobre os vossos filhos e mesmo sobre os filhos dos vossos filhos?’ Por que ireis ter sede da ministração do espírito, se buscais banhar as vossas almas com a água das tradições dos homens vinda dos cântaros quebrados pelo serviço cerimonial? O que vede acontecendo nesse templo é o modo pelo qual os vossos pais buscavam simbolizar a dádiva do espírito divino aos filhos da fé, e fizestes bem em perpetuar esses símbolos até os dias atuais. Mas, agora, a revelação do Pai dos espíritos chegou a essa geração, por meio da outorga do seu Filho, e tudo isso irá certamente ser seguido da dádiva do espírito do Pai e do Filho aos filhos dos homens. Para todo aquele que tem fé, essa dádiva do espírito tornar-se-á o verdadeiro mestre do caminho que leva à vida eterna, que leva às águas verdadeiras da vida, ao Reino do céu sobre a Terra, e ao Paraíso do Pai lá em cima”.

162:6:4 17962 E Jesus continuou a responder às perguntas da multidão e às dos fariseus. Alguns julgavam que ele fosse um profeta; alguns acreditavam que ele fosse o Messias; outros diziam que ele não podia ser o Cristo, sabendo que tinha vindo da Galiléia, e que o Messias deveria restaurar o trono de Davi. Mas não ousaram prendê-lo, ainda.

7. O DISCURSO SOBRE A LIBERDADE ESPIRITUAL


162:7:1 17963 Na tarde do último dia da festa, e depois que os apóstolos viram frustrados os seus esforços para persuadi-lo a partir de Jerusalém, Jesus novamente foi ao templo para ensinar. Encontrando um grande grupo de crentes reunidos no Portão de Salomão, ele dirigiu-se a eles, dizendo:

162:7:2 17964 “Se as minhas palavras encontram residência em vós e se vós estais dispostos a fazer a vontade do meu Pai, então, sois verdadeiramente discípulos meus. Vós conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á homens livres. Eu sei como vós ireis responder-me: Nós somos os filhos de Abraão, e não somos escravos de ninguém; como então seremos libertados? Ainda assim, eu não falo da submissão exterior a leis de outrem; eu me refiro às liberdades da alma. Em verdade, em verdade, eu vos digo que todo aquele que comete pecados é escravo do pecado. E vós sabeis que o escravo não está destinado a habitar, para sempre, na casa do senhor. Vós sabeis também que o filho permanece na casa do seu pai. Se, portanto, o Filho vos libertar e vos transformar em filhos, então, vós sereis de fato livres.

162:7:3 17965 “Eu sei que vós sois a semente de Abraão e, ainda assim, os vossos líderes buscam matar-me, porque à minha palavra ainda não foi permitido que tivesse a influência transformadora em seus corações. As suas almas estão lacradas pelo preconceito e cegas pelo orgulho da vingança. Eu vos declaro a verdade, que o Pai eterno me mostra, enquanto esses instrutores iludidos buscam fazer as coisas que aprenderam apenas dos seus pais temporais. E, quando responderdes que Abraão é o vosso pai então, eu vos direi que, se fôsseis os filhos de Abraão, vós faríeis as obras de Abraão. Alguns dentre vós acreditais no meu ensinamento, mas outros procuram destruir-me porque eu vos disse a verdade que recebi de Deus. Mas Abraão não tratou assim a verdade de Deus. Eu percebo que alguns dentre vós estais determinados a fazer as obras do maligno. Se Deus fosse o vosso pai, vós conhecer-me-íeis e amaríeis a verdade que eu revelo. Não podeis ver que eu venho do Pai, que eu sou enviado por Deus, que eu não estou fazendo esse trabalho apenas por mim próprio? Por que não compreendeis as minhas palavras? Será porque escolhestes tornar-vos os filhos do mal? Se vós sois os filhos das trevas, dificilmente caminhareis à luz da verdade que eu revelo. Os filhos do maligno seguem apenas os caminhos do seu pai, que era um enganador e não permaneceu com a verdade porque não havia nenhuma verdade nele. Mas agora vem o Filho do Homem falando e vivendo a verdade, e muitos de vós vos negais a crer.

162:7:4 17971 “Qual de vós me condenais como pecador? Se eu, então, vivo e proclamo a verdade mostrada a mim pelo Pai, por que não acreditais? Aquele que é de Deus ouve contente as palavras de Deus; esse é o motivo pelo qual muitos de vós não ouvis as minhas palavras, porque não sois de Deus. Os vossos instrutores presumiram até mesmo dizer que eu faço a minha obra com o poder do príncipe dos demônios. Alguém aqui acabou de dizer que eu tenho comigo um demônio, que eu sou um filho do demônio. Mas todos vós, que lidais honestamente com as vossas próprias almas, sabeis perfeitamente bem que eu não sou um demônio. Vós sabeis que eu honro o Pai até mesmo quando vós me desonrais. Eu não busco a minha própria glória, apenas a glória do meu Pai do Paraíso. E eu não vos julgo, pois há Um que julga por mim.

162:7:5 17972 “Em verdade, em verdade, eu digo, a vós que acreditais no evangelho, que, se um homem mantiver viva essa palavra de verdade no seu coração, ele nunca sentirá o gosto da morte. E agora, bem ao meu lado, um escriba diz que essa afirmação prova que eu tenho comigo um demônio, vendo que Abraão está morto, e também os profetas. E ele pergunta: ‘Tu és assim tão maior do que Abraão e os profetas, a ponto de ousar ficar aqui dizendo que aquele que mantiver a tua palavra não provará da morte? Quem reivindicas ser a ponto de ousar fazer tais blasfêmias?’ E a tudo isso eu digo que, se eu glorifico a mim próprio, a minha glória é como nada. Mas é o Pai que me glorificará, o mesmo Pai a quem chamais de Deus. Mas vós não chegastes a conhecer esse vosso Deus e meu Pai, e eu vim para unir-vos; para mostrar-vos como vos tornar verdadeiramente os filhos de Deus. Embora não conheçais o Pai, eu O conheço verdadeiramente. E mesmo Abraão rejubilou-se de ver o meu dia e, pela fé, ele viu esse dia e ficou contente”.

162:7:6 17973 Quando os judeus descrentes e os agentes do sinédrio, que então já se tinham reunido por ali, ouviram essas palavras, eles iniciaram um tumulto, berrando: “Tu não tens nem cinqüenta anos de idade e ainda falas em ter visto Abraão; tu és um filho do demônio!” Jesus ficou incapacitado de continuar o seu discurso. Ele apenas disse quando partia: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, antes que Abraão fosse, eu sou”. Muitos dos descrentes procuraram pedras para atirar nele, e os agentes do sinédrio tentaram prendê-lo, mas o Mestre rapidamente tomou o seu caminho através dos corredores do templo e escapou, indo para um local secreto de encontro, perto da Betânia, onde Marta, Maria e Lázaro esperavam por ele.

8. A CONVERSA COM MARTA E MARIA


162:8:1 17974 Tinha sido arranjado para que Jesus se alojasse com Lázaro e as suas irmãs na casa de um amigo, enquanto os apóstolos ficaram espalhados aqui e ali, em pequenos grupos. Essas precauções foram tomadas porque as autoridades judias, de novo, estavam ficando audaciosas nos seus planos de prendê-lo.

162:8:2 17975 Durante anos, tinha sido costume desses três deixar tudo de lado e ouvir aos ensinamentos de Jesus sempre que ele os visitava. Com a perda dos seus pais, Marta tinha assumido as responsabilidades da vida doméstica e, sendo assim, nessa ocasião, enquanto Lázaro e Maria ficavam assentados aos pés de Jesus, bebendo do seu ensinamento restaurador, Marta cuidava de servir a refeição da noite. Deveria ser explicado que Marta se distraía, desnecessariamente, com inúmeras tarefas pouco úteis, e que ficava sobrecarregada com muitos cuidados triviais; tal era a sua tendência.

162:8:3 17981 Ao mesmo tempo em que Marta ocupava-se com todos esses supostos deveres, ela ficava perturbada porque Maria nada fazia para ajudar. E, sendo assim, ela foi a Jesus e disse: “Mestre, tu não te importas que a minha irmã me tenha deixado sozinha, fazendo todo o serviço? Tu não pedirias a ela para vir ajudar-me?” Jesus respondeu: “Marta, Marta, por que tu ficas sempre ansiosa por causa de tantas coisas e por que te preocupas com tantos detalhes? Uma coisa apenas realmente vale a pena e, desde que Maria escolheu essa parte boa e necessária, eu não a tirarei dela. Mas quando ireis ambas aprender a viver como eu vos ensinei: ambas servindo em cooperação e ambas refrescando as almas em uníssono? Não conseguistes aprender que há um momento para tudo – que as questões menos importantes da vida deveriam receber menos atenção diante das coisas maiores do Reino celeste?”

9. EM BELÉM COM ABNER


162:9:1 17982 Durante a semana seguinte à da Festa de Tabernáculos, dezenas de crentes reuniram-se na Betânia e receberam os ensinamentos dos doze apóstolos. O sinédrio não fez nenhum esforço para perturbar esses encontros, já que Jesus não estava presente; ele estava, durante esse período, trabalhando com Abner e os seus condiscípulos, em Belém. No dia seguinte ao fechamento da festa, Jesus tinha já partido para a Betânia, e não mais ensinou no templo durante essa visita a Jerusalém.

162:9:2 17983 Nessa época, Abner mantinha o seu centro de ações em Belém, e daquele centro muitos discípulos haviam sido enviados às cidades da Judéia e do sul da Samaria e até mesmo da Alexandria. Poucos dias depois da sua chegada, Jesus e Abner completaram os arranjos para a consolidação das obras dos dois grupos de apóstolos.

162:9:3 17984 Durante essa visita à Festa de Tabernáculos, Jesus tinha dividido o seu tempo igualmente entre a Betânia e Belém. Na Betânia ele passou um tempo considerável com os seus apóstolos; em Belém deu bastante instrução a Abner e aos outros antigos apóstolos de João. E foi esse contato íntimo que, afinal, os levou a crerem nele. Esses antigos apóstolos de João Batista foram influenciados pela coragem que Jesus demonstrara no seu ensinamento público, em Jerusalém, bem como pela compreensão solidária que eles experimentaram no ensinamento particular dado a eles em Belém. Essas influências conquistaram, completa e finalmente, de todos condiscípulos de Abner, uma aceitação, de todo coração, para o Reino e para todas as coisas que um tal passo implicava.

162:9:4 17985 Antes de deixar Belém pela última vez, o Mestre fez arranjos para que todos eles se reunissem com ele no esforço unificado que devia preceder ao término da sua carreira terrena na carne. Ficou acertado que Abner e os seus companheiros deviam juntar-se a Jesus e aos doze no parque de Magadam, em um futuro próximo.

162:9:5 17986 De acordo com o que ficara marcado, no princípio de novembro, Abner e os seus onze companheiros lançaram a sua sorte juntando-se a Jesus e aos doze e trabalharam com eles, em uma única organização, até o momento mesmo da crucificação.

162:9:6 17987 No final de outubro, Jesus e os doze retiraram-se da vizinhança imediata de Jerusalém. No domingo, 30 de outubro, Jesus e os seus companheiros deixaram a cidade de Efraim, onde ele estivera descansando, em reclusão, por uns poucos dias, e, indo pela parte oeste da estrada do Jordão, diretamente para o parque de Magadam, chegaram lá, na tarde da quarta-feira, 2 de novembro.

162:9:7 17991 Os apóstolos ficaram bastante aliviados de terem o Mestre de volta em um solo amistoso; e não mais eles o pressionaram para que fosse a Jerusalém com a finalidade de proclamar o evangelho do Reino.

DOCUMENTO 163

A ORDENAÇÃO DOS SETENTA EM MAGADAM
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Uns poucos dias antes do retorno de Jesus e dos doze para Magadam, vindos de Jerusalém, Abner e um grupo de cerca de cinqüenta discípulos chegaram de Belém. Nesse momento também se reuniam, no acampamento de Magadam, o corpo dos evangelistas, o corpo de mulheres e cerca de cento e cinqüenta outros discípulos sinceros e fiéis de todas as partes da Palestina. Depois de devotar uns poucos dias às conversas e à reorganização do acampamento, Jesus e os doze começaram um curso de aperfeiçoamento intensivo para esse grupo especial de crentes e, dessa agregação de discípulos bem treinados e experientes, o Mestre escolheu subseqüentemente os setenta instrutores e os enviou para proclamar o evangelho do Reino. Essa instrução regular começou na sexta-feira, 4 de novembro, e continuou até o sábado, 19 de novembro.

163:0:2 18002 Jesus dava uma palestra para esse grupo todas as manhãs. Pedro ensinava os métodos de pregação pública; Natanael instruía-os na arte de ensinar; Tomé explicava-lhes como responder às perguntas; enquanto Mateus dirigia a organização das finanças do grupo. Os outros apóstolos também participavam desse aperfeiçoamento segundo as suas experiências especiais e talentos naturais.

1. A ORDENAÇÃO DOS SETENTA


163:1:1 18003 Os setenta foram ordenados por Jesus na tarde de sábado, 19 de novembro, no acampamento de Magadam, e Abner foi colocado à frente desses pregadores e instrutores do evangelho. Esse corpo de setenta era formado por Abner e dez dos antigos apóstolos de João, por cinqüenta e um dos primeiros evangelistas e oito outros discípulos que se tinham distinguido no serviço do Reino.

163:1:2 18004 Por volta das duas horas, nessa tarde de sábado, entre as pancadas de chuva, um grupo de crentes, ampliado com a chegada de Davi e a maioria do seu corpo de mensageiros, em um total de mais de quatrocentos, reuniu-se na margem do lago da Galiléia para presenciar a ordenação dos setenta.

163:1:3 18005 Antes que colocasse sua mão nas cabeças dos setenta, para distingui-los como mensageiros do evangelho, dirigindo-se a eles, Jesus disse: “A colheita de fato está farta, mas os trabalhadores são poucos; e por isso eu exorto todos vós a orar, para que o Senhor da colheita envie mais trabalhadores para a Sua obra. Estou a ponto de distingui-los, como mensageiros do Reino, e devo enviá-los aos judeus e gentios como cordeiros entre os lobos. Quando fordes pelos vossos caminhos, dois a dois, eu instruo-vos para que não levem nem bolsa, nem roupa extra, pois ireis para essa primeira missão apenas por um curto período. Não cumprimenteis nenhum homem pelo caminho, fiqueis atentos apenas ao vosso trabalho. Quando fordes hospedados em uma casa, dizei primeiro: A paz esteja nessa casa. Se aqueles que amam a paz viverem lá, vós ali ficareis; se não, deveis partir de lá. E, tendo escolhido uma casa, permaneceis lá durante a vossa estada naquela cidade, comendo e bebendo daquilo que for posto diante de vós. E fareis assim porque o trabalhador é digno do seu sustento. Não vades de casa em casa, por um alojamento melhor estar sendo oferecido. Lembrai-vos, quando fordes pelo mundo, proclamando a paz na Terra e a boa vontade entre os homens, que ireis ter contra vós inimigos amargos e iludidos; e, portanto, sede sábios como a serpente e inofensivos como a pomba.

163:1:4 18011 “E, em todos lugares em que fordes, pregai, dizendo: ‘O Reino do céu está à mão’, e ministrai a todos que possam estar doentes na mente ou no corpo. Livremente vós recebestes as boas coisas do Reino; e dai livremente. Se o povo de qualquer cidade vos receber, eles terão entrada abundante no Reino do Pai; mas se o povo de qualquer cidade recusar-se a receber esse evangelho, vós ainda deveis proclamar a vossa mensagem ao sairdes dessa comunidade descrente, dizendo, àqueles que rejeitaram o vosso ensinamento: ‘Não obstante rejeitardes a verdade, permanece o fato de que o Reino de Deus veio até perto de vós’. Aquele que ouve a vós ouve a mim. E aquele que ouve a mim ouve a Ele, que me enviou. Aquele que rejeita a mensagem do vosso evangelho, rejeita a mim. E aquele que rejeita a mim, rejeita a Ele que me enviou”.

163:1:5 18012 Quando terminou de falar aos setenta, Jesus, começando por Abner, à medida que eles ajoelhavam-se em um círculo em volta dele, colocou as mãos na cabeça de cada um deles.

163:1:6 18013 Cedo, na manhã seguinte, Abner enviou os setenta mensageiros a todas as cidades da Galiléia, da Samaria e da Judéia. E esses trinta e cinco pares saíram pregando e ensinando por seis semanas, retornando todos ao novo acampamento perto de Pela, na Peréia, na sexta-feira, 30 de dezembro.

2. O JOVEM RICO E OUTROS


163:2:1 18014 Mais de cinqüenta discípulos, que desejavam ser ordenados e admitidos como membros junto aos setenta, foram rejeitados pelo comitê designado por Jesus para selecionar esses candidatos. Esse comitê era constituído por André, Abner e os chefes dos corpos dos evangelistas. Em todos os casos nos quais esse comitê de três não foi unânime nas suas decisões, eles apresentaram o candidato a Jesus e, conquanto o Mestre nunca rejeitasse uma só pessoa que almejasse ordenar-se como um mensageiro do evangelho, mais de dez deles, depois de falarem com Jesus, não desejaram mais se tornar mensageiros do evangelho.

163:2:2 18015 Um discípulo sincero veio a Jesus, dizendo: “Mestre, eu gostaria de ser um dos teus novos apóstolos, mas o meu pai é muito velho e está próximo da morte; poderia ser-me permitido ir até a minha casa para enterrá-lo?” A esse homem Jesus disse: “Meu filho, as raposas têm tocas, e os pássaros do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem um lugar onde descansar a sua cabeça. Tu és um discípulo fiel, e tu podes permanecer como tal, quando voltares para a sua casa para ministrar aos seus seres amados, mas não deve ser assim com os meus mensageiros do evangelho. Eles abandonaram tudo para seguir-me e proclamar o Reino. Se tu queres ordenar-te instrutor, deves deixar que os outros enterrem os mortos enquanto tu saíres para tornar públicas as boas-novas”. E esse homem foi embora com um grande desapontamento.

163:2:3 18016 Outro discípulo veio ao Mestre e disse: “Eu gostaria de tornar-me um mensageiro ordenado, mas eu gostaria de ir até a minha casa para confortar a minha família, por pouco tempo”. E Jesus respondeu: “Se fores ordenado, tu deves estar disposto a esquecer tudo. Os mensageiros do evangelho não podem ter afeições divididas. Nenhum homem depois de pôr as suas mãos à obra, se resolver sair, será digno de tornar-se um mensageiro do Reino”.

163:2:4 18017 Então André trouxe a Jesus um certo jovem homem rico, que era um devoto e que desejava receber a ordenação. Esse jovem homem, Matadormus, era um membro do sinédrio de Jerusalém; tinha ouvido Jesus ensinar e havia sido instruído posteriormente, no evangelho do Reino, por Pedro e por outros apóstolos. Jesus conversou com Matadormus a respeito dos quesitos da ordenação e pediu-lhe que tomasse a sua decisão depois de pensar mais profundamente sobre a questão. Bem cedo na manhã seguinte, quando Jesus saía para uma caminhada, esse jovem homem aproximou-se dele e disse: “Mestre, eu gostaria de saber de ti sobre as certezas da vida eterna. Sendo que eu tenho observado todos os mandamentos desde a minha juventude, gostaria de saber o que mais devo fazer para ganhar a vida eterna?” Em resposta a essa pergunta, Jesus disse: “Se tu cumprires os mandamentos – de não cometer adultério, de não matar, de não roubar, de não dar falso testemunho, de não trapacear e de honrar aos teus pais –, tu terás feito muito bem, mas a salvação é uma recompensa da fé, e não meramente das tuas obras. Tu crês nesse evangelho do Reino?” E Matadormus respondeu: “Sim, Mestre, eu creio em tudo o que tu e os teus apóstolos me ensinaram”. E Jesus disse: “Então tu és de fato meu discípulo e um filho do Reino”.

163:2:5 18021 E então o jovem homem disse: “Mas, Mestre, não me contento em ser teu discípulo; gostaria de ser um dos teus novos mensageiros”. Ao ouvir isso, Jesus olhou para ele e, com um grande amor, disse: “Eu terei a ti como um dos meus mensageiros, se estiveres disposto a pagar o preço, se satisfizeres o único quesito que te falta”. Matadormus respondeu: “Mestre, farei qualquer coisa para que me seja permitido seguir-te”. E Jesus, beijando na fronte o jovem homem ajoelhado, disse: “Se quiseres ser um mensageiro meu, vai e vende tudo o que tens e, quando tiveres doado o produto aos pobres ou aos teus irmãos, vem e segue-me, e tu terás um tesouro no Reino do céu”.

163:2:6 18022 Quando Matadormus ouviu isso, o seu semblante esmoreceu. Ele levantou-se e partiu pesaroso, pois tinha grandes posses. Esse jovem fariseu rico fora criado na crença de que a riqueza era um sinal do favorecimento de Deus. Jesus sabia que ele não estava liberto do amor de si próprio e das riquezas. O Mestre queria libertá-lo do amor das riquezas, não necessariamente da riqueza em si. Embora os discípulos de Jesus não precisassem desfazer-se de todos os bens terrenos, os apóstolos e os setenta desfaziam-se deles. Matadormus desejava ser um dos setenta novos mensageiros, e por esse motivo Jesus lhe pediu que se desfizesse de todas as suas posses temporais.

163:2:7 18023 Quase todo ser humano tem uma coisa à qual se apega, como a um mal necessário e querido, e à qual tem de renunciar, como parte do preço de admissão ao Reino do céu. Se Matadormus se tivesse desfeito da sua riqueza, ela provavelmente teria sido colocada de volta nas suas mãos, para que ele a administrasse, como tesoureiro dos setenta. Pois, mais tarde, depois do estabelecimento da igreja de Jerusalém, ele obedeceu à determinação do Mestre, embora, então, tenha sido tarde demais para que ele tivesse podido desfrutar da companhia dos setenta, como membro; e ele tornou-se o tesoureiro da igreja de Jerusalém, da qual, Tiago, o irmão do Senhor, na carne, era o dirigente.

163:2:8 18024 Sempre foi assim e para sempre será: os homens devem tomar as suas próprias decisões. E existe uma certa amplitude nas possibilidades, da liberdade de escolha, dentro das quais os mortais podem atuar. As forças do mundo espiritual não irão coagir o homem; elas permitem que ele siga o caminho da sua própria escolha.

163:2:9 18025 Jesus previu que Matadormus, com as suas riquezas, não teria possibilidade de ser ordenado como companheiro dos homens que a tudo tinham abandonado pelo evangelho; ao mesmo tempo, ele viu que, sem as suas riquezas, tornar-se-ia o dirigente máximo de todos eles. Mas, como os próprios irmãos de Jesus, Matadormus nunca chegou a ser grande no Reino porque ele privou-se a si próprio daquele convívio íntimo e pessoal com o Mestre. Convívio este que poderia ter feito parte da experiência dele, tivesse ele estado disposto a fazer, no momento certo, aquilo que lhe tinha sido pedido por Jesus, e que, vários anos depois, ele realizou de fato.

163:2:10 18031 As riquezas não têm nenhuma relação direta com a entrada no Reino do céu, mas o amor pela riqueza tem. As lealdades espirituais ao Reino são incompatíveis com a servidão à cobiça materialista. O homem não pode dividir, com uma devoção material, a sua lealdade suprema a um ideal espiritual.

163:2:11 18032 Jesus nunca ensinou que é errado ter riquezas. Apenas aos doze e aos setenta ele pediu que dedicassem todas as suas posses no mundo à causa comum. E, ainda assim, ele cuidou para que fosse efetuada uma liquidação vantajosa das propriedades deles, como no caso do apóstolo Mateus. Jesus, por muitas vezes, aconselhou aos seus discípulos abastados aquilo que havia ensinado ao homem rico de Roma. O Mestre considerava o sábio investimento dos ganhos excedentes como sendo uma forma legítima de seguro para a adversidade futura inevitável. Quando a tesouraria apostólica estivera transbordante, Judas colocara os fundos em um depósito a ser utilizado futuramente, quando eles pudessem estar sofrendo de uma diminuição grande na renda. E isso, Judas havia feito depois de consultar-se com André. Jesus nunca teve nada a ver pessoalmente com as finanças apostólicas, exceto quanto ao desembolso para as esmolas. No entanto, por muitas vezes, ele condenou o abuso econômico, tal como a exploração injusta dos fracos, dos ignorantes e dos menos afortunados entre os homens, pelos seus semelhantes mais fortes, mais sagazes e mais inteligentes. Jesus declarou que o tratamento desumano impingido aos homens, mulheres e crianças era incompatível com os ideais de irmandade do Reino do céu.

3. A DISCUSSÃO SOBRE A RIQUEZA


163:3:1 18033 Enquanto Jesus terminava de falar a Matadormus, Pedro e alguns apóstolos reuniram-se ao redor dele e, depois que o jovem homem rico partiu, Jesus voltou-se para colocar-se frente aos apóstolos e dizer: “Vede, quão difícil é, para aqueles que têm riquezas, entrar plenamente no Reino de Deus! A adoração espiritual não pode ser dividida com as devoções materiais; nenhum homem pode servir a dois senhores. Vós tendes um ditado que diz: ‘mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que os pagãos herdarem a vida eterna’. E eu declaro que é tão fácil para esse camelo passar pelo buraco da agulha quanto o é para esses ricos, satisfeitos consigo próprios, entrarem no Reino do céu”.

163:3:2 18034 Quando ouviram essas palavras, Pedro e os apóstolos ficaram extremamente surpresos, a ponto de Pedro dizer: “Ó Senhor, quem então pode ser salvo? Todos aqueles que têm riquezas ficarão fora do Reino?” E Jesus respondeu: “Não, Pedro, mas todos que colocarem a sua confiança nas riquezas, dificilmente entrarão na vida espiritual que leva ao progresso eterno. Mas, ainda assim, muitas coisas que são impossíveis para o homem não estão fora do alcance do Pai no céu; devemos reconhecer sim que, com Deus, todas as coisas são possíveis”.

163:3:3 18035 E, enquanto cada qual saia para um lado, Jesus entristeceu-se porque Matadormus não permaneceu com eles, pois ele o amava bastante. E quando caminhavam pelo lago, eles sentaram-se perto da água, e Pedro, falando pelos doze (presentes todos, naquele momento), disse: “Estamos inquietos por causa das tuas palavras ao jovem homem rico. Devemos exigir daqueles que querem seguir-nos que renunciem aos seus bens terrenos?” E Jesus disse: “Não, Pedro, apenas daqueles que querem transformar-se em apóstolos e que desejam viver comigo, como uma família, como vós o fazeis. Pois o Pai exige que os afetos dos seus filhos sejam puros e não divididos. Qualquer coisa ou pessoa, que se interponha entre vós e o amor pelas verdades do Reino, deve ser abandonada. Se a riqueza não invade os recintos da alma, não tem conseqüências na vida espiritual daqueles que entram no Reino”.

163:3:4 18041 E então Pedro disse: “Mas, Mestre, nós deixamos tudo para seguir-te, o que então teremos?” E então Jesus falou aos doze: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, não há nenhum homem que tenha abandonado a riqueza, a casa, a esposa, os irmãos, os pais ou os filhos, por minha causa e pelo Reino do céu, que não receba muito mais neste mundo, talvez com algumas perseguições; e que não receba a vida eterna no mundo que virá. Mas, muitos dos que são os primeiros, serão os últimos, enquanto os últimos, muitas vezes, serão os primeiros. O Pai trata às suas criaturas de acordo com as necessidades delas e em obediência às Suas leis justas de consideração misericordiosa e amorosa pelo bem-estar de um universo.

163:3:5 18042 “O Reino do céu é como um proprietário que é um grande empregador de homens, e que saiu cedo pela manhã para contratar trabalhadores para o seu vinhedo. Depois de um acordo com os trabalhadores, de pagar a eles um denário por dia, ele os enviou ao vinhedo. E então ele saiu às nove e, vendo outros que permaneciam ociosos no mercado, ele lhes disse: ‘Ide, vós também, trabalhar no meu vinhedo, e eu vos pagarei o que for justo’. E eles foram trabalhar imediatamente. E, às doze, novamente ele saiu e depois às três e procedeu do mesmo modo. E indo à praça do mercado, às cinco da tarde, ele ainda encontrou outros que lá permaneciam sem fazer nada, e perguntou-lhes: ‘Por que permanecestes aqui, desocupados, todo o dia?’ E os homens responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’. E então disse o dono da casa: ‘Ide vós também trabalhar no meu vinhedo, e vos pagarei o que for justo’.

163:3:6 18043 “Quando chegou a noite, esse proprietário do vinhedo disse ao seu administrador: ‘Chama os trabalhadores e paga a eles os seus salários, começando pelos últimos contratados e terminando com os primeiros’. Quando chegaram aqueles que haviam sido contratados às cinco da tarde, cada um recebeu um denário, e assim todos os outros trabalhadores receberam a mesma quantia. Quando os homens, que haviam sido contratados no começo do dia, viram como estavam sendo pagos aqueles que haviam sido contratados mais tarde, eles tiveram a esperança de receber mais do que a quantia combinada. Mas, como os demais, cada homem recebeu apenas um denário. E, depois que todos haviam recebido o seu pagamento, eles foram reclamar com o dono da casa, dizendo: ‘Esses homens, que foram contratados por último, trabalharam apenas uma hora, e mesmo assim tu pagaste a eles o mesmo que pagaste a nós, que agüentamos a carga do dia inteiro sob o sol abrasador’.

163:3:7 18044 “E o dono da casa então respondeu: ‘Meus amigos, eu não sou injusto convosco. Cada um de vós não concordastes em trabalhar por um denário ao dia? Pegai agora o que é vosso e segui o vosso caminho, pois é desejo meu dar àqueles que vieram por último tanto quanto dei a vós. Não me é lícito fazer o que eu quiser com o que me pertence? Ou acaso invejais a minha generosidade, porque eu desejo ser bom e demonstrar misericórdia?’ ”

4. A DESPEDIDA DOS SETENTA


163:4:1 18045 Foi um momento emocionante no acampamento de Magadam o dia em que os setenta saíram na sua primeira missão. Cedo, naquela manhã, na sua última palestra aos setenta, Jesus colocou ênfase no seguinte:

163:4:2 18046 1. O evangelho do Reino deve ser proclamado a todo o mundo, aos gentios tanto quanto aos judeus.

163:4:3 18047 2. Ao cuidar dos enfermos, abstende-vos de ensinar a esperar milagres.

163:4:4 18051 3. Proclamai uma fraternidade espiritual dos filhos de Deus; e não um reino exterior de poder terreno e de glória material.

163:4:5 18052 4. Evitai a perda de tempo em um excesso de conversas e visitas sociais e outras trivialidades que possam diminuir a vossa devoção, de coração pleno, a pregar o evangelho.

163:4:6 18053 5. Se a primeira casa que tiverdes escolhido, como centro, demonstrar ser uma casa digna, permanecei lá durante toda a permanência nessa cidade.

163:4:7 18054 6. Deixai bem claro a todos os fiéis que é chegada a hora de romper abertamente com os líderes religiosos dos judeus, em Jerusalém.

163:4:8 18055 7. Ensinai que todo o dever do homem resume-se neste único mandamento: Amai o Senhor vosso Deus com toda a vossa mente e a vossa alma e amai ao vosso semelhante como a vós próprios. (E isso eles deviam ensinar como sendo todo o dever do homem em lugar das 613 regras de vida expostas pelos fariseus. )

163:4:9 18056 Quando Jesus terminou de falar aos setenta, em presença de todos os apóstolos e discípulos, Simão Pedro levou-os à parte para, a sós com eles, pregar-lhes o seu sermão de ordenação, que era uma elaboração das instruções dadas pelo Mestre, na época em que ele impôs as suas mãos sobre eles e escolheu-os como mensageiros do Reino. Pedro exortou os setenta a nutrir, nas suas experiências, as virtudes seguintes:

163:4:10 18057 1. A devoção consagrada. Orar sempre para que haja constantemente mais operários a ser enviados à colheita do evangelho do Reino. Ele explicou que, quando se ora assim, deve-se dizer mais propriamente: “Aqui estou eu; enviai-me”. Ele aconselhou-lhes que não negligenciassem a sua adoração diária.

163:4:11 18058 2. A verdadeira coragem. Ele avisou-lhes que encontrariam muita hostilidade e que podiam estar certos de que enfrentariam perseguições. Pedro disse a eles que a sua missão não era um empreendimento para covardes e aconselhou, àqueles que estavam amedrontados, que desistíssem antes mesmo de começar. Mas nenhum deles retirou-se.

163:4:12 18059 3. A fé e a confiança. Que, para essa curta missão, eles deviam sair totalmente sem recursos; e que deveriam confiar no Pai para terem comida e abrigo e todas as outras coisas que fossem necessárias.

163:4:13 180510 4. O ardor e a iniciativa. Eles deveriam estar possuídos do ardor e de um entusiasmo inteligente; eles deveriam ater-se exclusivamente aos assuntos do Mestre. A saudação oriental era uma cerimônia longa e elaborada; e, portanto, eles foram instruídos a “não saudar nenhum homem pelo caminho”, o que era um método comum de exortar a que cuidassem dos seus assuntos, sem desperdício de tempo. Essa instrução nada tinha a ver com a questão da saudação amistosa.

163:4:14 180511 5. A amabilidade e a cortesia. O Mestre tinha instruído-os para que evitassem perder tempo desnecessariamente em cerimônias sociais, mas recomendou-lhes muita cortesia para todos aqueles com quem estivessem em contato. Eles deviam demonstrar toda amabilidade para com aqueles que poderiam recebê-los nas suas casas. E foram advertidos estritamente quanto a deixarem uma casa modesta, para serem recebidos em uma casa mais confortável ou de mais influência.

163:4:15 180512 6. A ministração aos doentes. Os setenta foram encarregados, por Pedro, a procurar os que estavam doentes da mente ou do corpo e fazer tudo o que estivesse ao alcance deles para trazer-lhes algum alívio ou cura das suas enfermidades.

163:4:16 180513 E, depois de ter recebido, assim, as suas ordens e instruções, eles partiram, dois a dois, para a sua missão na Galiléia, Samaria e Judéia.

163:4:17 18061 Embora os judeus tivessem uma estima especial pelo número setenta, algumas vezes considerando que setenta fossem as nações do paganismo e, embora esses setenta mensageiros devessem ir com o evangelho a todos os povos, ainda assim, até onde podemos discernir, foi apenas uma coincidência que esse grupo tivesse exatamente setenta membros. É certo que Jesus teria aceito algo como meia dúzia a mais deles, mas esses não estavam dispostos a pagar o preço de abandonar riquezas e famílias.

5. TRANSFERINDO O ACAMPAMENTO PARA PELA


163:5:1 18062 Jesus e os doze preparavam-se agora para estabelecer o último dos seus centros de apoio na Peréia, perto de Pela, onde o Mestre fora batizado no Jordão. Os últimos dez dias de novembro haviam sido passados em reuniões em Magadam, e na terça-feira, 6 de dezembro, todo o grupo, de quase trezentas pessoas partiu ao alvorecer, com todos os seus carregamentos, para alojar-se, naquela noite, perto de Pela, à beira do rio. Esse mesmo local, na primavera, tinha sido ocupado pelo acampamento de João Batista, vários anos antes.

163:5:2 18063 Depois de levantar o acampamento de Magadam, Davi Zebedeu retornou a Betsaida e começou imediatamente a reduzir o serviço de mensageiros. O Reino estava entrando em uma nova fase. Diariamente chegavam peregrinos de todas as partes da Palestina e mesmo de regiões remotas do império romano. Crentes vinham da Mesopotâmia, ocasionalmente, e de terras a leste do Tigre. E, desse modo, no domingo, 18 de dezembro, com a ajuda do seu corpo de mensageiros, Davi colocou sobre os animais de carga a bagagem do acampamento, então armazenada na casa do seu pai e com a qual ele tinha anteriormente organizado o acampamento de Betsaida, à beira do lago. Despedindo-se de Betsaida pelo momento, ele continuou até as margens do lago e ao longo do Jordão, num ponto cerca de um quilômetro ao norte do campo apostólico; e, em menos do que uma semana, ele estava preparado para oferecer hospitalidade a quase mil e quinhentos visitantes peregrinos. O acampamento apostólico podia acomodar cerca de quinhentas pessoas. Era a estação das chuvas na Palestina, e essas acomodações faziam-se necessárias para que se cuidasse do número, cada vez maior, de buscadores da verdade e de interessados, sérios na maioria, que vinham à Peréia para ver Jesus e ouvir o seu ensinamento.

163:5:3 18064 Davi fez tudo isso por sua própria iniciativa, embora se tivesse aconselhado com Filipe e Mateus, em Magadam. Ele aproveitou a maior parte do seu antigo corpo de mensageiros, como ajudantes, para conduzir esse acampamento, sendo que agora utilizava menos de vinte homens no serviço de mensageiros regulares. Perto do fim de dezembro, e antes do retorno dos setenta, quase oitocentos visitantes foram reunidos em torno do Mestre, e eles encontraram hospedagem no acampamento de Davi.

6. O RETORNO DOS SETENTA


163:6:1 18065 Na sexta-feira, 30 de dezembro, enquanto Jesus havia ido até as colinas vizinhas, com Pedro, Tiago e João, os setenta mensageiros estavam chegando aos pares, acompanhados de inúmeros crentes, ao centro de apoio deles em Pela. Todos os setenta estavam reunidos no local de instrução, por volta das cinco horas, quando Jesus retornou ao acampamento. A refeição da noite atrasou mais de uma hora, enquanto esses entusiastas do evangelho do Reino contavam as suas experiências. Os mensageiros de Davi tinham trazido muitas dessas novas aos apóstolos durante as semanas anteriores, mas era verdadeiramente inspirador ouvir esses instrutores do evangelho, recém-ordenados, contarem pessoalmente como a sua mensagem tinha sido recebida pelos judeus e gentios sedentos. Afinal Jesus podia ver os homens saindo para disseminar as boas-novas, sem a sua presença pessoal. O Mestre agora sabia que podia deixar este mundo, sem que por isso o progresso do Reino parasse seriamente.

163:6:2 18071 Quando os setenta relataram que “até os demônios submetiam-se” a eles, referiam-se às curas maravilhosas que tinham realizado nos casos das vítimas de desordens nervosas. Todavia, teria havido uns poucos casos de verdadeira possessão por espíritos, aliviados por esses ministros e, pois, referindo-se a eles, Jesus disse: “Não é de se estranhar que esses espíritos menores desobedientes deveriam sujeitar-se a vós, posto que eu vi Satã caindo do céu como um raio. Mas, não rejubileis tanto só por isso, pois eu declaro a vós que, tão logo eu retorne ao meu Pai, enviaremos às mentes dos homens os nossos espíritos, de modo que não mais esses poucos espíritos perdidos possam entrar nas mentes dos mortais desafortunados. Eu me rejubilo convosco, por terdes esse poder com os homens, mas não vos sintais elevados por causa dessa experiência, mas regozijai-vos mais porque os vossos nomes estão escritos nas listas do céu, e porque vós deveis, assim, avançar em uma carreira sem fim de conquista espiritual”.

163:6:3 18072 E foi nesse momento, exatamente antes de compartilhar da refeição da noite, que Jesus experimentou um desses momentos raros de êxtase emocional que os seus seguidores ocasionalmente testemunharam. Ele disse: “Eu agradeço-te, meu Pai, Senhor do céu e da Terra, porque, conquanto esse maravilhoso evangelho tenha sido escondido dos sábios e dos presunçosos, o espírito revelou essas glórias espirituais a esses filhos do Reino. Sim, meu Pai, deve ter sido agradável aos Teus olhos fazer isso, e rejubilo-me ao saber que as boas-novas espalhar-se-ão a todo o mundo, depois mesmo de ter eu retornado para Ti e para o trabalho que Tu me deste para cuidar. Eu estou extremamente emocionado, pois entendo que Tu estás a ponto de entregar toda a autoridade nas minhas mãos, que apenas Tu sabes realmente quem eu sou, e que apenas eu realmente Te conheço, bem como aqueles a quem eu Te revelei. E, quando eu tiver terminado esta revelação aos meus irmãos na carne, eu continuarei a revelação às Tuas criaturas no alto”.

163:6:4 18073 Depois de ter falado assim ao Pai, Jesus voltou-se para o lado, para falar aos seus apóstolos e ministros: “Abençoados são os olhos que vêem e os ouvidos que escutam essas coisas. Deixai que eu diga a vós, que muitos dos profetas e grandes homens das idades passadas desejariam contemplar o que vós estais vendo, mas isso não lhes foi concedido. E muitas gerações dos filhos da luz que ainda estão por vir, quando ouvirem sobre essas coisas, invejar-vos-ão a vós que as ouvistes e que as vistes”.

163:6:5 18074 E então, falando a todos os discípulos, ele disse: “Vós ouvistes, quantas cidades e aldeias receberam as boas-novas do Reino, e como os meus ministros e instrutores foram recebidos pelos judeus tanto quanto pelos gentios. E abençoadas de fato são essas comunidades que escolheram crer no evangelho do Reino. Mas, ai dos que rejeitam a luz, habitantes de Corazim, Betsaida-Júlias e Cafarnaum, cidades que não receberam bem a esses mensageiros. Eu declaro que, se as obras poderosas que foram feitas nesses locais tivessem sido feitas em Tiro e Sidom, o povo dessas cidades, chamadas pagãs, há muito ter-se-ia arrependido com trajes de penitência e com cinzas. De fato será mais tolerável, para Tiro e Sidom, o dia do julgamento”.

163:6:6 18075 O dia seguinte sendo um sábado, Jesus reuniu à parte os setenta e disse a eles: “De fato eu me rejubilei convosco, quando voltastes com as boas-novas de que tantas pessoas, espalhadas pela Galiléia, Samaria e Judéia, receberam bem o evangelho do Reino. Mas, por que vos sentistes tão surpreendentemente exaltados? Não esperáveis que a vossa mensagem se manifestasse com tal força? Saístes com tão pouca fé nesse evangelho, que retornastes surpresos com a sua eficácia? E agora, se bem que eu não queira arrefecer o vosso entusiasmo, eu gostaria de adverti-los severamente contra as sutilezas do orgulho, do orgulho espiritual. Se pudésseis compreender a queda de Lúcifer, o iníquo, evitaríeis solenemente qualquer forma de orgulho espiritual.

163:6:7 18081 “Vós entrastes nessa grande obra de ensinar ao homem mortal que ele é um filho de Deus. Eu mostrei-vos o caminho; ide em frente fazer o vosso dever e não vos canseis de fazê-lo bem. A vós e a todos que seguirão os vossos passos através das idades, deixai que eu diga: Eu estarei sempre perto, e a minha convocação-convite é, e será sempre: Vinde a mim todos vós que lutais e que estais levando fardos pesados, e eu vos darei o descanso. Tomai o meu jugo para vós, e aprendei de mim, pois sou verdadeiro e leal, e vós encontrareis o descanso espiritual para as vossas almas”.

163:6:8 18082 E, quando colocaram as promessas do Mestre à prova, eles comprovaram que as palavras do Mestre eram verdadeiras. E, desde aquele dia, milhares incontáveis de pessoas também testaram e comprovaram a certeza dessas mesmas promessas.

7. A PREPARAÇÃO PARA A ÚLTIMA MISSÃO


163:7:1 18083 Os dias seguintes no acampamento de Pela foram repletos de atividades, pois os preparativos para a missão na Peréia estavam sendo ultimados. Jesus e os seus colaboradores estavam a ponto de iniciar a sua última viagem, o percurso, por toda a Peréia, feito em três meses e que culminou com a entrada do Mestre em Jerusalém para os seus trabalhos finais na Terra. Durante esse período, foi mantido um centro de apoio para Jesus e os doze apóstolos no acampamento de Pela.

163:7:2 18084 Jesus já não tinha necessidade de sair para ensinar ao povo. Agora todos vinham até ele, em números crescentes a cada semana, e de todas as partes, não só da Palestina, mas de todo o mundo romano e do Oriente próximo. Embora tenha participado, com os setenta, da viagem da Peréia, o Mestre passou uma grande parte do seu tempo no acampamento de Pela, ensinando à multidão e instruindo aos doze. Durante esse período de três meses, pelo menos dez dos apóstolos permaneceram com Jesus.

163:7:3 18085 O corpo de mulheres também se preparou para sair, duas a duas, com os setenta, para fazer a sua obra nas grandes cidades da Peréia. Esse grupo original de doze mulheres tinha recentemente treinado um grupo maior, de cinqüenta mulheres, no trabalho de visitar as casas e na arte de ministrar aos doentes e aflitos. Perpétua, a mulher de Simão Pedro, tornou-se membro dessa nova divisão do corpo de mulheres e lhe foi confiada a liderança do trabalho ampliado das mulheres, com Abner. Depois de Pentecostes ela permaneceu com o seu ilustre marido, acompanhando-o em todas as suas viagens missionárias; e, no dia em que Pedro foi crucificado em Roma, ela apareceu atirada às feras selvagens na arena. Esse novo corpo de mulheres também teve como membros as esposas de Filipe e de Mateus, e a mãe de Tiago e João.

163:7:4 18086 A obra do Reino agora se preparava para entrar na sua fase terminal sob a liderança pessoal de Jesus. E essa fase caracterizava-se pela profundidade espiritual, em contraste com aquela das multidões voltadas para os milagres e buscadoras de prodígios, que seguiram o Mestre durante os primeiros tempos da sua popularidade na Galiléia. Contudo, havia um certo número entre os seus seguidores que tinha a mente voltada para o lado material, e que não conseguiu captar a verdade de que o Reino do céu é a irmandade espiritual dos homens fundada sobre o fato eterno da paternidade universal de Deus.

DOCUMENTO 164

NA FESTA DA DEDICAÇÃO
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Enquanto se instalava o acampamento de Pela, levando Natanael e Tomé consigo, Jesus subiu secretamente até Jerusalém para comparecer à Festa da Dedicação. Os dois apóstolos só tornaram-se conscientes de que o seu mestre estava indo para Jerusalém depois de terem passado pelo rio Jordão e pelo vau da Betânia. Quando perceberam que ele realmente tinha a intenção de estar presente à Festa da Dedicação, eles objetaram seriamente e, usando de toda a sorte de argumentos, tentaram dissuadi-lo da idéia. Mas os seus esforços de nada valeram; Jesus estava determinado a visitar Jerusalém. A todas as súplicas e a todas as advertências deles, enfatizando a loucura e o perigo que corria o Mestre de colocar-se nas mãos do sinédrio, ele responderia apenas: “Eu gostaria de dar a esses instrutores de Israel uma nova oportunidade de verem a luz, antes de chegar a minha hora”.

164:0:2 18092 E prosseguiram até Jerusalém, enquanto os dois apóstolos continuavam a expressar os seus sentimentos de temor e a manifestar as suas dúvidas sobre a sabedoria de um empreendimento aparentemente tão presunçoso. Eles chegaram a Jericó por volta das quatro e meia da tarde e prepararam-se para alojar-se ali naquela noite.

1. A HISTÓRIA DO BOM SAMARITANO


164:1:1 18093 Naquela noite, um grupo considerável de pessoas reuniu-se em torno de Jesus e dos dois apóstolos para fazer perguntas, muitas das quais os apóstolos responderam, enquanto, sobre outras, o Mestre discorria. Durante a noite, um certo jurista, buscando enredar Jesus em uma disputa comprometedora, disse: “Instrutor, eu gostaria de perguntar-te exatamente o que devo fazer para herdar a vida eterna”? Jesus respondeu: “O que está escrito na lei e nos profetas; como interpretas as escrituras?” O jurista, conhecendo os ensinamentos de Jesus e dos fariseus, respondeu: “Amar ao Senhor Deus, com todo o teu coração, tua alma, tua mente e tua força; e ao teu próximo como a ti próprio”. Então disse Jesus: “Respondeste certo; se realmente fizeres assim, isso conduzir-te-á à vida eterna”.

164:1:2 18094 O advogado, contudo, não tinha sido totalmente sincero ao fazer esta pergunta e, desejando justificar-se e, ao mesmo tempo, esperando embaraçar Jesus, aventurou-se ainda a fazer uma outra pergunta. Chegando um pouco mais perto do Mestre, ele disse: “Mas, Instrutor, eu gostaria que me dissesses exatamente quem é o meu próximo”. O advogado, ao fazer essa pergunta, esperava que, com ela, Jesus caísse na armadilha e fizesse alguma afirmação que infringisse a lei judaica, a qual definia o próximo como “os filhos do seu próprio povo”. Os judeus consideravam todos os outros povos como “cães gentios”. Esse advogado estava um tanto familiarizado com os ensinamentos de Jesus e, portanto, sabia bem que o Mestre pensava de modo diferente; e, assim, ele esperava levá-lo a dizer alguma coisa que pudesse ser interpretada como um ataque à lei sagrada.

164:1:3 18101 Contudo, Jesus percebeu a intenção do advogado e, em vez de prestar-se à armadilha, ele passou a contar aos seus ouvintes uma história, daquelas que seriam apreciadas plenamente por qualquer audiência de Jericó. Disse Jesus: “Um certo homem ia de Jerusalém a Jericó e caiu nas mãos de bandidos cruéis que o roubaram, tomaram a sua roupa e bateram nele, e partiram, deixando-o meio morto. Em breve, por acaso, um certo sacerdote passava por aquele caminho e, ao deparar-se com o homem ferido e percebendo a sua condição lastimável, passou para o outro lado da estrada. E, de um modo semelhante, também um levita, quando se aproximou e deparou-se com o homem, passou para o outro lado. Pouco depois, um certo samaritano, que viajava para Jericó, deparou-se com esse homem ferido e, quando viu como tinha sido roubado e como bateram nele, ficou tocado de compaixão e, indo até ele, colocou-lhe uma bandagem nas feridas junto com óleo e vinho e, ajeitando o homem na sua própria montaria, levou-o até o albergue e cuidou dele. No dia seguinte, tomou de algum dinheiro e, dando-o ao estalajadeiro, disse: ‘Cuida bem do meu amigo e, se as despesas forem maiores, quando eu voltar aqui, te pagarei’. Agora eu te pergunto: Qual desses três demonstrou ser o próximo do homem que caiu nas mãos dos ladrões?” E, quando o jurista percebeu que tinha caído na própria cilada, ele respondeu: “Aquele que demonstrou misericórdia para com ele”. E Jesus disse: “Vai e faze do mesmo modo”.

164:1:4 18102 O jurista havia respondido: “Aquele que demonstrou misericórdia”, para abster-se mesmo de pronunciar aquela palavra odiosa: samaritano. O jurista foi forçado a dar, ele próprio, a resposta à pergunta: “Quem é o meu próximo?” Resposta esta que Jesus desejava fosse dada, mas que, se o próprio Jesus tivesse afirmado aquilo, ter-se-ia envolvido diretamente em uma acusação de heresia. Jesus não apenas conseguiu confundir o jurista desonesto, como contou aos seus ouvintes uma história que, ao mesmo tempo significava uma bela advertência a todos os seus seguidores, e, também, uma reprovação atordoante para todos os judeus, quanto à atitude deles para com os samaritanos. E essa história tem continuado a estimular o amor fraterno entre todos aqueles que têm acreditado no evangelho de Jesus.

2. EM JERUSALÉM


164:2:1 18103 Jesus tinha comparecido à Festa de Tabernáculos para que pudesse proclamar o evangelho aos peregrinos de todas as partes do império; e, agora, ele ia à Festa da Dedicação com um único propósito: dar ao sinédrio e aos líderes judeus uma nova oportunidade de ver a luz. O evento principal, daqueles poucos dias em Jerusalém, ocorreu na sexta-feira à noite, na casa de Nicodemos. Lá, reuniram-se uns vinte e cinco líderes judeus que acreditavam nos ensinamentos de Jesus. Nesse grupo estavam quatorze homens que eram então, ou tinham sido recentemente, membros do sinédrio. A esse encontro compareceram Eber, Matadormus e José de Arimatéia.

164:2:2 18104 Nessa ocasião, os ouvintes de Jesus eram todos homens instruídos e, tanto eles quanto os dois apóstotos, ficaram surpresos com a amplitude e a profundidade das observações que o Mestre fez a esse distinto grupo. Desde os tempos em que ele havia ensinado em Alexandria, em Roma e nas ilhas do Mediterrâneo, que Jesus não havia demonstrado tanto saber, nem manifestara uma tal compreensão dos assuntos humanos, tanto seculares quanto religiosos.

164:2:3 18105 Quando essa pequena reunião terminou, todos deixaram o ambiente, imbuídos da mística da personalidade do Mestre, encantados pelos seus modos graciosos e tomados de afeição e amor por aquele homem. Eles haviam tentado desaconselhar a Jesus quanto ao seu desejo de conquistar os membros restantes do sinédrio. O Mestre ouviu atentamente, mas em silêncio, a tudo o que foi proposto por eles. E Jesus sabia, muito bem, que nenhum dos planos daquelas pessoas funcionaria. Ele supunha que a maioria dos líderes judeus nunca iria aceitar o evangelho do Reino; contudo, ele proporcionaria ainda a todos eles mais uma oportunidade de escolha. Todavia, quando ele saiu, naquela noite, com Natanael e Tomé, para alojar-se no monte das Oliveiras, ele ainda não havia decidido sobre o método que iria adotar a fim de atrair, de novo, a atenção do sinédrio para a sua obra.

164:2:4 18111 Naquela noite, Natanael e Tomé mal dormiram; eles estavam demasiadamente impressionados com o que tinham ouvido, na casa de Nicodemos. Estiveram pensando muito sobre o comentário final de Jesus, a respeito da oferta dos membros antigos e atuais do sinédrio, de comparecerem junto com ele, perante os setenta. O Mestre havia dito: “Não, meus irmãos, seria fora de propósito. Vós iríeis multiplicar a ira que recairia sobre as vossas cabeças, mas não iríeis mitigar, em nada, o ódio que eles têm por mim. Ide, todos vós, cuidar dos assuntos do Pai, segundo sois conduzidos pelo espírito, enquanto eu, uma vez mais, atrairei a atenção deles para o Reino, do modo que o meu Pai indicar-me”.

3. CURANDO O MENDIGO CEGO


164:3:1 18112 Na manhã seguinte, os três foram até a casa de Marta, na Betânia, para tomar o desjejum e, então, seguiram imediatamente para Jerusalém. Nesse sábado, pela manhã, quando Jesus e os seus dois apóstolos aproximavam-se do templo, depararam-se com um mendigo muito conhecido, um homem que tinha nascido cego, que estava sentado no seu lugar de costume. Embora tais mendigos não solicitassem nem recebessem esmolas no dia de sábado, era permitido que ficassem sentados, assim, nos seus lugares de costume. Jesus deteve-se para olhar o mendigo. E, enquanto contemplava esse homem que tinha nascido cego, veio-lhe à mente uma idéia de como, uma vez mais, faria a sua missão na Terra ser notada pelo sinédrio e pelos outros líderes e intrutores judeus.

164:3:2 18113 Enquanto o Mestre permanecia lá, diante do cego, absorto em pensamentos profundos, Natanael, ponderando sobre a causa possível da cegueira desse homem, perguntou: “Mestre, quem cometeu um pecado, este homem ou os seus pais, para que ele nascesse cego?”

164:3:3 18114 Os rabinos ensinavam que todos esses casos de cegueira de nascença eram causados pelo pecado. Não apenas os filhos eram concebidos e nascidos em pecado, mas uma criança podia nascer cega por punição de algum pecado, específico, cometido pelo seu pai. Eles até mesmo ensinavam que a própria criança poderia pecar antes de nascer para o mundo. Ensinavam também que tais defeitos podiam ser causados por algum pecado ou alguma outra fraqueza da mãe enquanto trazia em si a criança.

164:3:4 18115 Havia, em todas essas regiões, uma crença vaga na reencarnação. O mais antigo dos instrutores judeus, assim como Platão, Filo e muitos dos essênios, toleravam a teoria de que os homens podem colher em uma encarnação o que eles haviam semeado em uma existência anterior; e assim, em uma vida, acreditava-se que eles estivessem expiando os pecados cometidos em vidas precedentes. O Mestre achou difícil fazer com que os homens acreditassem que as suas almas não tinham tido existências anteriores.

164:3:5 18116 Entretanto, por mais inconsistente que pudesse parecer, conquanto se supusesse que esse tipo de cegueira fosse resultado do pecado, os judeus sustentavam que era altamente meritório dar esmolas a esses mendigos cegos. Era costume que esses cegos cantassem constantemente para os transeuntes: “Ó, ternos de coração, ganhai méritos, ajudando os cegos”.

164:3:6 18117 Jesus empreendeu a discussão desse caso com Natanael e Tomé, não apenas porque já tinha decidido usar esse homem cego como um meio de, naquele dia, colocar a sua missão, uma vez mais, de um modo proeminente, sob a atenção dos líderes judeus, mas também porque ele sempre encorajara seus apóstolos a buscar as causas verdadeiras de todos os fenômenos, naturais ou espirituais. Por várias vezes, ele os havia advertido a evitar a tendência comum de atribuir a causas espirituais os acontecimentos físicos comuns.

164:3:7 18121 Jesus decidiu utilizar esse mendigo nos seus planos para as obras daquele dia, contudo, antes de fazer qualquer coisa pelo homem cego, cujo nome era Josias, ele começou por responder à pergunta de Natanael. Disse o Mestre: “Nem esse homem, nem os seus progenitores cometeram pecado, para que a obra de Deus pudesse manifestar-se nele. Essa cegueira veio a ele pela seqüência natural dos acontecimentos, mas, agora, devemos fazer as obras d’Aquele que me enviou, enquanto ainda é dia, pois a noite certamente virá e será impossível fazer, então, o trabalho que estamos a ponto de realizar. Enquanto ainda estiver aqui, eu sou a luz do mundo, mas dentro de pouco tempo eu não mais estarei convosco”.

164:3:8 18122 Depois de afirmar isso, Jesus disse a Natanael e Tomé: “Criemos uma visão para esse cego, neste dia de sábado, e assim os escribas e os fariseus poderão ter toda a oportunidade que buscam de poder acusar o Filho do Homem”. E então, inclinando-se para a frente, ele cuspiu no chão e misturou a argila com a saliva e, falando de tudo isso para que o cego pudesse ouvi-lo, e, levantando-se, foi até Josias e colocou a argila sobre os seus olhos sem visão, dizendo: “Vai, meu filho, lava essa argila na piscina de Siloé e receberás, imediatamente, a tua visão”. E, quando Josias lavou-se na piscina de Siloé, ele enxergou e, assim, voltou para os seus amigos e a sua família.

164:3:9 18123 Tendo sempre vivido de pedir esmolas, nada mais sabia fazer; assim, quando passou o primeiro entusiasmo pela criação da sua visão, ele voltou ao seu lugar de costume, onde tinha sido sempre um esmoler. Quando os seus amigos, vizinhos e todos aqueles que o conheciam desde antes, perceberam que ele podia ver, disseram todos: “Este é mesmo Josias, o cego mendigo?” Alguns afirmaram que era ele mesmo, enquanto outros disseram: “Não, é alguém que se parece com ele, pois este homem pode ver”. E, quando perguntaram ao próprio homem, ele respondeu: “Sou ele”.

164:3:10 18124 Quando todos passaram a indagar-lhe como se tornara capaz de enxergar, ele respondeu-lhes: “Um homem chamado Jesus passou por aqui e, enquanto falava de mim aos seus amigos, misturou argila com sua saliva, ungiu os meus olhos e orientou-me para que eu fosse lavar-me na piscina de Siloé. Eu fiz o que esse homem mandou e, imediatamente, recebi a minha visão. E isso só aconteceu há poucas horas. Eu não sei ainda o que significa grande parte do que vejo”. E quando o povo, que começou a ajuntar em volta dele, perguntou onde eles podiam encontrar o estranho homem que o tinha curado, Josias apenas pôde responder que não sabia.

164:3:11 18125 Esse é um dos mais estranhos, entre todos milagres do Mestre. Esse homem não pedira para ser curado. Ele não sabia que o Jesus que havia mandado ir lavar-se em Siloé, prometendo-lhe a sua visão, era o profeta da Galiléia que pregara em Jerusalém durante a Festa de Tabernáculos. Esse homem possuía pouca fé de que receberia a visão; contudo, o povo daquela época tinha grande fé na eficácia da saliva de um homem santo ou um grande homem; e, pela conversa de Jesus com Natanael e Tomé, Josias havia concluído que o seu possível benfeitor devia ser um grande homem, um instrutor sábio ou um profeta sagrado; e, por isso, ele procedeu como Jesus lhe tinha ordenado.

164:3:12 18126 Jesus utilizou a argila e a saliva e mandou-o lavar-se na piscina simbólica de Siloé por três razões:

164:3:13 18127 1. Esse milagre não vinha em resposta à fé individual. Era um prodígio que Jesus escolhera realizar, com um propósito escolhido por ele próprio, mas havia preparado tudo de tal forma que esse homem pudesse receber dele um benefício duradouro.

164:3:14 18131 2. Como o cego não tinha pedido a cura, e, posto que a sua fé era fraca, esses atos materiais foram sugeridos a ele com o propósito de encorajá-lo. Ele acreditava na superstição da eficácia da saliva, e sabia que a piscina de Siloé era um local semi-sagrado. Mas, dificilmente, ele teria ido lá, caso não tivesse sido necessário lavar a argila para retirar a unção. Havia um cerimonial, em todo esse procedimento, suficiente para induzi-lo a agir.

164:3:15 18132 3. Entretanto Jesus tinha um terceiro motivo para recorrer a tais meios materiais para essa transação única. Tratava-se de um milagre feito puramente em obediência à sua própria decisão e, por meio de tal feito, ele desejava ensinar aos seus seguidores, daquela época e de todas as idades subseqüentes, que deixassem de desprezar e negligenciar os meios materiais para a cura dos doentes. Ele queria mostrar-lhes que deviam cessar de considerar os milagres como o único método de curar as doenças humanas.

164:3:16 18133 Jesus deu a visão a esse homem, por meio de uma ação milagrosa, nessa manhã de sábado em Jerusalém, perto do templo, com o propósito primordial de fazer desse ato um desafio aberto ao sinédrio e a todos os instrutores e líderes religiosos judeus. Era esse o seu modo de proclamar uma ruptura aberta com os fariseus. Em tudo o que fazia, Jesus era sempre positivo. E foi com o propósito de apresentar essas questões perante o sinédrio que Jesus trouxe os seus dois apóstolos até esse homem, nesse dia de sábado, pela manhã, provocando deliberadamente as discussões que obrigaram os fariseus a notar o milagre.

4. JOSIAS DIANTE DO SINÉDRIO


164:4:1 18134 No meio da tarde, a cura de Josias havia levantado em torno do templo uma discussão tal que os líderes do sinédrio decidiram convocar o conselho, no mesmo lugar da reunião habitual no templo. E, ao fazerem isso, eles violaram uma regra estabelecida que proibia a reunião do sinédrio no dia de sábado. Jesus sabia que a violação do sábado seria uma das acusações principais contra ele, a ser feita no momento da prova final, e ele desejava ser levado diante do sinédrio, para o julgamento da incriminação de ter curado um homem cego no dia de sábado, no exato momento em que a alta corte judaica, reunida para julgá-lo por esse ato de misericórdia, estivesse deliberando sobre essas questões, no mesmo dia de sábado, e em violação direta da própria lei auto-imposta por eles.

164:4:2 18135 Entretanto não chamaram Jesus para apresentar-se diante deles, temiam fazê-lo. Em vez disso, mandaram que trouxessem Josias, sem demora. Depois de algumas perguntas preliminares, o porta-voz do sinédrio (com a presença de cerca de cinqüenta membros) ordenou a Josias que contasse a eles o que lhe havia acontecido. Desde a sua cura, naquela manhã, Josias andara sabendo, por meio de Tomé, Natanael e outros, que os fariseus encontravam-se irritados com a sua cura no sábado e que, provavelmente, causariam dificuldades a todos os envolvidos; mas Josias ainda não havia percebido que Jesus era aquele a quem chamavam de Libertador. E assim, quando os fariseus o interrogaram, ele disse: “Esse homem aproximou-se, colocou argila sobre os meus olhos, disse-me para ir lavar-me em Siloé e, agora, eu enxergo”.

164:4:3 18136 Um dos fariseus mais velhos, depois de fazer um longo discurso, disse: “Esse homem não pode vir de Deus, porque ele não observa o sábado como podeis ver. Ele viola a lei, primeiro, ao preparar a argila e, depois, ao mandar esse mendigo lavar-se em Siloé, no dia de sábado. Um homem assim não pode ser um instrutor enviado por Deus”.

164:4:4 18137 Então, um dos fariseus mais jovens, que secretamente cria em Jesus, disse: “Se esse homem não é enviado por Deus, como pode fazer essas coisas? Sabemos que alguém que é um pecador comum não é capaz de realizar tais milagres. Todos nós conhecemos esse mendigo e sabemos que nasceu cego; e agora ele vê. Acaso ainda ireis dizer que esse profeta faz todos esses prodígios com o poder do príncipe dos demônios?” E, para cada fariseu que ousava acusar e denunciar Jesus, outro levantava-se com perguntas embaraçosas e desconcertantes, de um modo tal que uma divisão séria surgiu entre eles. O presidente percebeu para onde desviava a assembléia e, a fim de moderar a discussão, dispôs-se a fazer novas perguntas ao próprio homem. Voltando-se para Josias, ele indagou: “O que tens a dizer sobre esse homem, esse Jesus, que tu dizes ter aberto os teus olhos?” E Josias respondeu: “Eu penso que ele é um profeta”.

164:4:5 18141 Os líderes estavam bastante perturbados e, não sabendo o que mais fazer, decidiram buscar os pais de Josias, para saber deles se tinha de fato nascido cego. Eles relutavam em acreditar que o mendigo houvesse sido curado.

164:4:6 18142 Era consabido, em toda Jerusalém, não apenas que a Jesus tinha sido negada a entrada em todas as sinagogas, mas também que todos aqueles que cressem nos seus ensinamentos seriam, do mesmo modo, expulsos da sinagoga e excomungados da congregação de Israel; e isso significava a privação dos direitos e privilégios, de toda espécie, em todo o mundo judeu, exceto o direito de comprar o necessário para viver.

164:4:7 18143 E, sendo assim, quando os pais de Josias, almas pobres e sobrecarregadas pelo temor, apareceram diante do augusto sinédrio, eles ficaram com medo de falar abertamente. Disse o porta-voz do tribunal: “É este o vosso filho? E estamos certos ao entender que ele nasceu cego? Se isso for verdade, como é que agora ele pode ver?” E, então, o pai de Josias, secundado pela sua mãe, respondeu: “Sabemos que este é o nosso filho e que ele nasceu cego, mas, como é que ele veio a enxergar ou quem foi que abriu os olhos dele, não sabemos. Perguntem a ele; pois ele é maior de idade. Deixem que ele fale por si”.

164:4:8 18144 E agora pela segunda vez eles convocavam Josias perante o conselho. Eles não estavam indo bem, no seu esquema de manter a formalidade do julgamento, e alguns deles começavam a não se sentir confortáveis fazendo isto no sábado; e, desse modo, quando convocaram Josias novamente, eles tentaram enganá-lo com um tipo diferente de insinuação. O secretário do tribunal dirigiu-se ao ex-cego, dizendo: “Por que não atribuir a Deus a glória disso? Por que tu não nos dizes toda a verdade sobre o que aconteceu? Todos nós sabemos que esse homem é um pecador. Por que tu te negas a discernir a verdade? Bem sabes que tu e esse homem são culpados de violar o sábado. Por que tu não expias o teu pecado reconhecendo Deus como quem te curou, se é que ainda afirmas que os teus olhos foram abertos mesmo neste dia de hoje?”

164:4:9 18145 Josias, todavia, não era estúpido e até possuía algum senso de humor; e, sendo assim, ele redargüiu ao secretário do tribunal: “Se esse homem é um pecador, eu não sei; mas de uma coisa eu sei – é que, se antes eu era um cego, agora eu vejo”. E já que eles não conseguiam enganar Josias, eles procuraram saber outras coisas mais, e perguntaram: “Como foi mesmo que ele abriu os teus olhos? O que ele fez de fato em ti? O que ele te disse? Ele te pediu para que cresses nele?”

164:4:10 18146 Josias, um tanto impaciente, respondeu: “Eu já vos disse exatamente como tudo aconteceu e, se os senhores não acreditaram no meu testemunho, por que ouviríeis tudo de novo? Acaso também estais querendo ser discípulos dele?” Quando Josias disse isso, o sinédrio irrompeu em confusão, quase em violência, pois os líderes avançaram sobre Josias, exclamando furiosamente: “Tu podes falar como sendo discípulo desse homem, mas nós somos discípulos de Moisés, e somos instrutores das leis de Deus. Sabemos que Deus falou por intermédio de Moisés, mas, quanto a esse Jesus, não sabemos de onde ele vem”.

164:4:11 18147 E, então, Josias, colocando-se de pé em um tamborete, berrou abertamente para todos que podiam ouvir, essas palavras: “Escutai com atenção, todos vós, que pretendeis ser os instrutores de toda Israel, enquanto eu declaro a vós, que estamos diante de uma verdadeira maravilha, pois confessais que não sabeis de onde vem esse homem e, ainda assim, sabeis, com toda segurança, pelo testemunho que acabastes de ouvir, que ele abriu os meus olhos. Todos nós sabemos que Deus não faz essas obras para os ímpios; que Deus só faria uma coisa dessas a pedido de um verdadeiro adorador – aquele que é santo e correto. Vós sabeis, desde o princípio do mundo, que nunca ouviu-se falar de terem aberto os olhos de um homem que nasceu cego. E então, olhai, todos vós, para mim, e compreendei, pois, o que foi feito no dia de hoje, em Jerusalém! Eu digo a todos vós, se esse homem não tivesse vindo de Deus, ele não poderia ter feito isso”. E, enquanto saíam, os membros do sinédrio, cheios de raiva e em confusão, gritaram para ele: “Tu nasceste totalmente em pecado, e agora presumes ensinar a nós? Talvez nem cego realmente nasceste e, ainda que os teus olhos tenham sido abertos em um dia de sábado, isso foi feito com o poder do príncipe dos demônios”. E dirigiram-se imediatamente à sinagoga para expulsar Josias.

164:4:12 18151 Josias, no início do seu julgamento tinha poucas idéias sobre Jesus e a natureza da sua cura. A maior parte desse testemunho ousado que, tão inteligente e corajosamente, ele deu perante esse tribunal supremo de toda Israel, surgiu na sua mente enquanto o julgamento tomava aquele sentido mais injusto e pouco equânime.

5. ENSINANDO SOB O PÓRTICO DE SALOMÃO


164:5:1 18152 Enquanto acontecia essa sessão do sinédrio, que violava o sábado, em uma das câmaras do templo; bem ali perto, Jesus estava à mão ensinando ao povo, no Pórtico de Salomão, esperando que fosse convocado perante o sinédrio, onde ele poderia contar a todos as boas-novas da liberdade e do júbilo da filiação divina ao Reino de Deus. Mas eles continuavam temerosos de mandar chamá-lo. Sempre se sentiam desconsertados com essas súbitas aparições públicas de Jesus, em Jerusalém. A ocasião exata que eles próprios buscavam tão ardentemente, Jesus agora lhes proporcionava, mas eles temiam trazê-lo diante do sinédrio até mesmo como testemunha e, ainda mais, temiam prendê-lo.

164:5:2 18153 Jerusalém estava na metade do inverno e o povo buscava o abrigo parcial no Pórtico de Salomão; e, como Jesus permanecia ali, as multidões fizeram a ele muitas perguntas, e ele ensinou a todos, por mais de duas horas. Alguns dos instrutores judeus tentaram fazê-lo cair publicamente em uma cilada, perguntando-lhe: “Por quanto tempo nos manterá na incerteza? Se fores o Messias, por que não nos comunicas claramente?” Jesus disse: “Eu já vos falei de mim e do meu Pai, muitas vezes, mas vós não quereis crer em mim. Será que não podeis ver que as obras que faço, em nome do meu Pai, dão um testemunho de mim? Mas muitos de vós não credes, porque não pertenceis ao meu rebanho. O instrutor da verdade atrai apenas aqueles que têm fome da verdade e que têm sede de retidão. As minhas ovelhas ouvem a minha voz e eu as conheço e elas me seguem. E a todos que seguem os meus ensinamentos, eu dou a vida eterna; eles nunca perecerão, e ninguém arrebatá-los-á das minhas mãos. Meu Pai, que me deu esses filhos, é O maior de todos e, pois, ninguém arrebatá-los-á da mão do meu Pai. O Pai e eu somos Um”. Alguns dos judeus descrentes acorreram ao local onde ainda construíam o templo para apanharem pedras e atirá-las em Jesus, mas os crentes impediram-nos.

164:5:3 18154 Jesus continuou o seu ensinamento: “Muitas obras eu vos mostrei, provenientes do amor do Pai, e agora eu queria perguntar-vos por qual dessas boas obras pensais apedrejar-me?” E, então, um dos fariseus respondeu: “Por nenhuma obra boa gostaríamos de apedrejar-te, mas por blasfêmia, porque tu, sendo um homem, ousas fazer-te igual a Deus”. E Jesus respondeu: “Vós acusais o Filho do Homem de blasfêmia, porque vos negastes a crer em mim quando eu declarei que sou enviado por Deus. Se não faço as obras de Deus, não creiais em mim, mas, se eu faço as obras de Deus, ainda que não creiais em mim, penso que vós deveríeis crer nas obras. Mas para que fiqueis seguros do que proclamo, eu afirmo novamente que o Pai está em mim e que eu estou no Pai e que, assim como o Pai reside em mim, eu também irei residir em todos que crerem neste evangelho”. E, quando o povo ouviu essas palavras, muitos deles correram para pegar pedras e atirar nele, mas Jesus saiu dos recintos do templo; e, encontrando Natanael e Tomé, que tinham assistido à sessão do sinédrio, esperou junto com eles, perto do templo, até que Josias viesse da câmara do conselho.

164:5:4 18161 Jesus e os dois apóstolos só foram procurar Josias na casa dele quando souberam que tinha sido expulso da sinagoga. Quando chegaram lá, Tomé chamou-o para o pátio e Jesus disse a ele: “Josias, tu crês no Filho de Deus?” E Josias respondeu: “Dize-me quem ele é, para que eu possa crer nele”. E Jesus disse: “Tu já o viste e já o ouviste, e ele é este que agora fala contigo”. E Josias disse: “Senhor, eu creio”; e, caindo de joelhos, ele adorou-o.

164:5:5 18162 Quando Josias caiu em si quanto a ter sido expulso da sinagoga, a princípio ficou bastante abatido, mas se animou muito ao ouvir o convite de Jesus para acompanhá-los imediatamente até o acampamento em Pela. Esse homem de mente simples, de Jerusalém, tinha de fato sido expulso de uma sinagoga judaica; mas eis que o Criador de um universo, agora, levava-o para colocá-lo ao lado da nobreza espiritual daquela época e daquela geração.

164:5:6 18163 E agora Jesus deixava Jerusalém, para não mais retornar, até pouco antes do momento em que preparar-se-ia para deixar este mundo. O Mestre retornou a Pela, com Josias e com os dois apóstolos. E Josias demonstrou ser um daqueles que deram muitos frutos, depois de receber a ministração miraculosa do Mestre, pois ele converteu-se, pelo resto da sua vida, em um pregador do evangelho do Reino.

DOCUMENTO 165

A MISSÃO NA PERÉIA TEM INÍCIO
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Na terça-feira, 3 de janeiro do ano 30 d. C. , Abner, o dirigente nazareno dos doze apóstolos de João Batista, e antigo diretor da escola nazarena de Engedi, agora dirigente dos setenta mensageiros do Reino, reuniu os condiscípulos e deu-lhes as instruções finais, antes de enviá-los em missão a todas as cidades e aldeias da Peréia. Essa missão pereiana continuou por quase três meses e foi a última ministração do Mestre. Depois desses trabalhos, Jesus foi diretamente a Jerusalém, para passar pelas suas experiências finais na carne. Os setenta trabalharam, suplementados pelas atuações periódicas de Jesus e dos doze apóstolos, nas seguintes cidades e vilas: Zafom, Gadara, Macad, Arbela, Ramath, Edrei, Bosora, Caspim, Mispeh, Gerasa, Ragaba, Sucot, Amatus, Adam, Penuel, Capitólias, Dion, Hatita, Gada, Filadélfia, Jogbeá, Gilead, Bete-Nimra, Tiro, Elealá, Lívias, Esbom, Caliroé, Bete-Peor, Chitim, Sibmá, Medeba, Bete-Meom, Areópolis e Aroer; e atuaram também em cerca de outras cinqüenta, ou mais, localidades.

165:0:2 18172 Durante essa viagem pela Peréia o corpo de mulheres, agora contando com sessenta e duas integrantes, tomou a si a maior parte do trabalho da ministração aos doentes. Esse foi o período final do desenvolvimento dos aspectos mais elevados do evangelho do Reino e, em conformidade com isso, nenhum milagre foi realizado. Nenhuma outra parte da Palestina foi trabalhada tão completamente pelos apóstolos e discípulos de Jesus, e em nenhuma outra região as classes mais altas de cidadãos aceitaram tão amplamente o ensinamento do Mestre.

165:0:3 18173 Nessa época, a Peréia era igualmente de gentios e de judeus, e estes últimos haviam sido deslocados dessas regiões durante a época de Judas Macabeus. A Peréia era a mais bela e pitoresca província de toda a Palestina. Os judeus geralmente referiam-se a ela como “a terra depois do Jordão”.

165:0:4 18174 Durante esse período Jesus dividiu o seu tempo entre o acampamento em Pela e as viagens, com os doze, para ajudar aos setenta nas várias cidades onde eles ensinavam e pregavam. Sob as instruções de Abner, os setenta batizaram todos crentes, embora Jesus não lhes tivesse dado essa missão.

1. NO ACAMPAMENTO EM PELA


165:1:1 18175 Em meados de janeiro, mais de mil e duzentas pessoas estavam reunidas em Pela e, enquanto esteve morando no acampamento, Jesus ensinava a essa multidão ao menos uma vez por dia; em geral ele falava às nove horas da manhã, se não fosse impedido pela chuva. Pedro e os outros apóstolos ensinavam sempre à tarde. As noites, Jesus reservava-as para as habituais sessões de perguntas e respostas com os doze e outros discípulos mais adiantados. Os grupos da noite eram compostos de cinqüenta pessoas em média.

165:1:2 18176 Por volta de meados de março, quando Jesus começou essa sua viagem até Jerusalém, mais de quatro mil pessoas compunham a grande audiência que ouvia Jesus ou Pedro pregando todas as manhãs. O Mestre escolheu terminar a sua obra na Terra quando o interesse pela sua mensagem tivesse alcançado um ponto alto, o apogeu mesmo, atingido nessa segunda fase de progresso do Reino, desprovida de milagres,. Se bem que três quartos da multidão fossem de buscadores da verdade, havia também um grande número de fariseus de Jerusalém e de outros lugares, além de muitos incrédulos e meros opositores.

165:1:3 18181 Jesus e os doze apóstolos devotaram grande parte do seu tempo à multidão reunida no acampamento de Pela. Os doze davam pouca ou nenhuma atenção ao trabalho do acampamento, e saíam com Jesus apenas de tempos em tempos, para visitar Abner e os outros condiscípulos. Abner conhecia bem os distritos pereianos, pois esse era o setor em que o seu mestre anterior, João Batista, havia feito a maior parte da sua obra. Depois de começar a missão na Peréia, Abner e os setenta nunca retornaram ao acampamento de Pela.

2. O SERMÃO SOBRE O BOM PASTOR


165:2:1 18182 Um grupo de mais de trezentos habitantes de Jerusalém, de fariseus e outros, seguiu Jesus até o norte de Pela, quando ele tratou de sair da jurisdição dos governantes judeus, ao final da Festa da Dedicação; e foi na presença desses instrutores, de líderes judeus e dos doze apóstolos, que Jesus fez o sermão sobre o “Bom Pastor”. Depois de meia hora de conversa informal, dirigindo-se a um grupo de cerca de cem pessoas, Jesus disse:

165:2:2 18183 “Tenho muito para falar-vos nesta noite e, visto que muitos de vós sois meus discípulos e outros meus inimigos mordazes, eu irei apresentar o meu ensinamento por meio de uma parábola, de modo que cada um possa tirar, para si próprio, aquilo que for mais bem recebido pelo seu coração.

165:2:3 18184 “Nesta noite, estão aqui diante de mim os homens que se disporiam a morrer por mim e por este evangelho do Reino e muitos deles oferecer-se-ão desse modo, nos anos que virão; e aqui estão também, entre vós, alguns dos escravos da tradição que me seguiram desde Jerusalém e que, junto com os seus líderes iludidos e nas trevas, tentam matar o Filho do Homem. A vida que agora vivo na carne julgar-vos-á a ambos, os verdadeiros pastores e os pastores falsos. Se os pastores falsos fossem cegos, não teriam nenhum pecado; no entanto, vós afirmais que vedes, vós professais ser instrutores em Israel; o vosso pecado, pois, recai sobre vós.

165:2:4 18185 “O verdadeiro pastor reúne o seu rebanho no abrigo, à noite, em tempos de perigo. E, quando a manhã tiver chegado, ele entra no abrigo, pela porta, e quando chama as ovelhas, elas conhecem a sua voz. Todo pastor que tem entrada no curral por qualquer outro meio que não seja pela porta é um ladrão e um saqueador. O pastor verdadeiro só entra no abrigo depois que o porteiro lhe abriu a porta, e as suas ovelhas, conhecendo a sua voz, vêm atendendo ao seu chamado; e, quando as ovelhas que lhe pertencem assim se adiantam, o pastor verdadeiro vai à frente delas, mostrando-lhes o caminho e as ovelhas o seguem. As suas ovelhas o seguem porque conhecem a sua voz; elas não seguiriam a um estranho. Elas fugirão do estranho porque não reconhecem a sua voz. Essa multidão de pessoas que se reúnem em torno de nós são como ovelhas sem um pastor, mas, quando falamos com elas, elas identificam a voz do pastor e nos seguem; aquelas que têm fome da verdade e que têm sede de retidão, pelo menos, o fazem. Alguns de vós não sois do meu aprisco; não conheceis a minha voz, e não me seguis. E porque vós sois falsos pastores, as ovelhas não conhecem a vossa voz nem vos seguirão”.

165:2:5 18191 E quando Jesus acabou de narrar essa parábola, ninguém lhe fez nenhuma pergunta. Após um certo tempo ele retomou a palavra e continuou com a análise da parábola:

165:2:6 18192 “Vós, que gostaríeis de ser os pastores auxiliares dos rebanhos do meu Pai, deveis não apenas ser líderes condignos, mas deveis também alimentar o rebanho com bom alimento; só sereis pastores verdadeiros se conduzirdes os vossos rebanhos a pastos verdejantes e à beira de águas tranqüilas.

165:2:7 18193 “E, agora, para que alguns de vós não julgueis que essa parábola é muito fácil de compreender, eu vou declarar que sou as duas coisas, tanto sou a porta para o rebanho do Pai, quanto sou, ao mesmo tempo, o verdadeiro pastor dos rebanhos do meu Pai. Todo pastor que tentar entrar no abrigo sem mim irá fracassar e as ovelhas não irão ouvir a voz dele. E, junto com aqueles que ministram comigo, eu estou à porta. Toda alma que entrar no caminho eterno pelos meios que eu criei e ordenei será salva e será capaz de continuar o seu caminho pelos pastos eternos do Paraíso.

165:2:8 18194 “Sou eu também o verdadeiro pastor que está disposto a dar a sua vida pelas ovelhas. O ladrão entra no abrigo apenas para roubar, e para matar e destruir; mas eu vim para que todos vós possais ter a vida, e tê-la mais abundantemente. Aquele que é um mercenário, quando chega o perigo, fugirá e deixará as ovelhas serem dispersadas e destruídas; mas o verdadeiro pastor não fugirá quando o lobo vier; ele protegerá o seu rebanho e, se necessário, dará a própria vida pelas suas ovelhas. Em verdade, em verdade, eu vos digo, amigos e inimigos, eu sou o verdadeiro pastor; conheço os meus e os meus me conhecem. Eu não fugirei em face do perigo. Eu concluirei essa obra satisfazendo a vontade do meu Pai, e não abandonarei o rebanho que o Pai confiou à minha guarda.

165:2:9 18195 “Todavia, tenho muitas outras ovelhas que não são deste aprisco, e essas palavras são verdadeiras não apenas para este mundo. Essas outras ovelhas também conhecem e ouvem a minha voz, e eu prometi ao Pai que todas serão trazidas para o mesmo aprisco, que é a fraternidade dos filhos de Deus. E então todos vós conhecereis a voz do único pastor, o verdadeiro pastor, e todos reconhecereis a paternidade de Deus.

165:2:10 18196 “E assim sabereis por que o Pai me ama e por que colocou todos os seus rebanhos desse domínio nas minhas mãos, para que eu os guarde; é porque o Pai sabe que eu não vacilarei na salvaguarda do aprisco, que não abandonarei as minhas ovelhas e, se for necessário, não hesitarei em colocar a minha própria vida a serviço dos seus múltiplos rebanhos. Mas, lembrai-vos, se eu der a minha vida, eu a terei de volta. Nenhum homem, ou qualquer outra criatura pode tirar a minha vida. Eu tenho o direito e o poder de dar a minha vida, e eu tenho o mesmo poder e direito de tê-la de novo. Vós não podeis compreender isso, mas eu recebi essa autoridade do meu Pai antes mesmo de que este mundo existisse”.

165:2:11 18197 Quando ouviram essas palavras, seus apóstolos ficaram confusos, seus discípulos, atônitos; enquanto os fariseus de Jerusalém e arredores partiram na noite dizendo: “Ele é louco ou está possuído por um demônio”. Mas mesmo alguns dos instrutores de Jerusalém disseram: “Ele fala como quem tem autoridade; e, além disso, quem viu alguma vez um possuído pelo demônio abrir os olhos de um homem que nasceu cego e fazer todas as coisas maravilhosas que este homem tem feito?”

165:2:12 18198 No dia seguinte, metade desses instrutores judeus professavam a sua crença em Jesus, e a outra metade, consternada, retornou aos seus lares em Jerusalém.

3. O SERMÃO DE SÁBADO EM PELA


165:3:1 18199 Ao fim de janeiro as multidões de sábado à tarde chegavam a quase três mil pessoas. No sábado, 28 de janeiro, Jesus pregou o seu sermão memorável sobre “A Confiança e a Prontidão Espiritual”. Depois das observações preliminares de Simão Pedro, o Mestre disse:

165:3:2 18201 “O que eu tenho dito muitas vezes aos meus apóstolos e aos meus discípulos, eu declaro agora a esta multidão: Cuidado com o levedo dos fariseus, feito na hipocrisia, nascido do preconceito e nutrido na serventia à tradição; embora muitos desses fariseus sejam honestos de coração e alguns deles aqui permaneçam como discípulos meus. Em breve todos vós ireis compreender o meu ensinamento, pois nada do que está encoberto agora deixará de ser revelado. O que agora está escondido de vós deverá ser conhecido quando o Filho do Homem tiver completado a sua missão na Terra e na carne.

165:3:3 18202 “Em breve, muito em breve, as coisas que os nossos inimigos planejam agora em segredo e na obscuridade serão trazidas à luz e serão proclamadas de cima dos telhados. Mas eu vos digo, meus amigos, não temais àqueles que buscam destruir o Filho do Homem. Não temais àqueles que, embora possam ser capazes de destruir o corpo, nenhum poder têm sobre vós, além disso. Eu vos aconselho que não temais ninguém, nem no céu nem na Terra, mas que vos rejubilai com o conhecimento Dele, que tem o poder de libertar-vos de toda a injustiça e de apresentar-vos sem culpa diante do tribunal de um universo.

165:3:4 18203 “Não se vendem cinco pardais por dois cêntimos? E ainda, quando esses pássaros adejam à procura do seu sustento, nenhum deles existe sem o reconhecimento do Pai, a fonte de toda a vida. Para os guardiães seráficos, os próprios cabelos da vossa cabeça estão contados. E se tudo isso é verdade, por que deveis viver com medo de tantas pequenezas que surgem na vossa vida diária? Eu vos digo: Não temais; sois de um valor muito maior do que uma grande quantidade de pardais.

165:3:5 18204 “Todos vós que tivestes coragem, diante dos homens, de confessar a fé no meu evangelho, eu vos reconhecerei, em breve, diante dos anjos do céu; mas aquele que negar conscientemente a verdade dos meus ensinamentos, diante dos homens, será negado pelo seu guardião do destino até mesmo diante dos anjos do céu.

165:3:6 18205 “Não importa o que disserdes sobre o Filho do Homem, isso vos será perdoado; mas aquele que presume blasfemar contra Deus dificilmente encontrará o perdão. Quando os homens chegam ao ponto extremo de atribuir deliberadamente os feitos de Deus às forças do mal, esses rebeldes conscientes dificilmente buscarão o perdão para os seus pecados.

165:3:7 18206 “E, quando os vossos inimigos levarem-vos diante dos governantes das sinagogas e diante de outras altas autoridades, não vos preocupeis com o que devereis dizer e não vos inquieteis quanto à maneira com que devereis responder às perguntas deles, pois o espírito que reside dentro de vós certamente vos ensinará, naquele exato momento, sobre o que devereis dizer em honra do evangelho do Reino.

165:3:8 18207 “Por quanto tempo vos detereis no vale da indecisão? Por que vacilais entre duas opiniões? Por que deveria um judeu ou um gentio hesitar em aceitar a boa-nova de que ele é um filho do Deus eterno? Quanto tempo demorará para que consigamos persuadir-vos de que deveis aceitar com júbilo a vossa herança espiritual? Eu vim a este mundo para revelar o Pai a vós e para conduzir-vos ao Pai. A primeira parte eu já fiz, mas a segunda não posso fazer sem o vosso consentimento; o Pai nunca obriga nenhum homem a entrar no Reino. O convite sempre tem sido e sempre será: Àquele que quiser, que venha e que participe livremente da água da vida”.

165:3:9 18208 Quando Jesus terminou de falar, muitos saíram para ser batizados pelos apóstolos no Jordão, enquanto Jesus ouvia às perguntas daqueles que ficaram com ele.

4. A PARTILHA DA HERANÇA


165:4:1 18211 Enquanto os apóstolos batizavam os crentes, o Mestre falava àqueles que tinham ficado. E um certo jovem homem disse a ele: “Mestre, o meu pai morreu deixando muitas propriedades para mim e para o meu irmão, mas o meu irmão recusa-se a me dar o que é meu. Poderias, então, pedir ao meu irmão que divida essa herança comigo?” Jesus ficou compassivamente indignado por esse jovem de mente materialista ter trazido à discussão uma questão de negócios; mas continuou a usar a ocasião para ministrar outras instruções. Disse Jesus: “Homem, quem me encarregou de repartir as vossas coisas? De onde foi que tiraste a idéia de que eu dou atenção aos assuntos materiais deste mundo?” E então, voltando-se para todos que estavam em torno de si, ele disse: “Tende cuidado e vos mantende afastados da cobiça; a vida de um homem não consiste da abundância das coisas que ele possa possuir. A felicidade não vem do poder da fortuna, e a alegria não brota das riquezas. A fortuna, em si mesma, não é uma maldição; no entanto, o amor pelas riquezas muitas vezes conduz a uma tal devoção às coisas deste mundo, que a alma se torna cega para as belas atrações das realidades espirituais do Reino de Deus na Terra, e para as alegrias da vida eterna no céu.

165:4:2 18212 “Vou contar-lhes a história de um certo homem rico cuja terra produzia com abundância; e quando se tornou muito rico, ele começou a pensar com os seus botões, dizendo para si: ‘O que farei com todas as minhas riquezas? Agora eu possuo tanto que não tenho nem lugar onde colocar a minha fortuna’. E depois de meditar sobre esse problema, ele disse: ‘Eu farei o seguinte: derrubarei os meus silos e construirei outros maiores, e assim terei espaço suficiente para estocar os meus frutos e as minhas mercadorias. Então eu poderei dizer à minha alma: alma, tu tens bastante fortuna acumulada para muitos anos; descansa agora; come, bebe e regozija-te, pois és rica e os teus bens só aumentam’.

165:4:3 18213 “Esse homem rico, entretanto, era também um tolo. Ao prover os bens materiais para a sua mente e o seu corpo, ele deixara de acumular tesouros no céu para a satisfação do espírito e para a salvação da sua alma. E ainda assim ele não chegaria a desfrutar do prazer de consumir as suas riquezas acumuladas, pois naquela mesma noite a sua alma lhe foi pedida. Naquela noite vieram bandidos que invadiram a sua casa para matá-lo e, após saquear os seus armazéns, queimaram o que restou. E quanto às propriedades que escaparam dos ladrões, os seus herdeiros brigaram por elas. Esse homem armazenou tesouros para si próprio na Terra, mas não era rico perante Deus”.

165:4:4 18214 Jesus tratou desse modo àquele jovem homem e à sua herança porque sabia que o seu problema era a cobiça. E, ainda que não tivesse sido esse o caso, o Mestre não teria interferido, pois nunca se intrometia com os assuntos temporais, nem mesmo com os dos seus apóstolos, e menos ainda com os dos seus discípulos.

165:4:5 18215 Quando Jesus terminou a sua história, outro homem levantou-se e perguntou a ele: “Mestre, sei que os teus apóstolos venderam as suas posses terrenas para seguir-te, e que eles têm todas as coisas em comum como têm os essênios; e gostarias tu que todos nós, que somos os teus discípulos, fizéssemos o mesmo? É um pecado possuir bens honestos?” Assim respondeu Jesus a esta pergunta: “Meu amigo, não é um pecado ter riquezas honradamente; mas é um pecado transformar as riquezas de posses materiais em tesouros capazes de absorver os teus interesses desviando a tua afeição da devoção das buscas espirituais do Reino. Não há pecado em ter posses honestas na Terra, desde que o teu tesouro esteja no céu, pois onde está o teu tesouro lá estará também o teu coração. Há uma grande diferença entre a riqueza que leva à cobiça e ao egoísmo e aquela que é mantida e repartida, com espírito de camaradagem, por aqueles que, em abundância, têm bens deste mundo, aqueles que bondosamente contribuem para sustentar os que devotam todas as suas energias ao trabalho do Reino. Muitos dentre vós, que estais aqui sem dinheiro, podeis ser alimentados e alojados, nesta cidade de tendas, porque homens e mulheres generosos e de posses deram fundos ao vosso anfitrião, Davi Zebedeu, com essa finalidade.

165:4:6 18221 “Mas nunca esqueçais, além de tudo, de que a riqueza não é duradoura. O amor pela riqueza, muito freqüentemente, obscurece e até mesmo destrói a visão espiritual. Nunca deixeis de reconhecer o perigo de que a riqueza se converta na vossa dona, em vez de converter-se na vossa serva”.

165:4:7 18222 Jesus não ensinou nem apoiou a imprevidência, a ociosidade, a indiferença em cuidar das necessidades físicas da própria família, nem a dependência de esmolas. Mas ensinou que o material e o temporal devem estar subordinados ao bem-estar da alma e ao progresso de natureza espiritual no Reino do céu.

165:4:8 18223 Então, enquanto o povo descia até o rio para presenciar os batismos, aquele jovem viera, em particular, até Jesus, para falar da sua herança, pois achava que Jesus o tinha tratado duramente; e, depois de tê-lo ouvido de novo, Jesus respondeu: “Meu filho, porque perdes a oportunidade de alimentar-te com o pão da vida em um dia como este, apenas para satisfazer a tua tendência à cobiça? Acaso não sabes que a lei judaica para a herança será ministrada com justiça, se fores com a tua queixa ao tribunal da sinagoga? Não podes ver que o meu trabalho consiste em assegurar-me de que saibas sobre a tua herança celeste? Não leste as escrituras: ‘Há aquele que fica rico por precaução e por muitas privações, e a parte da recompensa que lhe cabe é que ele possa dizer: encontrei descanso e agora poderei comer continuamente com os meus bens. Ainda assim, todavia, ele não sabe o que o tempo lhe reserva e que, também, ele deve deixar todas essas coisas para outros quando morrer’. Não leste o mandamento: ‘Não cobiçarás’. E ainda: ‘Eles comeram e se fartaram e engordaram, e então eles voltaram-se para outros deuses’. Acaso leste nos Salmos que ‘o Senhor abomina aqueles que cobiçam’, e que ‘o pouco que um homem reto tem é melhor do que as riquezas de muitos malvados’. ‘Se as riquezas aumentam, não ponha o vosso coração nelas’. Leste o que Jeremias disse: ‘Que o homem rico não se glorifique das suas riquezas’; e Ezequiel falou a verdade quando disse: ‘Das suas bocas eles fazem uma boa demonstração de amor, mas os seus corações estão centrados nos seus ganhos egoístas’ ”.

165:4:9 18224 Jesus despediu o jovem homem, dizendo a ele: “Meu filho, de que te valerá se ganhares todo o mundo, e perderes a tua própria alma?”

165:4:10 18225 Outro ouvinte, que se encontrava por perto, perguntou a Jesus como seriam tratados os ricos no dia do julgamento, e ele respondeu: “Eu não vim para julgar os pobres, nem os ricos, mas as vidas que os homens vivem os julgará a todos. O que quer que além de tudo eu possa dizer a respeito dos ricos no julgamento, ao menos três perguntas devem ser respondidas por todos que adquirem grande fortuna, e estas perguntas são:

165:4:11 18226 “1. Quanta riqueza acumulastes?

165:4:12 18227 “2. Como conseguistes essa riqueza?

165:4:13 18228 “3. Como usastes essa riqueza?”

165:4:14 18229 Então Jesus foi até a sua tenda, para descansar por um momento antes da refeição da noite. Quando os apóstolos concluíram os batismos, também eles vieram; e teriam conversado com ele sobre a riqueza na Terra e o tesouro no céu, mas Jesus estava dormindo.

5. CONVERSAS COM OS APÓSTOLOS SOBRE A RIQUEZA


165:5:1 18231 Naquela noite depois da ceia, quando Jesus e os doze reuniram-se para a sua conversa diária, André perguntou: “Mestre, enquanto batizávamos os crentes, tu disseste muitas palavras à multidão que permaneceu ali contigo, palavras que não ouvimos. Estarias disposto a repetir essas palavras para que delas nos beneficiemos?” E, em resposta ao pedido de André, Jesus disse:

165:5:2 18232 “Sim, André, falarei a vós sobre as questões da riqueza e da automanutenção, mas as minhas palavras para vós, apóstolos, devem ser um tanto diferentes daquelas ditas aos discípulos e à multidão, pois vós abandonastes tudo, não apenas para seguir-me, mas para que fosseis ordenados embaixadores do Reino. Vós já tivestes uma experiência de vários anos e sabeis que o Pai, cujo Reino vós proclamais, não vos abandonará. Dedicastes as vossas vidas à ministração do Reino; portanto, não sejais ansiosos, nem deveis preocupar-vos com as coisas da vida temporal, com o que ireis comer, nem mesmo com coisas com que vestir o vosso corpo. O bem-estar da alma é mais do que comida e bebida; o progresso do espírito está muito acima da necessidade de vestimentas. Quando fordes tentados a duvidar da certeza do vosso pão, considerai os corvos; eles não semeiam nem colhem, eles não têm armazéns nem silos, e, mesmo assim, o Pai lhes proporciona comida a todos, quando eles estão buscando. E quão mais valiosos não sois do que um bando de pássaros! Além disso, toda a vossa ansiedade e as dúvidas que vos corroem nada podem fazer para suprir as vossas necessidades materiais. Quem de vós pode, com a vossa ansiedade, acrescentar um palmo à vossa estatura ou um dia à vossa vida? Já que essas questões não estão ao alcance das vossas mãos, por que pensar com ansiedade em qualquer desses problemas?

165:5:3 18233 “Contemplai os lírios, e como eles crescem; eles não trabalham, nem se esforçam; e eu ainda vos digo, mesmo Salomão em toda a sua glória não se vestiu como um deles. Se Deus veste, assim, a erva nos campos, que hoje está viva, mas que amanhã será cortada e jogada ao fogo, quão melhor irá ele vestir-vos, embaixadores do Reino do céu. Ó vós, de pouca fé! Quando vos devotardes de todo o vosso coração à proclamação do evangelho do Reino, não deveis ficar em dúvida quanto ao vosso próprio sustento ou o das famílias que abandonastes. Se entregardes as vossas vidas verdadeiramente ao evangelho, vivereis do evangelho. Se fordes apenas discípulos crentes, deveis ganhar o vosso próprio pão e contribuir para o sustento de todos os que ensinam, pregam e curam. Se ficardes ansiosos por causa do vosso pão e da vossa água, em que sereis diferentes das nações do mundo, que buscam essas necessidades com diligência tão excessiva? Devotai-vos à vossa obra, acreditando que o Pai tanto quanto eu sabemos que tendes necessidade de todas essas coisas. Deixai-me assegurar-vos, de uma vez por todas, que, se dedicardes as vossas vidas ao trabalho do Reino, todas as vossas necessidades reais serão supridas. Buscai a coisa mais importante, e as menores serão encontradas nela; pedi pelo celeste, e o terrestre será incluído. É certo que a sombra seguirá a essência.

165:5:4 18234 “Sois apenas um grupo pequeno, mas, se tiverdes fé, se não tropeçardes no medo, eu declaro que é um grande prazer para o meu Pai dar-vos este Reino. Vós colocastes os vossos tesouros onde as bolsas não envelhecem, onde nenhum ladrão pode apropriar-se deles, e onde nenhuma traça pode destruí-los. E, como eu disse ao povo, onde estiver o vosso tesouro, lá também estará o vosso coração.

165:5:5 18241 “E na obra que está bem diante de vós, e que ficará para vós, depois que eu for para o Pai, vós sereis submetidos penosamente a provações. Deveis estar bastante alertas contra o medo e as dúvidas. Que cada um de vós vos preparai mentalmente para a luta, e que as vossas lâmpadas fiquem bem acesas. Comportai-vos como homens que aguardam a volta do senhor da festa de casamento e que, quando ele chegar e bater, podereis abrir-lhe bem rapidamente as portas. O vosso senhor, ao encontrar-vos, assim fiéis, em um momento tão importante, vos abençoará pelo vosso empenho. E então o senhor fará com que os seus servidores assentem-se, enquanto ele próprio servi-los-á. Em verdade, em verdade, vos digo que uma crise está bem diante de vós, nas vossas vidas, e convém que vigieis e que estejais prontos.

165:5:6 18242 “Podeis compreender bem que nenhum homem teria a sua casa arrombada, se soubesse a que horas vem o ladrão. Ficai também vigilantes quanto a vós próprios, pois, na hora em que menos suspeitardes e de uma maneira que não imaginareis, o Filho do Homem vos deixará”.

165:5:7 18243 Por alguns minutos os doze permaneceram em silêncio. Algumas dessas advertências eles já as haviam ouvido antes, mas não com a mesma colocação apresentada a eles desta vez.

6. A RESPOSTA À PERGUNTA DE PEDRO


165:6:1 18244 Enquanto permaneciam sentados pensando, Simão Pedro perguntou: “Essa parábola, tu a contas para nós, os teus apóstolos, ou a contas para todos os discípulos?” E Jesus respondeu:

165:6:2 18245 “No momento das provações é que a alma de um homem se revela; a provação deixa a descoberto aquilo que realmente está no coração. Depois que um servidor é testado e provado, o dono pode entregar com segurança o controle da casa a esse servidor fiel, para que os filhos dele sejam nutridos e criados. Do mesmo modo, logo eu saberei em quem poderei confiar o bem-estar dos meus filhos, quando eu tiver voltado para o Pai. Tal como o senhor da casa encarregará o servidor testado e provado dos assuntos da sua família, eu também exaltarei àqueles que resistirem às provações desta hora, nos afazeres do meu Reino.

165:6:3 18246 “Mas se o servo for indolente e começar a dizer no seu coração: ‘O meu senhor atrasa a sua chegada’, e começar a maltratar os outros criados e comer e beber com os bêbados, então o senhor desse servidor chegará quando menos estiver esperando e, encontrando-o em infidelidade, despedi-lo-á, deixando-o na desgraça. Por isso, fazeis bem em preparar-vos para o dia em que sereis subitamente visitados de maneira inesperada. Lembrai-vos que muito vos foi dado; e, portanto, que muito será exigido de vós. Avizinham-se de vós algumas duras provações. Eu tenho de submeter-me a um batismo, e estarei vigilante até que isso aconteça. Vós pregais a paz na Terra, mas a minha missão não trará paz aos assuntos materiais dos homens – não, pelo menos por algum tempo. A divisão é o único resultado quando dois membros de uma família acreditam em mim e três membros rejeitam este novo evangelho. Os amigos, os parentes e os entes queridos estão fadados a ser lançados uns contra os outros, pelo evangelho que pregais. Bem verdade é que cada um desses crentes terá uma paz grande e duradoura no seu próprio coração, mas a paz na Terra não virá antes que todos estejam dispostos a crer e a entrar na gloriosa herança de filiação a Deus. Não obstante tudo isso, ide ao mundo proclamar esse evangelho a todas as nações, a todo homem, mulher e criança”.

165:6:4 18247 E esse foi o final de um dia de sábado repleto e atarefado. No dia seguinte, Jesus e os doze foram às cidades ao norte da Peréia para conversar com os setenta, que estavam trabalhando nessa região sob a supervisão de Abner.

DOCUMENTO 166

A ÚLTIMA VISITA AO NORTE DA PEREIA
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De 11 a 20 de fevereiro, Jesus e os doze fizeram uma campanha em todas as cidades e aldeias do norte da Peréia, onde os companheiros de Abner e os membros do corpo de mulheres se encontravam realizando a sua obra. Eles verificaram que esses mensageiros do evangelho estavam tendo êxito, e Jesus repetidamente chamou a atenção dos seus apóstolos para o fato de que o evangelho do Reino podia ser disseminado sem vir acompanhado de milagres e prodígios.

166:0:2 18252 Toda essa missão de três meses na Peréia foi feita com êxito e com uma pequena ajuda dos doze apóstolos; e o evangelho, dessa época em diante, refletia mais os ensinamentos do que a personalidade de Jesus. Os seus seguidores, no entanto, não se ativeram por muito tempo às suas instruções, pois logo depois da morte e da ressurreição de Jesus eles desviaram-se dos seus ensinamentos e começaram a construir os primórdios da igreja, com base nos conceitos miraculosos e nas memórias glorificadas da sua personalidade divina-humana.

1. OS FARISEUS EM RAGABA


166:1:1 18253 No sábado, 18 de fevereiro, Jesus estava em Ragaba, onde vivia um fariseu abastado chamado Natanael; e, posto que um bom número de seus companheiros fariseus estivesse seguindo Jesus e os doze pelo país, Natanael preparou, nessa manhã de sábado, um desjejum para todos eles, cerca de vinte pessoas; e chamou Jesus como convidado de honra.

166:1:2 18254 No momento em que Jesus chegou para esse desjejum, a maior parte dos fariseus estava já assentada à mesa, e com eles encontravam-se dois ou três juristas. O Mestre tomou imediatamente o seu assento à esquerda de Natanael, sem ir aos jarros de água para lavar as suas mãos. Muitos dos fariseus, especialmente aqueles que eram a favor dos ensinamentos de Jesus, sabiam que ele lavava as suas mãos apenas com o propósito de limpá-las, que ele abominava os comportamentos meramente cerimoniais; e, desse modo, eles não ficaram surpresos com o fato de que ele se houvesse dirigido diretamente à mesa sem ter lavado as suas mãos por duas vezes. Mas Natanael ficou chocado com o fato de que o Mestre não cumprisse as exigências estritas das práticas farisaicas. Além disso, Jesus não lavou as suas mãos, como o faziam os fariseus, após cada serviço nem ao final da refeição.

166:1:3 18255 Após um intenso cochicho entre Natanael e um fariseu pouco amistoso, à sua direita, e depois de repetidos movimentos de sobrancelhas e de muito curvar de lábios em desprezo, da parte daqueles que se sentavam à frente do Mestre, Jesus finalmente disse: “Eu pensei que me havíeis convidado a esta casa para partir o pão convosco, e talvez para fazer-me perguntas sobre a proclamação do novo evangelho do Reino de Deus. No entanto, percebo que me trouxestes aqui para presenciar a uma exibição da devoção cerimonial à vossa própria presunção. Esse serviço vós já me prestastes; com o que me honrareis em seguida, sendo como sou o vosso convidado desta ocasião?”

166:1:4 18261 Depois que o Mestre disse isso, eles aquietaram os olhos sobre a mesa e permaneceram em silêncio. E, posto que ninguém houvesse falado, Jesus continuou: “Muitos de vós, fariseus, estais aqui comigo, como amigos; alguns sois até mesmo discípulos meus, mas a maioria dos fariseus é persistente na sua recusa a ver a luz e a reconhecer a verdade, mesmo quando a obra do evangelho é levada até eles por um grande poder. Com que cuidado limpais o exterior dos copos e dos pratos, ao passo que mantendes sujos e poluídos os recipientes do alimento espiritual! Vós cuidais de apresentar uma aparência pia e santa ao povo, mas as vossas almas interiores estão cheias de presunção, cobiça, extorsão e todos os tipos de maldade espiritual. Os vossos dirigentes ousam até mesmo conspirar e planejar o assassinato do Filho do Homem. Vós não compreendeis, homens tolos, que o Deus do céu vê os motivos internos da alma, tanto quanto vê os vossos fingimentos exteriores e as vossas ostentações de piedade? Não julgueis que dar esmolas e pagar os dízimos vos limpará da vossa injustiça e vos capacitará para vos apresentardes puros perante o Juiz de todos os homens. Ai de vós, fariseus, que persisti em rejeitar a luz da vida! Sois meticulosos ao pagar o dízimo e ao dar esmolas com ostentação, mas desdenhais conscientemente a visitação de Deus e rejeitais a revelação do amor d’Ele. Ainda que vos pareça ser bom dar atenção a esses deveres menores, não devíeis ter deixado de cumprir as exigências mais importantes. Ai de todos que evitam a justiça, que desprezam a misericórdia e que rejeitam a verdade! Ai de todos aqueles que desprezam a revelação do Pai e procuram os assentos principais na sinagoga e almejam lisonjas e saudações nas praças dos mercados!”

166:1:5 18262 Quando Jesus levantou-se para ir embora, um dos juristas que estava à mesa, dirigindo-se a ele, disse: “Mas, Mestre, em algumas das suas declarações, tu também nos reprovas. Não há nada de bom nos escribas, nos fariseus ou nos juristas?” E Jesus, de pé, respondeu ao jurista: “Vós, como os fariseus, vos deliciais com os primeiros lugares nas festas e com o uso de longas túnicas, mas colocais cargas pesadas, difíceis de serem levadas, nos ombros dos homens. E, quando as almas dos homens cambalearem sob essas pesadas cargas, vós não levantareis nem mesmo um dos vossos dedos. Ai de vós, que encontrais grandes satisfações em construir tumbas para os profetas que os vossos pais mataram! E, pois, vós consentis naquilo que os vossos pais fizeram, e isso fica bem demonstrado quando agora planejais matar aqueles que vieram neste dia para realizar o que os profetas fizeram na sua época – proclamar a retidão de Deus e revelar a misericórdia do Pai celeste. Mas, dentre todas as gerações passadas, é desta geração perversa e presunçosa que será cobrado o sangue dos profetas e dos apóstolos. Ai de todos os juristas que tiraram da gente comum as chaves do conhecimento! Vós próprios vos recusais a entrar no caminho da verdade e, ao mesmo tempo, impedis todos os outros de buscar entrar nele. Contudo, não podeis fechar assim as portas do Reino do céu, pois nós as abrimos para que entrem todos aqueles que têm fé; e esses portais da misericórdia não serão fechados pelo preconceito e pela arrogância de falsos instrutores e de pastores insinceros, os quais são como aqueles sepulcros esbranquiçados que, mesmo parecendo belos por fora, no lado de dentro estão cheios de ossos de cadáveres e de todos os tipos de sujeira espiritual”.

166:1:6 18263 E, quando terminou de falar à mesa de Natanael, Jesus saiu daquela casa sem participar da refeição. E, dos fariseus que ouviram essas palavras, alguns se tornaram crentes nos seus ensinamentos e entraram para o Reino, mas a maioria continuou nos caminhos da obscuridade, permanecendo ainda mais determinados em aguardar até que pudessem captar algumas das palavras dele e usarem-nas para acusá-lo e julgá-lo diante do sinédrio em Jerusalém.

166:1:7 18271 Três coisas apenas havia às quais os fariseus davam atenção especial:

18272 1. À prática estrita de dar o dízimo.

18273 2. À observação escrupulosa das regras da purificação.

18274 3. A evitar a associação com todos os que não eram fariseus.

166:1:8 18275 Nessa época Jesus buscou colocar a descoberto a esterilidade das duas primeiras práticas, reservando as suas observações, destinadas a repreender os fariseus pela sua recusa a manter qualquer relação social com os não-fariseus, para uma outra ocasião, quando ele estivesse novamente em um jantar com muitos desses mesmos homens.

2. OS DEZ LEPROSOS


166:2:1 18276 No dia seguinte Jesus foi com os doze a Amatus, perto da fronteira de Samaria e, ao aproximarem-se da cidade, eles encontraram um grupo de dez leprosos que sempre ficava perto desse lugar. Desse grupo, nove eram judeus, e um era samaritano. Em geral, esses judeus ter-se-iam abstido de qualquer relacionamento ou contato com um samaritano, mas a doença em comum era mais do que suficiente para superar todo o preconceito religioso. Muito tinham ouvido falar de Jesus e dos seus milagres de cura; e, como os setenta tinham o hábito de anunciar a hora esperada da chegada de Jesus, quando o Mestre estava fora com os doze, nessas viagens, os dez leprosos ficaram sabendo que estava sendo esperado que ele aparecesse pela vizinhança, exatamente naquele momento; e, por isso, eles estavam ali, nos arredores da cidade, esperando atrair a atenção dele e pedir pela própria cura. Quando os leprosos viram Jesus aproximando-se deles, não ousando abordá-lo, eles permaneceram a uma certa distância e gritaram para ele: “Mestre, tenha misericórdia de nós; limpa-nos da nossa aflição. Cura-nos, como tens curado os outros”.

166:2:2 18277 Jesus tinha acabado de explicar aos doze porque os gentios da Peréia, junto com os judeus menos ortodoxos, estavam mais dispostos a crer no evangelho pregado pelos setenta do que os judeus mais ortodoxos e afeitos à tradição da Judéia. Ele havia chamado a atenção para o fato de que a mensagem deles tinha sido também mais prontamente recebida pelos galileus e, mesmo, pelos samaritanos. Mas os doze apóstolos não estavam ainda dispostos a manter sentimentos amistosos pelos samaritanos, há tanto tempo desprezados.

166:2:3 18278 E, assim, quando Simão zelote percebeu que havia um samaritano entre os leprosos, ele tentou induzir o Mestre a ir para a cidade, sem nem mesmo vacilar e trocar cumprimentos com eles. E Jesus disse a Simão: “E se o samaritano amar a Deus tanto quanto os judeus? Deveríamos julgar os nossos semelhantes? Quem poderá dizer? Se curarmos esses dez homens, talvez o samaritano demonstre mais gratidão até mesmo do que os judeus. Te sentes seguro das tuas opiniões, Simão?” E Simão rapidamente respondeu: “Se tu os limpares, logo ficarás sabendo”. E Jesus respondeu: “Assim será, Simão, e logo saberás a verdade a respeito da gratidão dos homens e da misericórdia amorosa de Deus”.

166:2:4 18279 Jesus, aproximando-se dos leprosos, disse: “Se quiserdes ser curados, ide imediatamente e mostrai-vos aos sacerdotes, como é exigido pela lei de Moisés”. E, quando estavam a caminho, eles foram curados. Mas, ao ver que estava sendo curado, o samaritano voltou e, procurando Jesus, começou a glorificar a Deus, em voz alta. E, quando encontrou o Mestre, ele caiu de joelhos a seus pés e deu-lhe graças pela sua cura. Os outros nove, os judeus, tinham também descoberto a própria cura e, embora também tivessem ficado gratos, continuaram no seu caminho para mostrar-se aos sacerdotes.

166:2:5 18281 Enquanto o samaritano permanecia ajoelhado aos pés de Jesus, o Mestre colocou o seu olhar sobre os doze, especialmente sobre Simão zelote, e disse: “E os dez, não foram purificados? Onde, então, estão os outros nove, os judeus? Apenas um, este estrangeiro, voltou para dar glória ao Senhor”. E então ele disse ao samaritano: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te curou”.

166:2:6 18282 Jesus olhou novamente para os seus apóstolos, enquanto o estrangeiro ia embora. E os apóstolos todos olharam para Jesus, salvo Simão zelote, que mantinha os olhos abaixados. Os doze não disseram sequer uma palavra. Nem Jesus falou; não era necessário que ele o fizesse.

166:2:7 18283 Embora todos esses dez homens realmente acreditassem que estivessem com lepra, apenas quatro deles estavam afligidos por ela. Os outros seis foram curados de uma doença de pele que havia sido confundida com a lepra. Mas o samaritano realmente estava com lepra.

166:2:8 18284 Jesus ordenou aos doze que nada dissessem sobre a limpeza dos leprosos e, quando iam para Amatus, observou: “Vede, os filhos da casa, mesmo quando são insubordinados à vontade do seu Pai, têm como certas as suas bênçãos. Eles julgam não ser de importância maior esquecerem-se de dar graças quando o Pai lhes concede a cura, mas os estrangeiros, quando recebem as dádivas do dono da casa, enchem-se de assombro e vêem-se obrigados a dar graças em reconhecimento às boas coisas a eles concedidas”. E os apóstolos também nada disseram em resposta às palavras do Mestre.

3. O SERMÃO EM GERASA


166:3:1 18285 Enquanto Jesus e os doze conversavam com os mensageiros do Reino, em Gerasa, um dos fariseus, que acreditava nele, fez a seguinte pergunta: “Senhor, serão poucos ou serão muitos os que realmente se salvarão?” E, em resposta, Jesus disse:

166:3:2 18286 “Tem-vos sido ensinado que apenas os filhos de Abraão serão salvos; que apenas os gentios adotados podem esperar a salvação. Alguns de vós tendes achado que, pelo fato de as escrituras registrarem que apenas Caleb e Joshua, das hostes fugidas do Egito, viveram para entrar na terra prometida, apenas relativamente poucos dentre aqueles que buscam o Reino do céu encontrarão a sua entrada nele.

166:3:3 18287 “Vós tendes também entre vós um outro ditado o qual contém muita verdade: o caminho que conduz à vida eterna é reto e estreito, e a porta que leva até lá é também estreita, e assim, daqueles que buscam a salvação, poucos podem encontrar a entrada por essa porta. Vós também tendes o ensinamento de que o caminho que leva à destruição é aberto, que a entrada que conduz a ele é ampla, e que muitos são os que escolhem ir por tal caminho. E esse provérbio não é desprovido de significado. Mas eu declaro que a salvação é uma questão decidida mais pela vossa própria escolha pessoal. Mesmo que a porta do caminho da vida seja estreita, ela é ampla o suficiente para admitir todos os que buscam sinceramente entrar, pois sou eu essa porta. E o Filho nunca irá negar entrada a nenhum filho do universo que, pela fé, esteja buscando encontrar o Pai por intermédio do Filho.

166:3:4 18291 “Todavia, nisso está o perigo para todos aqueles que adiam a sua entrada no Reino, enquanto continuam a buscar os prazeres da imaturidade e a permitir-se satisfações egoístas: tendo recusado-se a entrar no Reino como uma experiência espiritual, eles podem posteriormente buscar a entrada nele, quando a glória do melhor caminho tornar-se revelada, na idade que virá. E, por esta razão, aqueles que tiverem desdenhado o Reino, quando eu estive aqui à semelhança da humanidade, quando buscarem encontrar uma entrada por ter sido ela revelada, na semelhança da divindade, então, eu direi a todos esses egoístas: eu não sei de onde sois. Vós tivestes a vossa oportunidade de vos preparar para essa cidadania celeste, mas renegastes todas as ofertas de misericórdia; vós rejeitastes todos os convites para entrar enquanto a porta estava aberta. Agora, para vós que recusastes a salvação, a porta está fechada. Essa porta não está aberta para aqueles que querem entrar no Reino pela glória egoísta. A salvação não é para aqueles que não estão dispostos a pagar o preço da dedicação de todo o seu coração a fazer a vontade do meu Pai. Quando, no vosso espírito e na vossa alma, tiverdes dado as costas ao Reino do Pai, é inútil, com a mente e com o corpo, ficar diante dessa porta e bater, dizendo: ‘Senhor, abra para nós; também nós gostaríamos de ser grandes no Reino’. Então, eu declararei que vós não sois do meu aprisco. Eu não vos receberei para estardes entre aqueles que lutaram a boa luta da fé e ganharam a recompensa do serviço não egoísta ao Reino, ainda na Terra. E quando disserdes: ‘Não bebemos e comemos contigo, e tu não ensinaste nas nossas ruas?’ Então, novamente, eu declararei que vós sois estrangeiros espirituais; que não fomos companheiros no serviço de ministração da misericórdia do Pai na Terra; que eu não vos conheço; e que então o Juiz de toda a Terra dirá a vós: ‘Afastai-vos de nós, todos vós que tivestes desfrutado das obras da iniqüidade’.

166:3:5 18292 “Não temais, contudo; todo aquele que desejar sinceramente encontrar a vida eterna entrando no Reino de Deus, certamente encontrará essa salvação eterna. Mas vós, que estais renegando essa salvação, algum dia ireis ver os profetas da semente de Abraão assentarem-se com os crentes das nações gentias, nesse Reino glorificado, para compartilhar do pão da vida e para se refrescar com a água desse Reino. E aqueles que assim tomarem o Reino em poder espiritual e pelos assaltos perseverantes da fé viva virão do norte e do sul, do leste e do oeste. E, atenção, muitos que são os primeiros serão os últimos, e aqueles que forem os últimos muitas vezes serão os primeiros”.

166:3:6 18293 Essa era verdadeiramente uma versão nova e insólita do provérbio velho e familiar do caminho reto e estreito.

166:3:7 18294 Lentamente os apóstolos, e muitos dos discípulos, estavam aprendendo o significado da declaração inicial de Jesus: “A menos que nasçais de novo, que nasçais do espírito, vós não podereis entrar no Reino de Deus”. Entretanto, para todos aqueles que são honestos de coração e sinceros na fé, é eternamente verdadeiro que: “Vede, eu estou à porta dos corações dos homens e bato e, se algum homem abrir a porta para mim, eu entrarei e cearei com ele e alimentá-lo-ei com o pão da vida; seremos um em espírito e em propósito, e assim seremos irmãos, sempre irmãos, no serviço longo e frutuoso da busca pelo Pai do Paraíso”. E, assim, se são poucos ou se são muitos a serem salvos, isso depende de serem poucos ou muitos os que dão atenção ao convite: “Eu sou a porta, sou o caminho novo e vivo, e quem quiser pode entrar para embarcar na busca interminável da verdade da vida eterna”.

166:3:8 18295 Até mesmo os apóstolos foram incapazes de entender plenamente esse ensinamento sobre a necessidade de usar a força espiritual com o propósito de romper todas as resistências materiais e de vencer todos os obstáculos terrenos, que acaso possam estar no caminho da compreensão de todos os valores espirituais, sumamente importantes, da nova vida no espírito como filhos libertados de Deus.

4. ENSINANDO SOBRE OS ACIDENTES


166:4:1 18301 Embora a maior parte dos palestinos comesse apenas duas refeições por dia, era costume entre Jesus e os apóstolos, quando em uma viagem, parar ao meio-dia para descansar e tomar um refresco. E foi nessa parada do meio-dia, a caminho da Filadélfia, que Tomé perguntou a Jesus: “Mestre, depois de ouvir as tuas observações, enquanto viajávamos nesta manhã, eu gostaria de perguntar-te se os seres espirituais ocupam-se da produção de acontecimentos estranhos e extraordinários no mundo material e de perguntar, ainda, se os anjos e outros seres espirituais são capazes de impedir os acidentes”.

166:4:2 18302 Em resposta à indagação de Tomé, Jesus disse: “Mesmo tendo estado tanto tempo convosco, vós ainda continuais a fazer esse tipo de indagação? Não observastes que o Filho do Homem vive em unidade convosco e que consistentemente ele se recusa a empregar as forças do céu para o seu sustento pessoal? Não vivemos do mesmo modo que todos os homens? Acaso vês o poder do mundo espiritual manifestado na vida material deste mundo, salvo para a revelação do Pai e para algumas curas dos seus filhos afligidos?

166:4:3 18303 “Os vossos pais acreditaram durante um tempo demasiado longo que a prosperidade era um sinal da aprovação divina; que a adversidade era uma evidência do descontentamento de Deus. Eu declaro que essas crenças são superstições. Não observastes que um número muito maior de pobres recebe o evangelho com alegria e imediatamente entram no Reino? Se a fortuna evidencia o favorecimento divino, por que os ricos tantas vezes se negam a crer nessas boas-novas do céu?

166:4:4 18304 “O Pai faz a sua chuva cair sobre os justos e os injustos; o sol, do mesmo modo, brilha para justos e injustos. Vós sabeis sobre aquele galileu cujo sangue Pilatos juntou aos dos sacrifícios, mas eu vos digo que esses galileus não eram de nenhum modo mais pecadores do que os semelhantes deles, só porque lhes aconteceu isso. Também sabeis a respeito dos dezoito homens sobre os quais caiu a torre de Siloé, matando-os. Não pensais que os homens assim destruídos fossem mais culpados do que os seus irmãos de Jerusalém. Eles foram simplesmente vítimas inocentes de um acidente do tempo.

166:4:5 18305 “Há três grupos de acontecimentos que podem ocorrer nas vossas vidas:

166:4:6 18306 “1. Podeis participar dos acontecimentos normais, parte da vida que vós e os vossos semelhantes levam na face da Terra.

166:4:7 18307 “2. Pode acontecer-vos serdes vítimas de um dos acidentes da natureza, de um dos infortúnios humanos, sabendo muito bem que esses acontecimentos, de nenhum modo são arranjados de antemão, nem produzidos, de nenhum outro modo, pelas forças espirituais do Reino.

166:4:8 18308 “3. Podeis fazer a colheita dos vossos esforços diretos para corresponder às leis naturais que governam o mundo.

166:4:9 18309 “Havia um certo homem que plantou uma figueira no seu quintal e, depois de procurar muitas vezes pelos seus frutos e não achar nenhum, ele chamou os vinhateiros diante de si e disse: ‘Eu tenho vindo aqui nas três estações à procura dos frutos dessa figueira e não encontrei nenhum. Cortem esta árvore estéril; porque deveria ela obstruir o solo?’ Mas o jardineiro-chefe respondeu ao seu senhor: ‘Deixa-a ficar por mais um ano, para que eu possa cavar em torno dela e colocar fertilizante nela e, então, no próximo ano, se não der frutos, que seja cortada’. E, depois de submeterem-se assim às leis da frutificação, pois a figueira estava viva e era boa, eles foram recompensados com uma colheita abundante.

166:4:10 18311 “Nas questões de doença e de saúde, devíeis saber que esses estados do corpo são resultado de causas materiais; a saúde não é o sorriso do céu, nem a aflição é o desagrado de Deus.

166:4:11 18312 “Os filhos humanos do Pai têm capacidade igual para a recepção das bençãos materiais; e, por isso, Ele concede as coisas materiais aos filhos dos homens, sem discriminação. Quando se trata de conceder dádivas espirituais, o Pai fica limitado pela própria capacidade que o homem tem de receber esses dons divinos. Embora o Pai não faça acepção de pessoas, para o outorgamento de dons espirituais, Ele está limitado pela fé do homem e pela vontade que ele tem de agir conforme a vontade do Pai”.

166:4:12 18313 Enquanto seguiam para a Filadélfia, Jesus continuou a ensinar-lhes e a responder às suas perguntas sobre os acidentes, doenças e milagres, mas eles não foram capazes de compreender plenamente essa instrução. Uma hora de ensinamentos não mudará totalmente as crenças de uma vida, e assim Jesus achou necessário reiterar a sua mensagem, repetindo sempre aquilo que queria que eles compreendessem; e, ainda assim, eles só captaram o significado da sua missão terrena depois da sua morte e ressurreição.

5. A CONGREGAÇÃO NA FILADÉLFIA


166:5:1 18314 Jesus e os doze estavam a caminho de visitar Abner, e os condiscípulos dele, que se encontravam pregando e ensinando na Filadélfia. De todas as cidades da Peréia, foi na Filadélfia que o maior grupo de judeus e gentios, ricos e pobres, instruídos e não instruídos, abraçou os ensinamentos dos setenta e assim entrou para o Reino do céu. A sinagoga da Filadélfia nunca esteve submetida à supervisão do sinédrio de Jerusalém e, portanto, nunca tinha sido fechada aos ensinamentos de Jesus e dos seus colaboradores. Nessa mesma época, Abner estava ensinando três vezes por dia na sinagoga da Filadélfia.

166:5:2 18315 Essa sinagoga, mais tarde, tornou-se uma igreja cristã e foi o centro missionário da promulgação do evangelho para as regiões do Oriente. Durante muito tempo foi uma fortaleza para os ensinamentos do Mestre e, durante séculos, sozinha, permaneceu nessa região como um centro de ensino cristão.

166:5:3 18316 Os judeus de Jerusalém sempre tiveram problemas com os judeus da Filadélfia. E, após a morte e a ressurreição de Jesus, a igreja de Jerusalém, da qual Tiago, o irmão do Mestre, foi o dirigente, começou a ter sérias dificuldades com a congregação de crentes da Filadélfia. Abner tornou-se o dirigente da igreja da Filadélfia, continuando como tal até a sua morte. E esse estremecimento com Jerusalém explica por que nos relatos evangélicos do Novo Testamento nada é dito sobre Abner e sua obra. A contenda entre Jerusalém e a Filadélfia perdurou durante a vida de Tiago e de Abner, e continuou por algum tempo depois da destruição de Jerusalém. A Filadélfia foi realmente a sede-central da igreja do sul e do leste, nos seus primórdios, como a Antióquia foi o centro do norte e do oeste.

166:5:4 18317 Essa aparente má sorte de Abner foi manter-se em divergência com todos os líderes da igreja cristã inicial. Ele teve desavenças com Pedro e com Tiago (o irmão de Jesus) sobre as questões da administração e da jurisdição da igreja de Jerusalém; ele deixou a companhia de Paulo por causa de diferenças filosóficas e teológicas. Abner tinha uma filosofia mais babilônica do que helênica, e resistiu obstinadamente a todas as tentativas empreendidas por Paulo para refazer os ensinamentos de Jesus de modo a produzir menos objeções, primeiro entre os judeus e, depois, entre os greco-romanos que acreditavam nos mistérios.

166:5:5 18321 E, assim, Abner viu-se obrigado a viver uma vida de isolamento. Ele foi o dirigente de uma igreja que não possuía o menor suporte de Jerusalém. Ele havia ousado desafiar Tiago, o irmão do Mestre, que posteriormente foi apoiado por Pedro. Essa conduta efetivamente o separou de todos os seus companheiros anteriores. Ele ainda ousou opor-se a Paulo. Embora fosse integralmente simpático à missão de Paulo junto aos gentios, e, embora o apoiasse nas suas contendas com a igreja de Jerusalém, opôs-se severamente à versão dos ensinamentos de Jesus, que Paulo escolheu pregar. Nos seus últimos anos, Abner denunciou Paulo como “hábil corruptor dos ensinamentos da vida de Jesus de Nazaré, o Filho do Deus”.

166:5:6 18322 Durante os últimos anos de Abner, e por algum tempo depois, os crentes da Filadélfia ativeram-se à religião de Jesus, como ele viveu e ensinou, mais estritamente do que qualquer outro grupo na Terra.

166:5:7 18323 Abner viveu até 89 anos de idade, morrendo na Filadélfia no dia 21 de novembro, do ano 74 d. C. E foi um fiel crente e instrutor do evangelho do Reino celeste, até o fim.

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