sexta-feira, 13 de agosto de 2010

"O Estado-Maior do príncipe enviado a IURANCHA incluía elevado número de
colaboradores angélicos e outra considerável massa de seres celestes, encarregados de
promover e fazer progredir os interesses e o bem-estar das raças humanas.
"Para os primitivos povoadores de teu mundo, aquela maciça embaixada de seres
celestes constituiu o maior acontecimento da História. O núcleo mais próximo ao príncipe
(os cem membros do seu Estado-Maior), que seria conhecido como "os cem de
Caligastia", provocou entre os humanos impacto especial. Esses ajudantes voluntários são
cidadãos da capital de um sistema; neste caso, Jerusem. Nenhum conseguiu ainda sua
fusão com os respectivos Harmonizadores de Pensamento. Enquanto regressam
temporalmente a um estado material inferior (como foi o caso de IURANCHA), seus
Harmonizadores mantêm e mantiveram seus estatutos residenciais no mundo-sede do
sistema.
"Para desempenhar sua missão em IURANCHA, aquele Estado-Maior foi
revestido pelos Portadores de Vida de corpos físicos, visíveis aos olhos humanos
enquanto durou seu estágio planetário. Essas formas pessoais estiveram e estão sempre
isentas de enfermidades comuns, embora, como corpos moronciais primitivos, achem-se
expostos a certos acidentes de natureza mecânica.
"Esses "cem de Caligastia", desmaterializados para o transporte e rematerializados
em IURANCHA, foram escolhidos pelo príncipe entre mais de 780 000 cidadãos
ascendentes de Jerusem. Cada um desses cem membros de seu Estado-Maior procedia de
um planeta diferente. Nem um, é claro, oriundo de IURANCHA. Foram conduzidos
diretamente de Jerusem ao teu planeta por transporte seráfico. E aqui se lhes
proporcionou a forma humana idônea, de acordo com sua dupla missão planetária, isto é,
um corpo físico formado de carne e sangue, mas, ao mesmo tempo sintonizado com os
circuitos de vida do sistema. Essas operações, assim como a criação física dos corpos para
os membros do Estado-Maior (cinqüenta homens e cinqüenta mulheres) deram origem a
numerosas lendas que, muito mais tarde, fundiram-se e confundiram-se com outras
tradições, nascidas de um acontecimento posterior e não menos crucial: a instalação
planetária de Adão e Eva.
"Toda essa operação de repersonalização, desde a chegada dos transportes
seráficos que conduziam os cem voluntários de Jerusem, até o momento em que tomaram
consciência como seres ternários do reino, durou dez dias.. .
Nietihw e Sinuhe já tinham ouvido falar desses cidadãos "ascendentes". Mas o
"iuranchiano" quis ter certeza. E perguntou a respeito.
- Por cidadãos - esclareceu a voz - quer-se significar todos os humanos
evolucionários que, depois de sua morte física, são ressuscitados nos mundos de
Morôncia. Seu caminho é uma contínua ascensão para a Ilha Estacionaria e Eterna do
Paraíso.
- Fala-nos também do quartel-general de Caligastia e de sua missão.
- A sede do príncipe planetário de IURANCHA - respondeu a "pluma de Thot" -
foi prevista e construída em uma região do então golfo Pérsico e que vem a corresponder
à Mesopotâmia atual. Embora diferente dos de hoje, o clima e a paisagem dessa região
foram estimados muito convenientes para os planos do Estado-Maior e de seus
assistentes. Esse grupo eleito (chamá-los-emos os "cem de Caligastia") é o responsável
pela organização das escolas planetárias de educação e cultura, onde as elites das raças
evolucionárias recebem formação, e que são depois enviadas ao mundo todo para
expandir tais ensinamentos.
"A grande parte do trabalho físico é realizado pelo Estado-Maior corporal. As
cidades-sede, que em IURANCHA recebeu o nome de Dalamachia, são diferentes da
atual concepção humana de cidades...
- Dalamachia!. . . - exclamou Sinuhe.
- Sim. E essa mesma emoção que te causou a ti - replicou a voz, adivinhando-lhe
os sentimentos - registrou-se também entre os primitivos humanos do planeta, quando
aqueles cem estrangeiros tomaram posse de IURANCHA. Foram necessários mais de mil
anos para que a notícia da chegada de Caligastia e seu séquito se estendesse até aos
confins do globo. Grande parte de vossa mitologia posterior se origina nas lendas
alteradas daqueles tempos primitivos em que os membros do Estado-Maior do príncipe
foram repersonalizados como "super-homens". E foi exatamente a tendência dos
autóctones da Terra a considerá-los deuses, o que consistiu o maior obstáculo para a
benéfica influência desses mestres extraterrenos.
- Podia-se considerá-los autenticamente humanos?
- Sem dúvida alguma. Do ponto de vista físico, haviam incorporado às suas formas
corporais o plasma vivente de uma raça autóctone de IURANCHA: a "andônica".
"Os cem membros do Estado-Maior foram divididos em dois grupos (homens e
mulheres) e repartidos segundo seu estatuto mortal anterior. Cada pessoa do grupo era
capaz de participar do nascimento de uma nova ordem de seres físicos. Mas, de acordo
com uma norma sagrada em todos os universos, haviam sido cuidadosamente advertidos
para que não recorressem à paternidade, salvo em limitadas ocasiões. Qualquer príncipe
planetário é submetido a essa regra e só estão autorizados a procriar seus sucessores
pouco antes de retirar-se do serviço planetário especial. Essa procriação tem lugar,
ordinariamente, no momento da chegada dos Adães e Evas... ou pouco depois. Eis porque
o Conselho dos Cem jamais soube que tipo de criaturas teria podido surgir de sua união
sexual. Antes que pudessem chegar a essa etapa, a rebelião de Lúcifer arruinou o plano
evolutivo de IURANCHA.
"E, de acordo com as suas instruções, os "cem de Caligastia" não se
comprometeram com a reprodução sexual. Era outra a sua missão. Mas estudaram
minuciosamente sua constituição pessoal e exploraram todas as fases imagináveis de
conexão psíquica entre si. E foi no decurso do ano 33 de sua chegada a IURANCHA e de
sua instalação em Dalamachia que os números dois e sete desse Estado-Maior
descobriram, quase por acaso, um fenômeno singular que derivava de sua união
moroncial ou psíquica: uma procriação não sexual e imaterial. O resultado foi a primeira
das criaturas "medianes"...
- Os "medianos"! - exclamou Sinuhe. Aquele, precisamente, era outro dos
objetivos da missão: descobrir a origem e a natureza de tais seres. Mas, dessa vez, deixou
que a informação seguisse o seu curso. Haveria tempo para entrar em detalhes sobre o
assunto.
- O novo ser, resultado dessa aventura psíquica, era perfeitamente visível para
qualquer dos cem e para seus associados celestes, mas para os humanos, invisível. A
partir daquele acontecimento, com a autorização de Caligastia, todos os membros do
Estado-Maior dedicaram-se à procriação de seres similares. E foi assim que os "cem"
tornaram possível um Corpo de 50 000 "medianos" primários. Essas criaturas de tipo
"mediano" (parte de natureza física e parte moroncial ou espiritual) prestaram e prestam
serviços notáveis às hierarquias celestes. Em tempos do príncipe planetário, foram os
encarregados de múltiplos serviços de conexão com as tribos autóctones de IURANCHA.
Eram invisíveis aos "iuranchianos", mas a existência desses semi-espíritos foi explicada
aos primeiros alunos das escolas de Dalamachia. E deles (dos "medianos") derivar-se-ia
também uma série de lendas vinculadas, inclusive hoje em dia, ao mundo dos espíritos.
"Os cem membros de Caligastia eram imortais. Isso era possível graças a uns
"complementos antídotos" que circulavam em suas formas materiais. Se a rebelião não
tivesse feito que perdessem o contato com os circuitos vitais, teriam continuado vivendo
indefinidamente até a chegada a IURANCHA de um Filho de Deus ou até sua rendição no
planeta.
"Esses "complementos antídotos" procediam dos frutos de uma árvore que foi
chamada "da Vida". Na realidade, tratava-se de um arbusto enviado de Edência, capital da
constelação, pelos Mui Altos no próprio momento da chegada de Caligastia. Essa árvore
foi semeada no pátio central do templo do Pai Invisível, quando o príncipe fundou a
cidade-modelo de Dalamachia. A ingestão dos seus frutos permitia aos membros do
Estado-Maior viver de uma forma indefinida...
- Tu te referes à imagem bíblica da Árvore da Vida? Não foi apenas um símbolo?
- O que em IURANCHA chamais Sagrada Escritura ou Bíblia - respondeu a
"pluma" - é, em muitos de seus textos (especialmente nos mais antigos) uma amálgama de
confusas realidades, ocorridas em diferentes momentos históricos e distantes entre si.
Quanto à "Árvore", não se trata de metáfora ou símbolo, mas de um fato físico e real, de
posteriores confrontos sangrentos.
- Por quê? - insistiu Sinuhe.
- Devemos respeitar a ordem cronológica daqueles fatos - anunciou-lhe a voz -. Só
assim poderás comprendê-lo.
"Eu te dizia que esse arbusto, originário de Edência, reunia uma série de
qualidades energéticas que prolongavam a vida do Estado-Maior do príncipe, tornando-os
praticamente imortais. O mesmo não ocorria, entretanto, com os humanos autóctones da
Terra. Com eles, os frutos da "Árvore da Vida" não surtiam efeito algum. Somente os
"cem de Caligastia" (como "sandonitas" modificados) podiam beneficiar-se de sua
influência, sempre e quando comessem dele. Em torno dessa planta extraordinária forjouse,
igualmente, um sem-fim de mitos e lendas que circularam pelo mundo até
recentemente.
Sinuhe, com efeito, recordou algumas tradições "olímpicas" e americanas, assim
como a do famoso Gilgamesh, (1) em busca do mítico vegetal que proporcionava a vida
eterna.
(l) O mais conhecido herói da Mesopotâmia. Numerosos contos na antiga língua
acadiana descrevem a odisséia desse rei que se recusava a morrer. O relato foi encontrado
(12 tábuas) em Nínive, na Biblioteca do rei assírio Assurbanipal. Gilgamesh
provavelmente viveu na primeira metade do terceiro milênio a.C. (Nota do Tradutor.)
- A terceira de tuas perguntas, Sinuhe, referia-se ao "porquê" da chegada desse
príncipe a IURANCHA.
"Como já se te adiantou, nos planos cósmicos cada mundo evolucionário é regido e
governado por um príncipe planetário que tem a seu cargo a administração, organização e
educação das raças autóctones. O Estado-Maior de Caligastia. seguindo essas normas
universais, dividiu-se em dez Conselhos Autônomos integrados por dez membros cada
um. Essas assembléias de conexão com os humanos eram presididas por Caligastia.
"Bem depressa, ao fundar a cidade-modelo de Dalamachia, as chamadas "Escolas
do Príncipe" iniciaram suas atividades orientadas a instruir os primitivos mortais em todos
os aspectos do progresso material e espiritual: técnicas para melhorar a alimentação, o
bem-estar citadino, para a domesticação e aproveitamento dos animais, extensão do
conhecimento, para a implantação da indústria e comércio, difusão da religião revelada,
para o assentamento das normas de saúde e higiene, prolongando com isso a vida,
implantação das artes e das ciências e para o aperfeiçoamento das relações entre povos e
raças. O trabalho nessas escolas se repartia da seguinte forma:
"Atividades físicas: compreendiam os labores no campo e a aprendizagem da
construção e embelezamento das casas.
"Atividades sociais: aprendizagem de jogos e de todo tipo de relações humanas.
"Aplicação educativa: destinada fundamentalmente ao aperfeiçoamento do núcleo
familiar.
"Instrução profissional: abarcava ensinamentos sobre o casamento e o lar, artes e
ofícios e formação de futuros professores.
"Cultura espiritual: afirmação da Verdade Cósmica e preparação de meninos
indígenas que, posteriormente, seriam enviados aos seus respectivos povos como guias.
"Em geral, partindo desses centros ou focos de cultura, em todos os planetas do
sistema e do universo local não tarda em produzir-se progressiva influência edificante,
que vai transformando o primitivismo das raças autóctones. Para isso sempre ajuda a ação
simultânea dos humanos, previamente adestrados nas cidades-modelo e que, ao regressar
aos seus países, criam novos e potentes centros de estudo e cultura.
"Quando os "cem de Caligastia" iniciaram sua missão em IURANCHA,
propagando o novo Evangelho da iniciativa individual, incidindo nos grupos sociais
existentes naquelas épocas, souberam respeitar, escrupulosamente, a regra de ouro dos
universos em relação aos mundos evolucionários. O grau de cultura de um planeta se
mede em função da herança social dos seus povoadores. Mas a rapidez de sua expansão
cultural fica inteiramente determinada pela aptidão que possuam seus habitantes para
assimilar idéias novas e avançadas. O Estado-Maior do príncipe, procedente, como já
disse, do Mundo das Casas ou de Morôncia de Satânia, conhecia muito bem as artes e a
cultura de Jerusem. Tais conhecimentos, porém, não têm valor em um planeta bárbaro e
habitado por humanos primitivos. E, de acordo com essa regra de ouro dos universos,
optaram por desenvolver seu trabalho com suavidade e lentidão, elegendo a sábia norma
do progresso pela evolução e não pela revolução.
"Os cinqüenta pares que formavam o Estado-Maior do príncipe não tiveram filhos.
Entretanto, pouco depois de sua instalação em IURANCHA, nas cinqüenta casas-modelo
de Dalamachia adotaram-se não menos de quinhentas crianças indígenas, procedentes das
mais destacadas famílias andônicas e Sangik. E ali se beneficiaram da educação e cultura
daqueles superpais.
"Cumpridos três anos de permanência nas Escolas do Príncipe, esses jovens
estavam aptos para o casamento, e eram enviados como emissários culturais, profissionais
ou religiosos para as suas tribos de origem.
"Nos arredores de Dalamachia, o campo foi colonizado em um raio de 160
quilômetros. Ali, centenas de antigos alunos dessas escolas esforçaram-se por transmitir
seus ensinamentos aos seus irmãos, os humanos. A agricultura, sobretudo, foi um dos
grandes objetivos...
A mente de Sinuhe, influenciada desde a infância por histórias como a de Adão e
Eva, ia-se perguntando onde e em que momento se encaixavam os "primeiros pais"
bíblicos em tudo aquilo. Ao escutar as declarações sobre campo e agricultura, perguntou à
voz que sentido guardava aquela outra frase bíblica de "ganharás o pão com o suor de teu
rosto".
- Nunca houve tal castigo. As técnicas da agricultura - esclareceu a "pluma de
Thot" - são sempre inerentes ao estabelecimento de qualquer civilização progressiva. O
trabalho da terra não foi, nem nunca será, uma maldição. Ao contrário...
"Dalamachia não precisou de muito tempo para converter-se em uma cidade
florescente. Pouco depois de sua fundação contava já com mais de 6 000 habitantes. É
difícil para os "iuranchianos" que vivem hoje sobre o planeta compreender o formidável
progresso que representou Dalamachia naqueles tempos remotos. Mas aquele foco de
cultura planetária, que se estendeu por toda IURANCHA pelo espaço de 300 000 anos,
foi subitamente cortado e perdido quando da rebeldia de Lúcifer...
Sinuhe, depois das revelações extraídas dos arquivos secretos de IURANCHA, não
quis esperar, e formulou sua próxima e transcendental pergunta:
- Em que consistiu a rebelião?
Até o momento, nem Belzebu nem os demais "medianos" que assistiam ao
relatório tinham feito qualquer gesto ou comentário. Tanto Nietihw quanto o companheiro
interpretaram-no positivamente.
As duas pequenas esferas azuis continuavam imóveis em sua órbita enquanto o
resto prosseguia em seu lento e incessante rotar.
- Lúcifer - começou a voz - foi e é muito pouco conhecido em IURANCHA. Entre
outras razões porque desde o princípio delegou poderes ao seu primeiro lugar-tenente:
Satã.
"Lúcifer era (e é) um dos mais brilhantes filhos da Ordem dos Lanonandeks
primários do universo local de Nebadon. Tinha excepcional experiência nos assuntos da
administração cósmica, destacando-se como alto conselheiro de seu grupo. Sua sabedoria,
sagacidade e eficácia foram sempre reconhecidas. Levava o número 37 dos da sua Ordem,
e dele se tinha dito: "És perfeito em todos os sentidos desde o momento em que foste
criado até o momento em que a iniqüidade se aninhou em ti." Muitas vezes ocupara uma
cadeira no Conselho dos Mui Altos de Edência. Lúcifer reinava sobre a "santa montanha
de Deus", o monte administrativo de Jerusem, já que era o administrador-em-chefe de um
grande sistema formado por 607 planetas habitados, entre os quais IURANCHA figura
como o 606.
"Antes de explodir a rebelião propriamente dita, Lúcifer e Satã haviam reinado
pelo espaço de mais de 500 000 anos terrestres sobre o sistema que tinham a seu cargo:
Satânia. Satã, por sua vez, fazia parte desse mesmo grupo ou Ordem dos Lanonandeks
primários, embora nunca chegasse a exercer as funções de soberano sistêmico.
"E é preciso que se anote que tanto Lúcifer como Caligastia, o príncipe de
IURANCHA, muito antes da consumação da revolta tinham sido advertidos pelos seus
superiores celestes sobre suas respectivas tendências para a crítica e a um perigoso
envaidecimento pessoal.
"Mas a História de vosso mundo transcorreu brilhante e esperançosa até que (faz
agora uns 200 000 anos) IURANCHA recebeu uma das rotineiras visitas de inspeção de
Satã. Esse foi o histórico momento em que a Terra, e mais exatamente Caligastia,
conheceu os planos de Lúcifer...
- Talvez fosse necessário - argumentou o membro da Escola da Sabedoria -
conhecer primeiro em que consistiam esses planos...
- Com efeito - proclamou a voz -. Para entender o verdadeiro alcance da rebelião,
torna-se imprescindível que primeiro se exponha o chamado Manifesto da Liberdade
proclamado por Lúcifer.
"Não existiam condições especiais no sistema de Satânia que pudessem favorecer
ou justificar essa revolta. A idéia da sublevação nasceu no espírito de Lúcifer. Ninguém a
instigou ou aconselhou. A vontade de opor-se aos planos de Micael foi uma iniciativa
individual, lenta e firmemente amadurecida durante mais de cem anos do tempo comum.
"Antes de decidir-se a expor seus pensamentos, Lúcifer jamais se manifestara
contrário ao sistema administrativo do universo. Sua lealdade para com os chefes
supremos era sincera e suas relações com o Filho Criador (Micael), profundas e cordiais.
Ao longo desses cem anos, a União dos Dias de Salvington, capital do universo local de
Nebadon, vinha informando às hierarquias celestes residentes em Uversa "que nem tudo
estava em paz na mente de Lúcifer".
"E pouco a pouco, o soberano do sistema de Satânia começou a criticar o plano
administrativo de Nebadon. Sua primeira insinuação aberta de desobediência se deu
poucos dias antes da proclamação do seu Manifesto da Liberdade, por motivo da visita de
Gabriel, chefe executivo de Micael e supervisor de todos os soberanos sistêmicos de
Nebadon a Jerusem. Gabriel ficou impressionado e, convencido da iminente eclosão de
uma revolta, trasladou-se para Edência, sede da constelação, onde parlamentou com os
Pais de Norladiadek, adotando já as primeiras medidas preventivas, em caso de
sublevação.
"E, há 200 000 anos, durante o conclave anual de Satânia, em presença das
multidões reunidas em Jerusem, Satã (ganho para a causa de Lúcifer) deu a conhecer a
chamada Declaração Luciferiana de Liberdade ou Manifesto da Liberdade, que
compreendia os seguintes pontos:
"Primeiro: a realidade do Pai Universal.
"Lúcifer aventava que o Pai Universal não existia e que a gravidade física e a
energia espacial eram inerentes ao universo. O Pai (dizia o Manifesto) era um mito
inventado pelos Filhos do Paraíso para permitir-lhes manter seu próprio poder sobre todos
os universos. Negava também que a personalidade fosse um dom do Pai Universal e
insinuava que existia um complô entre os Filhos do Paraíso para introduzir uma
gigantesca fraude em toda a criação. Essa afirmação se baseava no fato (segundo Lúcifer)
de não existir uma idéia clara da natureza e personalidade reais do Pai. A acusação foi
categórica.
"Segundo: o governo universal de Micael, o Filho Criador.
"Lúcifer sustentava em seu Manifesto da Liberdade que os sistemas locais de
planetas deveriam ser autônomos, e protestava contra o direito que se arrogava Micael de
assumir a soberania de Nebadon em nome do hipotético Pai Universal Paradisíaco.
Considerou que todo esse plano de culto era só um estratagema para servir à ambição dos
Filhos do Paraíso. Entretanto, admitiu também Micael (vosso Jesus de Nazaré) como seu
Pai-Criador, mas não como seu Deus e legítimo chefe. Atacou violentamente os direitos
dos Anciãos dos Dias, qualificando-os de "potentados estrangeiros" e acusando-os de
intrometer-se nos assuntos próprios os sistemas locais e universais. Chamou-os de
"tiranos e usurpadores", instigou seus partidários a considerar que os Anciãos dos Dias
nada poderiam fazer para interferir no processo lógico de autonomia dos respectivos
sistemas planetários, desde que os humanos e os anjos tivessem a coragem de reafirmar e
reclamar seus direitos. Também pretendeu impedir que atuassem os agentes executivos
dos Anciãos dos Dias naqueles sistemas locais em que os mortais pudessem reivindicar
sua independência. Quanto à imortalidade, sustentava ser inerente às personalidades do
sistema e ser a ressurreição igualmente natural e automática. Nem um só mortal (garantiu)
se verá privado da vida eterna por mero capricho dos Anciãos dos Dias.
Terceiro: o ataque ao plano universal de educação dos mortais ascendentes.
"Lúcifer sustentava neste último item do seu Manifesto da Liberdade que o tempo
gasto na instrução dos mortais ou humanos evolucionários nos princípios da
administração universal era excessivo, com desproporcionado consumo de energia.
Qualificou esses princípios como imorais e nefastos, e protestou igualmente contra o
programa que obrigava a preparar os mortais do espaço por um tempo muito prolongado,
para um destino tão desconhecido quanto fictício. Apontando os "finalistas" residentes em
Jerusem anunciou que, aqueles, não tinham encontrado outro destino mais glorioso que o
de serem devolvidos a humildes planetas semelhantes aos de sua origem. Sugeriu que
tinham sido corrompidos por um excesso de disciplina e por um treinamento prolongado,
acusando-os de traição aos seus irmãos, os humanos, por se prestarem a cooperar naquele
plano que vinha mantendo o mito dos "ascendentes" rumo a um Pai inexistente.
"Por último, desafiou e condenou todo o plano de ascensão dos mortais para a Ilha
Eterna do Paraíso.
- Um momento.. .
A voz de Sinuhe fez silenciar o surpreendente relato. Naquele instante, o casal
partilhou os mesmos pensamentos e sentimentos.
Aquele Manifesto da Liberdade não guardava conexão com as explicações pueris
oferecidas ao longo dos séculos pelas diferentes religiões e, muito especialmente, pela
católica. Tendo em consideração o que acabavam de ouvir, o argumento esgrimido pelas
igrejas - "Lúcifer se rebelou porque quis ser como Deus" - resultava absurdo.
De um ponto de vista objetivo - supondo-se que toda aquela aventura louca
encerrasse alguma verdade -, as "novas razões" da famosa rebelião deram muito que
pensar aos "iuranchianos". Para Sinuhe aquele Manifesto continha, no mínimo, aspectos
mais concretos e até mais "lógicos" que a tradicional justificativa católica. ..
"O Grande Deus, o Pai Universal" - dizia o Manifesto luciferiano - "é um mito.
Não existe. Ninguém pôde demonstrar sua existência real..."
A afirmação do soberano do sistema de Satânia foi e continua sendo blasfêmia,
pelo menos para os que crêem nessa Força ou Energia Suprema. Mas e para um ateu? Se
se considera o ponto de vista de Lúcifer por um ângulo racional e científico, quem
conseguiu demonstrar a existência do Pai? Um dos argumentos que servia de apoio a essa
postura insólita, falava dos "finalistas": essas miríades de seres evolucionários que; de
acordo com os planos cósmicos, vão ascendendo, como nós, para a Ilha Eterna do Paraíso
e que, logicamente, deveriam saber como é o Pai. E no entanto - segundo Lúcifer - jamais
falaram sobre Ele. Esse silêncio dos "finalistas" foi igualmente usado pelo rebelde para
qualificar esses mortais "ascendentes" e "finalistas" como "traidores dos seus próprios
irmãos"; entrando assim no jogo das personalidades do Paraíso.
É evidente que, partindo desse princípio básico - "a não existência de Deus" - o
resto foi fácil a Lúcifer. Que sentido tinha então que Micael declarasse sua soberania
sobre o universo local de Nebadon, "em nome de um Pai Universal hipotético"? E de
certa forma, ao reclamar a autonomia e o governo independente para o seu sistema de 619
planetas habitados e para os outros sistemas planetários, Lúcifer se convertia - há 200 000
anos - no primeiro "separatista" e "nacionalista" da História, se seguirmos a concepção
humana de tais conceitos...
Nietihw e Sinuhe começavam a intuir o porquê da rebelião ter logrado arrastar a
tantos milhares de milhões de criaturas... Não pretendendo, claro, avaliar a bondade ou a
perversidade do soberano sistêmico, o que surgia muito nítido, é que Lúcifer jamais
pretendeu ser como Deus. Entre outras razões - segundo o próprio Manifesto da
Liberdade -, porque, para ele, Deus não existia.
Aceitando por um momento que tais argumentos estivessem corretos, o entusiasmo
e a fidelidade que demonstraram seus seguidores, a partir do conclave de Jerusem, eram
mais que justificados.
Mas Sinuhe desejava conhecer outros aspectos da revolta. É verdade que se deu a
mítica batalha nos céus? Quais foram os protagonistas? Lúcifer fracassou? Que risco
correu nosso planeta?
E, com as mãos estendidas sobre a esfera transparente, formulou uma nova
pergunta.
- Fala-nos do advento da rebelião.
- Após a leitura e proclamação do Manifesto da Liberdade - prosseguiu a voz dos
arquivos de IURANCHA -, Satã se dirigiu às multidões atônitas congregadas em Jerusem,
a capital do sistema de Satânia, declarando que se podia adorar as forças universais
físicas, intelectuais e espirituais, mas que tão-só a Lúcifer se devia obediência, pois era o
chefe atual e real, "amigo dos humanos e dos anjos" e "Deus da Liberdade". Assim foi ele
qualificado por seu lugar-tenente. E estes foram os gritos de guerra dos rebeldes.
"Lúcifer, a partir desse momento, apregoou incansavelmente a "igualdade de
pensamento" e a "fraternidade da inteligência", insistindo em que a administração e o
governo tinham de limitar-se a cada planeta e, em todo caso, à confederação voluntária
dos mundos em sistemas locais. Qualquer outro tipo de supervisão celeste foi repelida.
"Prometeu aos príncipes planetários de Satânia que governariam seus respectivos
mundos como administradores supremos. Rechaçou Edência (sede da constelação a que
pertence Satânia) como lugar das atividades legislativas e à capital do universo local de
Nebadon, Salvington, como centro diretor dos assuntos judiciais. "Todas essas funções" -
declarou Lúcifer - "devem concentrar-se nos mundos-capitais dos sistemas". E ele mesmo
iniciou a constituição da sua própria assembléia legislativa, organizando os tribunais sob a
presidência de Satã. Ordenou aos príncipes leais à sua causa que fizessem o mesmo em
seus planetas. Todo o gabinete administrativo de Lúcifer passou-se em bloco para o seu
campo, e seus membros foram juramentados publicamente como agentes da
administração do novo chefe dos "mundos liberados".
Atônito com o que estava ouvindo Sinuhe interferiu, formulando duas novas
perguntas:
- Já houve anteriormente alguma rebelião similar? E, em todo caso, qual foi a
reação de Micael?
- Sim, houve - emitiu a voz ante a lógica surpresa dos "iuranchianos" -. A de
Lúcifer era a número três das registradas no universo local de Nebadon. Mas aquelas duas
primeiras sublevações tiveram lugar em constelações tão distantes da nossa, a de
Norladiadek, que não se revestiam de importância. Lúcifer acentuou, precisamente, que
tais insurreições malograram porque a maioria dos seres se absteve de seguir os chefes. E
reafirmou que "as maiorias governam" e que o "pensamento é infalível".
"Quanto à tua segunda questão, inicialmente não se deu reação alguma por parte
das altas hierarquias dos universos. Lúcifer e seus leais atuaram com liberdade absoluta.
Posteriormente, e de forma reiterada, foi-lhes oferecida a clemência. Mas Lúcifer
declarou que tais perdões eram apenas uma prova a mais da incapacidade dos Filhos do
Paraíso para conter a rebelião. Naqueles momentos, Lúcifer desafiou abertamente Micael,
Manuel e os Anciãos dos Dias, considerando sua aparente passividade como um sinal de
fraqueza. E sua radicalização foi então completa.
"Só Gabriel se pronunciou a respeito, mas limitou-se a anunciar que "em seu
devido tempo me entrevistarei com Micael e todos os seres ficarão em liberdade, qualquer
que seja sua determinação. O governo dos Filhos pelo Pai deseja tão-só a lealdade e
devoção quando expressadas voluntariamente".
"Em conseqüência, os rebeldes ficaram em liberdade para organizar e estabelecer
seu governo. Foram anos caóticos e de desordens graves, sobretudo nos Mundos das
Casas ou Moronciais. Mas o ataque de Lúcifer aos "finalistas", qualificando-os de
traidores de seus irmãos, provocou efeito contrário ao pretendido pelo soberano rebelde: a
maior parte dos cidadãos "ascendentes" que se achavam em Jerusem permaneceu fiel a
Micael. E Lúcifer tomou esse respeito como ignorância.
- Mas - insistiu Sinuhe - que fez Micael?
- Quando a rebelião do sistema local de Satânia já se havia estendido e firmado em
37 dos 619 planetas habitados, Micael pediu a Manuel, seu irmão paradisíaco, que ó
aconselhasse. Depois dessa entrevista, aquele que seria mais tarde Soberano definitivo de
Nebadon anunciou que continuaria com sua política de não intervenção, tal como havia
feito com as insurreições anteriores. Micael, naquele tempo, dirigia o universo local por
direito divino e não em virtude do seu próprio direito pessoal. A explicação residia em
que ainda não havia expandido totalmente sua carreira, não tendo sido investido, portanto,
de "todo o poder sobre os céus e a terra".
"Durante 200 000 anos de IURANCHA, Micael não interveio contra as forças leais
a Lúcifer. Agora, há 2 000 anos terrestres, possui poderes e autoridade para terminar
rapidamente com qualquer outra rebelião.
"E foi a partir dessa "não intervenção" de Micael na revolta, que Gabriel tomou a
decisão de assumir o comando das tropas que não haviam secundado a Lúcifer. Reuniu
seu Estado-Maior pessoal em Edência, celebrando uma "cúpula" com os Mui Altos da
constelação. Entretanto, Micael continuou em Salvington.
"E Gabriel se dirigiu a Jerusem, a capital de Satânia, instalando-se na esfera
consagrada ao Pai Universal. Ali, em presença das multidões leais, desdobrou o
estandarte de Micael: a bandeira branca com os três círculos concêntricos e azuis no
centro, símbolo do governo trinitário da criação.
"Lúcifer, por sua vez, desdobrou sua própria bandeira: branca, também, com um
círculo vermelho e outro menor, negro, no centro.
"E houve guerra nos céus. . .
- Então - disse Sinuhe - o Apocalipse tinha razão.. .
- Sim, Micael e seus anjos combateram e lutaram contra o Dragão de Lúcifer, de
Satã e dos príncipes planetários rebeldes. Mas essa "guerra" nos céus não foi uma batalha
física, tal como vós o entendeis em IURANCHA. Não se tratava de uma de vossas
bárbaras contendas, onde se perde a vida física e corporal. Aquela luta foi, se é possível,
mais implacável, já que estava em jogo a sobrevivência eterna.
"Nos primeiros tempos da "guerra nos céus" Lúcifer permaneceu no "anfiteatro
planetário". Gabriel, por outro lado, instalou seu quartel-general em suas proximidades e,
dali, rebatia os sofismas dos rebeldes. As diferentes e numerosas personalidades celestes
presentes tiveram, assim, a oportunidade de escutar as duas facções e adotar, finalmente,
uma decisão pessoal.
- Quantas criaturas do sistema de Satânia se passaram para o bando de Lúcifer?
- A rebelião, como já foste informado, deu-se em escala sistêmica. Os teólogos do
teu mundo equivocaram-se em suas apreciações ao considerar que ela teve um caráter
universal. Foram 37 os planetas que se alinharam com os rebeldes e ofereceram a Lúcifer
suas respectivas administrações e criaturas. Foi, definitivamente, uma insurreição da
Ordem Lanonandek. As demais ordens superiores do universo local de Nebadon não se
uniram à secessão. Reduzido número de Portadores de Vida estacionados nos planetas
rebeldes inclinaram-se para Lúcifer. Em compensação, nenhum dos Filhos Trinitizados se
perdeu. E os Melchizedeks, os arcanjos e as Brilhantes Estrelas da Noite permaneceram
igualmente leais a Micael. Tampouco se viram implicados na rebelião os seres originários
do Paraíso. Quanto aos chamados Conciliadores e Arquivistas Celestes, tampouco houve
deserção alguma entre suas fileiras. Entretanto, forte contingente de Companheiros
Moronciais e Instrutores do Mundo das Casas sim, fez sua a causa de Lúcifer.
"Entre as ordens supremas de serafins não se registrou baixa alguma. Em troca, os
anjos superiores e, sobretudo o quarto grupo (o dos anjos administradores), foram os mais
afetados. Milhares de serafins designados para as capitais de planetas preferiram Lúcifer.
No total, um terço desses seres celestes se passou para o bando rebelde. Um terço também
dos querubins estacionados em Jerusem uniu-se aos serafins desleais. Manótia, segundo
comandante dos serafins do quartel-general de Satânia em Jerusem, persuadiu dois terços
do Corpo de Serafins, e sua audácia foi reconhecida a nível universal.
"Dentre as ajudas angélicas planetárias, os que padeceram o furor da rebelião com
maior virulência foram os Filhos Materiais ou "Adães e Evas". Um terço deles foi
enganado e quase dez por cento dos ministros de Transição caíram igualmente em poder
de Lúcifer...
Novamente surgiam os nomes de Adão e Eva e, aparentemente, grande número
deles. Mas Sinuhe preferiu abordar a questão mais na frente.
- ... João Evangelista - continuou a voz - recebeu uma visão simbólica dessas
perdas e escreveu: "E a cauda do Dragão vermelho arrastou a terça parte das estrelas do
céu e as arrojou às trevas."
"As maiores deserções, entretanto, aconteceram nas fileiras dos anjos. Ocorreu
outro tanto entre os seres "medianos". Quanto aos 681 227 Filhos Materiais de Satânia,
noventa e cinco por cento foram igualmente vítimas da rebelião.
- Como é possível - interrompeu o membro da Escola da Sabedoria - que a rebelião
arrastasse tantos anjos e serafins?
- Ao eclodir o levante, o chefe dos exércitos seráficos em Jerusem passou-se para o
bando luciferiano. Isso ocasionou a imediata e maciça adesão dos serafins de quarta
ordem ao seu comandante. Mas uma criatura houve, Manótia, que se destacou por sua
intrepidez. Não faz muito, ao descrever suas experiências sobre a rebelião, esse segundo
comandante dos serafins dizia: "Meus momentos mais vivificantes foram aqueles em que
me neguei a insultar Micael. As potências rebeldes trataram então de destruir-me. E em
Jerusem registrou-se um grande cataclisma... Ausente meu imediato superior, tive de
assumir o comando das legiões de anjos da capital de Satânia, assim como dos confusos
assuntos seráficos do sistema. E moralmente apoiado pelos Melchizedeks e pelos
humanos 'ascendentes', pude resistir aos embates da rebelião. Tendo sido
automaticamente cortados os circuitos que uniam o sistema ao resto da constelação,
dependíamos da lealdade do nosso serviço de informação que lançava apelos de socorro a
Edência, do sistema vizinho de Rantulia. Assim, pudemos sobreviver até a chegada do
sucessor de Lúcifer. Depois fui agregado ao Corpo dos Melchizedeks que se haviam
encarregado do falido planeta IURANCHA, tomando a meu cargo a jurisdição das ordens
seráficas leais a Micael."
"Na atualidade - concluiu a voz - Manótia continua em atividade no teu mundo, em
IURANCHA, onde desempenha o posto de chefe-adjunto dos serafins".
- Dizes que o sistema de Satânia foi isolado... Isso não parece justo, insinuou
Sinuhe.
Mas a voz, como já o advertira, eludiu o assunto:
- Não é minha missão opinar, apenas registrar. O que figura nos arquivos de
IURANCHA é o seguinte: tão logo se produziu a rebelião, os circuitos de Satânia foram
interrompidos. Tanto os que uniam os planetas com a constelação, como os do resto do
universo local. E os mundos foram submetidos a uma "quarentena" que ainda dura. Nesse
tempo todo, agentes seráficos e mensageiros solitários transmitiram e transmitem a
totalidade dos comunicados.
"Essa situação obrigou Lúcifer e seus leais a propagar e manter sua rebelião de
uma forma pessoal. Uma das ações dos rebeldes concentrou-se precisamente nas Escolas
do planeta cultural dos "finalistas", empenhando-se em ganhar para a sua causa as almas
dos humanos evolucionários. Tal ação ficou registrada como um dos piores atos dos
rebeles".
"Os humanos "ascendentes" talvez fossem os mais indefesos. Mas resistiram
melhor, até mais que os espíritos inferiores. Nenhum dos cidadãos "ascendentes" de
Jerusem, como já fostes informado, aliou-se à causa luciferiana".
"Hora após hora e dia após dia, as estações difusoras de Nebadon viram-se
invadidas por todo tipo de observadores e criaturas celestes, desejosos de conhecer o
processo da rebelião em Satânia".
"Essa situação tensa se prolongaria durante dois anos do tempo sistêmico. Como
sabes - esclareceu a "pluma de Thot" -, um dia de Satânia equivale a três de IURANCHA,
menos uma hora, quatro minutos e quinze segundos. Cinco anos de cem dias do sistema
de Satânia são, aproximadamente, quatro de IURANCHA".
"Ao cabo desses dois anos, Lanaforge foi designado sucessor de Lúcifer,
aterrorizando com seu Estado-Maior o mar de cristal. Formava parte dos exércitos
mobilizados por Gabriel em Edência e esta foi sua primeira mensagem ao Pai da
constelação de Norladiadek: "Nenhum cidadão 'ascendente' de Jerusem se perdeu. Todos
os mortais evolucionários sobreviveram às chamas ardentes e saíram vitoriosos da prova
decisiva".
"A tropa de Jerusem contava então com 187 432 811 humanos "ascendentes" de
todos os planetas habitados do sistema".
- Que representou a chegada de Lanaforge para a rebelião?
- Os rebeldes foram destronados e destituídos de todo poder de governança.
Apesar disso, permitiu-se-lhes circular livremente em Jerusem, nas esferas moronciais e
nos planetas habitados. E prosseguiram com seus esforços para recrutar novos adeptos
para a sua causa.
"Como também foste informado, por aqueles tempos, Micael não era ainda o
Soberano de Nebadon. E embora os Anciãos dos Dias defendessem os Pais da
constelação quando estes decidiram tomar em suas mãos o governo de Satânia, não
comunicaram notícia alguma sobre a sorte de Lúcifer. Os rebeldes, conseqüentemente,
continuaram percorrendo o sistema a propagar suas doutrinas".
Muitas questões pairavam sobre a rebelião, mas Sinuhe ardia em desejos de
conhecer o papel desempenhado por Caligastia, o príncipe planetário de IURANCHA, e
pelo resto do Estado-Maior. E solicitou informação a respeito:
- Que havia acontecido aos humanos do planeta Terra?
- Foi durante aquela visita de inspeção de Satã a IURANCHA, como te foi dito
anteriormente, que Caligastia recebeu as primeiras notícias sobre a rebelião iminente.
Devo esclarecer-te que Satã não se parece em nada com essas grotescas caricaturas
humanas que dele se fizeram. Era, e continua sendo, um Filho Lanonandek primário de
grande resplendor.
"E foi no curso dessa inspeção rotineira que Satã pôs Caligastia a par do Manifesto
da Liberdade que Lúcifer se propunha levar a efeito em Jerusem.
"Imediatamente, o príncipe concordou em trair o planeta, no instante em que a
rebelião se tornasse pública".
"Pouco depois dessa entrevista, quando a administração dos "cem de Caligastia"
estava a ponto de iniciar novos e promissores projetos, altamente benéficos para a
humanidade do teu mundo, ao meio-dia de um dia de inverno nos continentes
setentrionais, o príncipe manteve longa conversação secreta com seu lugar-tenente,
Daligastia. E, ato contínuo, este convocou os dez conselhos de IURANCHA em sessão
extraordinária, informando-lhes que o príncipe estava disposto a proclamar-se soberano
absoluto do planeta. Por conseguinte, os "cem" deveriam abdicar de suas funções,
delegando seus poderes a Daligastia".
"A inesperada declaração foi seguida de fulminante reação da parte de Van, um
dos membros dos "cem" e presidente do Conselho de Coordenação das Tribos, que
acusou Caligastia, Daligastia e Lúcifer de ultrajar a soberania do universo local de
Nebadon. E, imediatamente, deu andamento a uma comunicação aos Mui Altos de
Edência visando que o confirmassem em seu posto".
"As notícias da proclamação do Manifesto da Liberdade em Jerusem haviam
chegado, então, às autoridades supremas celestes, e o sistema de Satânia, isolado. A partir
desse momento, teu mundo, como os demais, ficou incomunicável. E todos os grupos
celestes que se achavam presentes em IURANCHA (fixos ou em trânsito) ficaram
insulados, sem prévio aviso".
"Durante sete anos terrestres a situação em teu mundo não variou. Não se produziu
qualquer tentativa exterior para modificá-la".
Sinuhe lembrou-se de repente: no sul da Armênia atual, efetivamente, existe um
lago que leva o nome de Van. Seria em memória daquele remoto membro dos "cem de
Caligastia", que se opôs à rebelião de Lúcifer? Mas não se atreveu a alterar o curso da
narração com uma questão aparentemente tão banal.
- Em IURANCHA quarenta membros do Estado-Maior corporal do príncipe, com
Van à frente, recusaram unir-se à revolução. E numerosos assistentes humanos
modificados os seguiram. Não obstante, cerca da metade dos serafins administrativos
optou pelo bando de Caligastia, assim como 40 000 "medianos". Outros 9 800
permaneceram fiéis a Micael, e o príncipe rebelde preparou esses 40 000 "medianos" para
que executassem suas ordens em todo o planeta.
"Ao mesmo tempo, Van organizava tudo para tentar salvar o Estado-Maior e as
personalidades celestes bloqueadas em IURANCHA. Alguns serafins e querubins leais a
Van, ajudados por três "medianos" igualmente fiéis, garantiram a vigilância e integridade
da "Árvore da Vida", permitindo o acesso a seus frutos e folhas unicamente aos quarenta
do Estado-Maior e a seus aliados humanos modificados..."
Antes que a voz dos arquivos de IURANCHA se manifestasse sobre isso, os
"iuranchianos" presentes na Sala de Thot compreenderam por que Belzebu se havia
apoderado do frasco com os "ibos". Se não se enganavam, a partir da rebelião, muitos
desses seres rematerializados no planeta perderam sua imortalidade, quando não puderam
superar as leis biológicas de IURANCHA com os frutos daquela árvore de Edência.
- ... O número desses leais que continuavam beneficiando-se da "Árvore da Vida" -
continuou a voz - foi de 96: os quarenta já citados do Estado-Maior e outros 56
"andonitas" modificados, cujo plasma vital servira para rematerializar os "cem de
Caligastia". Foi durante esses sete anos de disciplina espiritual que um "iuranchiano"
surpreendeu o universo. Vossa humanidade não conheceu esse herói, cujas façanhas
inscreveram-se no livro de ouro da História de Nebadon.
"Refiro-me a Amadon, o associado modificado de Van, que foi qualificado como
"o grande herói humano da rebelião de Lúcifer". Esse descendente varão de Andon e
Fonta foi um dos cem "iuranchianos" que cederam seu plasma vital aos membros
corporais do Estado-Maior do príncipe. Sua inquebrantável fidelidade a Micael tem sido
tomada como exemplo universal..."
- E que foi que aconteceu com os restantes sessenta membros desse Estado-Maior?
- interrompeu Sinuhe, muito mais interessado no destino dos rebeldes que nas façanhas de
Amadon.
- Eles elegeram Nod como novo chefe: um dos sessenta. E lutaram com todas as
forças pelo príncipe. Mas bem depressa se deram conta de que tinham sido privados do
apoio dos circuitos vitais do sistema, tendo sido rebaixados ao estado de simples mortais.
Continuavam como seres sobre-humanos, mas já carentes de sua imortalidade. E, em
desesperada tentativa para aumentar seu contingente, Daligastia ordenou a procriação
sexual entre os sessenta sobreviventes do Estado-Maior e os quarenta e quatro humanos
modificados, também leais ao príncipe. Apesar disso, Daligastia sabia que aqueles 104
super-homens cedo ou tarde morreriam.
"Depois do desastre e da queda de Dalamachia, os 104 partidários de Lúcifer
emigraram para o Norte e para o Leste. E seus descendentes ficaram conhecidos, durante
milênios, com o nome de "noditas". E o lugar deles, como o "País de Nod"...
Nietihw recordou então uma passagem do Gênese (4,16). "... Caim, distanciandose
da presença do Senhor, habitou a terra de Nod, ao oriente de Éden."
O companheiro, fascinado por essa revelação, perguntou que relação guardavam
aqueles acontecimentos com aquela outra passagem da Bíblia (Gênese 6,1-4) em que se
diz: "Quando começaram a multiplicar-se os homens sobre a terra e tiveram filhas, vendo
os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram dentre elas por
mulheres as que bem quiseram. E disse Yaveh: 'Não permanecerá para sempre meu
espírito no homem, porque não é mais que carne. Cento e vinte anos serão seus dias'.
Havia então gigantes na Terra, e também depois, quando os filhos de Deus se uniram com
as filhas dos homens e engendraram filhos; estes são os heróis famosos de mui
antigamente."
- Como já foste informado - anunciou a voz - muitas das antigas passagens da
Bíblia sofreram deformações e interpolações. Quando os 104 leais a Caligastia se uniram
sexualmente entre si e, logo após, com outros seres humanos, seus filhos se revelaram
criaturas muito superiores ao resto dos "iuranchianos", tanto no aspecto físico, como
mental. E esses fatos, com o passar dos tempos, acabaram por incorporar-se a todas as
lendas. Esta foi, na verdade, a origem da infeliz passagem citada no Gênese e que
rememoraste. Sem ser exatamente "filhos dos deuses", os membros corpóreos do Estado-
Maior do príncipe foram, isso sim, tomados por "seres vindos dos céus". Esse fato passou
pouco a pouco para a mitologia, obscurecendo-se, ainda mais, a partir dos graves
acontecimentos que se deram muitos milhares de anos depois, com a chegada a
IURANCHA de Adão e Eva.
"A rebelião de Lúcifer, por conseguinte, começara a dar seus primeiros e nefastos
frutos em teu mundo..."
- Por quê? - rebateu Sinuhe sem entendê-lo.
- Ao consumar-se a ruptura dos membros do Estado-Maior e de seus humanos
modificados, o plano cósmico previsto para IURANCHA viu-se alterado. O progresso
pela evolução viu-se substituído pelo da revolução. Os cruzamentos entre os 104 leais a
Caligastia e as restantes tribos humanas trouxeram como resultado um momentâneo pico
na civilização do planeta. Mas essa explosão de progresso só foi eficaz entre os povos
mais próximos aos "noditas". Quando a experiência se propagou a outras raças primitivas
mais distantes, o caos foi total. A maior parte daqueles humanos não estava ainda
preparada, nem mental nem fisicamente, para semelhante passo, e da liberdade se passou
à libertinagem.
"Não se passara muito tempo desde que os 104 se decidiram a cruzar-se entre si e
com "as filhas e filhos dos homens", quando se viram comprometidos em desesperada
defesa da cidade de Dalamachia, atacada pelas hordas semi-selvagens dos povos entre os
quais tinham tentado inculcar, prematuramente, aqueles princípios de liberdade. Esses
ataques obrigaram os rebeldes a fugir da esplêndida cidade-modelo, e encaminhar-se para
o Norte e para o Leste".
- E que foi feito de Dalamachia?
- Cento e setenta anos depois do estouro da rebelião, uma grande inundação,
procedente dos alterados mares do Sul, arrasou aquilo que fora o primeiro foco cultural
do planeta. E o quartel-general de Caligastia sumiu-se por debaixo do nível do mar.
- E Van e seus leais, que destino tiveram?
- Van, chamado "o Inquebrantável", se havia retirado muito tempo antes para as
terras do oeste da índia. Ali, ele e seus partidários ficaram ao abrigo dos ataques das
tribos semibárbaras que haviam provocado a derrota de Nod e seus super-homens.
Pouco a pouco, trinta e nove dos quarenta membros do Estado-Maior foram
regressando a Jerusem; Amadon e seus descendentes (os "amadonitas"), assim como Van,
continuaram em IURANCHA. E, por mais de 150 000 anos, foram sustentados pela
"Árvore da Vida" e pelo Ministério dos Melchizedeks que tinham tomado a seu cargo o
governo do planeta.
- Qual foi o final de Nod e dos membros do Estado-Maior?
- Os dois grupos (os sessenta membros corporais e os quarenta e quatro
"andonitas" modificados) foram o germe da oitava raça aparecida em IURANCHA. Os
"noditas" de puro sangue eram, sem dúvida, uma raça magnífica, embora não prevista nos
planos dos Portadores de Vida. Mas, com o tempo, acasalando-se com os humanos foram
degradando-se e 10 000 anos depois da rebelião, a vida média de um indivíduo não
ultrapassava a das raças autóctones.
"Quando os arqueólogos do teu tempo - aclarou a "pluma de Thot" - desenterraram
os milhares de tabuinhas de argila dos sumérios, descendentes dos "noditas", descobriram
listas de reis que retrocediam milhares de anos no tempo. Segundo esses arquivos, os
reinados se prolongavam desde os 25 anos dos monarcas mais próximos aos 150 (ou
mais) dos mais remotos. A explicação é simples: alguns dos primeiros chefes "noditas",
descendentes dos membros do Estado-Maior de Caligastia, viviam muito mais que o resto
dos humanos e que seus próprios sucessores".
- Certamente - interveio Sinuhe, evocando as vidas centenárias de muitos
patriarcas bíblicos -, que há de verdade nessas existências longevas que menciona a
Bíblia?
- Em geral, trata-se de uma confusão entre os meses de 28 dias e os anos de mais
de 365 dias. Cita-se, por exemplo, um humano que teria vivido mais de 900 anos. Na
realidade, essa cifra representava 70 dos atuais anos de IURANCHA: "três vintenas mais
dez".
"Depois da desaparição de Dalamachia, como já fostes informado, os "noditas"
emigraram para o Leste e o Norte, fundando a cidade que se chamou Dilmun: o novo
quartel-general racial e cultural dos rebeldes. Paulatinamente, todos os membros
corporais do Estado-Maior e seus humanos modificados foram morrendo de morte
natural. Uns 50 000 anos depois da morte de Nod, os descendentes viram-se obrigados a
ampliar seus domínios, em busca de alimentos. E, conscientes de que deveriam fundir-se
com outras raças limítrofes, fundamentalmente "Sangik" e "andônicas", os chefes
"noditas" convocaram um grande conselho de todas as tribos para preservar a unidade
racial. Depois de muitas deliberações, adotaram o chamado "plano de Bablot", um
descendente de Nod. Bablot propôs a construção de um templo que perpetuasse e
glorificasse a origem sagrada daquela estirpe. Essa magnífica e soberba construção
deveria erguer-se no território de Nod..."
Sinuhe, sem saber por quê, emocionou-se. E tinha razão para tanto...
- ... Esse templo deveria dispor de uma torre sem par no mundo. Deveria ser um
monumento que testemunhasse toda a grandeza dos seus antepassados: os leais a Lúcifer.
Surgiram, porém, complicações. Uma parte do povo "nodita" desejava que o templo e sua
torre fossem edificados em Dilmun. Os demais, rememorando a desaparição da antiga
pátria, Dalamachia, devorada pelas águas, pretendiam que fossem levantados longe do
mar.
"Bablot previa que aqueles novos edifícios chegariam a ser o núcleo e a base de
um futuro centro de cultura e civilização "nodita". Seu critério prevaleceu. E começou-se
a construção. A nova cidade se chamaria "Bablot", em homenagem a seu arquiteto. Mais
tarde, porém, recebeu o nome de "Bablod". Por último, foi conhecida pelo de "Babel".
- Babel! - exclamou Sinuhe, compreendendo agora o porquê de sua emoção -.
Então.. . a confusão das línguas?
- Não houve tal. Depois de quatro anos e meio de trabalho, os "noditas" se
enredaram em debates intensos sobre a forma de construção da torre e do templo, assim
como sobre a finalidade deles. E as obras se paralisaram. Os fornecedores de víveres
propalaram então a notícia dos desentendimentos e muitas tribos se dirigiram para o lugar
da construção.
- Quais foram esses motivos de dissensão entre os "noditas"? A Bíblia fala de um
castigo de Deus. . .
- Não, exatamente. Um dos grupos, o mais numeroso, desejava que aquele
monumento fosse homenagem perene à superioridade histórica e racial de sua raça. Para
tanto, deveria superar todas as medidas e proporções imagináveis.
"O seguinte grupo em importância defendia que o templo devia comemorar a
cultura de Dilmun. "Bablot" se converteria em um grande centro comercial e artístico.
"O terceiro contingente em discórdia, o menos importante, pensava que a
edificação da torre poderia redimi-los, em parte, das loucuras dos seus antepassados que
se uniram à rebelião de Caligastia. Sustentavam que o templo deveria ser consagrado ao
Pai Universal, convertendo a futura cidade de "Bablot" em uma segunda Dalamachia que
irradiasse cultura e espiritualidade entre os bárbaros dos arredores. Em votação, este
último grupo foi derrotado e a maioria rechaçou a idéia de que Nod e seus companheiros
(seus antepassados) tivessem sido responsáveis pela rebelião de Lúcifer.
"Por último, os dois bandos dominantes e em litígio resolveram a situação com as
armas. O resultado final foi o extermínio quase absoluto dos "noditas"...
"Muito tempo depois (faz agora uns 120 000 anos), houve uma segunda tentativa
para edificar a torre de Babel sobre as ruínas da primitiva construção. Mas o projeto
voltou a fracassar, por falta do apoio necessário. Durante muito tempo, aquela região foi
conhecida pelo nome de "o País de Babel".
"Aquele primeiro fracasso provocou a dispersão imediata dessa raça. E a cultura
"nodita" eclipsou-se por 80 000 anos. até que foi parcialmente recuperada por Adão e
Eva...
De novo Adão e Eva. Nietihw e Sinuhe não podiam compreender quando, como e
por quê se deu a aparição daqueles que a Bíblia chama "primeiros pais". Ou seria possível
que as Sagradas Escrituras estivessem equivocadas também nesse assunto? Por que os
arquivos de IURANCHA lhes concedia tanta importância?
- A partir daquela dispersão - continuou a voz - os "noditas" sucessores dos
rebeldes se dividiram em quatro grandes povos:
"Os ocidentais ou sírios. Foram os sobreviventes do chamado grupo nacionalista:
os partidários da primazia racial. Tomaram o caminho do norte, unindo-se com os
andonitas e fundando as cidades do noroeste da Mesopotâmia. Contribuíram
decisivamente para a aparição da raça assíria.
"Os orientais ou elamitas. Foram os partidários da cultura e do comércio.
Emigraram em direção ao leste, ao Elam, fundindo-se com as tribos "Sangik". Sua região
daria nome ao "País de Nod".
''Os centrais ou pressumérios. Foi um pequeno contingente que se instalou nas
desembocaduras dos rios Tigre e Eufrates, conservando a pureza e a integridade racial.
Sobreviveu durante milênios. De sua fusão com os descendentes de Adão e Eva, surgiram
os sumérios.
"Isso poderia explicar a vossos arqueólogos do século XX de IURANCHA porque
esse povo sumeriano apareceu tão subitamente na Mesopotâmia. Na realidade, os
investigadores do teu mundo, Sinuhe, ignoram que os sumérios têm sua origem 200 000
anos atrás, com os rebeldes do Estado-Maior de Caligastia...
"Essa cultura, sucessora da de Nod, carregava a semente de um progresso milenar,
abortado pela rebelião de Lúcifer. Assim, realizaram a construção de templos, o trabalho
em metais, a agricultura, a pastoreio, a olaria, o estudo da astronomia e de outras ciências
matemáticas, das leis comerciais e civis, da escritura e dos cerimoniais religiosos. É certo
que haviam perdido e olvidado o alfabeto aprendido em Dalamachia, mas souberam
conservar a particular escritura de Dilmun. Embora virtualmente perdido para o mundo, o
idioma sumeriano não era semítico. Tinha numerosos elementos comuns com as línguas
chamadas arianas.
"Em documentos deixados pelos sumérios descreve-se uma paragem situada no
golfo Pérsico: Dilmun. Os egípcios chamaram "Dilmat" a esse lugar. Posteriormente, os
sucessores daqueles "noditas", que se haviam estabelecido entre o Tigre e o Eufrates
confundiram a cidade com a legendária Dalamachia. Alguns arqueólogos encontraram
velhas tabuinhas de argila, nas quais os sumérios falam de "um paraíso terrestre em que
os deuses abençoaram pela primeira vez a humanidade com o exemplo de uma vida
civilizada". Essas tabuinhas descrevem, na realidade, a cidade de Dilmun, sede de Nod.
Hoje, porém, repousam esquecidas e empoeiradas nos museus do teu mundo...
"O quarto grupo, formaram-no os "noditas" do Norte, os chamados "vanitas".
Surgiram antes do conflito de Bablot. Eram os mais setentrionais e descendiam dos
rebeldes que haviam deixado de obedecer a Nod para unir-se a Van e a Amadon. Muitos
se instalaram às margens do lago que até hoje continua levando o nome de Van, ao sul da
Armênia e ao norte do que foi a cidade de Nínive. O monte Ararat foi sua montanha
sagrada. Para os descendentes dos "vanitas" representaria o mesmo que o Sinai para os
hebreus. Há 10 000 anos, os sucessores daqueles primitivos "noditas" aliados de Van
afirmavam que sua lei moral, formada por sete mandamentos, fora dada a Van, "o
Inquebrantável", pelos deuses no cume do Ararat. E acreditavam com toda firmeza que
Van e Amadon tinham sido transportados vivos do planeta quando oravam no cume. Por
ser a montanha sagrada da Mesopotâmia do norte, não nos deve surpreender que tenha
sido implicada em outras narrações judias posteriores sobre Noé e o dilúvio.
Sinuhe, fatigado, agradeceu que a voz do arquivo secreto de IURANCHA fizesse
silêncio. Mas as surpresas continuariam...
A voz não esperou, e prosseguiu em seu relato, aliviando a tensão de Sinuhe. Seu
espírito se achava demasiadamente agitado com aquelas revelações sobre os verdadeiros
motivos da rebelião luciferiana e sobre o que, sem dúvida, podia qualificar-se como
"primeiro grande conflito planetário". A "pluma de Thot" se referiu, então, a outra não
menos fascinante e ignorada etapa da Terra: Adão e Eva.
- É fácil reconhecer em teu coração a dúvida que minha exposição anterior
suscitou quando, em várias oportunidades, falei-te dos Adães e Evas - começou a
misteriosa voz dos arquivos de IURANCHA -. Tua mente se vem perguntando por que,
ao referir-me aos que credes vossos primeiros pais, sempre o fiz no plural: "Adães e
Evas". E sentiste estranheza, também, ao escutar a palavra "enviados" e não "nascidos",
como é crença geral. . . Permiti que, antes de passar a contar a história de personagens tão
relevantes, ponha-vos a par dos antecedentes de alguma coisa que ignorais e que se acha
intimamente relacionada com o que foi o segundo privilégio concedido a IURANCHA.
"Em todos os mundos habitados e evolucionários dos universos, durante a etapa do
governo do respectivo príncipe planetário, os humanos mortais alcançam quase sempre o
aperfeiçoamento em seu desenvolvimento natural. Essa culminância biológica é o aviso
para que o Soberano do sistema envie a esse mundo dois membros de segunda ordem: os
chamados "ascensores biológicos". Trata-se de dois filhos materiais, denominados, em
Satânia, Adão e Eva. Estes foram os nomes dos primeiros Filhos Materiais do sistema a
que pertence IURANCHA. Desde então, todos os Filhos Materiais descendentes daquele
primeiro Adão e daquela primeira Eva conservam os nomes de seus "pais".
"Os Filhos Materiais são o dom do Filho Criador aos mundos habitados e em
evolução. Constituem sua prole. Nessa criação física não intervém o Espírito-Mãe do
Universo. Mas essa ordem material de filiação não é uniforme em todo o universo local.
O Filho Criador gera apenas um par desses seres em cada um desses universos locais. E a
natureza deles é adequada aos arquétipos de vida de cada sistema. É indispensável. De
outro modo, o potencial reprodutor dos Adães seria incompatível com o dos mortais
evolucionários. A IURANCHA chegou também um desses casais de "ascensores
biológicos", descendentes dos Filhos Materiais de Satânia.
"Em geral, cada Adão e Eva permanecem no planeta juntamente com o príncipe.
Não correm grandes riscos, a não ser que, como sucedeu em vosso mundo, sua chegada
coincida com uma "quarentena" e com ausência de príncipe planetário. Nesse caso
extremo, sua missão se vê cercada de perigos.
"Como no resto dos mundos, o Adão e a Eva que chegaram à Terra tinham, eles
também, uma missão básica: melhorar as raças autóctones do planeta.
"O talhe desses autênticos colossos oscila entre dois e meio e três metros. Seus
corpos têm, entre outras, uma propriedade muito especial: irradiam luz. Às vezes violeta,
às vezes azul. Quando rematerializados, à sua chegada ao planeta eleito, seus corpos são
inteiramente físicos e humanos, embora carregados de energia divina e saturados de luz
celeste. Esses Filhos Materiais (os Adães) e as Filhas Materiais (as Evas) são iguais em
todos os sentidos, com exceção de suas naturezas reprodutoras e de certos fatores
químicos. São, por conseguinte, fêmea e varão, mas concebidos para cumprir sua missão
de uma forma complementar. "Enquanto permanecem fiéis aos seus objetivos cósmicos,
os Filhos Materiais desfrutam de uma dupla via "alimentícia". De um lado, consomem
energia materializada, como os outros humanos mortais. Mas, além disso, a absorção
direta e automática de certas energias cósmicas lhes proporciona a imortalidade. Se
fracassam ou se rebelam, esta segunda via sustentadora se interrompe, e os Adães e Evas
se vêem submetidos à mesma morte natural da dos mortais desse mundo.
"Posso afirmar-vos que esses seres, únicos e maravilhosamente úteis, são o elo que
une os mundos físicos com o espiritual. Acham-se concentrados nas sedes dos sistemas e
ali vivem e se reproduzem como cidadãos materiais do reino, até serem enviados
(sempre aos pares) para os mundos evolucionários. Durante suas vidas nessas
capitais sistêmicas, os Filhos Materiais não têm harmonizador de pensamento. Recebemno
depois de trasladados a um planeta.
"Contrariamente aos outros filhos criados que servem nos mundos evolucionários
dos mortais, os Adães e Evas não são invisíveis para esses humanos. Podem misturar-se e,
até, procriar com eles.
"Todo Adão e Eva originais e diretamente criados são imortais por natureza, tal
como sucede com as restantes ordens dos universos locais. Essa imortalidade é
transmitida aos filhos, sempre e enquanto vivam em suas respectivas capitais sistêmicas.
Mas, quando os Filhos Materiais têm filhos depois de terem sido rematerializados em um
mundo, sua prole não nasce imunizada contra a morte. Nesse processo de corporalidade,
os "ascensores biológicos" experimentam uma mudança no mecanismo transmissor da
vida. É uma das normas impostas pelos Portadores de Vida, que não permitem aos Adães
e Evas que possam engendrar filhos que não morram.
"Quando o Soberano do sistema recebe a notícia de que um planeta concreto está
pronto, já, para receber os "ascensores biológicos", reúne o Corpo de Filhos Materiais na
capital sistêmica e revê as necessidades e características do mundo evolucionário em
questão. Em seguida, seleciona-se um casal do grupo de voluntários: um Adão e uma Eva
do contingente mais antigo...
- Eu me pergunto - interveio finalmente Sinuhe - como se realiza essa operação de
traslado e materialização?
- O casal selecionado é mergulhado em sono profundo, preparatório para o que se
denomina "enserafinamento". Os Adães e Evas são entes semimateriais e, por
conseguinte, não transportáveis por serafins. Hão de sofrer, necessariamente, prévia
desmaterialização na capital do sistema, antes de partir para o seu objetivo. Essa
preparação para o transporte requer uns três dias do tempo padrão e a colaboração de um
Portador de Vida para estabelecer e configurar a rematerialização posterior, no termo da
viagem.
"Essa técnica de desmaterialização não pode ser usada em sentido inverso: para
devolver a dupla à capital do sistema, a menos que esse mundo se ache vazio. Em tais
casos se monta uma estação de socorro, em que se utiliza a mesma técnica de
desmaterialização para toda a população recuperável...
- Um momento! - interrompeu o "iuranchiano" -. Isso quer dizer que as hierarquias
celestes podem, em caso de emergência, retirar os humanos de um planeta?
- Assim é. Se uma catástrofe física chegasse a arruinar a residência planetária de
uma humanidade em evolução, os Melchizedeks e os Portadores de Vida poderiam
utilizar a técnica de desmaterialização para evacuar os sobreviventes. . . Esses humanos
seriam então trasladados (por transporte seráfico) a um novo mundo, preparado já para a
continuação de sua existência. Uma vez inaugurada, a evolução de uma raça humana deve
prosseguir, independentemente da sobrevivência física do seu planeta.
- Nesse caso - tornou Sinuhe - se a Terra ou IURANCHA se visse envolvida em
uma terceira guerra mundial, os sobreviventes seriam conduzidos a outro mundo?
A voz, ignorando a pergunta, continuou nos seguintes termos:
- Em meus arquivos está registrada a História do teu mundo; não o futuro. . . Como
te informava, ao chegar a seu destino, Filho e Filha Materiais são rematerializados sob a
direção de um Portador de Vida. O processo necessita de dez a vinte e oito dias do tempo
de IURANCHA. Durante esse período o Adão e a Eva continuam mergulhados na
inconsciência de um sono profundo. Ao despertar, suas estruturas físicas acham-se
totalmente concluídas.
"Nos mundos habitados evolucionários, esses filhos materiais constroem seus lares
no que se denomina "Jardim do Éden". A localização é determinada previamente pelo
príncipe planetário, cujo Estado-Maior colabora estreitamente com os primeiros trabalhos,
e conta com a ajuda de numerosos humanos modificados.
"Como já sabes, o nome "Jardim do Éden" vem de Edência, a capital da
constelação de Norladiadek, à que pertence IURANCHA. São jardins planejados e
levantados de acordo com a grandeza botânica do mundo-capital dos Mui Altos Pais da
constelação. Quase sempre se determina sua localização em lugar isolado e próximo aos
trópicos desse planeta. São criações maravilhosas, destinadas a servir de segundo foco
cultural desse mundo.
"A primeira e principal missão desses Adães e Evas é sempre a de multiplicar-se,
dando origem à chamada raça azul ou violeta. No caso de IURANCHA e de outros
mundos evolucionários, a segunda raça azul. . .
A voz fez uma pausa propositada. Os corações de Nietihw e Sinuhe haviam sofrido
um sobressalto.
- A segunda raça azul! - exclamou o "iuranchiano" -. Então, você, Nietihw, é
descendente de Adão e Eva!. . .
- Não te assombres, Sinuhe - prosseguiu a "pluma" - vós, humanos, não conheceis
ainda o poder e a grandeza da Divindade. Como vos digo, o objetivo de todos esses casais
"importados" é formar e forjar uma nova espécie humana, mais forte e preparada para o
glorioso futuro que vos aguarda sempre. Mas, durante muitas gerações, Adão e Eva se
limitam a engendrar sua própria prole, sem cruzar-se com o resto das raças autóctones.
"Em um planeta "normal" - e a voz deu ênfase especial à palavra "normal" - os
planos para elevar o nível da espécie humana que habita esse mundo são sempre dispostos
pelo príncipe e, posteriormente, executados por Adão e Eva. Mas, como veremos a seguir,
em IURANCHA não foi assim.
"Cada par de Filhos Materiais chega sempre acompanhado por um séquito de anjos
de quinta ordem, agregados à "missão adâmica". O grupo inicial é geralmente de uns cem
mil. E uma vez terminada a residência (o Jardim do Éden) numerosos humanos nela se
instalam, servindo assim como colaboradores e enlaces com as outras tribos do planeta
em questão.
"Necessariamente, quando um Adão e uma Eva chegam a um planeta
evolucionário, já terão sido prévia e exaustivamente instruídos sobre as raças existentes
nesse mundo e sobre a fórmula idônea para melhorá-las. O plano não é obrigatoriamente
uniforme, permitindo aos Filhos Materiais completa liberdade de atuação, sempre de
acordo com as normas sagradas que regem os universos.
"O normal é que os homens "azuis" ou "violetas" (procriados por Adão e Eva) não
comecem a cruzar-se com os nativos do planeta até que o número deles - os "azuis" - não
tenha ultrapassado o milhão de indivíduos. Esse momento se reveste sempre de especial e
emocionante importância para os humanos mortais. É o príncipe planetário quem anuncia
e proclama "que os filhos de Deus desceram para fundir-se com as raças humanas". E os
mortais aguardam com impaciência o dia em que os exemplares mais destacados de todas
as tribos e raças superiores sejam chamados ao Jardim do Éden para unir-se aos filhos e
às filhas do Grande Par e iniciar, assim, uma nova ordem de criaturas humanas.
"A raça azul ou violeta (os "adamitas") é monogâmica. Cada humano que se une a
esses filhos de Adão e Eva se compromete a não ter outro cônjuge e a educar seus filhos
na monogamia. Esses novos seres evolucionários passam pelas Escolas do Príncipe, onde
são instruídos e formados. Em seguida se integram na estirpe de seus pais. Quando essa
linha dos Filhos Materiais se une às raças evolutivas de um mundo, esse planeta entra em
invejável era de progresso. Em geral, em cem mil anos se registra um avanço muito
superior ao do milhão de anos precedente.
- Como são esses Jardins do Éden?
- Em quase todos os mundos habitados constituem centros vitais de cultura,
funcionando eras inteiras como modelos sociais. Esses "jardins", sedes das raças
"adâmicas", são o segundo foco cultural de cada planeta. O primeiro, como vos citei, é a
cidade-modelo do príncipe. Mas ambos permanecem estreitamente unidos, regulando a
marcha da civilização. As escolas do príncipe planetário se dedicam especialmente ao
desenvolvimento da filosofia, da religião, da moral e dos trabalhos intelectuais e
artísticos. As do Jardim do Éden consagram-se às artes práticas, à educação intelectual de
base, à cultura social, ao desenvolvimento econômico, às relações comerciais, à aptidão
física e ao governo civil.
"Finalmente, os dois centros acabam por fundir-se. Isso, porém, não ocorre antes
da época do Filho Magistral.
"Os Filhos Materiais são, na realidade, o último elo (indispensável) que une Deus
ao humano, vencendo assim o abismo quase infinito que se interpõe entre o Criador
Eterno e as mais humildes das suas criaturas do tempo: vós. Por intermédio deles, os
mortais de qualquer mundo podem conhecer e perceber o invisível príncipe planetário e
ao seu Estado-Maior. Não olvideis que os Adães e Evas, embora fisicamente visíveis para
os humanos, podem ver todas as ordens de seres espirituais, normalmente invisíveis para
os autóctones.
"Com o passar dos séculos, esse Grande Par acaba por ser considerado como o
verdadeiro antepassado comum de toda a humanidade. É quando adquire verdadeiro
sentido essa frase bíblica que qualifica os vossos "Adão e Eva" como "primeiros pais do
homem".
"A intenção cósmica, através dos Filhos Materiais e do príncipe planetário, é a de
que os humanos evolucionários, ao abandonar sua existência terrena, tenham adquirido
experiência suficiente para saber reconhecer a sete "pais"...
- Sete? - exclamou perplexo o "iuranchiano".
- É isso. Em primeiro lugar, o pai biológico ou carnal. Depois, o pai do reino ou
Adão planetário. Em terceiro lugar, o chamado pai das esferas ou Soberano do sistema.
Quarto: o Mui Alto Pai da constelação. Em quinto lugar, o Pai do Universo ou Filho
Criador e Chefe Supremo do universo local...
- Micael ou Jesus de Nazaré! - interferiu Sinuhe.
- Perfeitamente. Em sexto lugar, aos "superpais" ou Anciãos dos Dias, que
governam o superuniverso. Por último, naturalmente, ao Pai Universal ou Pai de Havona.
Isto é, o Pai Universal (aquele que identificais com o Grande Deus), que mora no Paraíso
e que se derrama em cada uma das mais humildes criaturas que vivem no Universo dos
Universos.
"Prodigioso, simplesmente prodigioso" - monologou o membro da Loja - "se
realmente fosse verdade..."
De novo, como em ocasiões anteriores, sem saber por quê, as dúvidas tinham-lhe
escalado a mente. E se tudo aquilo não passasse de fruto de sua imaginação ou mais uma
armadilha das forças do Mal?
"A verdade é que tudo resulta tão lógico, original e belo" - replicou para si mesmo
- "que valia a pena que fosse realidade. .. No momento, só posso escutar e deixar que o
coração faça o resto..."
- ... Mas esse ambicioso plano dos Filhos Materiais - concluiu a voz - ver-se-ia
truncado em IURANCHA. Uma vez mais, o fracasso adejava sobre o teu mundo
atormentado.. .
- A chegada de Adão e Eva à Terra aconteceu faz agora uns 37 000 anos.
Sinuhe e a companheira compreenderam que a voz dos arquivos se dispunha a
relatar aquela outra versão da estadia em IURANCHA dos, talvez, mal chamados
"primeiros pais" da humanidade. Apoderou-se deles, então, uma grande excitação.
- Foi num meio-dia - continuou a "pluma de Thot" - e sem anúncio algum, que dois
comboios seráficos, acompanhados do pessoal de Jerusem encarregado do transporte dos
"ascensores biológicos", aterrissaram lentamente na superfície do vosso planetas, nas
proximidades do templo do Pai Universal.
"Todo o trabalho de rematerialização dos corpos de Adão e Eva foi realizado no
interior do mausoléu recentemente construído. Em dez dias estavam preparadas para
serem apresentados ao mundo como os novos chefes. Era o começo da nova concessão.
"Os filhos materiais destinados a IURANCHA, como vos disse, conheciam
perfeitamente a situação que atravessava o mundo evolucionário. Tinham permanecido
fiéis a Micael. A rebelião, entretanto, havia arrastado para as fileiras de Lúcifer 681 204
adães planetários.
"Sabiam das terríveis lutas que haviam assolado o planeta e que deveriam
submeter-se, também, à autoridade do Conselho de Melchizedeks que regia IURANCHA
desde que o príncipe Caligastia fora deposto do seu cargo. Van e Amadon, sabedores da
chegada iminente desses Filhos Materiais, tinham preparado, anos a fio, o lugar onde se
levantaria o Jardim do Éden.
"Um dos problemas que Van e seu associado enfrentaram foi justamente este: a
escolha da paragem do Éden. ..
- Qual foi o lugar?- perguntou impaciente Sinuhe.
-Depois de várias expedições, o ponto escolhido foi uma península mediterrânea,
que desfrutava de clima saudável e de temperatura regular.
O "iuranchiano" inquieto, insistiu:
- Uma península do Mediterrâneo? Qual?
- Tratava-se de uma península (quase uma ilha) que partia das costas do país que
conheceis como Líbano...
- Oh!... Sempre acreditei que o Paraíso se achasse na Mesopotâmia
- Chovia copiosamente - prosseguiu a voz - nas terras altas que rodeavam a parte
central dessa quase ilha e, durante a noite, uma névoa refrescava a vegetação do jardim.
As ourelas dessa península eram muito altas e o istmo que a unia ao continente mal
alcançava quarenta quilômetros em sua zona mais estreita. Um grande rio descia dos
cumes elevados, regando o jardim, e corria para o oriente, enveredando pelas terras baixas
da mesopotâmia até chegar ao mar. Esse rio era alimentado por quatro afluentes que
nasciam nas colinas costeiras da península edênica. Eram as quatro cabeças fluviais que
saíam do Éden, tal como registra vosso livro chamado Gênese. . .
Efetivamente, Sinuhe recordou-se de que em seu segundo capítulo, versículos 10 a
14, diz este texto bíblico:
"Plantou logo Yaveh Elohim um jardim no Éden, ao Oriente, e ali pôs o homem
que ele formara. Fez Yaveh Elohim brotar nele, da terra, toda espécie de árvores formosas
para a vista e saborosas para o paladar. e no meio do jardim a Árvore da Vida e a Árvore
da Ciência do Bem e do Mal. Do Éden saía um rio que regava o jardim e dali se repartia
em quatro braços. O primeiro se chamava Fison, e é ele que rodeia toda a terra de Evilat,
onde abunda o ouro, um ouro muito fino, e ainda bdélio e ágata; e o segundo se chama
Geon, e é o que rodeia toda a terra de Cush; o terceiro se chama Tigre, e corre ao oriente
da Assíria; o quarto rio é o Eufrates..."
- Incrível! - comentou Sinuhe.
- Um dos primeiros trabalhos foi a construção de uma muralha de tijolos, que
isolasse essa península, em sua parte mais estreita, do resto do continente. E o Jardim do
Éden, quase um jardim zoológico, foi construído a partir desse muro principal. Os grupos
humanos que prepararam o Éden não sabiam qual seria o prazo para a chegada dos Filhos
Materiais. Van, de certo modo, depois de muitos anos de trabalho, decepcionou-os ao
anunciar-lhes que seria necessário preparar as novas gerações para que prosseguissem na
edificação do jardim, na previsão de que a ansiada vinda de Adão e Eva pudesse atrasarse.
"Foi no centro dessa península que se levantou o templo ao Pai Universal. Em seu
interior, Van plantou a Árvore da Vida, tão ciosamente guardada pelo "Inquebrantável"
durante aqueles 150 000 anos ou mais que mediaram entre o começo da rebelião e o
surgimento de Adão e Eva. Esses Filhos Materiais precisavam do arbusto de Edência para
perpetuar sua imortalidade, uma vez rematerializados. Em Jerusem, como te informei, os
Adães e Evas não precisavam da ajuda da Árvore da Vida. . . Mas em IURANCHA, e em
outros mundos evolucionários, é fundamental para manter sua imortalidade. . .
- Um instante - terçou Sinuhe -. No Gênese se fala de duas árvores: a da Vida e a
da ciência do Bem e do Mal...
- Só houve uma árvore - esclareceu a "pluma" -. A segunda, como outras muitas
passagens bíblicas, é pura retórica. . . que encobre um sem-fim de experiências humanas
mal resolvidas. A da Vida, pelo contrário, não é um mito. É uma árvore (uma superplanta)
que armazena certas energias do espaço, que constitui antídoto contra os elementos e
fatores que provocam a senectude. Seus frutos atuam, em certa medida, como uma bateria
de acumuladores superquímicos, liberando a força prolongadora de vida no universo, Essa
forma de sustentação era absolutamente inassimilável pelos humanos evolucionários do
teu planeta. Só os cem membros corporais do Estado-Maior de Caligastia e seus cem
humanos associados e modificados, tal como já te foi explicado, podiam beneficiar-se das
propriedades de imortalidade da Árvore da Vida.
Nietihw e Sinuhe adivinharam, nesse momento, o porquê daquela tentação bíblica:
"... e se comêsseis desse fruto serieis como deuses."
- Depois da chegada de Adão e Eva a IURANCHA - retomou a voz - a notícia se
espalhou, e milhares de humanos se dirigiram para a península edênica, aceitando as
doutrinas de Van e Amadon. Quando despertaram, Adão e Eva receberam a
responsabilidade, por parte do decano dos Melchizedeks, pela vigilância e cuidado do
planeta. E ante ele prestaram juramento de fidelidade. A seguir foram proclamados
soberanos de IURANCHA por Van que, a partir desse momento, declinou da autoridade
nominal que ostentara durante mais de 150 000 anos, à espera da decisão final do
Conselho dos Melchizedeks.
"Em seus primeiros quatro dias, os Filhos Materiais tomaram conhecimento do
mundo. Inspecionaram o jardim. Contemplaram as vastas extensões daquelas terras.
Celebraram sua chegada com todos os habitantes do Éden e, pela primeira vez, fizeram
ver que as mulheres eram necessárias no controle do planeta. Em seu quinto dia
organizaram um governo provisório de administração, que devia funcionar até o momento
em que os Melchizedeks abandonassem IURANCHA.
"O sexto dia, destinaram-no a inspecionar todos os tipos de homens e seres vivos.
E o sétimo, em certa medida, consagraram-no ao descanso, depois de haver tomado
conhecimento da realidade do mundo que lhes fora encomendado. Foi no curso desse
sétimo dia que sobreveio a primeira comoção que os pôs em estado de alerta. A
luminosidade azul-violeta que irradiavam e a majestade dos corpos e as suas maneiras
provocaram nos humanos que habitavam o jardim certo sentimento de adoração. O casal
se dirigiu então às multidões reunidas. E, mostrando-lhes o templo de pedra do Pai
Universal, disseram-lhes: "Dirigi-vos ao símbolo material da presença invisível do Pai e
inclinai-vos, adorando Aquele que nos criou. Que esse ato seja a promessa sincera de que
não caireis na tentação de cultuar a outro que não seja Deus."
- Quinto, sexto e sétimo dias - meditou Sinuhe, sem poder afastar da mente uma
idéia inquietante -. Isso tem algo que ver com a famosa criação bíblica dos seis dias?
- O relato da Criação, no por vós chamado Antigo Testamento, data de muito
tempo depois da época de Moisés, o chefe judeu, que jamais ensinou ao seu povo uma
história tão deformada como a que lhes chegou. Na verdade, ele apresentara aos israelitas
um relatório simples e condensado da Criação, com o propósito de aumentar a reverência
devida ao Pai Universal: o Senhor Deus de Israel, tal como Moisés o chamou. Em suas
primeiras ensinanças, Moisés evitou, sabiamente, remontar-se à época de Adão e Eva.
Como instrutor dos hebreus, aquelas histórias dos Filhos Materiais foram intimamente
associadas às da Criação. Hoje, em IURANCHA, a ciência reconhece a existência de uma
civilização pré-adâmica que não se encaixa, evidentemente, com o exposto no Gênese, e
em que (a causa dessas múltiplas distorções da realidade) Adão e Eva aparecem como os
"primeiros humanos da Terra". Os editores posteriores do Gênese, no seu afã de eliminar
dos textos bíblicos qualquer alusão aos assuntos humanos anteriores a Adão, cometeram,
todavia, um erro que confirma a existência de tal manipulação...
- Um erro? A Bíblia (dizem) é um livro inspirado por Deus.. .
- A vontade dos humanos - replicou a voz - não tem por quê coincidir sempre com
a vontade divina... E uma prova de que nem toda a Escritura Sagrada é obra de inspiração
divina, está justamente no que vou recordar-te. No capítulo quarto do Gênese, quando,
segundo esse texto, Caim mata seu irmão Abel, dizem: "... e Caim, afastando-se da
presença de Deus, habitou a terra de Nod, ao oriente do Éden".
- Nod! Um dos rebeldes do primitivo Estado-Maior do príncipe Caligastia!
- Com efeito, Sinuhe - prosseguiu a "pluma de Thot" -. Essa referência demonstra
que os editores dos Antigos Livros Sagrados conheciam muito mais coisas do que
inscreveram na Bíblia.
"Quando os sacerdotes judeus regressaram a Jerusalém, acabavam de escrever seu
relatório particular do começo do mundo e fizeram crer ao povo hebreu que aquela
narração procedia diretamente de Moisés. Mas, segundo consta destes arquivos de
IURANCHA, esses documentos, em sua maioria, têm apenas um valor apócrifo. Com o
tempo, esses relatos sobre a Criação passaram ao Baixo Egito, onde um rei grego,
conhecido na História recente de IURANCHA com Ptolomeu, fê-los traduzir em sua
língua natal, o grego, por uma comissão de setenta eruditos. Esses documentos judeus
passariam assim a engrossar a biblioteca real, em Alexandria.
"Não vos deveis esquecer que todos os comentários posteriores sobre essa parte da
Bíblia fundamentam-se na citada tradução dos Setenta, ou dela se originam. Aí começou
novo calvário. O próprio Agostinho (a quem a Igreja chamada Católica considera santo)
teve enormes dificuldades ao verificar que, sob muitos aspectos, a tradução dirigida por
Ptolomeu não coincidia com as versões judias. Depois, com o passar dos tempos, os
instrutores cristãos perpetuaram a crença de que a raça humana fora criada num ato
soberano. Tudo isso conduziu os humanos à hipótese de que existiu uma Idade de Ouro,
uma felicidade utópica, nascida e cultivada no Jardim do Éden. Da mesma maneira, esses
instrutores de IURANCHA fizeram crer às pessoas simples que a culpa de Adão e Eva
teria sido a causa da queda moral da humanidade...
- De certo modo - opinou Sinuhe - assim foi...
- Não - retrucou vivamente a voz -. Nos arquivos de IURANCHA se recolhe uma
crença generalizada entre os humanos, nascida exatamente dessa errônea narração bíblica:
ao interpretar a queda dos Filhos Materiais como uma regressão ou retrocesso, a imagem
da Divindade ficou para os mortais associada à vingança. A partir de então, Deus aparece
como um ser colérico, que se enfurece com a raça humana como castigo pelos erros de
determinados administradores do planeta.
"Uma vez mais, os humanos evolucionários do teu mundo confundiram os termos,
os fatos e, até, muitos dos que protagonizaram aquelas etapas.
- Dizes que Deus não é um ser colérico - manifestou Sinuhe -. Sem dúvida estás
certo. Mas como interpretar essas injustificáveis matanças que encobriu, dirigiu e
protagonizou o próprio Yaveh?
- Os humanos evolucionários, ao longo de toda a sua História, têm identificado
muitas das criaturas celestes a serviço da Divindade ou de Lúcifer com o próprio Pai
Universal...
A resposta não deixou o "soror" muito satisfeito.
- ... A Idade de Ouro a que aludem os instrutores humanos é um mito - continuou a
"pluma de Thot" ->, O Éden, não obstante, foi uma realidade física. E o foi também a
civilização que o ocupou durante 117 anos. Sua ruína deveu-se, como compreenderás em
seguida, não à cólera ou à vingança da Divindade, mas ao equívoco de Adão e Eva.
Recorda que uma das normas cósmicas, que devia ser respeitada acima de tudo,
estabelecia e estabelece que os Filhos Materiais não se podem cruzar diretamente com as
raças autóctones dos mundos em evolução. O Grande Par devia procriar filhos próprios,
com a finalidade de que, lentamente, essa segunda geração se fosse misturando com os
humanos, elevando assim o nível biológico da humanidade.
Adivinhando que a voz se preparava para relatar-lhes a verdade sobre a enigmática
culpa de Adão e Eva, Sinuhe - atento e sempre obcecado pelos pequenos detalhes - rogoulhe
que, antes de prosseguir com a história, lhe proporcionasse novos dados sobre um fato
que o havia fascinado: aquela luminosidade azul-violácea que irradiavam os corpos dos
gigantescos "ascensores biológicos".
- Foi um dos contratempos que tiveram de superar imediatamente, para anular ou
reduzir a natural tendência dos humanos a considerá-los como deuses. As roupagens
ajudaram a resolver o problema. Durante a noite, principalmente, a luz se destacava
demais, è as vestimentas ajudavam a dissimular a radiação. À volta de suas cabeças,
porém, continuavam vividos os halos magníficos. A partir de então, propagou-se pelo
mundo a crença de que as pessoas santas dispõem ou desfrutam dessa mesma auréola
luminosa em torno de suas cabeças. Em muitas das pinturas da antigüidade próxima de
IURANCHA é possível descobrir imagens de seres que trazem halos semelhantes e que
não são outra coisa que representações "adâmicas".
"Aqueles Filhos Materiais, chegados ao teu planeta, gozavam igualmente de outra
particularidade quase inexistente em IURANCHA: a capacidade de transmissão mental de
imagens.. .
- A telepatia?
- Assim é definida hoje pelos "iuranchianos". Adão e Eva podiam comunicar-se
entre si e inclusive com sua prole, a distâncias de oitenta quilômetros. Esse intercâmbio
de idéias se produzia graças à vibração de delicados alvéolos de gás, alojados em suas
estruturas cervicais. Esse poder lhes foi retirado quando se afastaram do plano cósmico
previsto para IURANCHA.
- Por que o fizeram? - adiantou-se Sinuhe. - Que terá ocorrido, realmente? É
correta a versão bíblica da serpente?...
- A verdade - voltou a voz do arquivo - é mais dramática. .. e bela, ao mesmo
tempo, que a que vos foi transmitida.
Nietihw e Sinuhe ficaram surpresos. Mais "dramática e ao mesmo tempo bela"?
Como era possível?
- Vossos próprios teólogos e exegetas - prosseguiu a "plu-ma" - reconheceram
finalmente que a história do engano de Eva por uma serpente é apenas um símbolo. E aí
têm razão.
"Adão e Eva ensinaram aos humanos tudo aquilo que eles poderiam assimilar e
que, comparativamente não foi muito. Entretanto, os mortais das raças mais nobres
esperavam ansiosos o momento, já anunciado, em que se lhes permitiria unir-se aos filhos
do Grande Pai.
Como vos foi dito, os Filhos Materiais enviados a IURANCHA mantiveram-se no
Jardim do Éden durante 117 anos. Mas, bruscamente, em conseqüência da impaciência de
Eva e dos erros de julgamento do companheiro, afastaram-se do caminho traçado. Isso
representou uma catástrofe para si mesmos, atrasando de forma desastrosa o
desenvolvimento progressivo do vosso planeta. "O erro de Adão e Eva obedeceu
realmente a hábil e paciente complô tramado por Caligastia, que fez cair (de boa fé) Eva.
Eis como se passaram os fatos:
"O plano de evolução biológica, da forma como estava planejado, era lento.
Caligastia sugeriu a um grande chefe de uma tribo "nodita" a idéia de que, visto tratar-se
de um dos povos mais inteligentes de IURANCHA, se se lograsse a união sexual direta de
qualquer dos indivíduos "noditas" com Adão ou com Eva, o processo de desenvolvimento
biológico da humanidade se aceleraria.
"Esses planos foram expostos a Eva secretamente. Adão ficou alheio ao complô.
Pelo espaço de cinco anos a Filha Material discutiu, considerou e refletiu sobre a
possibilidade de cruzamento com um dos mais destacados exemplares humanos
descendentes de Nod. Finalmente, Eva, convencida da vantagem do plano, consentiu
encontrar-se em segredo com Cano, um chefe e brilhante pensador da vizinha colônia de
"nodistas" simpatizantes. A reunião se deu ao entardecer de certo dia de outono, não
muito longe da mansão do Grande Par.
"Eva jamais tinha visto o formoso e arrebatado Cano, magnífico espécime da
estrutura física superior, dotado de aguda inteligência.
"Cano, assim como Eva, cria também na retidão do projeto. De fato, fora do
jardim, a poligamia se praticava normalmente. E, influenciada pela personalidade forte do
"nodita", a Filha Material consentiu finalmente no ato sexual.
"Dera-se o passo fatal.
"Adão, por sua vez, não tardaria em descobrir que algo ia mal. Foi sua parceira
quem o pôs logo a par dos antecedentes do plano tão longamente amadurecido.
Anteriormente, cada vez que se acercavam da Árvore da Vida, o arcanjo guardião os
advertia da necessidade imperiosa de resistirem às sugestivas provocações do príncipe
planetário, ainda presente em IURANCHA, que os aconselhava a conciliar os conceitos
do Bem e do Mal. Aquele serafim, chefe dos ajudantes planetários (chamado Solônia),
lhes havia anunciado: "No dia em que mescleis o Bem com o Mal parecer-vos-eis aos
mortais do reino. E certamente morrereis."
- Solônia! - murmurou Sinuhe, recordando seu encontro com o estranho ente do sol
"negro". Certamente, examinando esses fatos, as passagens bíblicas do Gênese relativas à
tentação de Eva só podiam ser consideradas como uma parábola... bem infeliz, por sinal.
- Foi Solônia quem se dirigiu a Adão e Eva quando ambos parlamentavam no
jardim sobre o passo irreparável dado pela supermulher. Eva pusera Cano a par de todas
aquelas advertências do anjo guardião da Árvore da Vida. Mas o "nodita", de boa fé,
fizera por persuadir a Filha Material de que nenhum homem ou mulher que atuasse com
lisura podia sofrer dano algum e, muito menos, morrer por isso. É preciso levar em conta
que o chefe "nodita" não conhecia o sentido das palavras de Solônia.
"Quando Eva se convenceu de que falhara, seu naufrágio moral foi patético. ..
Sinuhe, intérprete dos sentimentos de Nietihw, perguntou:
- E qual a atitude de Adão?
- O Filho Material soube medir, desde o primeiro instante, a dimensão da tragédia
pessoal da companheira. E, apesar do seu abatimento e do coração machucado, só
manifestou piedade e simpatia pela amiga enganada. Não deveis olvidar que Adão e Eva
se amavam intensa e profundamente...
"Solônia, como eu vos dizia, anunciou-lhes o erro e a quebra do juramento
prestado ao Conselho dos Melchizedeks. A partir dessa solene declaração do anjo
guardião, o Grande Par teve total e definitiva consciência de que tinha fracassado.
- Solônia... - murmurou Sinuhe -. Uma vez mais, pelo que vejo, a Bíblia confunde
a voz de um ser celeste com a de Yaveh...
- Assim é. O relato bíblico desse sucesso identifica, como em tantas outras vezes,
os associados e subordinados do Pai Universal com Ele próprio. Seria o mesmo Solônia
quem proclamaria o fracasso do plano cósmico para IURANCHA, pedindo o regresso dos
síndicos Melchizedeks.
- Há alguma coisa que não consigo compreender - acresceu o "iuranchiano" -. Por
que Caligastia desejou a interrupção ou o fracasso da evolução de uma humanidade que,
em certo sentido, havia-se posto ao seu lado, por ocasião da insurreição de Lúcifer?
- Só lendo no coração do príncipe se poderia adivinhar a verdade. Adão e Eva
tinham repudiado o Manifesto da Liberdade. Dessa forma, arruinando-lhes a missão, a
vingança de Caligastia se viu consumada e satisfeita. Tal como podeis supor, nesse caso,
como em outras oportunidades, a humanidade desempenhou unicamente o papel de
simples e inconsciente "veículo" ou "meio" para satisfazer os propósitos das forças do
Mal. Eis porque não é possível culpar os humanos pelo que foi um erro pessoal de Adão e
Eva.
- Então o chamado "pecado original"... - disse Sinuhe.
- Antes de passar a expor tudo quanto foi registrado nos arquivos de IURANCHA
sobre tal assunto, permite que eu pondere sobre os sucessos que se seguiram à queda do
Grande Par. Só assim estareis em condições de avaliar essa parte da Verdade na medida
justa.
"Na manhã seguinte ao grave erro de Eva, Adão, desesperado pelo fracasso da
missão, saiu à busca de Laota, uma brilhante mulher "nodita" que dirigia as escolas
ocidentais do jardim. E, premeditadamente, cometeu com ela a mesma loucura que a da
companheira: uma procriação direta.
"Deveis considerar que, ao contrário de Eva, Adão não foi seduzido. Sabia
exatamente o que fazia, e escolheu, deliberada-mente, compartilhar o destino da amada. A
idéia da solidão em IURANCHA sem Eva era superior às suas forças.
"Sessenta dias depois do erro da Filha Material, o par teve a confirmação do seu
fracasso: os Melchizedeks regressaram ao planeta, assumindo o governo dos assuntos do
mundo.
"Adão pediu conselho aos Melchizedeks. Mas eles recusaram-se a dar-lhe qualquer
explicação ou conselho. A partir desse momento, os Filhos Materiais tomaram a decisão
de abandonar o Éden, com todos os seus filhos e partidários, em busca de novo lar.
"E 117 anos depois de sua chegada a IURANCHA, longa caravana edênica partiu
então da península. Ao terceiro dia de marcha, foi detida pelos transportes seráficos que
chegavam procedentes de Jerusem. Pela primeira vez, Adão e Eva foram informados
sobre o destino reservado a seus filhos primários.
"Enquanto os transportadores se preparavam, os filhos diretos que já tinham
atingido a idade de escolha e de critério pessoal (vinte anos) receberam a opção de
permanecer junto aos pais ou de ser trasladados, como alunos dos Mui Altos da
Constelação, para a sua capital: Edência.
"Dois terços preferiram o regresso à sede de Norladiadek. O resto ficou com Adão
e Eva. Quanto aos menores de vinte anos, foram levados para Edência.
"Os Filhos Materiais foram informados, igualmente, de que tinham sido rebaixados
(por si mesmos) ao estatuto de simples mortais. A partir daí, portanto, só poderiam
conduzir-se como um homem e uma mulher a mais de IURANCHA.
Não obstante, apesar desse fracasso, a posterior contribuição dos homens e
mulheres da raça "azul-violácea" às raças autóctones da Terra foi assaz considerável,
porque melhorou sensivelmente o nível biológico da humanidade. Não houve, por
conseguinte (e respondo assim à tua pergunta sobre o chamado "pecado original") uma
queda dos humanos evolucionários do planeta. Repito: não houve tal falta por parte dos
mortais. A História de IURANCHA e de suas raças é uma evolução progressiva e a
efusão "adâmica" deixou muito melhorados os povos do mundo em relação ao seu
anterior nível biológico.
"As linhagens superiores do teu mundo têm, agora, os fatores hereditários
derivados de quatro origens diferenciadas: "andonitas", "Sangiks", "noditas" e
"adâmicas".
"Adão não pode ser considerado como uma fonte de maldições para a raça
humana. É verdade que transgrediu seu pacto com a Divindade, mas, apesar disso, sua
contribuição ao desenvolvimento de IURANCHA foi destacada. Todos os seres fazem
parte de um universo gigantesco; não pode parecer estranho que, às vezes, os passos para
a Perfeição resultem imperfeitos.
"Os universos não foram criados perfeitos. A Perfeição é o fim e não a origem. Se
o Universo fosse mecânico, se a Grande Causa Centro Primeira ou Grande Deus, como
vós costumais chamá-la, não fosse mais que uma força carente de Personalidade, se toda a
Criação fosse um mero agregado de matéria física, dominado por leis precisas e
caracterizadas por ações energéticas e variáveis, então, a Perfeição poderia prevalecer.
Até sem que o estatuto do Universo estivesse consumado. Mas nós vivemos em um
Universo de Perfeição e de Imperfeição relativas. E nos alegramos com desacordos e malentendidos
existentes, pois isso, justamente, é a prova da existência da Personalidade. Se
nossos universos constituem uma existência dominada pela Personalidade, então podemos
estar seguros de que a sobrevivência, o progresso e a realização da Personalidade são
possíveis.
"É esse Universo pessoal e progressivo o verdadeiramente glorioso. Não o
mecânico...
- Que foi feito de Adão e Eva?
- Houve um segundo Jardim do Éden fundado pelos Filhos Materiais, depois de
sua peregrinação para a Mesopotâmia. Entretanto nasceu Caim, o filho de Eva com Cano.
E também foi dado à luz Abel, o filho autóctone do casal. A partir daí, surgiria uma série
de confrontos entre duas atitudes encabeçadas e representadas pelos dois míticos filhos de
Adão e Eva: Caim, o bastardo, e Abel, primeiro filho propriamente "humano".
- É verdade a maldição divina sobre o parto com dor? - perguntou Sinuhe ao
escutar as alusões aos novos nascimentos.
- Não. Aquela nova raça (a azul-violácea ou "adâmica") tinha os olhos claros e a
pele era mais para o branco. Os cabelos eram louros, ruivos ou castanhos. Eva continuou
dando à luz numerosos filhos. Sempre sem dor. Só as mulheres das raças mistas,
nascidas da união de povos evolucionários com os "noditas" e, posteriormente,
com os "adâmicos" começaram a experimentar violentas dores ao nascimento de seus
filhos. Apesar da falta e de não mais comer do fruto da Árvore da Vida, Adão e Eva
possuíam características fisiológicas diferentes das dos seus descendentes. Ao mesmo
tempo em que tomavam os alimentos normais, obtinham da luz e de outras formas de
energias hiperfísicas forças desconhecidas aos mortais de IURANCHA. Mas seus
descendentes não herdaram o dom.
"Embora tivesse perdido a imortalidade, o casal, graças a essa especialíssima
constituição física, pôde desfrutar de uma vida bem longa, muito superior à do resto dos
humanos. Seus filhos, em primeiro grau, também se sobressaíram pela considerável
longevidade. Porém, pouco a pouco, mercê do cruzamento com outros povos
evolucionários, esse potencial se foi também minando, até desaparecer.
"Já estabelecido no segundo jardim, junto às águas do Eufrates, Adão fez planos
para deixar depois de si o máximo possível de seu plasma vital e melhorar, assim, o nível
biológico das raças existentes então.
"Eva se pôs à cabeça de uma comissão de doze pessoas para o melhoramento da
raça. Antes da morte de Adão, essa comissão havia escolhido 1 600 mulheres do tipo mais
evoluído de IURANCHA, que foram fecundadas com o plasma vital adâmico. Quase
todos os filhos resultantes dessas procriações alcançaram a idade adulta e o mundo se
beneficiou, com isso, de uma contribuição suplementar que veio melhorar a estirpe
humana. Essas candidatas à maternidade foram previamente selecionadas entre as tribos
vizinhas do segundo jardim e que representavam a quase totalidade das raças do planeta.
A maior parte dessas mulheres superiores era de origem "nodita".
- Quando morreu o Grande Par?
- Adão, à idade de 530 anos terrestres. Eva, aos 511. Ambos faleceram do que hoje
se denomina velhice. Foram enterrados no centro do templo do serviço divino, construído
por eles mesmos. Daí vem o costume, em IURANCHA, de sepultar os humanos notáveis
nas cercanias dos lugares de culto. Esse foi o fim da história dos Filhos Materiais (Adão e
Eva) chegados certo dia, faz agora 37 000 anos, ao teu mundo.
- Uma história - sentenciou Sinuhe - repleta de fracassos, de êxitos... e de amor.
Uma história, a meu ver, mais lógica e formosa que a que nos fizeram conhecer.
Na mente do "iuranchiano" ficava um sem-fim de interrogações.
Se Adão e Eva, apesar do fracasso pessoal, conseguiram impulsionar o nível
biológico da Humanidade e sua cultura, por que não teria IURANCHA respondido a esse
impulso?
- Dizes bem - reatou a voz -. Aqueles Filhos Materiais deixaram um verdadeiro
legado. Mas, ao desaparecerem eles, os humanos evolucionários não souberam conservar
aquilo que, sem dúvida, era uma civilização excessiva para um mundo órfão e desprovido
dos governantes planetários necessários. Teria sido tudo diferente se Adão e Eva não
tivessem falhado. . .
"Não olvideis que são os povos que criam uma civilização e não esta que cria os
povos.
- Há algo mais que desejo perguntar - virou Sinuhe - em relação a Adão e Eva: que
aconteceu com a Árvore da Vida e com o primeiro Jardim do Éden?
- O erro de Eva e do companheiro trouxe consigo outra cadeia de desastres.
Quando os humanos que habitavam o jardim receberam a notícia da transgressão dos
planos cósmicos, entraram numa fase de fúria incontrolável. Responsabilizaram os
"noditas" instalados para além das muralhas da península edênica do que, para eles,
constituía uma grande desgraça. Arrasaram a colônia. Nem um só dos seus habitantes foi
perdoado. Homens, mulheres e crianças foram executados. Até mesmo Cano, o que seria
pai de Caim, foi igualmente sacrificado.
"Os desastres não se acabaram com a matança. A notícia do massacre dos
"noditas" chegou finalmente a outras tribos que se assentavam mais ao norte. E um
grande exército "nodita" se pôs em marcha em direção à península, iniciando-se assim
uma longa história de guerras, morte e desolação entre "adâmicos" e "noditas".
"E houve, como diz vosso Gênese, "inimizade intensa entre o homem e a mulher".
Entre a semente de um e a de outra.
"Quando Adão soube que aquele poderoso exército de "noditas" se dirigia para o
Jardim do Éden, teve de tomar, solitário, sua decisão. Não recebeu conselho algum.
Depois da partida do casal, rumo à Mesopotâmia, a península foi finalmente conquistada
pelos "noditas".
"Esse povo conhecia e ouvira falar da Árvore da Vida e cria que seus frutos
poderiam torná-los imortais. Ao penetrar no jardim, encontraram a árvore que, para
grande surpresa deles, não era vigiada. Durante anos, comeram abundantemente dos seus
frutos. Mas bem depressa compreenderam que não faziam efeito algum em seus corpos.
Os "noditas" eram e continuaram sendo mortais. Enfurecidos, por ocasião de uma de suas
lutas intestinas, queimaram templo e. Árvore.
"Cerca de 4 000 anos depois desses acontecimentos, o fundo oriental do mar
Mediterrâneo submergiu, arrastando sob suas águas a totalidade da península edênica.
Intensa atividade vulcânica cortou simultaneamente o istmo que unia então a Sicília com
o continente africano. E a costa oriental do Mediterrâneo acabou por elevar-se.
"Esse foi o fim da mais bela criação natural do teu mundo..
Embora ignorasse se Belzebu chegaria a cumprir sua promessa de deixá-los ir-se
da Torre de Amon, Sinuhe, ao ouvir aquela? últimas revelações, forjou em seu
pensamento um firme propósito. .. para o caso de poder voltar ao "seu" mundo: procurar
nas costas do Líbano pelos restos da península submersa, onde esteve o Jardim do
Éden. . .
- Vós, agora - lembrou a voz aos "iuranchianos" - vos encontrais ante outra dessas
belas criações surgidas em tempos adâmicos.
- Nós? - exclamou Sinuhe, sem compreender.
- Embora tenham optado pelo Manifesto da Liberdade - explicou a "pluma" -, as
criaturas que vos cercam procedem justamente de um dos filhos de Adão e de Eva e
foram chamados "medianos secundários".
Nietihw, perplexa, passou o olhar por Belzebu e seus três "irmãos". Mas nem um
deles pronunciou palavra.
- Os "medianos"! - balbuciou Sinuhe. - Como aconteceu?
- A maioria dos mundos habitados de Nebadon alberga um ou vários grupos de
seres excepcionais, cujo nível de funcionamento encontra-se a meio caminho entre as
naturezas espirituais e as físicas ou mortais. Daí sua denominação de "medianos" ou
"medianes". São, na realidade, o que poderíamos qualificar como um "acidente do
tempo". Não obstante, geralmente seus serviços foram e são de inestimável valor. Em teu
mundo, Sinuhe, em IURANCHA, operam hoje dois tipos de "medianos": os primários,
procedentes, como sabes, do Estado-Maior corporal do príncipe Caligastia, e os
secundários, nascidos (se é que se me permite a expressão) da descendência de Adão e
Eva.
"Em IURANCHA, depois da aparição dos primeiros cinqüenta "medianos"
primários, Caligastia ordenou que eles fossem observados pelo espaço de um ano.
Terminado o prazo, depois de comprovar que poderiam prestar insuperáveis serviços
como "enlaces" entre o Estado-Maior e os humanos evolucionários, decretou-se uma
reprodução em massa dessas criaturas, até alcançar a já conhecida cifra de 50 000.
"Depois da procriação psíquica de cada contingente de "medianos" primários,
registrava-se um período estéril de seis meses. Quando os cinqüenta pares do EstadoMaior
tinham logrado criar um total de mil "medianos", as experiências cessaram. E não
foi possível a procriação de novas criaturas intermediárias. Nos arquivos de IURANCHA
jamais foi registrada a causa da repentina interrupção. Apesar dos esforços dos "cem de
Caligastia", todos os experimentos levados a efeito para recomeçar a procriação de
"medianos" foram infrutíferos.
"Esses seres, além de servirem de elo, foram enviados pelo príncipe a todo o
planeta, e efetuaram valioso estudo das raças humanas. Com o advento da rebelião, 40
119 dos 50 000 que formavam o Corpo dos Medianos elegeram o Manifesto da
Liberdade.
"Quanto aos qualificados como "secundários", antes de falar sobre eles, é
imprescindível que nos refiramos a Adamson, o primeiro filho de Adão e Eva, nascido no
Jardim do Éden. Esse filho primogênito foi um dos que decidiu permanecer junto aos pais
quando a caravana edênica foi detida pelos transportes seráficos. Adamson recebeu um
duro golpe quando foi abandonado pela companheira e os filhos, que preferiram partir
para Edência.
"Desde pequenino esse primeiro representante da raça "azul-violácea" em
IURANCHA tinha ouvido, com muito interesse, as histórias de Van e Amadon a respeito
de seus antigos lares, nas terras altas do Norte. Depois da criação do segundo jardim,
decidiu viajar para aquelas latitudes. Adamson tinha então 120 anos e já, durante sua
estadia na península edênica, fora pai de 32 filhos de puro sangue azul-violeta.
"Para o primogênito, embora amasse seus pais, o ambiente do segundo jardim não
resultava satisfatório. Finalmente, em companhia de outros 27 parentes e amigos, partiu
para o país dos seus sonhos infantis. Ao cabo de três anos o grupo achou sua meta. E
Adamson descobriu, então, uma formosa jovem de 20 anos, uma das últimas
descendentes do Estado-Maior de Caligastia. Ela se chamava Ratta. Ao conhecer
Adamson e sua origem, aceitou casar-se com ele.
"Ratta e Adamson tiveram 77 filhos. Entre sua prole, tal como sucedera com a
família Sangik, algo surpreendente aconteceu: o filho número quatro era invisível. E o
mesmo sucedeu com o oitavo e com o número doze e com o dezesseis.. . E assim,
sucessivamente, a cada quatro.
"Ratta não chegou a compreendê-lo. Mas Adamson, que conhecia a existência dos
"medianos" primários dos "cem de Caligastia" e que estava consciente das estruturas
fisiológicas sobre-humanas de ambos, considerou que se achavam diante de um fenômeno
similar.
"Quando veio ao mundo a segunda dessas crianças (uma menina e capaz, como o
irmão número quatro, de fazer-se invisível à vontade), Adamson resolveu casá-los. Foi a
origem da chamada Ordem Secundária dos "medianos" de IURANCHA. Em um século se
reproduziram até atingir a cifra de 1 984.
"Em vida de Adamson esses "medianos" secundários prestaram igualmente
inestimáveis serviços. O primogênito de Adão e Eva morreu aos 396 anos de idade,
deixando à sua morte um valioso Corpo de seres que se esforçaram por propagar a
Verdade.
"Os descendentes de Adamson e Ratta mantiveram uma alta cultura pelo espaço de
mais de 7 000 anos, até serem absorvidos pelos sucessivos acasalamentos com as tribos
"noditas" e "andonitas". Seu principal centro localizou-se na região leste do extremo sul
do mar Cáspio, perto de Kopet Dagh. A pouca altura, nos contrafortes do atual
Turquestão, encontram-se vestígios do que antanho foi o quartel-general de Adamson.
Nessas terras altas, ao pé da cadeia montanhosa do Kopet, quatro ramos descendentes do
primogênito de Adão mantiveram por muito tempo outras tantas e florescentes
civilizações. O segundo desses grupos emigrou para o Oeste, estendendo-se pela Grécia e
ilhas do Mediterrâneo. O resto se encaminhou para o Norte e Oeste, penetrando na
Europa atual com as raças mistas da última vaga de "andonitas", e participaram
igualmente da invasão de parte da Índia com os "andonitas-árianos".
- Que aconteceu com aqueles estranhos "filhos" de Adamson e Ratta?
- Os dezesseis "medianos" secundários procriados pelo primogênito de Adão e Eva
(oito mulheres e oito homens) eram capazes de gerar, fosse pela técnica sexual normal,
fosse pela união psíquica do casal, outro "mediano" secundário a cada setenta dias. Cada
um desses casais deu à luz um total de 248 novos "medianos". Existem oito subgrupos de
criaturas "medianes" secundárias, que são designadas por letras. No caso do primeiro
grupo recebem os seguintes nomes: "A-B-G-, o primeiro", "A-B-C-, o segundo", "A-B-O,
o terceiro" e assim sucessivamente. Os do segundo grupo se denominam com as seguintes
letras: "D-E-F, o primeiro", etc. . .
Sinuhe lembrou-se então da apresentação de Belzebu: "Sou "A-B-C, o
primeiro". . ." Isso significava que o chefe dos "medianos" rebeldes da Torre de Amon era
um dos filhos excepcionais do primogênito de Adão e Eva.
- Após o fracasso do plano dos Filhos Materiais - continuou a voz -, os "medianos"
primários leais a Micael voltaram ao serviço da comissão de Melchizedeks. Os
secundários, depois da morte de Adamson, elegeram o Manifesto da Liberdade. Só 33
"medianos" secundários permaneceram fiéis às idéias de Adamson e Ratta. E passaram a
depender dos novos síndicos planetários.
"Os "medianos" secundários que passaram a engrossar as fileiras da rebelião em
IURANCHA foram contínua fonte de desordens, chegando a influenciar, por vezes, as
mentes e vontades dos humanos evolucionários inferiores. Mas esses poderes esporádicos
(que qualificastes de "diabólicos") acabaram-se com a chegada, a IURANCHA, do
Soberano do Universo de Nebadon, Micael, e do Espírito de Verdade...
Sinuhe se recordava das palavras de Belzebu a esse respeito. E, tentando
confirmar-lhes a veracidade, insistiu.
- É verdade que, desde Pentecostes, as forças do Mal ficaram incapacitadas para
penetrar ou dominar as inteligências humanas?
- É isso mesmo - sublinhou a voz do arquivo -. E mais: os 40 119 "medianos"
primários e os 873 secundários que auxiliaram a rebelião foram, a partir do triunfo do
Cristo Micael, devidamente encarcerados.
- Então - exclamou Sinuhe - a Torre de Amon.. .
- Uma das prisões estabelecida por ordem dos Mui Altos de Edência, sede da
constelação.
- Onde se encontra essa prisão? - insistiu, inquieto, Sinuhe. Mas a voz não
respondeu.
- Agora compreendo - declarou Nietihw - por que se disse que Micael, nosso Jesus
de Nazaré, livrou definitivamente o homem do risco de ser possuído pelo Diabo.. .
E, no mais profundo de sua alma, a filha da raça azul deu graças a Jesus Cristo. É
que começava a intuir a maravilha e a generosidade de sua passagem por IURANCHA.
Pela primeira vez, desde que se iniciara aquele incrível e fascinante diálogo na
"câmara couraçada" da fortaleza, a voz dos arquivos de IURANCHA dirigiu-se a
Nietihw. Em tom solene anunciou-lhe:
- As maravilhas do Cristo-Micael não terminam aí, Nietihw, filha da raça azulviolácea
de Adão e Eva. . .
- Os "medianos" rebeldes. O Diabo...
Sinuhe continuava debatendo-se ante uma velha dúvida. Resolveu externá-la
diretamente.
- Quem é então o Diabo?.. . Essas criaturas talvez: os "medianos"?
- Não, Sinuhe - replicou a voz -. A figura do Diabo ou do Demônio, tão espalhada
entre os humanos de IURANCHA, é outro mito, cegamente alimentado por muitas
igrejas. Nem Lúcifer nem Satã nem Caligastia guardam semelhança alguma com essas
grotescas caricaturas humanas. Em que pesem seus erros, são seres de resplendor excelso.
- Dizes que os "medianos" rebeldes foram encarcerados. Que sucedeu com os
leais?
- As duas ordens (primárias e secundárias) formam atualmente um único Corpo de
10 992 criaturas. Os Medianos Unidos de IURANCHA são governados, alternativamente,
pelo decano de cada uma das ordens. Ambas as classes, como sabes, são invisíveis aos
olhos dos humanos evolucionários, não necessitando de alimentação ou absorção alguma
de energia para a sua sobrevivência. Quando se acham a serviço dos mortais, podem
penetrar no espírito do trabalho, do descanso e dos jogos daqueles humanos. Não dormem
e não possuem poder de procriação sexual. Na realidade, como sabeis, não são nem
homens nem anjos. Mas, em virtude de sua natureza, estão e se sentem mais próximos da
humana que da espiritual. Pertencem, de certo modo, às vossas raças, e o sabem. Isso os
torna sumamente úteis para infinidade de missões de estudo e conexão com os humanos.
Os serafins guardiães dos mortais, por exemplo, recebem extraordinário apoio desses
"medianos" na hora de velar por vós.
"Já que te interessa, como suponho, citar-te-ei os principais trabalhos
encomendados a esses "medianos" leais:
"Os "mensageiros" dispõem de nomes próprios. Formam um grupo reduzido e
asseguram as comunicações pessoais de forma rápida e eficaz.
"Os "vigilantes planetários" são os guardiães ou sentinelas do mundo do espaço.
Cumprem missões importantes como observadores de numerosos fenômenos de grande
transcendência para os seres sobrenaturais do reino. Patrulham o domínio espiritual
invisível de IURANCHA.
"Os chamados "personalidades de contato" têm-se dedicado ao estabelecimento de
contatos com os humanos mortais.
- Ra! - sussurrou o "iuranchiano", recordando o "amigo" perdido, o disco.
- Com efeito, Sinuhe - acentuou a "pluma de Thot" - e? por último, existe um
quarto grupo de "medianos" denominados "ajudantes do progresso". São os mais
espiritualizados. Acham-se distribuídos como assistentes das diversas ordens de serafins
que atuam em grupos especiais sobre o planeta.
"Apesar dessa classificação, os "medianos" primários, por suas características, são
mais unidos aos seres celestes, servindo quase sempre de associados e guias aos visitantes
espirituais. Têm mais dificuldade que os secundários para comunicar-se com os humanos
evolucionários e, em conseqüência, são eles os responsáveis pelas missões que têm como
objetivo os mortais do reino. Esses 1111 "medianos" secundários leais a Micael, embora
invisíveis também para os "iuranchianos" mortais, são de natureza corporal diferente da
dos primários. Se os comparamos com os procriados pelos "cem de Caligastia", os filhos
de Adamson e Ratta são de uma natureza muito mais densa. Essas criaturas têm certo
poder sobre as coisas do tempo e do espaço, incluído o reino animal.
"Muitos dos fenômenos físicos atribuídos pelos humanos aos anjos foram (e são)
realizados por esses "medianos" secundários.. .
- Fenômenos? - interveio Sinuhe, intrigado. - Que fenômenos?
- Quando os primeiros apóstolos do Evangelho de Jesus de Nazaré foram presos
pelos ignorantes chefes religiosos da época, um verdadeiro "anjo do Senhor abriu à noite
as portas do cárcere e os conduziu para fora". Mas, no caso da libertação de Pedro,
ocorrida depois da execução de Tiago por ordem de Herodes, foi um "mediano"
secundário quem realizou o trabalho que os humanos atribuíram a outro anjo. . .
Sinuhe teve uma súbita idéia:
- São essas criaturas, os "medianos", os responsáveis pelos chamados fenômenos
de "espiritismo"?
- Não...
A negativa reboou como um trovão. E, antes que o "iuranchiano" interviesse,
sentenciou:
- Os "medianos", em geral, não permitem que os humanos testemunhem suas
atividades físicas nem seus contatos com o mundo material de IURANCHA. Jamais, em
toda a História do planeta, quebraram essas normas.
- Em toda a História de IURANCHA, dizes.. . Queres dizer que não morrem?
- São imortais por natureza, e constituem, por direito próprio, o primeiro grupo de
habitantes permanentes do planeta. Ao contrário do que acontece com as outras criaturas
evolucionárias, permanecem ancorados ao seu mundo, até que se alcance a Era da Luz.
Embora estejam capacitados para cruzar e navegar pelos circuitos energéticos do
universo, nunca abandonam sua esfera nativa. Exceto o "1-2-3, o primeiro", o número um
dos "medianos" primários, nenhum dos "medianos" leais pode partir de IURANCHA.
Esse decano dos primários foi liberado de suas obrigações planetárias pouco depois do
Pentecostes e trasladado a Jerusem. Durante as jornadas da rebelião, "1-2-3, o primeiro",
manteve-se firme e fiel junto a Van e Amadon. Hoje é membro do "Conselho dos Vinte e
Quatro".
Sinuhe e Nietihw reconsideraram. Se os "medianos", tanto primários como
secundários de IURANCHA eram imortais, Bel-zebu lhes teria mentido. . . Não precisava
do frasco dos "ibos". Mas por que o teria feito? Que pretenderia?
O "iuranchiano" insistiu sobre a imortalidade dos "medianos".
- Nascem já adultos - esclareceu a voz -. Não necessitam passar pelas habituais
fases de crescimento dos mortais do reino. Sua sabedoria e experiência se incrementam
com o passar do tempo. E posso afirmar que entre os de IURANCHA há grandes
pensadores e espíritos potentes. São, de certo modo, vossos "Irmãos Maiores..."
Convencido de que o chefe dos "medianos" rebeldes encarcerados na Torre de
Amon lhes havia preparado uma nova armadilha, Sinuhe guardou silêncio, sentindo como
se um áspero nó lhe fechasse a garganta.
Que lhes reservaria ainda o destino, naquela interminável aventura?
O membro da Escola da Sabedoria retirou as mãos da esfera flutuante. No mesmo
instante os dois diminutos cristais de titânio recuperaram seu movimento de translação em
torno do eixo transparente. O resplendor azul retrocedeu e a penumbra que reinava na
Sala de Thot desapareceu. As lâminas de ourocalcum que cobriam as paredes voltaram a
refulgir, derramando na última mas-taba da fortaleza sua luz avermelhada.
Nietihw mirou o companheiro, sem compreender. Por que interrompia seu diálogo
com a voz dos arquivos secretos de IURANCHA?
Sinuhe não fez comentário algum. O descobrimento daquilo que ele considerava
uma nova traição de Belzebu, o "mediano" secundário, rebelde e chefe dos prisioneiros
daquela estranha prisão, o transtornara. Que sentido tinha conhecer a verdade sobre a
rebelião de Lúcifer, se jamais sairiam vivos da Torre de Amon?
O chefe dos rebeldes adiantou-se aos desejos da filha da raça azul. Estendendo
seus longos braços segurou com firmeza os pulsos de Sinuhe.
- Lembra-te de que fizemos um pacto - censurou-o Belzebu -. A nós nos interessa
também conhecer o estado atual da rebelião...
O "iuranchiano" esteve a ponto de enfrentar o "mediano". Mas a rápida
intervenção da amiga evitou que cometesse um desatino.
- Por Deus, Sinuhe - suplicou-lhe Nietihw -, cumpramos o acordo. Depois. . .
depois veremos.
Aquela insinuação infundiu-lhe certo ânimo. Havia uma trama no ar...
Com um lacônico "de acordo", Sinuhe levou novamente as mãos sobre a superfície
da esfera. No mesmo instante, como sucedera a primeira vez, um finíssimo raio de luz
partiu do seu tríplice círculo, incidindo em uma das esferas celestes. O par de cristais se
imobilizou e as trevas voltaram a cair sobre a câmara.
- Qual a situação atual da rebelião e dos rebeldes? - perguntou a contragosto.
- Como foste informado - proclamou a voz imediatamente -, tanto Lúcifer como
seu lugar-tenente, Satã, circularam livremente por todo o sistema de Satânia durante 200
000 anos de IURANCHA. Só ao final da efusão de Micael em teu mundo (faz agora 1954
anos), a sorte desses caudilhos rebeldes e de quantos se juntaram ao Manifesto da
Liberdade mudou definitivamente.
"Até então, Satã freqüentava regularmente as assembléias dos príncipes planetários
em Jerusem, com a pretensão de representar os mundos apóstatas. Mas depois da
proclamação de Micael como Soberano indiscutível do universo local de Nebadon, essa
autorização lhe foi denegada. As simpatias que ainda se tinha em Jerusem por Lúcifer e
Satã desapareceram a partir de sua tentativa de corromper Micael durante sua encarnação
como humano.
"Esta sétima e última expansão de Micael em IURANCHA, como um mortal a
mais do reino, pôs fim à rebelião em todo o sistema de Satânia, com exceção dos 37
mundos que tinham abraçado a causa de Lúcifer. Este foi o significado das palavras de
Micael (vosso Jesus de Nazaré) quando disse: "E vi Satã cair do céu como um raio."
- Lúcifer e Satã tentaram corromper e ganhar Micael para sua causa? - perguntou
Sinuhe, novamente absorto com as revelações da voz dos arquivos. - Como pôde ser?
- Esse fato faz parte de uma extensa história da vida, em IURANCHA, de Jesus de
Nazaré (conhecida pelos humanos como "as tentações do deserto") e que não cabe agora
relatar. Basta o que te vou expor. Tanto Lúcifer como seu lugar-tenente suspeitavam de
que súbita e misteriosa desaparição de Micael de sua sede habitual em Nebadon tinha de
obedecer a uma nova expansão daquele que fora chamado para ser o Soberano do
universo local. Ao ter conhecimento da inesperada chegada a IURANCHA de um mortal
de características tão singulares como as de Jesus de Nazaré, apressaram-se a visitar o
planeta. Foi a única vez que Lúcifer viajou ao teu mundo...
- Não entendo - replicou o "iuranchiano" - Os chefes da rebelião não sabiam que
Jesus era seu Soberano e Criador?
- Não a princípio. A encarnação de Micael na Terra, como nas seis anteriores, deuse
inicialmente em segredo. Poucas personalidades celestes estavam a par. Mas os dois
não tardaram a descobrir a tremenda realidade: aquele humano tinha de ser Micael. E
Lúcifer e Satã empreenderam a que seria a sua última e decisiva batalha. Durante algum
tempo, lutaram para atrair Jesus para eles; mas o chamado Filho do Homem sabia que seu
triunfo em IURANCHA resolveria para sempre a questão dos seus inimigos seculares,
não só em Satânia, mas também nos outros dois sistemas que haviam registrado revoltas
anteriores. A sobrevivência dos mortais e dos anjos ficou garantida quando vosso Mestre,
em resposta às perguntas de Lúcifer, replicou: "Para trás de mim, Lúcifer!" Este foi o
princípio do fim da rebelião.
"Pouco antes de sua morte, Micael reconhecia ainda a Caligastia como,
tecnicamente, o príncipe planetário de IURANCHA, quando disse: "Agora será o
julgamento deste mundo. Agora o príncipe deste mundo será alijado."
À luz dessas revelações, com efeito, as enigmáticas palavras de Jesus de Nazaré
adquiriam, para Nietihw e Sinuhe, novo e lógico sentido.
- O último ato de Micael antes de abandonar vosso planeta foi a oferta de perdão e
misericórdia a Caligastia e a seu adjunto, Daligastia. Ambos a recusaram.
"Caligastia - prosseguiu a "pluma de Thot", indo ao encontro dos pensamentos de
Sinuhe - continua livre em IURANCHA. É o único que não foi preso. Mas carece de
qualquer poder para penetrar no pensamento dos humanos evolucionários. Como também
te foi explicado, apesar das enigmáticas assertivas dos ministros de vossas igrejas e da
crença popular dos mortais, o Diabo, como tal, não existe. E o poder dos rebeldes foi
cerceado a partir de Pentecostes. O mal, a degradação e o caos que reinam em
IURANCHA são conseqüência do isolamento do planeta, das bruscas alterações
originadas pela rebelião e pelo fracasso de Adão e Eva e, evidentemente, conseqüência
das próprias tendências agressivas, primitivas e animalescas dos humanos.
"Nos primeiros tempos da rebelião luciferiana, Micael ofereceu igualmente seu
perdão a todos os implicados na revolta. Chegou mesmo a propor-lhes o retorno aos
postos de serviço universal, tão logo fosse confirmado como Soberano absoluto de
Nebadon. Chefe algum aceitou. No entanto, milhares de anjos pertencentes a ordens
inferiores como também centenas de Filhos Materiais, acolheram essa medida de perdão e
foram reabilitados no momento da ressurreição de Jesus de Nazaré em IURANCHA.
- Que foi feito de Lúcifer, de Satã e dos demais chefes?
- Quando Micael foi confirmado pelo Pai Universal como Soberano, Lúcifer foi
encarcerado por agentes dos Anciãos dos Dias de Uversa, capital do superuniverso de
Orvonton, a que pertence o universo local de Nebadon. Continua prisioneiro no satélitecárcere
número um do grupo de esferas artificiais e de transição que rodeia Jerusem, a
capital do sistema de Satânia.
- Prisioneiro! - exclamou Belzebu.
- Paulo, vosso São Paulo, soube da situação dos chefes rebeldes e escreveu: "Um
exército espiritual de perversidade nos lugares celestes". Foi, como te digo, no momento
em que Micael foi proclamado Soberano Supremo que Ele reclamou junto aos Anciãos
dos Dias o direito de deter todas as personalidades que haviam participado da insurreição,
enquanto se esperava pelo veredito dos tribunais superuniversais sobre o caso de Gabriel
contra Lúcifer.. .
- Por que o "caso de Gabriel contra Lúcifer"?
- Não te olvides que, tecnicamente, Gabriel é o chefe e responsável por todos os
soberanos sistêmicos. Foi ele quem denunciou Lúcifer. Os Anciãos dos Dias aceitaram a
petição de Micael, com uma só exceção: Satã. O lugar-tenente teria permissão para visitar
periodicamente os príncipes rebeldes dos 37 mundos implicados na revolta, até que
fossem devidamente substituídos ou até o início do julgamento por parte dos tribunais de
Uversa.-
Satã continuou visitando IURANCHA? - perguntou, intrigado, o membro da
Escola da Sabedoria.
- Sim, regularmente. Até a chegada de Micael, o planeta não contava com um
Filho residente de linhagem suficiente para enfrentá-lo. A partir da abertura do processo
de Gabriel contra Lúcifer e da tomada de posse de Machiventa Melchizedek como
príncipe planetário e vice-regente de IURANCHA, Satã foi igualmente internado nos
mundos-cárceres de Jerusem.
- Então - exclamou Sinuhe, recordando a misteriosa mensagem procedente do astro
intruso, "Ra", que o conduzira à filha da raça azul -, o julgamento de Lúcifer chegou...
- A primeira sessão do processo se abriu há cinqüenta anos terrestres...
- Em 1 934! - murmurou o "soror".
- É isso...
- Mas por que deixaram passar tanto tempo? A rebelião eclodiu há 200 000 anos...
- A resposta à tua pergunta figura já em teu coração. Sabes que o tempo de
IURANCHA não é o mesmo para todo o sistema. Tempos diferentes para o sistema, para
o universo local, para os superuniversos e para Havona. Um dia de Nebadon equivale a 18
dias, 6 horas e 2,5 minutos dos de IURANCHA. E um ano de cem dias em Nebadon
significa cinco para o teu mundo. O tempo do superuniverso de Orvonton também é
diferente do vosso. Ali, um dia equivale a trinta dias em IURANCHA. E um ano de cem
dias, a três mil dias do teu planeta; quer dizer, a uns oito anos e meio terrestres. Quanto ao
tempo de Havona, um dia equivale a mil anos bissextos de IURANCHA.
"O que vós, humanos evolucionários, estimais como um longo período de centenas
de milhares de anos, para as criaturas residentes no Universo Central de Havona, não
representa mais que um curto espaço de dias... Duzentos, aproximadamente, desde que se
deu a rebelião.
- Que sorte os aguarda, a Lúcifer e ao resto dos rebeldes?
- Isso será avaliado pelo grande tribunal...
- E se for considerado culpado? - pressionou Sinuhe.
- Nesse caso, a mensagem-raio porá fim às suas existências, aniquilando-os.
Ficarão reduzidos ao que nunca foram. E talvez se cumpram as proféticas palavras: "E
aqueles que te conheceram entre os mundos te repudiarão. Foste o terror, mas deixarás de
existir."-
Poderia haver benevolência ou perdão? A voz silenciou. Mas Sinuhe desafiou:
- Poderia...?
- A crença generalizada em todas as ordens celestes - declarou finalmente a voz - é
que os rebeldes dignos de misericórdia já a receberam...
- Mas essa bondade e misericórdia divinas, dizem, são infinitas. . .
- Sim, elas são - confirmou, lacônica, a "pluma de Thot". Duro silêncio caiu sobre
a sala. Sinuhe, visivelmente confuso,
balbuciou uma última pergunta sobre aquele assunto desagradável:
- Quando se conhecerá o veredito final?
- Estima-se que não tardará muito para ser anunciado publicamente. Antes, porém,
um humano evolucionário de cada um dos 37 planetas afetados deverá assistir ao
julgamento.
- Nietihw! - exclamou o "iuranchiano", recordando as revelações do seu Kheri
Heb. Ela, como representante em IURANCHA da raça azul, deveria culminar a segunda
parte da missão, com sua presença no referido processo. Mas quando e como teria lugar
essa segunda fase da desconcertante aventura?
Sinuhe, supondo que a voz dos arquivos do planeta não acedesse em responderlhe,
optou por esquecer o assunto. Uma vez mais, o "soror" se enganava. ..
- Lúcifer. . . encarcerado. Satã, o lugar-tenente, igualmente insulado. Mais de 40
000 "medianos" de IURANCHA prisioneiros.
Sinuhe foi desfiando seus pensamentos em voz alta. E, movido por
incompreensível sentimento de piedade por aquele utópico
- quem sabe se blasfemo? - caudilho, perguntou, timidamente:
- Será que ninguém, nesses dezenove séculos, levou sequer uma palavra de
consolo a Lúcifer?
Nietihw ficou perplexa ante a inesperada peroração do amigo. Belzebu e os
"medianos", por seu lado, tendo escutado as revelações em silêncio, olharam o
"iuranchiano" com um misto de simpatia e curiosidade. Que pretendia Sinuhe? Teria
perdido o juízo? Como podia ele exprimir piedade por alguém que fora responsável pela
maior convulsão registrada no sistema de Satânia e em toda a constelação de
Norladiadek?
- Desde Micael - respondeu a "pluma de Thot" secamente
- nenhuma personalidade de Satânia quis visitar os mundos-cárceres. Nem Lúcifer
nem Satã receberam ajuda alguma, nem sua causa ganhou um só adepto. Nesses 2 000
anos terrestres, os sete satélites-prisão de Jerusem constituíram uma advertência para todo
Nebadon. E se tornou realidade "que o caminho do transgressor é duro e que o salário do
pecado é a morte".
- Algo há que também não compreendo - acresceu o jovem -. Se os chefes da
rebelião foram depostos e encarcerados, por que os 37 mundos implicados continuam
submetidos a essa "quarentena" e ao insulamento?
- Essa é a ordem dos Anciãos dos Dias: os circuitos celestes não serão
restabelecidos enquanto não se conclua o julgamento de Lúcifer.
- Que conseqüências teve e tem para IURANCHA essa "quarentena"?
- O progresso da civilização em teu mundo não é muito diferente do de outros
planetas que sofreram o infortúnio da solidão espiritual. Mas, se se compara com os
mundos leais a Micael, IURANCHA, com efeito, surge como um lugar confuso e
atrasado. Por causa dessa "involução cósmica", os humanos do teu mundo não podem
compreender a cultura de outros planetas. E mais: nem sequer conhecem a existência
dessas civilizações. O nível biológico de vossas raças encontra-se alterado e sumamente
atrasado, e sois vítimas da falta de ideais autênticos. Mas não te confundas, Sinuhe: à
primeira vista, IURANCHA é um mundo desgraçado. Certo. Não obstante, o insulamento
oferece também vantagens.
- Vantagens? - retrucou Sinuhe com ceticismo.
- A falta de comunicação dessas esferas permite o exercício de uma virtude sem
igual: a fé. O desenvolvimento dessa qualidade, à margem da vista e de qualquer outra
consideração material, fortalece os espíritos dos mortais desses mundos, até limites
inimagináveis.
"Posso dizer-te que, em Jerusem, os humanos "ascendentes" de planetas
incomunicáveis ocupam um setor residencial particular. Ali são conhecidos pelo nome de
"agontonários", que significa "criaturas evolucionárias que podem crer sem ver". São
(melhor dito, sois) seres capazes de triunfar nas mais difíceis missões. Em toda a "corrida
ascendente" para a Ilha Eterna do Paraíso, o "Agrupamento de Agontonários" distingue-se
sempre por sua audácia. São consideradas "forças de choque", capazes de superar
dificuldades extremas...
- Entendo e admiro tudo quanto me dizes - rebateu Sinuhe -, mas não teria sido
mais justo e caritativo para esses milhares de milhões de criaturas evolucionárias dos 37
mundos em "quarentena", que as altas hierarquias celestes tivessem feito abortar a
rebelião instantaneamente?
- Entre as numerosas razões que figuram neste arquivo, pelas quais Lúcifer e seus
rebeldes não foram detidos e julgados imediatamente, estou autorizado a expor-te as
seguintes:
"l.a A misericórdia divina exige que todo culpado disponha de algum tempo para
que reconsidere seu próprio comportamento.
"2.a A Justiça Suprema é dominada pelo amor do Pai Universal. Por isso, a Justiça
nunca destruirá o que a graça pode salvar. E o tempo, aqui, é vital.
"3.a Nenhum pai afetuoso impõe castigo a um filho faltoso. A paciência pode atuar
independentemente do tempo.
"4.a A sabedoria e o amor estimulam sempre os filhos íntegros a tolerar o irmão
transviado, pelo menos durante o tempo imposto pelo pai para que esse filho desorientado
reconheça seu erro.
"5.a Independentemente da atitude de Micael, e apesar de ser o criador e pai de
Lúcifer, não competia ao Soberano de Nebadon o direito de exercer justiça sobre o chefe
rebelde de Satânia. Seria necessário, primeiro, que Micael concluísse sua carreia de
expansão e se proclamasse Soberano indiscutível.
"6.a Os Anciãos dos Dias poderiam ter fulminado os rebeldes. Mas raramente
agem contra um criminoso sem antes examinar sua causa.
"7.a É evidente que Manuel aconselhou Micael a permanecer distante dos rebeldes
e permitir que a rebelião prosseguisse em seu curso normal de autodestruição.
"8.a Em Edência, o Fiel dos Dias recomendou aos Pais da constelação que
deixassem livres os rebeldes. Dessa forma, foi possível desterrar qualquer possível
simpatia pela Manifesto da Liberdade. Cada cidadão (presente e futuro) de Norladiadek
teve então a oportunidade de avaliar por si mesmo o alcance e a natureza da rebelião,
amadurecendo sua decisão final em absoluta liberdade.
"9.a A Divina Ministra de Salvington ordenou que os exércitos celestes velassem,
precisamente, para que nada nem ninguém se interpusesse na propagação da insurreição.
Essa medida conduziu a rápido desencanto.
"10.a Um comitê de urgência, formado por Poderosos Mensageiros e mortais
glorificados com experiência em rebeliões anteriores, foi constituído em Jerusem. E
preveniu Gabriel: se se fizesse abortar a rebelião, o número de seguidores de Lúcifer
poderia multiplicar-se por três. Todo o Corpo de Conselheiros de Uversa concordou com
essa recomendação, rogando a Gabriel que deixasse correr a revolta, mesmo que depois
fossem necessários milhões de anjos para eliminar as conseqüências.
"O total de razões acumuladas nestes arquivos chega a 48. .. Mas supomos que
existam muitas mais.
Sinuhe ficou em silêncio. Depois de longa meditação, ponderou mais para si:
- Que teria sido deste planeta se Caligastia não tivesse apostado na rebelião?
A voz, com a mesma precisão, sentenciou:
- IURANCHA, como outros milhares de milhões de mundos evolucionários,
seguiria percorrendo, sem traumas nem convulsões, as sete eras evolutivas obrigatórias.
- Tem isso alguma relação com á Era da Luz, à que te referiste antes?
- É isso. Se tivessem contado com um príncipe planetário honesto e com uns Filhos
Materiais firmes, as raças humanas do teu mundo, como todas as do espaço e do tempo,
teriam conhecido os seguintes estágios:
"A Era da Nutrição: nessas épocas, as criaturas pré-humanas e as raças iniciais de
um planeta vivem principalmente para a sua alimentação e sobrevivência física. A busca
de comida é o seu horizonte único e básico.
"A Era da Segurança: tão logo os caçadores primitivos disponham de alimentação
abundante, todo o seu tempo se destinará a reforçar sua segurança e a do seu clã. Nascem
assim novas técnicas guerreiras e de construção de vivendas.
"A Era da Comodidade e dos Prazeres: depois de ter resolvido seus problemas de
alimentação e segurança, os homens caem no luxo e na esfera dos prazeres. São épocas
que se caracterizam pela tirania em todos os níveis, pela intolerância, gula, embriaguez e
o que hoje chamais "consumismo desenfreado".
"A Era da Busca da Sabedoria e do Conhecimento: a alimentação, a segurança, o
prazer e o ócio são as bases que permitem o desenvolvimento da cultura e da inteligência.
O esforço para pôr em prática os conhecimentos desemboca na sabedoria. A obsessão
pelo bem-estar material domina ainda essa civilização, mas muitos dos seus indivíduos
visam já outro horizonte: o do conhecimento. Em geral, a educação e a cultura são o
grande triunfo dessa Era.
"A Era da Filosofia e da Fraternidade: quando os mortais aprendem a pensar por si
mesmos e a tirar proveito da experiência, surge a Filosofia. A sociedade então se faz ética
e seus homens, morais. E somente esses seres sábios e realmente morais estão capacitados
para estabelecer uma autêntica irmandade humana.
"A Era do Esforço Espiritual: quando os mortais evoluem e passam pelos estágios
de desenvolvimento físico, intelectual e social, cedo ou tarde alcançam os níveis de
clarividência que os leva, irremissivelmente, à busca de satisfações espirituais e à
compreensão das verdades cósmicas. As religiões conseguem elevar-se acima das
motivações do medo e da superstição, até à verdadeira sabedoria da experiência pessoal.
Os humanos desta Era conhecem, por vez primeira, a plenitude da palavra "Deus".
"A Era da Luz e da Vida: é o florescimento das idades sucessivas da segurança
física, da expansão intelectual e espiritual. Os desejos e objetivos humanos se fundem,
então, com os de outros seres celestes. É a época final, época em que não existem
fronteiras. O intercâmbio com outras civilizações é total. Nesses tempos, os príncipes
planetários dos mundos "ancorados na luz" ascendem à posição de soberanos planetários.
Não era preciso ser muito sagaz para deduzir que a Terra - IURANCHA - não
superara ainda a terceira dessas eras: a da Segurança. E mais: em algumas regiões do
globo, os humanos se debatem ainda na primeira e na segunda. E, embora não seja menos
certo que no planeta se "pressinta" uma mudança - um "salto" talvez para essa outra Era
da Busca do Conhecimento -, a verdade é que o caminho a percorrer é ainda imenso.
Sinuhe e sua companheira compreenderam que tinham chegado ao final. O arquivo
secreto de IURANCHA lhes revelara tudo o que desejavam e precisavam saber: a
frustrada história de Caligastia, o príncipe planetário rebelde chegado ao mundo faz agora
500 000 anos; a explosão da revolta luciferiana e a cisão do Estado-Maior corporal; o
insólito Manifesto da Liberdade e o caráter relativamente reduzido da insurreição no
sistema de Satânia; a chegada, há 37 000 anos, dos Filhos Materiais voluntários - Adão e
Eva - e seu não menos frustrado plano de "ascensão biológica" das raças humanas; o
segundo Jardim do Éden e a estranha aparição dos "medianos" secundários; a expansão
final das raças "noditas" e "adâmicas" e a situação dos rebeldes e da rebelião, depois da
encarnação de Micael - Jesus de Nazaré - na Terra.
Antes que a voz do arquivo se calasse para sempre, Sinuhe pediu resposta e
conselho para duas últimas questões:
- E agora, depois desse rosário de fracassos, que podem fazer os povos do
mundo?... e que devemos nós fazer?
- O destino de IURANCHA vai mudar - retomou a voz, enchendo de otimismo os
"iuranchianos" -. Só é necessário esperar o final do processo contra Lúcifer. Quando for
levantada a "quarentena", a esperança brilhará de novo. A melhora do nível evolutivo dos
humanos, falida após a experiência adâmica, será canalizada pelos caminhos,
principalmente humanos, da adaptação e do controle...
"Quanto a vós, filhos de IURANCHA, regressai e contai ao mundo quanto haveis
vivido e conhecido... Só então, quando esta parte da Verdade tiver sido propagada... só
então - insistiu a voz - podereis iniciar a segunda fase da missão: o julgamento de Lúcifer.
- Propagar esta parte da Verdade? Mas como?...
As novas perguntas do membro da Escola da Sabedoria não terminaram de ser
enunciadas. Apesar de continuar com as mãos estendidas sobre a esfera flutuante, o feixe
luminoso que partia do costado esquerdo de Sinuhe extinguiu-se e o par de esferinhas de
titânio se pôs novamente em movimento. E as trevas voltaram.
Nietihw avisou o companheiro que tudo se havia concluído, E, depois de alguns
minutos de indecisão, Sinuhe procurou Belzebu.
- Já que tudo está terminado, podemos abandonar a torre? O chefe dos "medianos"
tornou a pousar sua pequena e áspera mão sobre o costado do "iuranchiano" acariciando o
tríplice círculo de Micael.
- Foi esse o pacto, Sinuhe. Apesar de tudo o que ouviste, nós, que escolhemos o
Manifesto da Liberdade, continuamos interessados em que os humanos conheçam a
Verdade... e julguem por si mesmos. Podeis voltar.
A filha da raça azul ajoelhou-se então ante o silencioso Vana e, depois de abraçar o
"mediano", perguntou-lhe:
- Que será de ti, amigo?
Vana dirigiu um olhar para o chefe dos rebeldes. Depois, com voz serena,
respondeu:
- O prazo para a misericórdia não se esgotou, filha de IURANCHA... Talvez a
presença desta bandeira na Torre de Amon - disse mostrando o símbolo que ostentava no
peito - signifique, para todos nós, o retorno à verdadeira Liberdade... Voltaremos a vernos,
filha da raça azul.
Belzebu levantou o braço esquerdo e, quando os dois "medianos" às suas ordens se
preparavam para inverter a posição do disco do Yin-Yang, Sinuhe, sem poder resistir à
tentação, interpelou de novo o chefe dos rebeldes:
- Antes de partir, quisera saber algo...
Belzebu, com o braço ainda no alto, aguardou a pergunta.
- Dize-nos: se és imortal, por que nos enganaste, fazendo-nos crer que precisavas
do frasco dos "ibos"?
O "mediano" cerrou o punho e, ao mesmo tempo em que seus servidores, atentos
ao sinal, faziam girar o disco que simbolizava o Universo, colocando a meia-lua do Yang
em posição dominante, replicou com voz vigorosa:
- Não houve tal engano, Sinuhe, filho de IURANCHA! Talvez ao teu retorno, se o
destino voltar a cruzar nossos caminhos, conheças esse lado da Verdade...
- Mas...
O "soror" não teve tempo para protestar. Ao mudar de posição, o Yang saiu
disparado para a cúpula onde se difundia a misteriosa "atmosfera" esmeralda.
E Nietihw, maravilhada, viu como a atravessava facilmente sem quebrá-la,
perdendo-se, veloz, em direção a "algo" que se recortava nas alturas: o sol "negro"!
Tudo, a partir de então, se foi sucedendo vertiginosa e matematicamente. Melhor
dito, tudo não...
De repente, vindo do astro "negro", irrompeu no hexágono um velho conhecido de
Sinuhe: o corvo branco que o ajudara na praia e que lhe engolira o anel. Nessa ocasião, o
vôo do pássaro foi diferente. Conforme se foi aproximando da cúpula, a cada lento e
majestoso adejar, iam as asas deixando atrás de si esteiras coloridas. E, ao pousar sobre o
solo da Sala de Thot, a filha da raça azul descobriu, fascinada, que o corvo enlaçara
aquela última mas-taba da fortaleza e o sol "negro" com um gigantesco arco-íris.
Ato contínuo, o corvo remontou o vôo. Antes, porém, de perfurar a cúpula, abriu o
bico e deixou cair alguma coisa dourada e brilhante.
E o anel de Sinuhe tilintou no solo de ourocalcum da sala. Nietihw apressou-se a
apanhá-lo e, pegando a mão direita do amigo, confuso porque não podia compreender o
que se estava passando, introduziu-lhe o selo no dedo anular. Ao reconhecer o anel,
Sinuhe pronunciou, comovido, o nome do pêndulo:
- Ra!
E, deixando-se levar pelo instinto, Nietihw arrastou o amigo até a base do arco-íris.
- Vamos, Sinuhe!. . . Saiamos daqui!
O "iuranchiano" obedeceu. Mas, ao passar junto da coluna que sustinha a esfera
com os 606 cristais de titânio, ele se deteve. Antes que os "medianos" pudessem agir,
abraçou-se à "pluma de Thot", ao mesmo tempo em que gritava para a filha da raça azul:
- É agora!. . . Fujamos!
Nietihw empurrou violentamente o companheiro para o arco-íris, submergindo
com ele na cascata de luz.
Ao penetrar na fantástica "ponte", os "iuranchianos" foram absorvidos para o alto.
E tanto Sinuhe como a descendente da raça azul-violácea perderam-se no céu
esmeralda daquele insólito "mundo". . .
O resto desta história talvez carecesse de interesse, não fora por duas - talvez três -
circunstâncias não menos surpreendentes.
De repente, sem saber como, Nietihw e Sinuhe descobriram que se achavam na
praça da Lastra, na recôndita aldeia soriana de Sotillo dei Rincón, caminhando sem pressa
em direção à Casa Azul. O Sol, radioso, provocava um brilho doce e discreto no bronze
da Diana Caçadora, enquanto a bica continuava a jorrar em silêncio, como se nada tivesse
acontecido...
O jovem, tendo a bolsa das câmaras ao ombro, deteve-se um instante junto à fonte.
Voltou a cabeça para o bosquezinho e, em seguida, interrogou a companheira, com o
olhar. A resposta brotou de seus corações...
Tinham regressado!
José Maria, o prefeito, confortavelmente sentado no jardim da Casa Azul,
continuava sorvendo sua fumegante xícara de café. Sinuhe, maravilhado, constatou que
seu relógio marcava 13h56. Não mais de cinco minutos haviam transcorrido desde o
início da lua nova e daquela aventura fantástica!
Antes que Sinuhe conseguisse pronunciar palavra, a senhora da Casa Azul tomoulhe
a mão direita e, em silêncio, com um sorriso de cumplicidade, mostrou-lhe o anel
dourado - com o símbolo dos homens "Pi" - que ainda lhe brilhava no dedo anular...
Pouco depois, o investigador iniciava o relato de tão desconcertante missão, com
as seguintes frases:
"... Quanto a vós, filhos de IURANCHA, regressai e contai ao mundo quanto
haveis vivido e conhecido... Só então, quando esta parte da Verdade tenha sido
propagada... só então" - insistiu a voz - "podereis iniciar a segunda fase da missão: o
julgamento de Lúcifer."
E este relato foi terminado em janeiro de 1 985.
Nesse mês de janeiro de 1 985 - dia 23, às seis da tarde -, José Maria Gómez
Zardoya, alcaide de Sotillo, falecia na citada aldeia de Soria. Fora uma das duas pessoas
que ouviram as misteriosas sessenta e seis badaladas...

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