terça-feira, 31 de agosto de 2010

CRIME ORGANIZADO

Crime organizado
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Crime organizado é toda organização cujas atividades são destinadas a obter poder e lucro, transgredindo as leis formais das sociedades. Entre as formas de sustento do crime organizado encontram-se o tráfico de drogas, os jogos de azar, a corrupção pública e privada e a compra de "proteção", como acontece com a Máfia italiana. Algumas teorias, entretanto, vinculam sua forma de organização enquanto subcultura, sobretudo de gangues como forma de resistência às formas de dominação e controle social. Tomando-se a Máfia como referência, segundo Montoya ,[1] tais organizações possuem características especiais como, por exemplo, um sistema normativo infracultural, que privilegia valores específicos e determinados estilos de comportamento (honra, amizade, solidariedade, Omertà e a violência como instrumento para ascender socialmente) que apresentam, como maior risco, a possibilidade de infiltração no sistema político-administrativo.

Sinonímia e equivalências

Em cada país as facções do crime organizado costuma receber um nome próprio. Assim costuma-se chamar de Máfia (aportuguesação do italiano maffia) ao crime organizado italiano e ítalo-americano; Tríade ao chinês; Yakuza ao japonês; Cartel ao colombiano e mexicano e Bratva ao russo e ucraniano. A versão brasileira mais próxima disso são os Comandos, facções criminosas sustentadas pelo tráfico de drogas, sequestros e comércio de automóveis roubados seja através de esquema de exportação/importação ou comércio de sua peças em lojas de sucata socialmente reconhecidas e valorizadas.
Juridicamente falamos do crime de formação de quadrilha seja qual for a atividade à qual o crime organizado se dedique. Uma importante observação, baseada em pesquisas empíricas realizadas na Europa (Ruggiero, 2008 [2]) é que os mercados de ílicitos, que sustentam tais atividades criminosas, são relativamente intercambiáveis e praticados por distintos grupos como normas éticas próprias. Por exemplo, algumas prostitutas vendem drogas mas não se permitem práticas que consideram anti-naturais, vendedores de roupas de marca falsificas comercializam filmes pornográficos excluindo pedofilia, ou não, vendedores de armas não incluem bebidas e cigarros contrabandeados no seu comércio, etc. Segundo esse autor em várias cidades européias as atividades criminais, inclusive, mesclam-se com a atividade econômica regular.
Outra característica desse fenômeno social é que esses grupos, sempre enfrentarão, além do combate das forças policiais de sua região de atuação, a oposição de outras facções ilegais. Para manter suas ações ilícitas, os membros de organizações criminosas armam-se pesadamente, logo pode-se dizer que as armas – e os assassinatos – são o sustentáculo do crime organizado. Entretanto, os maiores instrumentos das organizações criminosas é a ocultação de informações sobre suas atividades. Para tanto, elas contam com destruições de provas, subornos, falhas nos sistemas de segurança etc, Nesse sentido suas ações se assemelham aos processos revolucionários subversivos sendo que completamente desprovido das nobres ideais de combate a miséria construção de um mundo melhor ideias Segundo Lyndon Johnson o crime organizado não é nada mais do que uma guerra de guerrilha contra a sociedade.
As teorias que aproximam o banditismo social do como proposto por Eric Hobsbawm à ausência e/ou ineficiência da burocracia administrativa do estado (leia-se políticas públicas) analisando as formações históricas onde conviveram os bandidos reais ou imaginários que estudou, tais como: Robin Hood, Lampião, Pancho Villa e outros, no seu livro Bandidos [3] decerto encontra na concentração de renda e estrutura de classes o cerne da explicação da persistência dessas formas de organização social e crescimento da criminalidade simultâneamente à produção de riquezas nos distintos países onde essas organizações internacionais atuam.

[editar]Teorias em conflito

Muitas organizações surgem de oportunidades geradas pelas sociedades em termos de poder e lucro. Sua constituição inicial pode derivar de qualquer membro da sociedade. Pode se estruturar hierarquicamente e se associar com vários setores como nos meios políticos, forças armadas, comunicação, financeiro etc. Podem também exercer influências em fenômenos como guerras, fome, "dívidas" e eleições públicas. O modelo que essa organização assume tem sido objeto da psicologia social desde as origens da criminologia enquanto ciência do final do séc. XIX, tais modelos explicativos somente dão conta do processo de aliciamento e de alguns aspectos de sua lógica para-militar contudo somente uma abordagem sócio-econômica pode elucidar suas raízes e alvo de combate: o lucro fácil e sem escrúpulos.
A teoria econômica do crime proposta a partir dos estudos de Gary Becker prêmio Nobel de Economia (1992) por seus estudos sobre análise econômica do comportamento nos permite supor que os indivíduos optam pelo delito caso em que o retorno esperado seja maior que o custo associado à escolha [4] onde a associação criminosa diminui os riscos desse custo e/ou os custos desse risco favorecido pela impunidade e esta por sua vez determinada pela corrupção política.
Pinheiro, 1997 [5] em sua avaliação de instituições encarregadas do controle da violência como a Polícia, o Judiciário e o Ministério Público, revela uma grande inconsistência entre o desempenho dessas instituições na controle do crime e os resultados esperados o que, segundo ele inclusive compromete a estabilidade das democracias latino-americanas que por não conseguirem controlar a polícia faz com que persistam as práticas abusivas contra suspeitos e prisioneiros e as formas autoritárias que mantiveram as iniquidades sociais nesses países. Como exemplo aponta os índices de criminalidade crescente (homícidios sobretudo) e a incapacidade dos judiciários latino-americanos de investigarem e processarem os responsáveis por graves violações de direitos humanos é o exemplo da incompetência do sistema legal dessa região. Segundo esse autor no Brasil, o sistema da justiça criminal não investigou e nem processou numerosos casos de violência rural contra os pobres. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os 1.730 casos de assassinatos de trabalhadores rurais, de líderes sindicais e religiosos e de advogados, entre 1964 e 1992, apenas 30 tinham ido à julgamento em 1992 e, dentre eles, só 18 foram condenados. No Chile, nem sequer um dos 1.542 casos dos sindicalistas assassinados foi processado até 1986. Por todo o continente prevalece a impunidade para aqueles que são considerados “indesejáveis” ou “sub-humanos”. [6]
Segundo Santos [7] exsistem dois discursos sobre crime organizado estruturados nos pólos americano e europeu do sistema capitalista globalizado: o discurso americano sobre organized crime, definido como conspiração nacional de etnias estrangeiras, e o discurso italiano sobre crimine organizzato, que tem por objeto de estudo original a Mafia siciliana. Ainda segundo esse autor a expressão organized crime tem origem na criminologia americana para designar os fenômenos delituosos atribuídos às organizações criminosas formadas em consequência da “lei seca” (Volstead Act) tais atividadesbem como sua lógica explicativa estão permeadas dos conceitos de sub-cultura e guerras étnicas da formação do estado americano. Ainda esse autor contarpondo os estudos italianos, do crimine organizzato, situa estes no plano de análise da luta de classes ao propor que as organizações italianas de tipo mafioso eram originalmente dirigidas à repressão de camponeses em luta contra o latifúndio, donde teriam evoluído para empreendimentos urbanos, atuando na áreas lícitas e elícitas simultaneamente, atriculando-se com o poder estabelecido (de onde tem origem) assumido progressivamente, características financeiro-empresariais e inserção no circuito social político, (religioso) financeiro internacional para lavagem do dinheiro ilícito.
[editar]Crime organizado no Brasil

O crime organizado assume três formas públicas no Brasil, ou seja, cita-se aqui apenas as conhecidas pelos meios comuns de comunicação. Outras formas, mais importantes, perigosas, influentes e extremamente poderosas com ramificações em diversas áreas, inclusive internacionais, estão muito além deste texto. Desta forma, existem os Comandos (Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Terceiro Comando); existem as Milícias Ilegais; e existem as chamadas "Máfia do Colarinho Branco".
Os Comandos são formados por quadrilhas que obtem o controle das rotas de tráfico de uma determinada região. Um Comando não costuma dar abertura para a entrada de pessoas de fora da sua comunidade na organização, mas podem submeter quadrilhas menores através de ameaça. Além disso, não raro, se valem de usuários de droga, de classe média, como "aviões" para ampliar sua área de venda. Sua principal atividade é o tráfico de drogas. O Brasil têm uma produção de entorpecentes relativamente pequena, mas é uma escala de muitas rotas de tráfico internacional. As principais são as que levam cocaína da Jordânia para os Estados Unidos e cocaína e maconha da Colômbia para a Europa e Estados Unidos. Por conta dessa ligação internacional, membros das FARC já foram descobertos fornecendo treinamento com armas pesadas para traficantes cariocas, e um outro guerrilheiro estava envolvido com o sequestro do empresário Abílio Diniz em São Paulo.
Os comandos se envolvem frequentemente em disputas territoriais. A cidade de Santos no litoral paulista foi palco para uma disputa entre o PCC e o Terceiro Comando. O Primeiro Comando da Capital (que é de São Paulo) havia decidido absorver a cadeia de tráfico de Santos, que pertencia ao Terceiro Comando (que é do Rio de Janeiro).
As Milícias são grupos paramilitares, formados por policiais e ex-policiais civis e militares, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e outros, em grande parte moradores das comunidades, que cobram taxas dos moradores por uma suposta proteção e repressão ao tráfico de drogras. Este fenômeno surgiu no Rio de Janeiro, onde atualmenete existem 92 favelas, das quais cerca de 18% das favelas se encontram dominadas por milícias urbanas ilegais, coordenadas por agentes de segurança pública, políticos e líderes comunitários".
A máfia do colarinho branco é uma designação geral dada a várias quadrilhas formadas por autoridades legais, sem que necessariamente tenham ligação entre si. Geralmente incorrem em crime de tráfico de influência e lavagem de dinheiro. O crime organizado é investigado pelas Delegacias de Repressão e Investigação ao Crime Organizado (DEIC - Polícia Civil), Polícia Federal e pela Abin.
Ver artigo principal: Crime do colarinho branco
[editar]Um outro tipo de Crime Organizado no Japão

As empreiteiras (CRIME ORGANIZADO NO TRÁFICO ILEGAL DE TRABALHADORES) que estejam operando sem a autorização (do Ministro do Trabalho e da Saúde e do Bem-Estar Social) – ou registro –, não podem fazer apresentação de empregos (shoukai) ou enviar seus trabalhadores para outras empresas: esta prática é ilegal!
Ao procurar emprego no Japão, deve-se tomar cuidado para não se envolver em intermediações ilegais de trabalho.
Exija as duas autorizações ministeriais: uma para o Haken (empreitada) e, uma outra, a fim de que a empreiteira possa obter lucros sobre um trabalhador. Empresas de Ukeoi estão dispensadas da primeira autorização, mas precisam daquela sobre a obtenção de lucros. O enriquecimento ilícito é crime!
O simples fato de haver uma licença, não significa que a empresa esteja agindo corretamente: é preciso que siga à risca cada uma das Normas Trabalhistas. Há empresas que publicam um número de registro em seus anúncios, porém, usam o número de uma outra empresa que somente eles a consideram como parte integrante de um grupo: cada empresa desse "grupo" deve obter uma licença à parte.
Não existem Leis Trabalhistas no Japão; existem Normas Trabalhistas. As leis devem ser feitas pela Dieta Nacional (Legislativo). Órgãos do Executivo não podem legislar, mas podem criar normativas baseadas em leis válidas ou que não colidam com a Constituição e demais leis vigentes. As normas podem regrar somente pessoas jurídicas. As leis regem ambas as pessoas, física (cidadão/indivíduo) e jurídica.
7 soluções contra o crime


Roberto Setton

Ronda noturna para fiscalizar o fechamento dos bares às 23 horas, na Grande São Paulo: queda de 68% no número de homicídios



NESTA EDIÇÃO
Depois de brincar de referendo, é hora de falar sério
O bom exemplo colombiano

EXCLUSIVO ON-LINE
Em Profundidade: Armas de fogo

Dissipada a cortina de fumaça em que o referendo envolveu a questão da segurança pública, é hora de falar em soluções realistas de combate ao crime. Nas próximas páginas, VEJA lista sete medidas cuja aplicação em outros países e em municípios e estados brasileiros comprovou serem eficazes para reduzir os níveis de criminalidade. As sete medidas têm como característica o fato de ser viáveis e estar ao alcance do poder de gastos, custeio e investimento de um país em desenvolvimento como o Brasil. Elas levam em conta as limitações culturais e as circunstâncias sociais que podem acelerar ou atrasar o processo de contenção da ação dos bandidos. As medidas narradas a seguir assentam-se sobre três pilares. O primeiro trata de reverter a atração que o crime organizado exerce sobre os jovens, em especial os que têm poucas perspectivas econômicas. O segundo incentiva a eficiência do sistema de punição aos criminosos. O terceiro pilar mostra como é vital impedir que a geografia do crime crie territórios livres onde o Estado só entra para dar uns tiros, prender uns olheiros e achacar alguns traficantes.



1 DAR OPÇÕES DE LAZER E PROFISSÃO AOS JOVENS POBRES

Robson Fernandes/AE

Jovens jogam basquete em escola da periferia paulistana: o lazer nos fins de semana reduziu os furtos


Uma crença costuma influenciar as políticas de segurança pública no Brasil: é a de que a criminalidade é causada pela pobreza e pelo desemprego. Decorre daí a impressão de que nada se pode fazer contra o crime até que se consiga distribuir melhor a renda, acabar com a miséria e gerar empregos. É a desculpa ideal para não fazer nada. A adoção de políticas sociais em áreas pobres funciona não porque acaba com a pobreza, mas porque diminui as oportunidades de ocorrerem crimes. A criminalidade é realmente maior nas áreas pobres das grandes cidades. Em Belo Horizonte, por exemplo, 36% dos assassinatos acontecem em seis favelas, que ocupam apenas 4% da área da capital mineira. Isso ocorre não porque a pobreza induz ao crime, mas, sobretudo, porque nessas áreas a presença do Estado é quase inexistente. "Em ambientes degradados, onde não há nenhum tipo de assistência ou controle por parte do Estado, a violência prolifera com facilidade", diz o cientista político Cláudio Beato Filho, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.

Três experiências bem-sucedidas para a redução da criminalidade, uma em Minas Gerais e duas em São Paulo, sinalizam um caminho para reduzir a criminalidade. Em 2002, na favela Morro das Pedras, a mais violenta de Belo Horizonte, o número de homicídios caiu pela metade em apenas cinco meses depois que o governo do estado usou uma escola do bairro para oferecer oficinas profissionalizantes aos jovens. Efeito semelhante foi obtido em São José dos Campos, a 100 quilômetros de São Paulo, com uma fundação municipal que, desde 1987, mantém cursos profissionalizantes para crianças e adolescentes de 7 a 18 anos em bairros pobres. Ali se formam mecânicos, padeiros, secretárias e eletricistas. O objetivo inicial era apenas educacional, mas logo se tornaram evidentes os reflexos na queda geral de criminalidade na cidade.

Desde 1999, quando a prefeitura dobrou o número de adolescentes atendidos pelos cursos e concentrou os esforços da guarda municipal nas áreas pobres da cidade, o número de roubos e furtos de veículos caiu 16% e o índice de homicídios diminuiu de 48 para 24 por 100.000 habitantes.

Na capital paulista, desde 2003 as escolas de periferia permanecem abertas nos fins de semana para oferecer aos moradores atividades esportivas e cursos. O número de furtos nos arredores dessas escolas caiu 38% e as ocorrências envolvendo armas de fogo diminuíram 81%. Isso mesmo: 81%. Que tal convocar um referendo com a seguinte pergunta: "As escolas públicas de todos os níveis e os quartéis das Forças Armadas deveriam abrir suas instalações nos fins de semana e proporcionar atividades esportivas às crianças e adolescentes carentes?". Abrir escolas nos fins de semana e oferecer cursos profissionalizantes reduz a criminalidade porque os adolescentes ficam menos tempo nas ruas e, com isso, se tornam menos vulneráveis à influência de outros jovens já envolvidos com a criminalidade. "Como no Brasil os alunos permanecem pouco tempo em sala de aula, as crianças e os adolescentes das áreas mais pobres passam pelo menos metade do dia sem ter o que fazer", diz João Trajano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


Fotos Fabiano Accorsi

Alunos em curso de mecânica da prefeitura de São José dos Campos, à esquerda. O projeto ajudou a reduzir os índices de criminalidade no município. À direita, Wanderson Richard da Silva, de 16 anos, aluno do curso de eletrônica, que mora com a mãe no bairro mais pobre da cidade: "Um dos meus cinco irmãos está preso há sete meses por tentar roubar uma casa com um amigo. Não quero essa vida para mim. Por isso me candidatei a uma vaga no curso da prefeitura. Esperei dois anos e meio por isso. No futuro, quero fazer faculdade de engenharia mecânica"



2 PRENDER O CRIMINOSO E DEIXÁ-LO PRESO

Existem dois fatores que levam o bandido a acreditar que o crime compensa no Brasil. Um deles é achar que nunca será pego. Em média, a polícia brasileira desvenda apenas 3% dos casos de homicídio. O outro é a certeza de que, se for para a cadeia, ele não ficará por lá muito tempo. A pena máxima para assassinos é de trinta anos de reclusão, mas apenas um em cada dez condenados cumpre até o fim a sentença determinada pelo juiz. A Lei de Execução Penal, de 1984, prevê várias formas de abreviar a sentença. Ao completar um sexto da pena, o preso pode ser transferido para o sistema de prisão semi-aberto e, depois de mais um sexto, para o regime aberto. A exceção são os crimes hediondos – estupro, seqüestro, tráfico de drogas e homicídio qualificado –, que exigem que o condenado cumpra pelo menos dois terços da pena em regime fechado. "A lei brasileira é leniente com os homicidas", diz o sociólogo Gláucio Soares, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. "Trinta anos, ou até menos, para quem tira a vida de alguém é pouco", comenta Soares, especialista no estudo de homicídios no Brasil. A filosofia que predominou na legislação brasileira foi a de que os anos de cadeia não ajudam em nada a reintegração do preso na sociedade. A experiência de outros países mostra que penas severas são eficientes para dissuadir os potenciais criminosos de agir. Em 1982, o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, aprovou condenações mais longas para homicídios, estupros, assaltos a mão armada e roubos a residências e lojas. Em três anos, a criminalidade no Estado caiu 8%. Sete anos depois, a queda chegou a 20%. Diz o criminalista Antonio Scarance Fernandes, professor de processo penal da Universidade de São Paulo: "O sistema penal brasileiro não gera credibilidade. O bandido adquire a certeza da própria impunidade e se sente estimulado a continuar praticando crimes".



3 FECHAR OS BARES MAIS CEDO E FORMAR POLÍCIAS COMUNITÁRIAS



Roberto Setton

Monitoramento de câmeras de segurança em Diadema, SP: foco nas ruas mais perigosas
Uma pesquisa feita pela prefeitura de Diadema, na Grande São Paulo, em 2002, mostrou que 60% dos homicídios da cidade aconteciam a 100 metros de um bar. Esses locais, depois de uma certa hora, viravam focos de bebedeiras, brigas por motivos fúteis e tráfico de drogas. No mesmo ano, foi instituída a lei seca na cidade, que limita o horário de funcionamento dos 4.800 bares do município das 6 horas da manhã às 11 da noite – com exceção de 27 estabelecimentos que ficam em áreas de baixa criminalidade. Resultado: a cidade, que em 1999 era a mais violenta do Brasil, conseguiu reduzir o número de homicídios em 68% em cinco anos. O número de casos de ferimentos atendidos nos prontos-socorros caiu na mesma proporção. "Depois das 11 horas da noite eu só tinha cliente que não pagava o que bebia e usava o bar para planejar assalto", diz Inácio Pessoa de Lima, de 44 anos, dono de bar. "Eu mesmo fui assaltado cinco vezes, o que nunca mais aconteceu depois da lei seca." Para garantir que os bares fechem no horário estabelecido, uma equipe de fiscais da prefeitura e policiais, em quatro carros, percorre 70 quilômetros toda noite. Com o objetivo de evitar que os fiscais sejam corrompidos, o roteiro e a equipe mudam diariamente. Além do fechamento dos bares, a prefeitura investiu no policiamento comunitário. Dos 220 guardas municipais da cidade, hoje 80% têm curso superior. Parte deles circula pelos bairros de bicicleta ou a pé. Sua função é inibir infrações menores, como vandalismo e violência doméstica, permitindo que a Polícia Militar tenha mais tempo para se dedicar aos crimes mais graves. "Muita gente do meu partido, o PT, acha que os projetos sociais, sozinhos, reduzem a criminalidade, o que não é verdade. É preciso também colocar nas ruas policiais preparados", diz o prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior, que implantou a lei seca. As duas iniciativas, a lei seca e a formação de uma guarda municipal mais atuante, foram imitadas em outros municípios da Grande São Paulo. A Secretaria de Segurança do estado estima que, juntos, quatro dos municípios que adotaram o mesmo pacote de segurança – Diadema, Osasco, Embu e Mauá – conseguiram evitar 750 assassinatos entre 2001 e 2003. Há sete meses, a guarda municipal de Diadema instalou um sistema com 28 câmeras de segurança, que faz o monitoramento nas ruas dos bairros mais violentos. "A situação melhorou muito de alguns anos para cá", diz a estudante Carolina de Lima Silva, de 14 anos, de Diadema. Ela mora na Favela Naval, a 50 metros da esquina onde, em 1997, o soldado da Polícia Militar Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, foi filmado matando um morador. Diz Carolina: "Antes, às vezes eu não podia ir à escola de manhã por causas dos tiroteios na porta da minha casa. Isso acabou".



4 ACABAR COM A CORRUPÇÃO POLICIAL PARA EVITAR QUE AS ARMAS APREENDIDAS CHEGUEM AOS BANDIDOS

Mais de 10.000 policiais foram denunciados por algum tipo de crime ou má conduta no estado de São Paulo nos últimos cinco anos, o que representa quase 10% do efetivo. No Rio de Janeiro, no ano passado, um em cada quatro policiais militares foi acusado de cometer delitos que vão desde abuso de autoridade até homicídios e seqüestros. A desonestidade e o excesso de violência de alguns agentes corroem a confiança da população naqueles que deveriam garantir sua segurança e dificultam o combate ao crime. "A corrupção destrói os alicerces da polícia", diz o coronel José Vicente da Silva, especialista em segurança pública. "Quando os agentes se vendem aos bandidos, fica quase impossível colocar os chefes das organizações criminosas na cadeia." Em um sistema corrupto, as armas apreendidas logo voltam para as mãos da bandidagem, drogas e dinheiro somem dos depósitos da polícia e presos escapam sem que ninguém possa, ou queira, dizer como. Entre as medidas necessárias para resolver esse problema estão o fortalecimento das corregedorias e ouvidorias – responsáveis por receber e investigar as denúncias contra os policiais – e o aumento do rigor na punição dos infratores. Um exemplo de método eficiente para combater a corrupção é a estratégia adotada pela polícia de Nova York na década de 90, como parte do pacote de tolerância zero que reduziu pela metade os homicídios na cidade. Lá, a própria corporação realiza testes de honestidade, com a ajuda de agentes disfarçados de criminosos e cidadãos comuns. Ou seja, eles induzem os agentes a exigir propina. A reação desses policiais, que obviamente não sabem que estão sendo avaliados, é registrada com câmeras escondidas e serve como prova irrefutável da desonestidade. No Brasil, a expulsão de um policial corrupto é dificultada pela legislação que protege o emprego do funcionário público. O espírito corporativo também acaba por favorecer o mau policial.



5 APARELHAR E TREINAR A POLÍCIA



Roberto Setton

"Anjos do quarteirão": policiamento comunitário reduziu crimes em Diadema
A polícia brasileira é uma das mais ineficientes do mundo. Nada menos que 97% dos casos de homicídio ficam sem solução no país, contra 30% nos Estados Unidos e no Japão. A incompetência policial aumenta a sensação de impunidade dos bandidos. Uma das razões do fraco desempenho da polícia brasileira são falhas no recolhimento das provas deixadas na cena do crime. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a polícia utiliza recursos como análises de DNA e impressões digitais para reunir evidências materiais irrefutáveis que indiquem a autoria do crime, a base do método de investigação da nossa polícia são os interrogatórios de suspeitos e testemunhas. Melhorar esse quadro exigiria um investimento maior no treinamento de investigadores e peritos. Outra medida seria a instalação de bancos de dados para mapear os crimes e reunir informações sobre os bandidos. São Paulo é um exemplo de como isso dá bons resultados. Desde que os boletins de ocorrência passaram a alimentar uma base de dados unificada, em 2001, a polícia paulistana percebeu que 45% dos crimes ocorrem em apenas 2% das ruas e passou a concentrar seus homens e recursos nesses pontos críticos. Desde então, a taxa de homicídios caiu 35% na cidade. Por fim, implantar um sistema de promoções não para policiais que prendam mais gente, mas para policiais em cujas áreas de atuação as taxas de crime caiam. O sistema de recompensa por produtividade foi adotado em Nova York, na década passada, e desde então o número de reclamações feitas pela população sobre a conduta dos policiais caiu à metade.



6 AUMENTAR A EFICÊNCIA DA JUSTIÇA

Um processo judicial no Brasil demora em média doze anos para ser concluído. Nos Estados Unidos, somente quatro meses. De cada 100 processos que entram em todos os níveis do Judiciário, apenas quarenta são julgados no mesmo ano. A demora não decorre da falta de magistrados. O país tem uma média de 7,73 juízes para cada 100.000 habitantes, média superior ao mínimo recomendado pela ONU. "Os processos demoram tanto tempo para ser concluídos e julgados que no meio do caminho as provas são perdidas, testemunhas acabam morrendo, e o criminoso sai ileso, porque os crimes prescrevem", diz o advogado René Dotti, professor de direito penal da Universidade Federal do Paraná. Parte da responsabilidade pela demora se deve a falhas na investigação policial, que, no caso de homicídios, costuma levar em média sete anos para terminar. Nos EUA, isso é feito em um ano. "O inquérito, muitas vezes malfeito, vai para o promotor de forma incompleta e este, por sua vez, fica sem informações suficientes para fazer a denúncia", explica o advogado criminalista Beno Brandão, de Curitiba. O código processual brasileiro é detalhista e permite um número excessivo de recursos protelatórios. Cada passo do processo precisa ser registrado em cartório, por exemplo.

Estima-se que os processos, no Brasil, passem 90% do tempo nos cartórios e só 10% com os juízes. Por isso, a primeira medida a ser tomada seria simplificar os procedimentos judiciais. Isso pode ser conseguido informatizando o sistema da Justiça Criminal, integrando os bancos de dados da polícia, do Ministério Público e dos fóruns. A segunda é oferecer mais subsídios tecnológicos para que a polícia consiga fazer melhor as investigações. A terceira medida pode ser inspirada no exemplo do Chile, que aprovou recentemente uma lei que obriga os juízes a pronunciar o veredicto em no máximo oito meses.



7 COMBATER O CONSUMO DE DROGAS

A experiência mostra que reprimir o consumo é mais barato e eficiente do que gastar todas as energias no combate ao narcotráfico. Estudos internacionais indicam que, para diminuir o consumo de cocaína em 1%, é preciso investir 246 milhões de dólares na repressão à venda. O mesmo resultado, no entanto, pode ser alcançado gastando-se apenas 34 milhões de dólares na cura do vício. Há três anos, o governo americano passou a dar prioridade ao controle do usuário. A estratégia nacional contra as drogas começou a ser feita em três frentes: aplicação de programas educativos para os jovens que ainda não tiveram contato com drogas, tratamento obrigatório para quem é pego se drogando e repressão à produção e ao transporte dos entorpecentes. Em três anos, o número de usuários de drogas entre os adolescentes caiu 17%. Diz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas: "No Brasil, os delegados ainda comemoram quando apreendem 1 tonelada de maconha, enquanto as melhores polícias do mundo preferem trabalhar para reduzir o consumo".



PRISÕES COM DIGNIDADE

Qualquer estratégia que pretenda diminuir o crime no Brasil precisa incluir uma reforma completa das cadeias e penitenciárias. Os especialistas concordam que não há como diminuir os índices de criminalidade sem um sistema carcerário eficiente. No Brasil, há dois presos para cada vaga nas cadeias. Falta espaço para 136 000 condenados. Essa situação tende a se agravar, pois a previsão é que a população carcerária passe dos atuais 336 000 para 476 000 presos em 2007. A superlotação cria o ambiente propício para rebeliões, dificulta o controle das quadrilhas que comandam o crime organizado de dentro dos presídios e torna praticamente impossível a recuperação dos presos. "Um dos grandes problemas é a má qualidade e a corrupção do quadro de agentes carcerários", diz o advogado criminal Tales Castelo Branco, de São Paulo. "Se existem drogas e celulares dentro dos presídios, é porque alguém deixa entrar."

Esse tipo de problema foi enfrentado em muitos países e diferentes soluções foram encontradas. Uma delas é a formação de parcerias com a iniciativa privada. Enquanto o Estado mantém a direção dos presídios e a tutela formal dos presos, uma empresa assume a responsabilidade por serviços como alimentação, higiene, médicos, psicólogos, atividades de lazer e segurança. Isso elimina muitas das condições que podem levar os presos a corromper os agentes penitenciários. No Brasil, já existem dois presídios que seguem esse modelo. Um deles é a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no interior do Paraná, inaugurada há seis anos, e o outro é a Penitenciária Industrial Regional de Cariri, em Juazeiro do Norte, no Ceará, inaugurada em 2001. Nenhum dos dois sofre com o problema de superlotação – cada um tem menos de 300 detentos – e nunca houve rebeliões. "As empresas terceirizadas precisam cumprir com as normas previstas no contrato, oferecendo um serviço de qualidade, e o preso retribui com o bom comportamento", diz Dilza Merly Sbrissia, diretora da penitenciária de Guarapuava. Em geral, presos bem tratados não têm motivo para se rebelar. Se não seguirem as regras, podem ser devolvidos a um presídio comum, onde viverão em celas superlotadas. Dos 240 detentos de Guarapuava, 96% estudam. Eles têm atendimento médico, psicológico, atividades de lazer e até aulas de ioga, tudo oferecido pela empresa prestadora de serviços. Diz Luiz Flavio Borges D'Urso, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo: "Dar ao preso uma situação digna abre o caminho para que ele se recupere".
1.INTRODUÇÃO
Neste trabalho será abordada a complexa problemática do Crime Organizado, iniciando seu estudo a partir de sua origem, narrando brevemente as semelhanças existentes na formação de algumas organizações criminosas, assim como seus tipos e ramos de atuação.

Em segundo plano, serão analisadas as principais características do crime organizado, que se constituem em acumulação de poder econômico, alto poder de corrupção, necessidade de "legalizar" lucro obtido ilicitamente, alto poder de intimidação, conexões locais e internacionais, criminalidade difusa e, finalmente, estrutura das organizações criminosas e sua relação com a comunidade. A importância dos tópicos supra citados reside na identificação e no enquadramento das infrações penais cometidas como de crime organizado.

Ainda, indubitável é a relevância de seu conceito, baseado em colocações doutrinárias. Atente-se à dificuldade em se conceituar crime organizado, frente ao número e à complexidade de condutas que o compõem. Nesta vereda, é de verificar-se que a Lei n° 9.034/95 foi omissa quanto à conceituação de crime organizado, comparando-o aos crimes de associação criminosa e quadrilha ou bando, já tipificados no ordenamento jurídico brasileiro. Em derradeiro, o artigo 1° do mencionado dispositivo legal foi revogado pela Lei n° 10.217/01, contudo esta não solucionou o problema apontado, apenas declarando a distinção entre os crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa do crime organizado.

Como se há verificar, o modelo processual penal vigente apresenta –se como ineficiente na obtenção de variados tipos de provas, em face da sólida estrutura do crime organizado e de seu poderio econômico, impossibilitando que a atuação dos agentes, assim como as conseqüências de suas ações sejam rastreadas, comprovadas e devidamente punidas. Diante do quadro exposto, a doutrina e a jurisprudência têm considerado a aplicação de medidas restritivas os direitos individuais, garantidos pela Carta Magna, quando o caso concreto exigir sua imposição, atentando-se aos limites de sua aplicação e ao Princípio da Proporcionalidade.

Também será abordado o procedimento probatório, partindo do conceito de prova e de procedimento probatório, analisando seus momentos e importância para a adequada avaliação do caso concreto pelo magistrado, não se olvidando a obtenção de provas a fim de se apurar o crime organizado, sua admissibilidade no processo e sua valoração.

Ademais, será verificada a atuação das organizações criminosas no Brasil, assim como suas conseqüências para a sociedade civil e para o Estado brasileiro.

Ainda, será discutida a importância do Terrorismo como ameaça à comunidade internacional, além de sua correlação com o crime organizado.

Também merece atenção o crime de tráfico de entorpecentes, já que se configura como objeto de ação de inúmeras organizações criminosas.

Cabe salientar a questão da "lavagem de dinheiro", relevante crime econômico de profunda conexão com o crime organizado.

Não há olvidar-se a jurisprudência emanada pelos Egrégios Tribunais Brasileiros, relatando a opinião das instâncias superiores quanto à questão do crime organizado.

Ao ensejo da conclusão deste trabalho, serão apontadas soluções plausíveis, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de se combater um dos maiores desafios da atualidade:

2.origem e Desenvolvimento
Cumpre examinar, preliminarmente, a complexidade existente quanto à origem das organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por cada país. Note-se que "No Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição faz com que os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no Japão, onde as organizações que se dedicam ao controle do vício e da extorsão têm uma grande proeminência. Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e políticos".

Interessante se faz comentar que algumas organizações, como as Máfias italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o poder. Ademais, "para o crescimento de suas atividades contaram com a conivência de autoridades corruptas das regiões onde ocorriam movimentos político-sociais".

Outrossim, foi relatado que o primeiro caso de Terrorismo, vertente do crime organizado, ocorreu em 1855, ocasião em que anarquistas franceses atentaram contra Napoleão III, tendo esses refugiado-se na Bélgica, cujos governantes recusaram-se a conceder-lhes a extradição. Tal fato originou a Lei francesa de 28 de julho de 1894.

Registre-se, ainda, que no Brasil a associação criminosa derivou do movimento conhecido como cangaço, cuja atuação deu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX, como uma maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além de contestar o coronelismo. "Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear vilas, fazendas e pequenas cidades, extorquir dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou seqüestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições".

É de verificar-se que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na prática do "jogo do bicho", iniciada no século XX. Relatou-se que o Barão de Drumond criou o jogo com o intuito de arrecadar dinheiro para salvar os animais do Jardim Zoológico do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, a idéia popularizou-se e passou a ser patrocinada por grupos organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e políticos. Consta que, na década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de R$500.000,00 por dia com as apostas realizadas, sendo que de 04% a 10% deste montante foi destinado aos banqueiros.

Cumpre assinalar que, nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a "Falange Vermelha", que nasceu no presídio da Ilha Grande e é formada por quadrilhas especializadas em roubos a bancos, o "Comando Vermelho", originado no presídio Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de entorpecentes e o "Terceiro Comando", dissidente do Comando Vermelho e idealizado no mesmo presídio por detentos que discordavam da prática de seqüestros de crimes comuns praticados por grupos criminosos. Vale lembrar que "no Estado de São Paulo, em meados da década de 90, surgiu no presídio de segurança máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, a organização criminosa denominada PCC – Primeiro Comando da Capital –, com atuação criminosa diversificada em diversos Estados" . O PCC patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros de transporte de valores, pratica extorsão de familiares de detentos, extorsão mediante seqüestro e tráfico de entorpecentes, possuindo conexões internacionais. Ademais, assassina membros de facções rivais, tanto dentro como fora dos presídios.

Por sua vez, segundo Relatório divulgado em 17 de junho de 2.002, pela organização não governamental World Wild Fund (WWF), o crime organizado, incluindo a Máfia russa e os cartéis de entorpecentes, estão adentrando o tráfico ilícito de animais, devido ao seu caráter lucrativo (de até 800%), ao baixo risco de detenção e à falta de punição. Estima-se que, no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de drogas estejam relacionados com o tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de 1/3 (um terço) da cocaína apreendida em 1993 provém da importação de animais selvagens. Dessarte, em alguns casos, os animais são levados juntamente com as drogas; em outros, são usados como moeda de troca e lavagem de dinheiro.

Sobremais, "(...) as pesquisas biológicas clandestinas, o comércio irregular de madeiras nobres da região amazônica e da mata atlântica, em especial o mogno, extraído dos Estados do Pará e sul da Bahia, com a suposta conivência de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), também são consideradas relevantes áreas de atuação do crime organizado no território nacional, com conotações transnacionais". Segundo relatório final da CPI da Biopirataria, divulgado em 03/02/2.003, o comércio ilegal de animais movimenta aproximadamente R$2 bilhões por ano e, a comercialização ilegal de madeira, R$4 bilhões.

Não há olvidar-se a existência de organizações criminosas especializadas em desvio de extraordinários montantes dos cofres públicos para contas de particulares, as quais são abertas em paraísos fiscais no exterior. Tal prática envolve escalões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, resultando no impeachment do Presidente Collor em 1992, a renúncia de alguns deputados da Câmara Federal, os quais manipulavam verbas públicas e ficaram conhecidos como "anões do orçamento", além da cassação do senador Luís Estevão e da prisão do presidente do Tribunal Regional do Trabalho, Nicolau dos Santos, devido ao superfaturamento na construção da sede do referido tribunal.

Registre-se que a "criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da Legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade...é uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais"

3.PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO
Em primeiro plano, atente-se à questão da acumulação de poder econômico dos integrantes das organizações criminosas, já que estas "atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhes possibilita auferir extraordinários lucros". Aliás, estima-se que o mercado do crime organizado movimenta mais de ¼ (um quarto) do dinheiro em circulação no mundo. Neste sentido: "As Máfias italianas são consideradas verdadeiras potências financeiras do mundo: o volume anual de seus negócios alcança US$50 bilhões e estima-se que seu patrimônio seja superior a US$100 milhões". Acrescente-se, ainda, que: "Os 100.000 integrantes da Yakuza operam anualmente no mercado cerca de US$180 milhões".

Além disso, a acumulação do poder econômico deriva da necessidade de "legalizar" o lucro obtido ilicitamente, acarretando na lavagem de dinheiro auxiliada pelos paraísos fiscais (Panamá, Ilhas Cayman, Uruguai, Ilhas Virgens Britânicas, Andorra, dentre outros).

Em derradeiro, o alto poder de corrupção configura-se como fator relevante no incentivo ao crime organizado, uma vez que é direcionado a várias autoridades das três esferas estatais, na medida em que são compostas pelas instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário), pelas altas esferas do Poder Executivo, além de integrantes do Poder Legislativo. Assim, a participação de agentes estatais cria uma sensação de "segurança nos criminosos", na medida em que contribui para a continuidade das ações delituosas e para o agravamento do problema da impunibilidade.

Registre-se que a criminalidade difusa decorre da ausência de vítimas individuais, conhecidas, determinadas, configurando-se como obstáculo à reparação dos danos causados pelas organizações criminosas, uma vez que no momento em que se descobre a infração, os danos são imensos e irreparáveis, restando ao Poder Público o rastreamento do valor apropriado, tarefa esta de difícil concretização, frente à morosidade, dificuldade e aos resultados mínimos.

Vale lembrar que as organizações criminosas possuem característica mutante, pois utilizam-se de empresas de "fachada", terceiros ("laranjas") e contas bancárias específicas como meios impeditivos de visibilidade de sua atuação pelo Poder Público. Ademais, de tempos em tempos, alteram sua estrutura administrativa, mudando as empresas, removendo as pessoas para lugares diversos e criando outras contas bancárias.

Entrementes, o alto poder de intimidação também é um fator considerável, já que a "lei do silêncio" imposta aos membros do crime organizado, assim como às pessoas estranhas à organização é mantida devido ao emprego de meios cruéis de violência. Assim sendo, os membros de tais facções podem atuar na clandestinidade, a fim de evitar a responsabilização penal.

Outro fator consiste nas conexões locais e internacionais e na divisão de territórios para a atuação. No âmbito internacional, os criminosos "(...) não encontram grandes obstáculos para se integrarem, notadamente após o desenvolvimento do processo de globalização da economia, que contribuiu para a aproximação das nações, possibilitando aos grupos que ainda operavam paralelamente um novo impulso em suas relações com maiores perspectivas de expandirem mercados ilícitos". Como exemplos, os cartéis colombianos expandiram seu negócio de comércio de cocaína para o cultivo do ópio e a comercialização da heroína. A Máfia japonesa, além de comercializar entorpecentes, passou a atuar no mercado de ações e na exploração de atividades ligadas à pornografia. A Máfia russa explora o tráfico de componentes nucleares, além de armas, entorpecentes e mulheres. Os grupos brasileiros também diversificaram suas atividades, as quais constituem em roubo a bancos, extorsão mediante seqüestro, resgate de presos, tráfico de armas e entorpecentes, com conotações internacionais.

É preciso analisar a estrutura das organizações criminosas e sua relação com a comunidade. Estes grupos possuem uma estrutura empresarial, possuindo na base soldados que realizam diversas atividades gerenciadas por integrantes de média importância. Ademais, para "(...) ganhar simpatia da comunidade em que atuam e facilitar o recrutamento de seus integrantes, realizam ampla oferta de prestações sociais, aproveitando-se da omissão do aparelho do Estado e criando uma prática de um verdadeiro Estado paralelo".

4.Tipificação do Crime Organizado no Direito Penal
Mister se faz ressaltar que a tipificação correspondente às condutas delitivas individuais é incompatível com o problema do crime organizado, devido ao número variado e complexo de condutas que o compõem.

Convém ponderar que a conceituação normativa faz-se possível mediante a aproximação de três critérios: "estrutural (número mínimo de integrantes), finalístico (rol de crimes a ser considerado como de criminalidade organizada) e temporal (permanência e reiteração do vínculo associativo)". Assim sendo, é possível conceituar crime organizado como aquele praticado por, no mínimo, três pessoas, permanentemente associadas, que praticam de forma reiterada determinados crimes a serem estipulados pelo legislador, em consonância com a realidade de cada País.

Tenha-se presente que a Lei n° 9.034/95 procurou tutelar o crime organizado, não se atentando ao Projeto n° 3.519/89, cujo artigo 2° estipulava que: "Para efeitos desta lei, considera-se organização criminosa aquela que, por suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional". Além disso, "não partiu de uma noção de organização criminosa, não definiu crime organizado por seus elementos essenciais, não arrolou as condutas que constituiriam criminalidade organizada nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria. Optou somente, num primeiro momento, por equiparar a organização criminosa às ações resultantes de quadrilhas ou bandos (art. 1°)".

Posteriormente, a lei n°10.217/2001 alterou a redação do art. 1° da lei n° 9.034/95, contudo não solucionou o problema da conceituação de crime organizado.

Registre-se que "Pelo texto atual a lei incide nos ilícitos decorrentes de: (a) quadrilha ou bando; (b) organização criminosa; (c) associação criminosa. Como se percebe, com o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados três conteúdos diversos: organização criminosa (que está enunciada na lei, mas não tipificada no nosso ordenamento jurídico), associação criminosa (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º: associação para prática de genocídio) e quadrilha ou bando (CP, art. 288). Quadrilha ou bando sabemos o que é (CP, art. 288); associações criminosas (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º) sabemos o que é ".

Ainda, na opinião de Luís Flávio Gomes, o conceito de crime organizado abrange:

" (a) a quadrilha ou bando (288), que claramente (com a Lei 10.217/01) recebeu o rótulo de crime organizado, embora seja fenômeno completamente distinto do verdadeiro crime organizado;

(b) as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico (art. 14 da Lei de Tóxicos, art. 2º da Lei 2.889/56 v.g.) assim como todas as que porventura vierem a sê-lo e

(c) todos os ilícitos delas decorrentes ("delas" significa: da quadrilha ou bando assim como das associações criminosas definidas em lei).

Referido conceito, em conseqüência, de outro lado e juridicamente falando, não abrange:

(a) a "organização criminosa", por falta de definição legal;

(b) o concurso de pessoas (os requisitos da estabilidade e permanência levam à conclusão de que associação criminosa ou quadrilha ou bando jamais podem ser confundidos com o mero concurso de pessoas (que é sempre eventual e momentâneo)."

5.Conseqüências do crime organizado no plano processual penal
Impende observar que, no plano processual, o crime organizado, devido ao seu caráter multiforme, também requer o desenvolvimento de estratégias diferenciadas dos crimes comuns, na medida em que se busca uma maior eficiência penal. Nesta vereda: "a evolução da criminalidade individual para a criminalidade especialmente organizada, que serve de meios logísticos modernos e está fechada ao ambiente exterior, em certa medida imune os meios tradicionais de investigação (observações, interrogatórios, estudos dos vestígios deixados), determinou a busca de novos métodos de investigação da polícia" . No mesmo sentido: "a criminalidade organizada, especialmente a narcocriminalidade, tem evoluído extraordinariamente nos últimos tempos, adquirindo estruturas complexas que dispõem de ingentes meios financeiros de origem ilícita e cuja capacidade operativa supera as das clássicas organizações de delinqüentes, razão pela qual os meios tradicionais de investigação se mostram insuficientes, ao menos para chegar ao coração das organizações e aproximar-se dos seus chefes e promotores".

Verdade seja, esta é, as organizações criminosas utilizam meios eficazes para a destruição de provas de autoria delitiva, possuindo mecanismos modernos, muitas vezes mais sofisticados que os da Polícia, dirimindo-se, assim, de sua culpabilidade. Exemplificando: no de homicídio, a arma de fogo utilizada é destruída para evitar vestígios; o automóvel utilizado para fins ilícitos é incendiado; os locais de atuação são desconhecidos; as testemunhas são assassinadas ou ameaçadas; no interior dos grupos criminosos as informações são restritas. Ademais, "(...) os integrantes de algumas organizações criminosas passaram a adquirir equipamentos eletrônicos, geralmente com tecnologia superior àqueles utilizados pela polícia, que facilmente identificam a presença de microfones ocultos ou microcâmeras instalados nos ambientes por eles freqüentados (moradias, escritórios, hotéis etc), comprometendo, assim, a obtenção da prova (...)".

Bom é dizer que devido à dificuldade em se adquirir provas contundentes no caso do crime organizado, medidas como interceptações telefônicas e ambientais, quebra de sigilo bancário e fiscal dos denunciados, têm sido permitidas pelo ordenamento jurídico de vários países. Note-se que a recomendação nº 10 do VIII Congresso das Nações Unidas, realizado em Havana, no ano de 1991, dispõe que "a interceptação das telecomunicações e o uso de métodos de vigilância eletrônicos são também importantes e eficazes" para a apuração do crime organizado.

No caso presente, essas estratégias de busca de prova têm se mostrado eficientes para o rastreamento das operações financeiras, muitas com conexões internacionais, resultantes na lavagem de dinheiro. Saliente-se que tais métodos devem ser utilizados com cautela, a fim de evitar lesão aos direitos personalíssimos garantidos aos cidadãos. Atente-se à lição de J. C. Viera de Andrade, segundo o qual "o fundamento teórico dessa tendência restritiva está no fato de que, assim como os direitos fundamentais do cidadão, o bem-estar da comunidade e a preservação e repressão criminal também possuem assento constitucional e não podem ser sacrificados por uma concepção puramente individualista. Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem ilimitados, visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos à idéia de responsabilidade e integra-os no conjunto de valores comunitários, afigurando-se constitucionalmente lícito ao legislador ordinário restringir certos direitos de indivíduos pertencentes a organizações criminosas que claramente colocam em risco os direitos fundamentais da sociedade".

Come se há verificar, existem controvérsias na doutrina a respeito da questão acima suscitada. Autores como Sergio Moccia e Mario Chiavario, afirmam que o Estado não deve sacrificar os direitos individuais consagrados, pois eminente é o perigo de um retrocesso na história de consagração desses direitos, podendo, inclusive, acarretar em retornos autoritários ou ditatoriais.

No sentido de se preservar os direitos personalíssimos, "(...) o legislador previu regras para colher a prova, disciplinando um procedimento secreto para o juiz colher a prova que comportar em violação de sigo preservado pela Constituição ou por lei, cujo ato de diligência será conservado fora do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório e servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas da causa, que não poderão ele servir-se para fins estranhos à mesma" (art. 3º, §3º, da Lei 9.034/95).

Por iguais razões, têm-se concedido dilação dos prazos de prisão cautelares e previsão da incomunicabilidade dos investigados por algumas horas.

Finalmente, "o legislador brasileiro, em se tratando de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de diversos crimes, entre eles os praticados por organização criminosa, dispôs que o juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados apenas quando comprovada a ilicitude de sua origem pelo investigado ou acusado".

Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, por meio de ação direta de inconstitucionalidade nº 1570, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, decidiu a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.034/95, alegando que a Lei Complementar nº 101/01, norma esta superveniente e de hierarquia superior, regulou a questão do sigilo bancário e financeiro nas ações praticadas por organizações criminosas, revogando, por incompatibilidade, a lei 9.034/95. Ainda, sustentou que ao magistrado incumbe analisar as provas, atendo-se ao Princípio da Imparcialidade, sendo incompatível com a sua função diligenciar pessoalmente a obtenção de provas, sem o auxílio da Polícia e do Ministério Público.

Segundo a Procuradoria Geral da República, o referido dispositivo legal transformou o juiz em investigador, violando o Princípio do Devido Processo Legal, comprometendo, assim sua imparcialidade.

Contudo, a lei mencionada continua em vigor, ao tratar da obtenção de informações fiscais e eleitorais, implicando na violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei.

6.TUTELA PROCESSUAL PELO LEGISLADOR BRASILEIRO
Em consonância com o acatado, o legislador criou a Lei nº 9.034/95, dispondo sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, tutelando a ação controlada por policiais, o acesso a informações bancárias, financeiras, fiscais e eleitorais, além de criar procedimento específico. A Lei nº 9.296/96, por sua vez, regulamentou a violabilidade das comunicações e do fluxo das mesmas em sistemas de informática e telemática. Ainda, a lei nº 9.613/98 que dispõe sobre "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema financeiro. Estipulou, em seu art. 4º, §2º, que o juiz só permitirá a liberação de bens apreendidos ou seqüestrados se provada sua origem lícita.

Ademais, a medida provisória nº 1.713/98 alterou a redação do art. 34 da Lei nº 6.368/76, estipulando processo cautelar para o perdimento de bens. A alienação desses bens deve ser requerida pelo representante do Ministério Público, podendo o juiz determinar sua venda por meio de leilão, desde que comprovado o nexo de causalidade entre os delitos e o risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo. Após realização do leilão, "a União será intimada para oferecer, em títulos do tesouro, caução equivalente ao montante do valor arrecadado, cabendo ao juiz decidir sobre a perda definitiva dos bens e valores ou sobre o levantamento da caução".

Acrescente-se a Lei nº 9.807/99 que estabeleceu normas para a organização manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas (arts. 7º, 8º e 9º), estendendo aos réus colaboradores (art. 15). A Lei nº 10.217/01, por sua vez, introduziu os incisos IV e V no art. 2º da Lei 9.034/95, disciplinando a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos e a infiltração de agentes policiais ou da inteligência da Polícia quanto à investigação, mediante prévia e expressa autorização judicial.

Nessa vereda, a jurisprudência tem se manifestado no sentido de corroborar com a restrição aos direitos individuais em prol da sociedade e eficiência ao combate do crime organizado. Atente-se ao à decisão do E. Superior Tribunal Federal:

"OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros". (MANDADO DE SEGURANÇA, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 16/09/1999)

No mesmo sentido: "PROCESSUAL – HABEAS CORPUS – QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (ART. 5º, X E XII DA CF) – I. Os direitos e garantias fundamentais do indivíduo não são absolutos, cedendo em face de determinadas circunstancias, como, na espécie, em que há fortes indícios de crime em tese, bem como de sua autoria. II. Existência de interesse público e de justa causa, a lhe dar suficiente sustentáculo. III. Observância do devido processo legal, havendo inquérito policial regularmente instaurado, intervenção do parquet federal e prévio controle judicial, através da apreciação e deferimento da medida". (TRF 2ª R – HC 95.02.22528-7 – RJ 3 ª T. – Rel. Dês. Fed. Valmir Peçanha – DJU 13.02.96)

7.LIMITES À ATUAÇÃO RESTRITIVA DO ESTADO
Mister se faz ressaltar que é preciso buscar um equilibro entre a restrição aos direitos personalíssimos e os limites da atuação estatal, sendo vedada a prática abusiva praticada por esse, "razão pela qual o risco de um descontrole no binômio eficiência penal/garantia individual em desfavor do cidadão deve sempre ser ponderado pelo legislador e pelo juiz em sua atividade prática, o que determina que essa relação dicotômica seja sempre marcada pela excepcionalidade"

Ao propósito, a questão que se coloca gira em torno da medida em que as restrições devem ser ocorrer, a fim de se buscar um equilíbrio entre a garantia dos direitos individuais e a restrição de tais direitos pelo Estado. Neste passo, é preciso examinar o Princípio da Proporcionalidade, o qual se destina a "(...) regulamentar a confrontação indivíduo-Estado. De um lado, os interesses estatais na realização da investigação criminal e da persecução penal em juízo; de outro, o cidadão investigado ou acusado, titular de direitos e garantias individuais (...)". Dessarte tem como objetivo evitar a violação dos direitos fundamentais de cada indivíduo e o comprometimento da atividade estatal no combate e repressão à criminalidade.

Atente-se ao acórdão emanado pelo Min. Nelson Jobim, segundo o qual "a Constituição não trata a privacidade como direito absoluto (art. 5º, X, XI e XII). Há momento em que o direito à privacidade se conflita com outros direitos, quer de terceiros, quer do Estado (...) Deve-se buscar o critério para a limitação. O princípio da Proporcionalidade é o instrumento de controle. Deve-se ter conta a proporcionalidade em concerto".

Na mesma linha, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "pelo princípio da proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia se impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento de alguns direitos por ela conferidos, no caso, direito à intimidade".

Como exemplo da aplicação do Princípio da Proporcionalidade, é possível citar a "admissibilidade e utilização de prova ilícita, na hipótese de a mesma ter sido obtida para o resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor que aquele a ser resguardado".

Atente-se que a doutrina criou critérios quanto à aplicação do Princípio da Proporcionalidade, devendo o juiz observa-los ao deparar-se com o caso concreto. São eles: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

O conceito de idoneidade refere-se à "necessidade de adequação qualitativa (aptidão para alcançar fins previstos na lei processual) e quantitativa (duração e quantidade compatíveis com a finalidade buscada) da medida de restrição dos direitos fundamentais, além da necessidade de adequação de determinação do âmbito subjetivo de sua aplicação (individualização dos sujeitos passivos que serão atingidos".

A necessidade, intervenção mínima, alternativa menos gravosa ou subsidiariedade dispõe que o legislador e o magistrado devem analisar, diante de um caso concreto, todas as outras formas admitidas por lei como meio de obtenção de resultado satisfatório, aplicando imposição de medidas restritivas de direitos apenas em casos de real necessidade.

Segundo o subprincípio da Proporcionalidade, o legislador, assim como o juiz, devem ponderar se o interesse estatal é proporcional à violação dos direitos individuais constitucionalmente garantidos, que deve ser aplicada em casos excepcionais. A fim de se evitar a inconstitucionalidade das medidas impostas, os operadores do direito devem atentar-se aos critérios de "(1) conseqüência jurídica,; (2) importância da causa; (3) grau de imputação; (4) êxito previsível da medida".

Registre-se, ainda, o critério da conseqüência jurídica dispõe que "a restrição de qualquer direito ou garantia individual deve ser proporcional à pena prevista para a infração penal apurada".

O critério da importância da causa versa obre a importância da análise do grau de gravidade da infração penal cometida, devendo esta "ser confrontada com a restrição do direito individual".

Outrossim, "o grau de imputação consiste na ponderação a respeito da força da suspeita sobre a autoria ou a participação do fato investigado, o que permite avaliar a probabilidade de uma futura condenação".

Finalmente, o critério do êxito previsível da medida impõe ao juiz a previsibilidade de êxito da imposição da medida restritiva. Assim, concluindo o magistrado que a medida restritiva será irrelevante para o andamento adequado do processo, indeferirá a pretensão neste sentido.

8.PROCEDIMENTO PROBATÓRIO
Cumpre examinar, preliminarmente, o conceito de prova, que pode ser definida como "instrumento por meio do qual o juiz forma sua convicção a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo".

O procedimento probatório, por sua vez, pode ser definido como "atividade composta por um conjunto de atos, sucessivos e coordenados, pelo qual o juiz procura reconstituir os fatos noticiados no processo pelas partes".

Em derradeiro, a atividade probatória é composta por cinco momentos distintos:

1 – Obtenção da prova que consiste na busca dos elementos probatórios

2 – Propositura da prova pela qual se indica ao magistrado os meios de provas utilizados pelas partes

3 – Admissão da prova consistente no deferimento ou não, pelo juiz, das provas apresentadas

4 – Produção da prova que se configura como o meio pelo qual o objeto da prova é introduzido no processo

5 – Valoração da prova segundo a qual o juiz avaliará os meios de prova

1 - Obtenção da Prova para a Apuração do Crime Organizado

A colaboração processual, também denominada de processo cooperativo, ocorre na fase investigativa criminal, momento em que o acusado, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que infrações venham a consumar-se (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia em sua atividade de recolher provas contra os demais co-autores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva).

É, portanto, um instituto de direito material, de iniciativa exclusiva do juiz, com reflexos penais, podendo ocasionar a diminuição da pena ou a concessão do perdão judicial.

No Brasil, a Lei nº 10.409/02 disciplinou o Instituto da colaboração processual decorrente de acordo entre representante do Ministério Público e o investigado que deseja colaborara na fase pré-processual.

O art.37 prevê a possibilidade em não se propor ação penal, de forma justificada, contra os agentes ou partícipes do delito que venham a colaborar com a Justiça.

Contudo, os representantes do Ministério Público devem observar os seguintes requisitos para a efetuação dos acordos:

1 - Voluntariedade da iniciativa do colaborador - imperiosa é a necessidade de os agentes estatais respeitarem o livre arbítrio do investigado em relação a uma eventual delação na fase pré-processual.

2 - Relevância das declarações do investigado - deve-se guardar um nexo de causalidade com os resultados positivos produzidos na investigação criminal em curso.

3 - Colaboração feita de maneira efetiva - o acusado precisa colaborar de forma permanente com as autoridades, colocando-se integralmente à sua disposição para a elucidação dos fatos investigados.

4 - Personalidade do colaborador, natureza das circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso sejam compatíveis com o instituto.

Registre-se que a proposta para a aplicação da colaboração premiada deve ser reservada a um sujeito que desenvolva funções assemelhadas àquelas hoje desenvolvidas pelo Ministério Publico no processo penal.

Cabe salientar que, a infiltração de agentes da polícia ocorre quando um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial, infiltra-se numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito de seu funcionamento.

Para tal fim, deve apresentar três características: a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial, o engano, que permite ao agente obter a confiança do suspeito e a interação, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial.

A exemplo das leis consagradas em outros países, o legislador exigiu prévia autorização judicial, como forma de assegurar o controle judicial sobre essa atividade. Todavia, a lei nacional não disciplinou um procedimento próprio para seu processamento.

Atente-se que o procedimento deverá ser marcado pelo sigilo, podendo ter acesso aos autos apenas o juiz e o representante do Ministério Público, para o qual o elemento de prova é produzido.

A análise da proporcionalidade entre a conduta do policial infiltrado e o fim buscado pela investigação é o caminho a ser trilhado, limitando-se apenas à busca dos elementos de provas.

É de ser relevado que "A prática tem demonstrado que, muitas vezes, é estrategicamente mais vantajoso evitar a prisão, num primeiro momento, de integrantes menos influentes de uma organização criminosa, para monitorar suas ações e possibilitar a prisão de um número maior de integrantes ou mesmo a obtenção de prova em relação a seus superiores na hierarquia da associação".

Ademais, a ação controlada por policiais, também denominadas de flagrante prorrogado ou retardado, visa possibilitar maior êxito na colheita dos elementos de prova.

A Lei nº 9.034/95 exige dois requisitos: a existência de um crime em desenvolvimento praticado por organização criminosa ou a ela vinculado; e a observação e acompanhamento dos atos praticados pelos investigados até o momento mais adequado para a formação da prova e a colheita de informações.

Em consonância com anteriormente mencionado, a Constituição Federal resguarda o direito à intimidade e à vida privada e tem como regra a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial. Nesta vereda, objetivando apurar o crime organizado, a utilização da interceptação telefônica tem-se mostrado eficiente.

Os requisitos para o deferimento da interceptação telefônica estão previstos no art 2º, incisos I a III, da Lei nº 9.296/96, de maneira a afirmar que se qualquer dos meios pesquisados for menos gravoso e suficiente para a finalidade pretendida pela investigação, a violação dos direitos referidos será considerada desnecessária, no sentido de buscar aquela mais idônea para a finalidade pretendida com a investigação criminal. b

Após análise do parágrafo único do art 2º da Lei nº 9.296/96, conclui-se a "decisão judicial que deferi-la deve esclarecer os seus exatos limites, evitando assim eventuais abusos na apuração de fatos desconexos como objeto da investigação ou relacionados a terceiros estranhos à apuração criminal, e somente será possível sua admissão para a persecução de crimes em andamento, não se prestando a medida para a investigação de infrações que sequer tiveram início de execução, sob pena do direito à intimidade, que deve ser entendido como regra, restar demasiadamente vulnerado".

Além disso, a vigilância eletrônica também tem possibilitado uma atuação mais eficiente dos agentes estatais na apuração do crime organizado, atentando-se à observação do princípio da proporcionalidade.

Assinale, ainda, que o legislador brasileiro limitou-se a exigir prévia e motivada decisão judicial para seu deferimento.

Outrossim, a quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro, meios de obtenção de prova, abrangem, além do crime organizado, outras infrações penais, podendo revelar detalhes sobre a intimidade e a vida privada do cidadão investigado ou acusado, direitos que naturalmente devem ser preservados, salvo se conexos com alguma infração penal, situação em que deve prevalecer o interesse público na apuração criminal.

2.Proposição e admissão da prova nos processos de criminalidade organizada

Vale lembrar que "Como salientado, em relação à apuração da criminalidade organizada, os meios mais eficientes de obtenção da prova vulneram direitos fundamentais, razão pela qual exigem prévia autorização judicial, sob pena de ilicitude da prova obtida".

O magistrado deve realizar um juízo preliminar sobre a idoneidade, a necessidade e a proporcionalidade do meio de busca da prova requerida, com vista em autorizar sua adoção. Posteriormente, deve verificar sua pertinência e relevância, à luz dos elementos de prova colhidos durante a investigação criminal e, por fim, fazer uma valoração da prova ante a completa visão do quadro probatório.

O instituto da colaboração processual não prevê a participação do juiz na celebração do acordo (fase pré-processual).

Entendendo o juiz que a colaboração foi irrelevante, não efetiva ou ainda que a personalidade do colaborador e as conseqüências do crime mostram-se incompatíveis com o instituto, poderá o magistrado, de maneira fundamentada, desconsiderar o acordo.

Deve-se verificar a licitude da conduta desempenhada pelo policial infiltrado de maneira que seu depoimento se torne o principal meio de prova, tendo ele sido arrolado como testemunha da denúncia.

Atente-se que, quando a interceptação telefônica parecer ser o único meio disponível de obtenção da prova, a autorização será lícita e não perderá essa característica ante a constatação da possibilidade de utilização de provas colhidas por outros meios não aventados pelo juiz.

Bom é dizer que a lei brasileira não veda o aproveitamento desse material probatório em relação ao crime incidentalmente apurado, desde que também esteja contemplado no critério de proporcionalidade.

3.- Produção da prova em face do crime organizado - Participação À distância do acusado na instrução

Impende observar que a audiência telemática possibilita que os acusados participem do ato processual em local diverso de sua realização, podendo comunicar-se oral e visivelmente com o juiz e com os demais participantes do ato processual, pelos meios de comunicação colocados à sua disposição.

Assim, tem como finalidade a busca da eficiência processual, embora haja falta de segurança no deslocamento dos acusados e excessivo dispêndio de recursos públicos para tanto.

Como pontos problemáticos, configuram-se a constituição inegável de uma atenuação à ampla defesa do acusado, a dificuldade econômica de se constituir dois advogados para participar simultaneamente do ato no juízo e a ausência de absoluto sigilo nas conversações.

Aliás, "A tendência contemporânea acerca do tema, portanto, é no sentido de se tolerar uma atenuação do direito de defesa do acusado quando confrontado com outros valores de igual magnitude" , significando que a decisão sobre sua utilização deve sempre ser marcada pela excepcionalidade.

Convém notar, outrossim, que, em razão do alto poder de intimidação, geralmente imposto pelas organizações criminosas, os depoimentos de testemunhas arroladas em processo tendem a serem colhidos à distância, a fim de se buscar a eficiência processual. Todavia, a lei brasileira não tutela a possibilidade da colheita do testemunho a distância para preservar sua integridade ou para proteger a testemunha.

Vale ressaltar que a proteção à testemunha tem a finalidade de assegurar a inteireza da prova oral a ser produzida em juízo, de se proporcionar uma efetiva proteção para vítimas testemunha e co-réus colaboradores.

No Brasil, as medidas de proteção abrangem a segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações, escolta e segurança nos deslocamentos da residência e transferência de residência ou acomodação, preservação da identidade, imagem e dados pessoais, ajuda financeira para promover as despesas necessárias à subsistência, suspensão temporária das atividades funcionais, apoio e assistência, social, médica e psicológica, sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida, apoio para o cumprimento das obrigações civis e administrativas, alteração de nome completo e concessão de outras medidas cautelares compatíveis com a proteção da testemunha e seus familiares.

Com a finalidade de se preservar a integridade física e psicológica de vítimas e testemunhas, bem como de seus familiares, é prevista a participação anônima nos processos que apuram a criminalidade organizada, fazendo com que a identidade da testemunha seja desconhecida do juízo e/ou da defesa.

Ainda, a incriminação do co-réu colaborador, referente à natureza jurídica da delação do co-réu, trata-se de verdadeira prova acusatória.

4- Valoração da Prova nos Processos Relativos à Criminalidade Organizada

Como se depreende, ao analisar as declarações incriminadoras do co-réu, deve-se observar que o acusado não presta o compromisso de falar a verdade em seu interrogatório e está em situação de beneficiário processual, podendo figurar como beneficiário penal.

Em consonância com o acatado, o magistrado deverá considerar os seguintes elementos para a valoração desse meio de prova: a verdade da confissão, a inexistência de ódio em qualquer das manifestações, a homogeneidade e coerência de suas declarações, a inexistência da finalidade de atenuar ou mesmo eliminar a própria responsabilidade penal e a confirmação da delação por outras provas.
Deve, ainda, o juiz considerar, na valoração do depoimento prestado por pessoa protegida, as seguintes presunções:

a)Se os sentidos não enganaram a testemunha;

b) Se a testemunha não que enganar o juízo.

Em relação à percepção e à transmissão do percebido, devem ser analisados o desenvolvimento e a qualidade das faculdades mentais da testemunha, o funcionamento dos sentidos das testemunhas, as condições em que se produziu a percepção, sob o plano físico e psíquico, as características do objeto percebido, as percepções do tempo, da distância e do volume, além das condições de transmissão do percebido.

No tocante à sinceridade do depoimento, é preciso observar a presença ou não de algum interesse que possa exercer influência consciente ou inconsciente sobre a vontade do depoente, a existência de relatos dúbios e a consideração individual de cada testemunho.

A valoração de depoimento policial, por sua vez, deve atender a dois elementos: a inexistência de interesse em afastar eventual ilicitude em suas diligências e a comprovação de seu depoimento por outros meios de prova, salvo impossibilidade de fazê-lo. Tais requisitos devem ser observados devido à possibilidade do temor presente nas investigações influenciar a imparcialidade das palavras dos policiais envolvidos.

Ressalve-se que, nos últimos anos, nos processos instaurados para apuração dos crimes organizados, nota-se uma acentuada tendência quanto à valoração da prova indiciária.

O primeiro dos requisitos a ser considerado pelo juiz é a certeza de existência do fato indiciante. Já o segundo, trata da exclusão de hipótese de azar, pois existindo a possibilidade de falsa conexão entre o indício e o fato apurado, o juiz não deverá fundamentar seu convencimento. Ainda, tem-se a hipótese de falsificação do fato indicador. Também é preciso atentar-se à análise da inexistência de contra-indícios. Por fim, o juiz deverá considerar a existência de relação de causalidade entre o fato indicador e o indicado, a pluralidade de indícios e a convergência ou concordância destes.

9. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Cabe consignar a existência de uma série de organizações criminosas atuantes no território brasileiro, configurando numa situação alarmante e preocupante a todos os setores da sociedade. Ademais, a impotência dos órgãos governamentais em relação ao efetivo controle do crime organizado e, em decorrência dos motivos expostos ao longo deste trabalho, os agentes criminosos atuam de forma desembaraçada, enfrentando o Estado de Direito e impondo suas regras, leis e condições, dominando, assim, uma parcela da sociedade que se vê coagida pelo medo.

Uma das organizações mais conhecidas e temidas denomina-se "Comando Vermelho", cuja criação deu-se em razão da união de alguns reincidentes da facção "Falange Vermelha", no final dos anos 70, no presídio localizado em Ilha Grande-RJ, objetivando lutar contra o grupo de poderio da época e dominar o tráfico de entorpecentes no Estado. Consta que os presos Williams da Silva Lima, o "Professor", agora com 59 anos de idade e 35 de prisão em Bangu III, Paulo César Chaves e Eucanã de Azevedo eram os líderes do grupo quando de sua criação.

Ao longo dos anos, novos adeptos juntaram-se ao Comando Vermelho, ampliando seu poder e possibilitando o investimento em armamentos pesados e a distribuição de substâncias entorpecentes. Atualmente, essa organização domina cerca de 70% do tráfico no Rio de Janeiro e atua em outras áreas, como tráfico de armamentos, crime organizado, roubos, seqüestros e homicídios.

Williams da Silva Lima, conhecido como o "Professor", no livro "Comando Vermelho – A História Secreta do Crime Organizado", de autoria de Carlos Amorim, declarou: "Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes que matarão vocês - a polícia - nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas?".

Outrossim, os líderes atuais dividem-se por regiões e morros. Embora a maioria esteja na prisão, principalmente cumprindo pena no presídio Bangu I, as ordens são repassadas de dentro das celas e as principais decisões são discutidas por uma espécie de colegiado do comando da organização.

Registre-se que em junho de 2.000 foi divulgada uma letra de uma música do grupo de rap Facção Central, referente à atuação do Comando Vermelho. Segue um trecho da música: "Quem enquadra a mansão, quem trafica. Infelizmente o livro não resolve/O Brasil só me respeita com o revólver/ O juiz ajoelha, o executivo chora/ Para não sentir o calibre da pistola/ Se eu quero roupa, comida, alguém tem de sangrar/ Vou enquadrar uma burguesa/ E atirar para matar/ Vou furtar seus bens/ E ficar bem louco/ Seqüestrar alguém no caixa eletrônico/ A minha quinta série só não adianta/ Se eu tivesse um refém com o meu cano na garganta/ Ai não tem gambé para negociar/ Vai se ferrar, é hora de me vingar. /".

Devido aos conflitos internos e às constantes discórdias, muitos integrantes afastaram-se do Comando Vermelho e fundaram uma nova facção, denominada "Terceiro Comando". Esta organização domina, atualmente, 12 comunidades na Zona Norte do Rio de Janeiro, de forma estratégica devido à proximidade com a Bahia de Guanabara. Seus principais líderes são Linho, Gangan e Miltinho do Dendê. A partir de sua criação, muitos conflitos com o Comando Vermelho foram registrados, em decorrência da disputa pelo controle de morros e favelas.

Ainda no Estado do Rio de Janeiro, formou-se, no final dos anos 90, uma outra organização, "Amigos dos Amigos (ADA)", cujo objetivo era o de controlar "bocas de fumo" e fugir do domínio do Comando Vermelho. Diferentemente dos outros grupos, o ADA não repassa o dinheiro obtido pelo comércio ilegal de entorpecentes, não sustenta as famílias dos traficantes presos e não interfere em planos de fuga de membros da quadrilha. Atualmente, controlam as favelas do complexo de São Carlos, Adeus/Juramento, Caju e Vila Vintém.

No Estado de São Paulo, no ano de 1.993, surgiu o PCC – Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que tinha como objetivo inicial extorquir presos e seus familiares, assassinar presos a fim de dominar o sistema carcerário e traficar substâncias entorpecentes dentro dos presídios. Com o passar dos anos, o PCC passou a cometer outros tipos de infrações penais fora do aludido sistema.

Ressalte-se que o Primeiro Comando da Capital possui uma estrutura piramidal, cujo topo é formado por líderes conhecidos como "fundadores" e por aqueles que alcançaram posição de prestígio, denominados "batizados". Atualmente, na posição de liderança, no denominado "primeiro escalão", encontram-se Marcos Williams Herbas Camacho, vulgo "Marcola" ou "Playboy" e Júlio César Guedes de Moraes, conhecido como "Julinho Carambola".

Ainda, tal organização assumiu as ações praticadas, embora sem identificar seus membros e ganhou a atenção da mídia, principalmente com a maior rebelião já registrada no mundo, a chamada "Megarebelião". De feito, em vários presídios foram realizadas rebeliões simultâneas sendo que os detentos gravaram, no chão do pátio do presídio Carandiru, o símbolo da organização.

É de verificar-se que os membros recebem cópias do estatuto da sociedade criminosa, no qual são determinadas as regras de conduta. Nesta linha, no final de 1996, o Estatuto do PCC foi divulgado, contendo os seguintes itens:

1 - Lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao Partido.

2 - A luta pela liberdade, justiça e paz.

3 - A união na luta contra as injustiças e a opressão dentro da prisão.

4 - A contribuição daqueles que estão em liberdade com os irmãos dentro da prisão, por meio de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate.

5 - O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido para que não haja conflitos internos - porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado pelo Partido.

6 - Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais contra pessoas de fora. Porque o ideal do Partido está acima dos conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre leal e solidário a todos os seus integrantes para que não venham a sofrer nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.

7 - Aquele que estiver em liberdade "bem estruturado", mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão.

8 - Os integrantes do Partido tem de dar bom exemplo a serem seguidos e, por isso, o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.

9 - O Partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo e interesse pessoal, mas sim a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse comum de de todos porque somos um por todos e todos por um.

10 - Todo o integrante terá de respeitar a ordem, a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acordo com aquilo que fez por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.

11 - O Primeiro Comando da Capital - PCC - fundado no ano de 1993, numa luta descomunal, incansável contra a opressão e as injustiças do campo de concentração "Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté", tem como lema absoluto "A Liberdade, a Justiça e a Paz."

12 - O Partido não admite rivalidade interna, disputa de poder na liderança do Comando pois cada integrante do Comando saberá a função que lhe compete de "acordo" com sua capacidade para o exercício.

13 - Temos de permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre esse que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudar a política carcerária, desumana, cheia de injustiça, opressão, tortura e massacres nas prisões.

14 - A prioridade do Comando no momento é pressionar o governador do Estado a desativar aquele campo de concentração "Anexo à casa de Custódia e Tratamento de Taubaté" de onde surgiu (sic) a semente e as raízes do Comando por meio de tantas lutas inglórias e tantos sofrimentos atrozes.

15 - Partindo do Comando Central da Capital do KG do Estado, as diretrizes de ações organizadas e simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado são uma guerra sem trégua, sem fronteiras, até a vitória final.

16 - O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando espalhou por todos os Sistemas Penitenciários do Estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis mas nos consolidamos a nível estadual e a médio e longo prazo nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho - CV e PCC iremos revolucionar o país de dentro das prisões e o nosso braço armado será o Terror dos Poderosos, opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros. Conhecemos a nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos. E um povo unido jamais será vencido. Liberdade, Justiça e Paz.

O Quartel general do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com o Comando Vermelho - CV. "Unidos Venceremos" –

Ademais, os líderes conseguem obter, de forma ilícita, telefones celulares, normalmente pré-pagos, que são introduzidos nos presídios, com os quais são efetuadas ligações às "centrais" (linhas telefônicas instaladas em locais quaisquer, programadas com o escopo de efetuarem a transferência de chamadas ou o que se denomina "teleconferência" – três pessoas falando ao mesmo tempo ) que transferem as chamadas para os locais desejados.

Além disso, há sérios indícios de que as organizações Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital uniram-se a fim de destituir o Estado de Direito, realizando uma série de ações coordenadas. Também apura-se a ligação dessas organizações com outras de nível internacional, formando uma rede de conexão do crime organizado.

10.O TERRORISMO
Embora terrorismo e organização criminosa sejam, tecnicamente, distintos, uma vez que os grupos terroristas não participam, necessariamente, no comércio de produtos ilícitos, assim como as organizações criminosas não agem de acordo com motivações étnicas, religiosas ou políticas, é preciso encará-lo como uma ameaça a toda comunidade internacional.

O terrorismo pode ser dividido em dois grandes grupos: o primeiro refere-se àquelas organizações independentes, que agem por motivações políticas e ideológicas contra uma população específica ou um determinado governo; o segundo grupo está relacionado com o chamado terrorismo de Estado, que age patrocinado por governos interessados em desestabilizar e aniquilar nações rivais ou grupos populacionais específicos. Em ambos os casos, o terrorismo é considerado um crime político e uma afronta à humanidade, devendo ser combatido por toda comunidade internacional.

Segundo especialistas no assunto, as motivações iniciais dos grupos terroristas consistiam em questões étnicas e religiosas. Devido à continuidade desses conflitos, assim como à falta de solução, essas ações vêm recrudescendo a cada ano. Consta que, na segunda metade do século XX, com o fim da Guerra Fria, as atividades terroristas potencializaram-se devido a motivações políticas, surgindo grupos terroristas em diversos países, aproveitando-se de um certo vácuo político pós Guerra Fria para atingir seus objetivos até então reprimidos.

Atente-se que o problema em questão nunca foi exclusividade do mundo em desenvolvimento, já que grupos terroristas com perfis separatistas perpetraram ataques significativos na Espanha e na Grã-Bretanha. Dentro do contexto político, o terrorismo atingiu duramente as sociedades italiana, francesa, grega e japonesa.

Registre-se que grupos de narcotraficantes estão associando-se a movimentos terroristas que, por sua vez, têm no comércio ilegal de drogas uma importante fonte de recursos para financiar suas operações. Constata-se, portanto, uma combinação literalmente explosiva, o que torna essa questão mais complexa e preocupante.

11. CRIME ORGANIZADO E GLOBALIZAÇÃO
Cabe salientar que o fenômeno da globalização encontra-se presente nas práticas ilícitas, tais como no crime organizado. Neste sentido, Gomes e Cervini afirmam que "(...) talvez seja a ‘internacionalização’ (globalização) a marca mais saliente do crime organizado, nas duas últimas décadas. Já não é mais correto apontar a conexão norte-americana-italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra) como uma singular manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras são as organizações criminais já mundialmente conhecidas. Podemos citar, dentre tantas outras ainda não tão destacadas, a camorra italiana, na´drangheta calabresa, a sacra corona pugliesa, a boryokudan e a yakuza japonesas, as tríades chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos bandos no Leste Europeu, os cartéis da droga, os contrabandistas de armas etc."

As organizações criminosas beneficiam-se da globalização da economia, do livre comércio, desenvolvimento das telecomunicações, sistema financeiro internacional etc. "Alguns já chegaram a formar um verdadeiro ´´antiestado´´, isto é, um ´´estado´´ dentro do Estado, com uma pujança econômica incrível, até porque existe muita facilidade na ´´lavagem do dinheiro sujo´´, e grande poder de influência (pelo que é válido afirmar que é altamente corruptor(...).

Ainda, "o narcotraficante atual está cada vez mais diferente daqueles jovens com pulseiras de ouro, cintos largos, anéis brilhantes...tornou-se um executivo, um empresário moderno, que se dedica a um negócio altamente lucrativo. Estão participando ativamente da vida econômica de vários países, assim como da vida política. Marcam presença principalmente nos processos de privatização, não só para ´´lavar dinheiro´´, senão sobretudo para incorporar-se na vida econômica lícita. Estão integrando o ´´narcotráfico´´ na vida institucional de cada país e desse modo buscam uma convivência pacífica, evitando-se a guerra fratricida e sangrenta".

Argemiro Procópio revela a influência dos costumes e valores sobre uso de substâncias entorpecentes e seu conseqüente tráfico ilícito, enfatizando a entrada cada vez maior de menores no crime organizado. Assim, "No Rio de Janeiro e em São Paulo, menores de 18 anos ocupam postos de comando no mundo dos narcóticos. Tais funções no passado pertenciam exclusivamente aos maduros e considerados experientes. As organizações criminosas empregam diretamente, sem salários fixos, milhões de pessoas, sendo parte constituída por crianças e adolescentes. A recompensa cresce nas funções de mando".

12. CRIME ORGANIZADO E TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES
Cabe salientar que um dos seguimentos mais lucrativos do crime organizado é o tráfico de drogas, sobretudo cocaína, heroína, "ecstasy" e anfetamina. Estima-se que esse negócio movimenta cerca de US$300 bilhões a US$500 bilhões por ano.

Em derradeiro, o crime em questão relaciona-se com outros, como os de tráfico de armas, seres humanos para fins de prostituição, órgãos, trabalho escravo etc. Atente-se que, na visão de Giovanni Quaglia, responsável pelo escritório da ONU contra drogas e crime no Brasil, esses segmentos funcionam como uma "holding", já que grupos que traficam drogas freqüentemente vinculam-se a outros responsáveis pelo tráfico de armas, na medida em que o negócio não envolve somente dinheiro, mas também mercadorias. Assim, consegue-se armas em troca de substâncias entorpecentes e vice-versa.

Relata, ainda, que o Brasil, além de rota de tráfico de entorpecentes, configura-se como um grande mercado consumidor. "Dados do Cebride [Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas] mostram que, de 87 a 97, os estudantes de ensino médio e fundamental passaram a consumir seis vezes ou mais: anfetaminas (150% a mais), maconha (325%), cocaína (700%). Criou-se no Brasil um mercado interessante para os traficantes, porque eles não precisam pagar com dinheiro os serviços que prestam aos seus colegas na Europa e nos EUA. Em um carregamento de 100 kg de cocaína que entra no Brasil, os brasileiros se encarregam de despachar 80 kg para fora e ficam com 20 para distribuir aqui. A droga no Brasil é barata".

Por fim, afirma Quaglia que as raízes do crime organizado no Brasil encontram-se "em políticas de governo passados que não imaginaram que grupos criminosos pequenos poderiam se desenvolver e se tornar mais importantes. Nas grandes cidades, em setores onde não há a presença do poder público, criaram-se situações em que há um Estado formal e um não-formal. Havia um pacto entre o asfalto e as favelas, no qual um não mexia com o outro. Só que isso mudou. O traficante já não precisa mais da comunidade, só quando a polícia chega. Agora ele é temido pela população. A comunidade ajuda porque tem medo da vingança. Não dá só para fazer força-tarefa, entrar, comandar operação e sair, porque você não consegue apoio da população".

Vale lembrar que tráfico ilícito de substâncias entorpecentes está tipificado na Lei 6368/76 e elencado no art. 1º, inciso I, da Lei 9613/98 que trata da Lavagem de Dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime). Os tipos penais abrangidos neste inciso são o art. 12, 13 e 14 da Lei de Tóxicos.

Ressalve-se que as estatísticas referentes à lavagem de dinheiro de entorpecentes alcançam o patamar de centenas de bilhões de dólares. Assim, v.g., relatório da Force on Money Loudering, divulgado em 1990, segundo o qual se calcula que as vendas de heroína, cocaína e maconha rendem, aproximadamente, US$ 122 bilhões por ano. Deste total, avalia-se que, em torno de 50 a 70% do valor destina-se à de lavagem de dinheiro.

Outrossim, a crescente utilização de complexas estruturas corporativas e intrincadas transações negociais envolvendo bancos, trust companies, empresas imobiliárias e outras instituições financeiras, por traficantes e seus associados, trouxe dificuldade adicional à apreensão de ativos originados pelo tráfico de drogas. Em razão das variações nacionais existentes na legislação bancária, fiscal e financeira, traficantes e seus cúmplices encontram brechas legais, conseguindo, de maneira rápida, adaptar seus esquemas de lavagem e técnicas para esconder seus ganhos ilícitos.

13. CRIME ORGANIZADO E "LAVAGEM DE DINHEIRO"
Cumpre examinar, preliminarmente, que característica mais marcante e comum ao crime organizado é a lavagem de dinheiro. Nenhuma organização criminosa destina-se a ideologias políticas ou sociais, mas especificamente à obtenção de dinheiro e de poder.

É de se dizer que nem sempre a criminalidade organizada vincula-se à criminalidade econômica, contudo os grandes delitos econômicos requerem uma estrutura para sua organização ¹. Assim sendo, o crime organizado e o crime de lavagem de dinheiro possuem uma estreita ligação, já que as características deste delito requerem a presença de requisitos identificáveis na estrutura das organizações criminosas. Foi em decorrência desta certeza que surgiu a Lei 9613/98 que estabelece, em seu Art 1°, que "ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores direta ou indiretamente (...) - inciso VII "praticado por organização criminosa".

De modo geral, qualquer conduta de ocultação de bens e valores obtidos, por meio de conduta criminosa anterior, praticada por Organização Criminosa, é classificada como crime de lavagem. Enquanto os seis incisos anteriores do mesmo dispositivo indicaram determinados crimes, este estabelece que "qualquer crime" praticado por organização criminosa poderá caracterizar lavagem.

Sobremais, só haverá conduta típica de lavagem se os bens tiverem origem num dos crimes previstos na Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro. A enumeração do Art. 1° incisos I a VII é taxativa, o que significa que somente aqueles crimes podem dar origem ao delito de lavagem. A ocultação ou dissimulação proveniente de qualquer outro delito ainda que grave, não caracteriza lavagem. Assim sendo:

I-Tráfico de drogas:

Crime previsto em lei especial (Lei 6386/76). Os bens, dinheiros ou valores provenientes do tráfico de drogas deve ser posto em circulação no mercado econômico ou financeiro de modo que oculte sua origem ilícita.

II-Terrorismo:

Não há figura típica no direito brasileiro que defina o crime de "terrorismo". Encontramos menção na CF/88 e na Lei dos crimes hediondos, mas sem a identificação de quais seriam os atos de terrorismo. Desta forma, mesmo que o sujeito pratique atos de terrorismo e com isso obtenha bens e dinheiro, as condutas de omitir ou dissimular a natureza deles não poderá configurar crime de lavagem, pois o legislador não o terrorismo como crime antecedente.

III-Contrabando ou tráfico de armas:

Este delito está definido no art. 334 do Código Penal. A inclusão deste crime como delito antecedente deve-se à informação da ONU, segundo a qual o tráfico de armas proporciona um enorme movimento de dinheiro, sendo que esses valores passam a integrar o sistema econômico do país.

IV-Extorsão mediante seqüestro:

Este crime está previsto no Art. 159 do Código Penal. É considerado crime hediondo, de prática muito comum no Brasil, o qual não possui controle do destino desse dinheiro. Dessarte, os montantes acabam circulando no mercado financeiro através da aquisição de propriedades.

V-Crimes contra a administração pública:

Os crimes contra a administração pública estão previstos no título XI, Arts. 312 a 359 do Código Penal. Somente alguns desses crimes podem caracterizar o tipo antecedente do crime de lavagem. Dentre eles, alguns são de prática exclusiva de funcionários públicos. Para André Luis Callegari, é acertada a inclusão deste dispositivo pelo legislador, tendo em vista que muitos funcionários que exercem função pública têm facilidade em receber dinheiro de bens de organizações criminosas, reingressando-os no mercado econômico com aparência de licitude.

VI-Crimes contra o sistema financeiro nacional:

São 21 tipos contidos na Lei 7492/86. Como um dos bens tutelados pela lei dos crimes de lavagem é a segurança do sistema financeiro nacional, qualquer crime praticado contra este pode ser considerado antecedente ao delito de lavagem, desde que haja a ocultação da origem ilícita dos bens, direitos ou valores.

VII-Crimes praticados por uma organização criminosa:

Estão previstos na Lei 9034/95. Porém, mais uma vez a lei não faz menção específica do significado de organização criminosa para efeitos penais. Assim, só haverá crime de lavagem se ocorrer também um dos delitos enumerados na lei e praticados por uma dita organização.

Marcelo B. Mendroni, em "Crime Organizado – aspectos gerais e mecanismos legais", cita algumas técnicas para a lavagem de dinheiro no Brasil:

- Estruturação (smurfing): o agente divide o dinheiro obtido em muitas quantias pequenas, e o transfere no limite permitido da lei.

- Mescla (commingling): o agente mistura os recursos ilícitos com os lícitos de uma empresa verdadeira e depois apresenta o volume total como sendo proveniente da atividade lícita da empresa.

- Empresa de fachada: constitui-se empresa legalmente registrada na Junta comercial, que aparenta participar de atividade lícita com imóvel destinado às suas atividades. Contudo, na verdade seu objetivo é diverso do fim estabelecido no estatuto ou contrato social.

- Empresa fictícia: a empresa existe somente no papel. Não há qualquer imóvel destinado às atividades registradas na junta comercial. A empresa movimenta dinheiro em seu nome, mas não existe fisicamente.

- Compra de bens: o agente adquire bens. Ex: compra por 100, declara ter comprado por 20 e vende por 100.

- Contrabando de dinheiro: transporte físico de dinheiro para outro país, aplicando-o em banco estrangeiro e rompendo a ligação dinheiro / negocio ilícito.

- Compra, troca de ativos ou instrumento monetários: Primeiramente, os agentes compram cheque administrativo, posteriormente trocam por traveller-cheque e, por fim, permutam por dinheiro novamente.

- Venda fraudulenta de propriedade imobiliária: o agente compra imóvel e declara valor infinitamente menor. Depois vende o imóvel por preço normal, transformando a diferença em lucro.

Nos últimos anos, registrou-se um eminente crescimento das atividades criminosas geradoras do crime de "lavagem de dinheiro" ou ocultação de bens, objetos e valores provenientes de crimes, em decorrência, primordialmente, do tráfico de entorpecentes.

Em derradeiro, os grandes impérios da droga fazem circular seus benefícios através dos mercados financeiros nacionais e internacionais, sendo prioridade dos criminosos retirar o montante do país onde foi produzido e misturá-lo com o imenso volume de dinheiro sem nacionalidade que circula eletronicamente ao redor do mundo, a fim de se obter maior segurança e rendimento.

Outrossim, a lavagem de dinheiro move cifras elevadas, sendo de difícil averiguação o volume de capitais procedentes de atividades ilícitas. Por conseguinte, como os montantes gerados pelo tráfico de entorpecentes e por outros delitos estão à margem do conhecimento das autoridades, só é possível realizar estimativas indiretas, mesurando-se alguma cifra discutível e confiável.

Segundo André Luís Callegari, "a característica da internacionalização da lavagem de dinheiro relaciona-se com a própria natureza dos bens ou serviços que constituem objeto do delito, cujo lugar de origem pode encontrar-se a uma distância enorme de seus destinatários finais"². Também possuem essa característica as "redes dedicadas ao tráfico de armas, pedras preciosas, animais exóticos etc" ³.

Essa característica oferece aos lavadores de dinheiro, segundo André Luís Callegari, três vantagens. A primeira delas é a possibilidade de elidir a aplicação de normas estritas e, com isso, a jurisdição de paises que mantêm políticas severas de controle da lavagem de dinheiro. A segunda é a captação de vantagens pelos "problemas de cooperação judicial internacional e de intercâmbio de informações entre paises que possuem leis diferentes", bem como peculiaridades distintas tanto na área penal quanto nos procedimentos administrativos de cada país. Por fim, André Luís Callegari afirma que "permite aos lavadores que se beneficiem das deficiências da regulação internacional de sua aplicação, desviando os bens objetos da lavagem àqueles paises com sistemas débeis de controle e persecução do dinheiro" 4.

Em consonância com o acatado, a fórmula essencial para obtenção de dinheiro é a mescla de atividades lícitas com atividades ilícitas. Quase toda organização criminosa vale-se dessa fórmula para lavar o dinheiro, utilizando-se de empresas e comércios lícitos dos mais diversos.

A saber, a lavagem de dinheiro exige um tratamento profissionalizado, com a utilização de técnicas e procedimentos sofisticados, a fim de dirimir os agentes dos riscos da persecução criminal e de expandir seus negócios. Ainda, são empregados membros profissionalizados e profissionais externos 5.

Em resposta às medidas de combate ao crime em questão, adotadas pelos paises, as organizações criminosas são obrigadas, conforme entendimento de André Luiz Callegari, "a desenvolver novas técnicas para tratar de elidi-las" 6. Ressalve-se que as organizações criminosas conseguem adaptar-se rapidamente às mudanças e desenvolver novas técnicas, as quais superam, muitas vezes, aquelas empregadas pelos Estados, tornando, assim, mais difícil controlar e, até mesmo, descobrir operações criminosas realizadas, neste âmbito 7.

Dessarte, as operações de lavagem de dinheiro efetivam-se de forma massiva ou em grande escala, requerendo, desta maneira, segundo André Luiz Callegari, "uma organização profissional, uma estrutura, uma rede de colaboradores e de cúmplices nos mais variados escalões", além de "um conjunto internacional de empresas e entidades em diversos países", incluindo as "entidades financeiras próprias que operam sob aparência de legalidade" 7. Como se observa, daí decorre a ligação entre o crime de lavagem de dinheiro e o crime organizado.

14. CONCLUSÃO
Verdade seja, esta é a realidade brasileira enfrenta graves entraves quanto ao controle do crime organizado, sendo imprescindível a criação e a aplicação de medidas políticas, judiciais e institucionais eficazes, a fim de se combater a proliferação do crime organizado, assim como a criação de mecanismos capazes de combater a raiz do problema apontado.

Em primeiro plano, é preciso atentar-se à questão da "falência" do sistema penitenciário nacional, uma vez que o regime prisional brasileiro, em face da superlotação, da ociosidade, dos maus tratos, da corrupção e da ineficiente administração dos presídios, impede a efetivação de uma das principais funções da sanção penal: a reinserção social do agente infrator. Ainda, os presídios passam a atuar como "escolas de criminosos", na medida em que o Estado não mais consegue suprir a demanda e combater a violência. Neste sentido, há propostas de criação de um sistema penitenciário federal, delegando aos Estados a missão de administrar as penas privativas de liberdade nos regimes semi-aberto e aberto. Assim, as penitenciárias federais, de segurança máxima, encarregar-se-iam, primordialmente, do regime prisional fechado, em que incidissem criminosos de alta periculosidade à sociedade.

Não há olvidar-se a necessidade de investimentos em massa para a prevenção dos atos delituosos. Atente-se que as organizações criminosas, muitas vezes, suprem o papel do Estado, oferecendo segurança, emprego e alimentação à comunidade carente, atuando como um verdadeiro Estado paralelo. Ademais, prevalece a lei do silêncio, a lei da coação imposta por tais organismos, respeitada pelos moradores das comunidades. Dessarte, enquanto o Estado não se cumprir sua obrigação, garantindo os direitos à saúde, educação, moradia, ao transporte, saneamento básico, emprego etc. aos cidadãos, muitos enveredarão para o mundo do crime.

Vale ressaltar a urgência em equipar a Polícia, proporcionando-lhe acesso à tecnologia de ponta, treinando profissionais de forma adequada, concedendo aos policiais salários compatíveis com o cargo exercido, exonerando os corruptos e motivando os que cumprem com seu dever legal.

Importante se faz mencionar a especialização do Ministério Público, com a criação de núcleos voltados à prática do crime organizado, o que já ocorre em vários Estados brasileiros.

Ademais, as forças tarefas têm-se configurado como uma importante medida no combate ao crime organizado, já que a união de vários órgãos, dentre os quais a Polícia, as Receitas Estadual e Federal, o Ministério Público estadual e federal, os órgãos de inteligência, dentre outros, acarreta numa eficiência maior na colheita de dados e formação de conjunto probatório relevante.

Também é de se considerar a questão da proteção aos delatores e às testemunhas de acusação, assim como às suas famílias, como medida de incentivo àqueles que pretendem auxiliar o Estado a punir os agentes criminosos.

Ainda, a instituição de "prêmio" ao acusado colaborador, como diminuição de pena no caso de delação e contribuição efetiva ao Poder Judiciário, resta como alternativa à devida punição às organizações criminosas.

Outrossim, o combate à corrupção enraizada nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deve ser severamente combatida, levando à juízo aqueles que detêm o poder e que ajudam na atuação das organizações criminosas.

Registre-se que, segundo o ministro da justiça Márcio Thomaz Bastos, "somente a colaboração entre as nações conseguirá combater efetivamente o crime organizado. No mundo globalizado, o crime já ultrapassou as fronteiras. Estamos convencidos que os esforços para enfrentá-lo só terão êxito com o estreitamento das relações entre os países". Para isso, o Brasil vem estabelecendo com países, especialmente de língua portuguesa, acordos de cooperação jurídica, instrumentos essenciais ao combate contra o crime organizado. O ministro ressaltou, ainda, o empenho do governo federal em desvendar e punir as pessoas envolvidas com lavagem de dinheiro, "causa final do crime organizado".

Diante do quadro exposto, muitas são as soluções apontadas no tocante ao combate do crime organizado. No entanto, é preciso haver uma união de esforços da sociedade civil e dos Estados de Direito para concretizar o objetivo almejado. Dessa forma, agregando financiamento econômico, aplicação correta dos investimentos, vontade política, esforço e empenho daqueles que apuram, denunciam e julgam o crime organizado, criação de leis aplicáveis ao delito em questão, formação de cidadãos pensantes, inalienados, com a conseqüente formação de uma opinião pública ativa, faz-se possível controlar as ações das associações criminosas, dirimindo-se, assim, as conseqüências malévolas deixadas por elas.
Ainda, indubitável é a relevância de seu conceito, baseado em colocações doutrinárias. Atente-se à dificuldade em se conceituar crime organizado, frente ao número e à complexidade de condutas que o compõem. Nesta vereda, é de verificar-se que a Lei n° 9.034/95 foi omissa quanto à conceituação de crime organizado, comparando-o aos crimes de associação criminosa e quadrilha ou bando, já tipificados no ordenamento jurídico brasileiro. Em derradeiro, o artigo 1° do mencionado dispositivo legal foi revogado pela Lei n° 10.217/01, contudo esta não solucionou o problema apontado, apenas declarando a distinção entre os crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa do crime organizado.

Como se há verificar, o modelo processual penal vigente apresenta –se como ineficiente na obtenção de variados tipos de provas, em face da sólida estrutura do crime organizado e de seu poderio econômico, impossibilitando que a atuação dos agentes, assim como as conseqüências de suas ações sejam rastreadas, comprovadas e devidamente punidas. Diante do quadro exposto, a doutrina e a jurisprudência têm considerado a aplicação de medidas restritivas os direitos individuais, garantidos pela Carta Magna, quando o caso concreto exigir sua imposição, atentando-se aos limites de sua aplicação e ao Princípio da Proporcionalidade.

Também será abordado o procedimento probatório, partindo do conceito de prova e de procedimento probatório, analisando seus momentos e importância para a adequada avaliação do caso concreto pelo magistrado, não se olvidando a obtenção de provas a fim de se apurar o crime organizado, sua admissibilidade no processo e sua valoração.

Ademais, será verificada a atuação das organizações criminosas no Brasil, assim como suas conseqüências para a sociedade civil e para o Estado brasileiro.

Ainda, será discutida a importância do Terrorismo como ameaça à comunidade internacional, além de sua correlação com o crime organizado.

Também merece atenção o crime de tráfico de entorpecentes, já que se configura como objeto de ação de inúmeras organizações criminosas.

Cabe salientar a questão da "lavagem de dinheiro", relevante crime econômico de profunda conexão com o crime organizado.

Não há olvidar-se a jurisprudência emanada pelos Egrégios Tribunais Brasileiros, relatando a opinião das instâncias superiores quanto à questão do crime organizado.

Ao ensejo da conclusão deste trabalho, serão apontadas soluções plausíveis, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de se combater um dos maiores desafios da atualidade:

2.origem e Desenvolvimento
Cumpre examinar, preliminarmente, a complexidade existente quanto à origem das organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por cada país. Note-se que "No Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição faz com que os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no Japão, onde as organizações que se dedicam ao controle do vício e da extorsão têm uma grande proeminência. Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e políticos".

Interessante se faz comentar que algumas organizações, como as Máfias italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o poder. Ademais, "para o crescimento de suas atividades contaram com a conivência de autoridades corruptas das regiões onde ocorriam movimentos político-sociais".

Outrossim, foi relatado que o primeiro caso de Terrorismo, vertente do crime organizado, ocorreu em 1855, ocasião em que anarquistas franceses atentaram contra Napoleão III, tendo esses refugiado-se na Bélgica, cujos governantes recusaram-se a conceder-lhes a extradição. Tal fato originou a Lei francesa de 28 de julho de 1894.

Registre-se, ainda, que no Brasil a associação criminosa derivou do movimento conhecido como cangaço, cuja atuação deu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX, como uma maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além de contestar o coronelismo. "Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear vilas, fazendas e pequenas cidades, extorquir dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou seqüestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições".

É de verificar-se que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na prática do "jogo do bicho", iniciada no século XX. Relatou-se que o Barão de Drumond criou o jogo com o intuito de arrecadar dinheiro para salvar os animais do Jardim Zoológico do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, a idéia popularizou-se e passou a ser patrocinada por grupos organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e políticos. Consta que, na década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de R$500.000,00 por dia com as apostas realizadas, sendo que de 04% a 10% deste montante foi destinado aos banqueiros.

Cumpre assinalar que, nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a "Falange Vermelha", que nasceu no presídio da Ilha Grande e é formada por quadrilhas especializadas em roubos a bancos, o "Comando Vermelho", originado no presídio Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de entorpecentes e o "Terceiro Comando", dissidente do Comando Vermelho e idealizado no mesmo presídio por detentos que discordavam da prática de seqüestros de crimes comuns praticados por grupos criminosos. Vale lembrar que "no Estado de São Paulo, em meados da década de 90, surgiu no presídio de segurança máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, a organização criminosa denominada PCC – Primeiro Comando da Capital –, com atuação criminosa diversificada em diversos Estados" . O PCC patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros de transporte de valores, pratica extorsão de familiares de detentos, extorsão mediante seqüestro e tráfico de entorpecentes, possuindo conexões internacionais. Ademais, assassina membros de facções rivais, tanto dentro como fora dos presídios.

Por sua vez, segundo Relatório divulgado em 17 de junho de 2.002, pela organização não governamental World Wild Fund (WWF), o crime organizado, incluindo a Máfia russa e os cartéis de entorpecentes, estão adentrando o tráfico ilícito de animais, devido ao seu caráter lucrativo (de até 800%), ao baixo risco de detenção e à falta de punição. Estima-se que, no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de drogas estejam relacionados com o tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de 1/3 (um terço) da cocaína apreendida em 1993 provém da importação de animais selvagens. Dessarte, em alguns casos, os animais são levados juntamente com as drogas; em outros, são usados como moeda de troca e lavagem de dinheiro.

Sobremais, "(...) as pesquisas biológicas clandestinas, o comércio irregular de madeiras nobres da região amazônica e da mata atlântica, em especial o mogno, extraído dos Estados do Pará e sul da Bahia, com a suposta conivência de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), também são consideradas relevantes áreas de atuação do crime organizado no território nacional, com conotações transnacionais". Segundo relatório final da CPI da Biopirataria, divulgado em 03/02/2.003, o comércio ilegal de animais movimenta aproximadamente R$2 bilhões por ano e, a comercialização ilegal de madeira, R$4 bilhões.

Não há olvidar-se a existência de organizações criminosas especializadas em desvio de extraordinários montantes dos cofres públicos para contas de particulares, as quais são abertas em paraísos fiscais no exterior. Tal prática envolve escalões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, resultando no impeachment do Presidente Collor em 1992, a renúncia de alguns deputados da Câmara Federal, os quais manipulavam verbas públicas e ficaram conhecidos como "anões do orçamento", além da cassação do senador Luís Estevão e da prisão do presidente do Tribunal Regional do Trabalho, Nicolau dos Santos, devido ao superfaturamento na construção da sede do referido tribunal.

Registre-se que a "criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da Legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade...é uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais"

3.PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO
Em primeiro plano, atente-se à questão da acumulação de poder econômico dos integrantes das organizações criminosas, já que estas "atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhes possibilita auferir extraordinários lucros". Aliás, estima-se que o mercado do crime organizado movimenta mais de ¼ (um quarto) do dinheiro em circulação no mundo. Neste sentido: "As Máfias italianas são consideradas verdadeiras potências financeiras do mundo: o volume anual de seus negócios alcança US$50 bilhões e estima-se que seu patrimônio seja superior a US$100 milhões". Acrescente-se, ainda, que: "Os 100.000 integrantes da Yakuza operam anualmente no mercado cerca de US$180 milhões".

Além disso, a acumulação do poder econômico deriva da necessidade de "legalizar" o lucro obtido ilicitamente, acarretando na lavagem de dinheiro auxiliada pelos paraísos fiscais (Panamá, Ilhas Cayman, Uruguai, Ilhas Virgens Britânicas, Andorra, dentre outros).

Em derradeiro, o alto poder de corrupção configura-se como fator relevante no incentivo ao crime organizado, uma vez que é direcionado a várias autoridades das três esferas estatais, na medida em que são compostas pelas instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário), pelas altas esferas do Poder Executivo, além de integrantes do Poder Legislativo. Assim, a participação de agentes estatais cria uma sensação de "segurança nos criminosos", na medida em que contribui para a continuidade das ações delituosas e para o agravamento do problema da impunibilidade.

Registre-se que a criminalidade difusa decorre da ausência de vítimas individuais, conhecidas, determinadas, configurando-se como obstáculo à reparação dos danos causados pelas organizações criminosas, uma vez que no momento em que se descobre a infração, os danos são imensos e irreparáveis, restando ao Poder Público o rastreamento do valor apropriado, tarefa esta de difícil concretização, frente à morosidade, dificuldade e aos resultados mínimos.

Vale lembrar que as organizações criminosas possuem característica mutante, pois utilizam-se de empresas de "fachada", terceiros ("laranjas") e contas bancárias específicas como meios impeditivos de visibilidade de sua atuação pelo Poder Público. Ademais, de tempos em tempos, alteram sua estrutura administrativa, mudando as empresas, removendo as pessoas para lugares diversos e criando outras contas bancárias.

Entrementes, o alto poder de intimidação também é um fator considerável, já que a "lei do silêncio" imposta aos membros do crime organizado, assim como às pessoas estranhas à organização é mantida devido ao emprego de meios cruéis de violência. Assim sendo, os membros de tais facções podem atuar na clandestinidade, a fim de evitar a responsabilização penal.

Outro fator consiste nas conexões locais e internacionais e na divisão de territórios para a atuação. No âmbito internacional, os criminosos "(...) não encontram grandes obstáculos para se integrarem, notadamente após o desenvolvimento do processo de globalização da economia, que contribuiu para a aproximação das nações, possibilitando aos grupos que ainda operavam paralelamente um novo impulso em suas relações com maiores perspectivas de expandirem mercados ilícitos". Como exemplos, os cartéis colombianos expandiram seu negócio de comércio de cocaína para o cultivo do ópio e a comercialização da heroína. A Máfia japonesa, além de comercializar entorpecentes, passou a atuar no mercado de ações e na exploração de atividades ligadas à pornografia. A Máfia russa explora o tráfico de componentes nucleares, além de armas, entorpecentes e mulheres. Os grupos brasileiros também diversificaram suas atividades, as quais constituem em roubo a bancos, extorsão mediante seqüestro, resgate de presos, tráfico de armas e entorpecentes, com conotações internacionais.

É preciso analisar a estrutura das organizações criminosas e sua relação com a comunidade. Estes grupos possuem uma estrutura empresarial, possuindo na base soldados que realizam diversas atividades gerenciadas por integrantes de média importância. Ademais, para "(...) ganhar simpatia da comunidade em que atuam e facilitar o recrutamento de seus integrantes, realizam ampla oferta de prestações sociais, aproveitando-se da omissão do aparelho do Estado e criando uma prática de um verdadeiro Estado paralelo".

4.Tipificação do Crime Organizado no Direito Penal
Mister se faz ressaltar que a tipificação correspondente às condutas delitivas individuais é incompatível com o problema do crime organizado, devido ao número variado e complexo de condutas que o compõem.

Convém ponderar que a conceituação normativa faz-se possível mediante a aproximação de três critérios: "estrutural (número mínimo de integrantes), finalístico (rol de crimes a ser considerado como de criminalidade organizada) e temporal (permanência e reiteração do vínculo associativo)". Assim sendo, é possível conceituar crime organizado como aquele praticado por, no mínimo, três pessoas, permanentemente associadas, que praticam de forma reiterada determinados crimes a serem estipulados pelo legislador, em consonância com a realidade de cada País.

Tenha-se presente que a Lei n° 9.034/95 procurou tutelar o crime organizado, não se atentando ao Projeto n° 3.519/89, cujo artigo 2° estipulava que: "Para efeitos desta lei, considera-se organização criminosa aquela que, por suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional". Além disso, "não partiu de uma noção de organização criminosa, não definiu crime organizado por seus elementos essenciais, não arrolou as condutas que constituiriam criminalidade organizada nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria. Optou somente, num primeiro momento, por equiparar a organização criminosa às ações resultantes de quadrilhas ou bandos (art. 1°)".

Posteriormente, a lei n°10.217/2001 alterou a redação do art. 1° da lei n° 9.034/95, contudo não solucionou o problema da conceituação de crime organizado.

Registre-se que "Pelo texto atual a lei incide nos ilícitos decorrentes de: (a) quadrilha ou bando; (b) organização criminosa; (c) associação criminosa. Como se percebe, com o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados três conteúdos diversos: organização criminosa (que está enunciada na lei, mas não tipificada no nosso ordenamento jurídico), associação criminosa (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º: associação para prática de genocídio) e quadrilha ou bando (CP, art. 288). Quadrilha ou bando sabemos o que é (CP, art. 288); associações criminosas (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º) sabemos o que é ".

Ainda, na opinião de Luís Flávio Gomes, o conceito de crime organizado abrange:

" (a) a quadrilha ou bando (288), que claramente (com a Lei 10.217/01) recebeu o rótulo de crime organizado, embora seja fenômeno completamente distinto do verdadeiro crime organizado;

(b) as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico (art. 14 da Lei de Tóxicos, art. 2º da Lei 2.889/56 v.g.) assim como todas as que porventura vierem a sê-lo e

(c) todos os ilícitos delas decorrentes ("delas" significa: da quadrilha ou bando assim como das associações criminosas definidas em lei).

Referido conceito, em conseqüência, de outro lado e juridicamente falando, não abrange:

(a) a "organização criminosa", por falta de definição legal;

(b) o concurso de pessoas (os requisitos da estabilidade e permanência levam à conclusão de que associação criminosa ou quadrilha ou bando jamais podem ser confundidos com o mero concurso de pessoas (que é sempre eventual e momentâneo)."

5.Conseqüências do crime organizado no plano processual penal
Impende observar que, no plano processual, o crime organizado, devido ao seu caráter multiforme, também requer o desenvolvimento de estratégias diferenciadas dos crimes comuns, na medida em que se busca uma maior eficiência penal. Nesta vereda: "a evolução da criminalidade individual para a criminalidade especialmente organizada, que serve de meios logísticos modernos e está fechada ao ambiente exterior, em certa medida imune os meios tradicionais de investigação (observações, interrogatórios, estudos dos vestígios deixados), determinou a busca de novos métodos de investigação da polícia" . No mesmo sentido: "a criminalidade organizada, especialmente a narcocriminalidade, tem evoluído extraordinariamente nos últimos tempos, adquirindo estruturas complexas que dispõem de ingentes meios financeiros de origem ilícita e cuja capacidade operativa supera as das clássicas organizações de delinqüentes, razão pela qual os meios tradicionais de investigação se mostram insuficientes, ao menos para chegar ao coração das organizações e aproximar-se dos seus chefes e promotores".

Verdade seja, esta é, as organizações criminosas utilizam meios eficazes para a destruição de provas de autoria delitiva, possuindo mecanismos modernos, muitas vezes mais sofisticados que os da Polícia, dirimindo-se, assim, de sua culpabilidade. Exemplificando: no de homicídio, a arma de fogo utilizada é destruída para evitar vestígios; o automóvel utilizado para fins ilícitos é incendiado; os locais de atuação são desconhecidos; as testemunhas são assassinadas ou ameaçadas; no interior dos grupos criminosos as informações são restritas. Ademais, "(...) os integrantes de algumas organizações criminosas passaram a adquirir equipamentos eletrônicos, geralmente com tecnologia superior àqueles utilizados pela polícia, que facilmente identificam a presença de microfones ocultos ou microcâmeras instalados nos ambientes por eles freqüentados (moradias, escritórios, hotéis etc), comprometendo, assim, a obtenção da prova (...)".

Bom é dizer que devido à dificuldade em se adquirir provas contundentes no caso do crime organizado, medidas como interceptações telefônicas e ambientais, quebra de sigilo bancário e fiscal dos denunciados, têm sido permitidas pelo ordenamento jurídico de vários países. Note-se que a recomendação nº 10 do VIII Congresso das Nações Unidas, realizado em Havana, no ano de 1991, dispõe que "a interceptação das telecomunicações e o uso de métodos de vigilância eletrônicos são também importantes e eficazes" para a apuração do crime organizado.

No caso presente, essas estratégias de busca de prova têm se mostrado eficientes para o rastreamento das operações financeiras, muitas com conexões internacionais, resultantes na lavagem de dinheiro. Saliente-se que tais métodos devem ser utilizados com cautela, a fim de evitar lesão aos direitos personalíssimos garantidos aos cidadãos. Atente-se à lição de J. C. Viera de Andrade, segundo o qual "o fundamento teórico dessa tendência restritiva está no fato de que, assim como os direitos fundamentais do cidadão, o bem-estar da comunidade e a preservação e repressão criminal também possuem assento constitucional e não podem ser sacrificados por uma concepção puramente individualista. Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem ilimitados, visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos à idéia de responsabilidade e integra-os no conjunto de valores comunitários, afigurando-se constitucionalmente lícito ao legislador ordinário restringir certos direitos de indivíduos pertencentes a organizações criminosas que claramente colocam em risco os direitos fundamentais da sociedade".

Come se há verificar, existem controvérsias na doutrina a respeito da questão acima suscitada. Autores como Sergio Moccia e Mario Chiavario, afirmam que o Estado não deve sacrificar os direitos individuais consagrados, pois eminente é o perigo de um retrocesso na história de consagração desses direitos, podendo, inclusive, acarretar em retornos autoritários ou ditatoriais.

No sentido de se preservar os direitos personalíssimos, "(...) o legislador previu regras para colher a prova, disciplinando um procedimento secreto para o juiz colher a prova que comportar em violação de sigo preservado pela Constituição ou por lei, cujo ato de diligência será conservado fora do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório e servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas da causa, que não poderão ele servir-se para fins estranhos à mesma" (art. 3º, §3º, da Lei 9.034/95).

Por iguais razões, têm-se concedido dilação dos prazos de prisão cautelares e previsão da incomunicabilidade dos investigados por algumas horas.

Finalmente, "o legislador brasileiro, em se tratando de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de diversos crimes, entre eles os praticados por organização criminosa, dispôs que o juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados apenas quando comprovada a ilicitude de sua origem pelo investigado ou acusado".

Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, por meio de ação direta de inconstitucionalidade nº 1570, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, decidiu a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.034/95, alegando que a Lei Complementar nº 101/01, norma esta superveniente e de hierarquia superior, regulou a questão do sigilo bancário e financeiro nas ações praticadas por organizações criminosas, revogando, por incompatibilidade, a lei 9.034/95. Ainda, sustentou que ao magistrado incumbe analisar as provas, atendo-se ao Princípio da Imparcialidade, sendo incompatível com a sua função diligenciar pessoalmente a obtenção de provas, sem o auxílio da Polícia e do Ministério Público.

Segundo a Procuradoria Geral da República, o referido dispositivo legal transformou o juiz em investigador, violando o Princípio do Devido Processo Legal, comprometendo, assim sua imparcialidade.

Contudo, a lei mencionada continua em vigor, ao tratar da obtenção de informações fiscais e eleitorais, implicando na violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei.

6.TUTELA PROCESSUAL PELO LEGISLADOR BRASILEIRO
Em consonância com o acatado, o legislador criou a Lei nº 9.034/95, dispondo sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, tutelando a ação controlada por policiais, o acesso a informações bancárias, financeiras, fiscais e eleitorais, além de criar procedimento específico. A Lei nº 9.296/96, por sua vez, regulamentou a violabilidade das comunicações e do fluxo das mesmas em sistemas de informática e telemática. Ainda, a lei nº 9.613/98 que dispõe sobre "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema financeiro. Estipulou, em seu art. 4º, §2º, que o juiz só permitirá a liberação de bens apreendidos ou seqüestrados se provada sua origem lícita.

Ademais, a medida provisória nº 1.713/98 alterou a redação do art. 34 da Lei nº 6.368/76, estipulando processo cautelar para o perdimento de bens. A alienação desses bens deve ser requerida pelo representante do Ministério Público, podendo o juiz determinar sua venda por meio de leilão, desde que comprovado o nexo de causalidade entre os delitos e o risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo. Após realização do leilão, "a União será intimada para oferecer, em títulos do tesouro, caução equivalente ao montante do valor arrecadado, cabendo ao juiz decidir sobre a perda definitiva dos bens e valores ou sobre o levantamento da caução".

Acrescente-se a Lei nº 9.807/99 que estabeleceu normas para a organização manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas (arts. 7º, 8º e 9º), estendendo aos réus colaboradores (art. 15). A Lei nº 10.217/01, por sua vez, introduziu os incisos IV e V no art. 2º da Lei 9.034/95, disciplinando a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos e a infiltração de agentes policiais ou da inteligência da Polícia quanto à investigação, mediante prévia e expressa autorização judicial.

Nessa vereda, a jurisprudência tem se manifestado no sentido de corroborar com a restrição aos direitos individuais em prol da sociedade e eficiência ao combate do crime organizado. Atente-se ao à decisão do E. Superior Tribunal Federal:

"OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros". (MANDADO DE SEGURANÇA, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 16/09/1999)

No mesmo sentido: "PROCESSUAL – HABEAS CORPUS – QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (ART. 5º, X E XII DA CF) – I. Os direitos e garantias fundamentais do indivíduo não são absolutos, cedendo em face de determinadas circunstancias, como, na espécie, em que há fortes indícios de crime em tese, bem como de sua autoria. II. Existência de interesse público e de justa causa, a lhe dar suficiente sustentáculo. III. Observância do devido processo legal, havendo inquérito policial regularmente instaurado, intervenção do parquet federal e prévio controle judicial, através da apreciação e deferimento da medida". (TRF 2ª R – HC 95.02.22528-7 – RJ 3 ª T. – Rel. Dês. Fed. Valmir Peçanha – DJU 13.02.96)

7.LIMITES À ATUAÇÃO RESTRITIVA DO ESTADO
Mister se faz ressaltar que é preciso buscar um equilibro entre a restrição aos direitos personalíssimos e os limites da atuação estatal, sendo vedada a prática abusiva praticada por esse, "razão pela qual o risco de um descontrole no binômio eficiência penal/garantia individual em desfavor do cidadão deve sempre ser ponderado pelo legislador e pelo juiz em sua atividade prática, o que determina que essa relação dicotômica seja sempre marcada pela excepcionalidade"

Ao propósito, a questão que se coloca gira em torno da medida em que as restrições devem ser ocorrer, a fim de se buscar um equilíbrio entre a garantia dos direitos individuais e a restrição de tais direitos pelo Estado. Neste passo, é preciso examinar o Princípio da Proporcionalidade, o qual se destina a "(...) regulamentar a confrontação indivíduo-Estado. De um lado, os interesses estatais na realização da investigação criminal e da persecução penal em juízo; de outro, o cidadão investigado ou acusado, titular de direitos e garantias individuais (...)". Dessarte tem como objetivo evitar a violação dos direitos fundamentais de cada indivíduo e o comprometimento da atividade estatal no combate e repressão à criminalidade.

Atente-se ao acórdão emanado pelo Min. Nelson Jobim, segundo o qual "a Constituição não trata a privacidade como direito absoluto (art. 5º, X, XI e XII). Há momento em que o direito à privacidade se conflita com outros direitos, quer de terceiros, quer do Estado (...) Deve-se buscar o critério para a limitação. O princípio da Proporcionalidade é o instrumento de controle. Deve-se ter conta a proporcionalidade em concerto".

Na mesma linha, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "pelo princípio da proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia se impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento de alguns direitos por ela conferidos, no caso, direito à intimidade".

Como exemplo da aplicação do Princípio da Proporcionalidade, é possível citar a "admissibilidade e utilização de prova ilícita, na hipótese de a mesma ter sido obtida para o resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor que aquele a ser resguardado".

Atente-se que a doutrina criou critérios quanto à aplicação do Princípio da Proporcionalidade, devendo o juiz observa-los ao deparar-se com o caso concreto. São eles: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

O conceito de idoneidade refere-se à "necessidade de adequação qualitativa (aptidão para alcançar fins previstos na lei processual) e quantitativa (duração e quantidade compatíveis com a finalidade buscada) da medida de restrição dos direitos fundamentais, além da necessidade de adequação de determinação do âmbito subjetivo de sua aplicação (individualização dos sujeitos passivos que serão atingidos".

A necessidade, intervenção mínima, alternativa menos gravosa ou subsidiariedade dispõe que o legislador e o magistrado devem analisar, diante de um caso concreto, todas as outras formas admitidas por lei como meio de obtenção de resultado satisfatório, aplicando imposição de medidas restritivas de direitos apenas em casos de real necessidade.

Segundo o subprincípio da Proporcionalidade, o legislador, assim como o juiz, devem ponderar se o interesse estatal é proporcional à violação dos direitos individuais constitucionalmente garantidos, que deve ser aplicada em casos excepcionais. A fim de se evitar a inconstitucionalidade das medidas impostas, os operadores do direito devem atentar-se aos critérios de "(1) conseqüência jurídica,; (2) importância da causa; (3) grau de imputação; (4) êxito previsível da medida".

Registre-se, ainda, o critério da conseqüência jurídica dispõe que "a restrição de qualquer direito ou garantia individual deve ser proporcional à pena prevista para a infração penal apurada".

O critério da importância da causa versa obre a importância da análise do grau de gravidade da infração penal cometida, devendo esta "ser confrontada com a restrição do direito individual".

Outrossim, "o grau de imputação consiste na ponderação a respeito da força da suspeita sobre a autoria ou a participação do fato investigado, o que permite avaliar a probabilidade de uma futura condenação".

Finalmente, o critério do êxito previsível da medida impõe ao juiz a previsibilidade de êxito da imposição da medida restritiva. Assim, concluindo o magistrado que a medida restritiva será irrelevante para o andamento adequado do processo, indeferirá a pretensão neste sentido.

8.PROCEDIMENTO PROBATÓRIO
Cumpre examinar, preliminarmente, o conceito de prova, que pode ser definida como "instrumento por meio do qual o juiz forma sua convicção a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo".

O procedimento probatório, por sua vez, pode ser definido como "atividade composta por um conjunto de atos, sucessivos e coordenados, pelo qual o juiz procura reconstituir os fatos noticiados no processo pelas partes".

Em derradeiro, a atividade probatória é composta por cinco momentos distintos:

1 – Obtenção da prova que consiste na busca dos elementos probatórios

2 – Propositura da prova pela qual se indica ao magistrado os meios de provas utilizados pelas partes

3 – Admissão da prova consistente no deferimento ou não, pelo juiz, das provas apresentadas

4 – Produção da prova que se configura como o meio pelo qual o objeto da prova é introduzido no processo

5 – Valoração da prova segundo a qual o juiz avaliará os meios de prova

1 - Obtenção da Prova para a Apuração do Crime Organizado

A colaboração processual, também denominada de processo cooperativo, ocorre na fase investigativa criminal, momento em que o acusado, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que infrações venham a consumar-se (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia em sua atividade de recolher provas contra os demais co-autores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva).

É, portanto, um instituto de direito material, de iniciativa exclusiva do juiz, com reflexos penais, podendo ocasionar a diminuição da pena ou a concessão do perdão judicial.

No Brasil, a Lei nº 10.409/02 disciplinou o Instituto da colaboração processual decorrente de acordo entre representante do Ministério Público e o investigado que deseja colaborara na fase pré-processual.

O art.37 prevê a possibilidade em não se propor ação penal, de forma justificada, contra os agentes ou partícipes do delito que venham a colaborar com a Justiça.

Contudo, os representantes do Ministério Público devem observar os seguintes requisitos para a efetuação dos acordos:

1 - Voluntariedade da iniciativa do colaborador - imperiosa é a necessidade de os agentes estatais respeitarem o livre arbítrio do investigado em relação a uma eventual delação na fase pré-processual.

2 - Relevância das declarações do investigado - deve-se guardar um nexo de causalidade com os resultados positivos produzidos na investigação criminal em curso.

3 - Colaboração feita de maneira efetiva - o acusado precisa colaborar de forma permanente com as autoridades, colocando-se integralmente à sua disposição para a elucidação dos fatos investigados.

4 - Personalidade do colaborador, natureza das circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso sejam compatíveis com o instituto.

Registre-se que a proposta para a aplicação da colaboração premiada deve ser reservada a um sujeito que desenvolva funções assemelhadas àquelas hoje desenvolvidas pelo Ministério Publico no processo penal.

Cabe salientar que, a infiltração de agentes da polícia ocorre quando um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial, infiltra-se numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito de seu funcionamento.

Para tal fim, deve apresentar três características: a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial, o engano, que permite ao agente obter a confiança do suspeito e a interação, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial.

A exemplo das leis consagradas em outros países, o legislador exigiu prévia autorização judicial, como forma de assegurar o controle judicial sobre essa atividade. Todavia, a lei nacional não disciplinou um procedimento próprio para seu processamento.

Atente-se que o procedimento deverá ser marcado pelo sigilo, podendo ter acesso aos autos apenas o juiz e o representante do Ministério Público, para o qual o elemento de prova é produzido.

A análise da proporcionalidade entre a conduta do policial infiltrado e o fim buscado pela investigação é o caminho a ser trilhado, limitando-se apenas à busca dos elementos de provas.

É de ser relevado que "A prática tem demonstrado que, muitas vezes, é estrategicamente mais vantajoso evitar a prisão, num primeiro momento, de integrantes menos influentes de uma organização criminosa, para monitorar suas ações e possibilitar a prisão de um número maior de integrantes ou mesmo a obtenção de prova em relação a seus superiores na hierarquia da associação".

Ademais, a ação controlada por policiais, também denominadas de flagrante prorrogado ou retardado, visa possibilitar maior êxito na colheita dos elementos de prova.

A Lei nº 9.034/95 exige dois requisitos: a existência de um crime em desenvolvimento praticado por organização criminosa ou a ela vinculado; e a observação e acompanhamento dos atos praticados pelos investigados até o momento mais adequado para a formação da prova e a colheita de informações.

Em consonância com anteriormente mencionado, a Constituição Federal resguarda o direito à intimidade e à vida privada e tem como regra a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial. Nesta vereda, objetivando apurar o crime organizado, a utilização da interceptação telefônica tem-se mostrado eficiente.

Os requisitos para o deferimento da interceptação telefônica estão previstos no art 2º, incisos I a III, da Lei nº 9.296/96, de maneira a afirmar que se qualquer dos meios pesquisados for menos gravoso e suficiente para a finalidade pretendida pela investigação, a violação dos direitos referidos será considerada desnecessária, no sentido de buscar aquela mais idônea para a finalidade pretendida com a investigação criminal. b

Após análise do parágrafo único do art 2º da Lei nº 9.296/96, conclui-se a "decisão judicial que deferi-la deve esclarecer os seus exatos limites, evitando assim eventuais abusos na apuração de fatos desconexos como objeto da investigação ou relacionados a terceiros estranhos à apuração criminal, e somente será possível sua admissão para a persecução de crimes em andamento, não se prestando a medida para a investigação de infrações que sequer tiveram início de execução, sob pena do direito à intimidade, que deve ser entendido como regra, restar demasiadamente vulnerado".

Além disso, a vigilância eletrônica também tem possibilitado uma atuação mais eficiente dos agentes estatais na apuração do crime organizado, atentando-se à observação do princípio da proporcionalidade.

Assinale, ainda, que o legislador brasileiro limitou-se a exigir prévia e motivada decisão judicial para seu deferimento.

Outrossim, a quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro, meios de obtenção de prova, abrangem, além do crime organizado, outras infrações penais, podendo revelar detalhes sobre a intimidade e a vida privada do cidadão investigado ou acusado, direitos que naturalmente devem ser preservados, salvo se conexos com alguma infração penal, situação em que deve prevalecer o interesse público na apuração criminal.

2.Proposição e admissão da prova nos processos de criminalidade organizada

Vale lembrar que "Como salientado, em relação à apuração da criminalidade organizada, os meios mais eficientes de obtenção da prova vulneram direitos fundamentais, razão pela qual exigem prévia autorização judicial, sob pena de ilicitude da prova obtida".

O magistrado deve realizar um juízo preliminar sobre a idoneidade, a necessidade e a proporcionalidade do meio de busca da prova requerida, com vista em autorizar sua adoção. Posteriormente, deve verificar sua pertinência e relevância, à luz dos elementos de prova colhidos durante a investigação criminal e, por fim, fazer uma valoração da prova ante a completa visão do quadro probatório.

O instituto da colaboração processual não prevê a participação do juiz na celebração do acordo (fase pré-processual).

Entendendo o juiz que a colaboração foi irrelevante, não efetiva ou ainda que a personalidade do colaborador e as conseqüências do crime mostram-se incompatíveis com o instituto, poderá o magistrado, de maneira fundamentada, desconsiderar o acordo.

Deve-se verificar a licitude da conduta desempenhada pelo policial infiltrado de maneira que seu depoimento se torne o principal meio de prova, tendo ele sido arrolado como testemunha da denúncia.

Atente-se que, quando a interceptação telefônica parecer ser o único meio disponível de obtenção da prova, a autorização será lícita e não perderá essa característica ante a constatação da possibilidade de utilização de provas colhidas por outros meios não aventados pelo juiz.

Bom é dizer que a lei brasileira não veda o aproveitamento desse material probatório em relação ao crime incidentalmente apurado, desde que também esteja contemplado no critério de proporcionalidade.

3.- Produção da prova em face do crime organizado - Participação À distância do acusado na instrução

Impende observar que a audiência telemática possibilita que os acusados participem do ato processual em local diverso de sua realização, podendo comunicar-se oral e visivelmente com o juiz e com os demais participantes do ato processual, pelos meios de comunicação colocados à sua disposição.

Assim, tem como finalidade a busca da eficiência processual, embora haja falta de segurança no deslocamento dos acusados e excessivo dispêndio de recursos públicos para tanto.

Como pontos problemáticos, configuram-se a constituição inegável de uma atenuação à ampla defesa do acusado, a dificuldade econômica de se constituir dois advogados para participar simultaneamente do ato no juízo e a ausência de absoluto sigilo nas conversações.

Aliás, "A tendência contemporânea acerca do tema, portanto, é no sentido de se tolerar uma atenuação do direito de defesa do acusado quando confrontado com outros valores de igual magnitude" , significando que a decisão sobre sua utilização deve sempre ser marcada pela excepcionalidade.

Convém notar, outrossim, que, em razão do alto poder de intimidação, geralmente imposto pelas organizações criminosas, os depoimentos de testemunhas arroladas em processo tendem a serem colhidos à distância, a fim de se buscar a eficiência processual. Todavia, a lei brasileira não tutela a possibilidade da colheita do testemunho a distância para preservar sua integridade ou para proteger a testemunha.

Vale ressaltar que a proteção à testemunha tem a finalidade de assegurar a inteireza da prova oral a ser produzida em juízo, de se proporcionar uma efetiva proteção para vítimas testemunha e co-réus colaboradores.

No Brasil, as medidas de proteção abrangem a segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações, escolta e segurança nos deslocamentos da residência e transferência de residência ou acomodação, preservação da identidade, imagem e dados pessoais, ajuda financeira para promover as despesas necessárias à subsistência, suspensão temporária das atividades funcionais, apoio e assistência, social, médica e psicológica, sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida, apoio para o cumprimento das obrigações civis e administrativas, alteração de nome completo e concessão de outras medidas cautelares compatíveis com a proteção da testemunha e seus familiares.

Com a finalidade de se preservar a integridade física e psicológica de vítimas e testemunhas, bem como de seus familiares, é prevista a participação anônima nos processos que apuram a criminalidade organizada, fazendo com que a identidade da testemunha seja desconhecida do juízo e/ou da defesa.

Ainda, a incriminação do co-réu colaborador, referente à natureza jurídica da delação do co-réu, trata-se de verdadeira prova acusatória.

4- Valoração da Prova nos Processos Relativos à Criminalidade Organizada

Como se depreende, ao analisar as declarações incriminadoras do co-réu, deve-se observar que o acusado não presta o compromisso de falar a verdade em seu interrogatório e está em situação de beneficiário processual, podendo figurar como beneficiário penal.

Em consonância com o acatado, o magistrado deverá considerar os seguintes elementos para a valoração desse meio de prova: a verdade da confissão, a inexistência de ódio em qualquer das manifestações, a homogeneidade e coerência de suas declarações, a inexistência da finalidade de atenuar ou mesmo eliminar a própria responsabilidade penal e a confirmação da delação por outras provas.

Deve, ainda, o juiz considerar, na valoração do depoimento prestado por pessoa protegida, as seguintes presunções:

a)Se os sentidos não enganaram a testemunha;

b) Se a testemunha não que enganar o juízo.

Em relação à percepção e à transmissão do percebido, devem ser analisados o desenvolvimento e a qualidade das faculdades mentais da testemunha, o funcionamento dos sentidos das testemunhas, as condições em que se produziu a percepção, sob o plano físico e psíquico, as características do objeto percebido, as percepções do tempo, da distância e do volume, além das condições de transmissão do percebido.
No tocante à sinceridade do depoimento, é preciso observar a presença ou não de algum interesse que possa exercer influência consciente ou inconsciente sobre a vontade do depoente, a existência de relatos dúbios e a consideração individual de cada testemunho.

A valoração de depoimento policial, por sua vez, deve atender a dois elementos: a inexistência de interesse em afastar eventual ilicitude em suas diligências e a comprovação de seu depoimento por outros meios de prova, salvo impossibilidade de fazê-lo. Tais requisitos devem ser observados devido à possibilidade do temor presente nas investigações influenciar a imparcialidade das palavras dos policiais envolvidos.

Ressalve-se que, nos últimos anos, nos processos instaurados para apuração dos crimes organizados, nota-se uma acentuada tendência quanto à valoração da prova indiciária.

O primeiro dos requisitos a ser considerado pelo juiz é a certeza de existência do fato indiciante. Já o segundo, trata da exclusão de hipótese de azar, pois existindo a possibilidade de falsa conexão entre o indício e o fato apurado, o juiz não deverá fundamentar seu convencimento. Ainda, tem-se a hipótese de falsificação do fato indicador. Também é preciso atentar-se à análise da inexistência de contra-indícios. Por fim, o juiz deverá considerar a existência de relação de causalidade entre o fato indicador e o indicado, a pluralidade de indícios e a convergência ou concordância destes.

9. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Cabe consignar a existência de uma série de organizações criminosas atuantes no território brasileiro, configurando numa situação alarmante e preocupante a todos os setores da sociedade. Ademais, a impotência dos órgãos governamentais em relação ao efetivo controle do crime organizado e, em decorrência dos motivos expostos ao longo deste trabalho, os agentes criminosos atuam de forma desembaraçada, enfrentando o Estado de Direito e impondo suas regras, leis e condições, dominando, assim, uma parcela da sociedade que se vê coagida pelo medo.

Uma das organizações mais conhecidas e temidas denomina-se "Comando Vermelho", cuja criação deu-se em razão da união de alguns reincidentes da facção "Falange Vermelha", no final dos anos 70, no presídio localizado em Ilha Grande-RJ, objetivando lutar contra o grupo de poderio da época e dominar o tráfico de entorpecentes no Estado. Consta que os presos Williams da Silva Lima, o "Professor", agora com 59 anos de idade e 35 de prisão em Bangu III, Paulo César Chaves e Eucanã de Azevedo eram os líderes do grupo quando de sua criação.

Ao longo dos anos, novos adeptos juntaram-se ao Comando Vermelho, ampliando seu poder e possibilitando o investimento em armamentos pesados e a distribuição de substâncias entorpecentes. Atualmente, essa organização domina cerca de 70% do tráfico no Rio de Janeiro e atua em outras áreas, como tráfico de armamentos, crime organizado, roubos, seqüestros e homicídios.

Williams da Silva Lima, conhecido como o "Professor", no livro "Comando Vermelho – A História Secreta do Crime Organizado", de autoria de Carlos Amorim, declarou: "Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes que matarão vocês - a polícia - nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas?".

Outrossim, os líderes atuais dividem-se por regiões e morros. Embora a maioria esteja na prisão, principalmente cumprindo pena no presídio Bangu I, as ordens são repassadas de dentro das celas e as principais decisões são discutidas por uma espécie de colegiado do comando da organização.

Registre-se que em junho de 2.000 foi divulgada uma letra de uma música do grupo de rap Facção Central, referente à atuação do Comando Vermelho. Segue um trecho da música: "Quem enquadra a mansão, quem trafica. Infelizmente o livro não resolve/O Brasil só me respeita com o revólver/ O juiz ajoelha, o executivo chora/ Para não sentir o calibre da pistola/ Se eu quero roupa, comida, alguém tem de sangrar/ Vou enquadrar uma burguesa/ E atirar para matar/ Vou furtar seus bens/ E ficar bem louco/ Seqüestrar alguém no caixa eletrônico/ A minha quinta série só não adianta/ Se eu tivesse um refém com o meu cano na garganta/ Ai não tem gambé para negociar/ Vai se ferrar, é hora de me vingar. /".

Devido aos conflitos internos e às constantes discórdias, muitos integrantes afastaram-se do Comando Vermelho e fundaram uma nova facção, denominada "Terceiro Comando". Esta organização domina, atualmente, 12 comunidades na Zona Norte do Rio de Janeiro, de forma estratégica devido à proximidade com a Bahia de Guanabara. Seus principais líderes são Linho, Gangan e Miltinho do Dendê. A partir de sua criação, muitos conflitos com o Comando Vermelho foram registrados, em decorrência da disputa pelo controle de morros e favelas.

Ainda no Estado do Rio de Janeiro, formou-se, no final dos anos 90, uma outra organização, "Amigos dos Amigos (ADA)", cujo objetivo era o de controlar "bocas de fumo" e fugir do domínio do Comando Vermelho. Diferentemente dos outros grupos, o ADA não repassa o dinheiro obtido pelo comércio ilegal de entorpecentes, não sustenta as famílias dos traficantes presos e não interfere em planos de fuga de membros da quadrilha. Atualmente, controlam as favelas do complexo de São Carlos, Adeus/Juramento, Caju e Vila Vintém.

No Estado de São Paulo, no ano de 1.993, surgiu o PCC – Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que tinha como objetivo inicial extorquir presos e seus familiares, assassinar presos a fim de dominar o sistema carcerário e traficar substâncias entorpecentes dentro dos presídios. Com o passar dos anos, o PCC passou a cometer outros tipos de infrações penais fora do aludido sistema.

Ressalte-se que o Primeiro Comando da Capital possui uma estrutura piramidal, cujo topo é formado por líderes conhecidos como "fundadores" e por aqueles que alcançaram posição de prestígio, denominados "batizados". Atualmente, na posição de liderança, no denominado "primeiro escalão", encontram-se Marcos Williams Herbas Camacho, vulgo "Marcola" ou "Playboy" e Júlio César Guedes de Moraes, conhecido como "Julinho Carambola".

Ainda, tal organização assumiu as ações praticadas, embora sem identificar seus membros e ganhou a atenção da mídia, principalmente com a maior rebelião já registrada no mundo, a chamada "Megarebelião". De feito, em vários presídios foram realizadas rebeliões simultâneas sendo que os detentos gravaram, no chão do pátio do presídio Carandiru, o símbolo da organização.

É de verificar-se que os membros recebem cópias do estatuto da sociedade criminosa, no qual são determinadas as regras de conduta. Nesta linha, no final de 1996, o Estatuto do PCC foi divulgado, contendo os seguintes itens:

1 - Lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao Partido.

2 - A luta pela liberdade, justiça e paz.

3 - A união na luta contra as injustiças e a opressão dentro da prisão.

4 - A contribuição daqueles que estão em liberdade com os irmãos dentro da prisão, por meio de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate.

5 - O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido para que não haja conflitos internos - porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado pelo Partido.

6 - Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais contra pessoas de fora. Porque o ideal do Partido está acima dos conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre leal e solidário a todos os seus integrantes para que não venham a sofrer nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.

7 - Aquele que estiver em liberdade "bem estruturado", mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão.

8 - Os integrantes do Partido tem de dar bom exemplo a serem seguidos e, por isso, o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.

9 - O Partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo e interesse pessoal, mas sim a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse comum de de todos porque somos um por todos e todos por um.

10 - Todo o integrante terá de respeitar a ordem, a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acordo com aquilo que fez por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.

11 - O Primeiro Comando da Capital - PCC - fundado no ano de 1993, numa luta descomunal, incansável contra a opressão e as injustiças do campo de concentração "Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté", tem como lema absoluto "A Liberdade, a Justiça e a Paz."

12 - O Partido não admite rivalidade interna, disputa de poder na liderança do Comando pois cada integrante do Comando saberá a função que lhe compete de "acordo" com sua capacidade para o exercício.

13 - Temos de permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre esse que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudar a política carcerária, desumana, cheia de injustiça, opressão, tortura e massacres nas prisões.

14 - A prioridade do Comando no momento é pressionar o governador do Estado a desativar aquele campo de concentração "Anexo à casa de Custódia e Tratamento de Taubaté" de onde surgiu (sic) a semente e as raízes do Comando por meio de tantas lutas inglórias e tantos sofrimentos atrozes.

15 - Partindo do Comando Central da Capital do KG do Estado, as diretrizes de ações organizadas e simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado são uma guerra sem trégua, sem fronteiras, até a vitória final.

16 - O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando espalhou por todos os Sistemas Penitenciários do Estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis mas nos consolidamos a nível estadual e a médio e longo prazo nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho - CV e PCC iremos revolucionar o país de dentro das prisões e o nosso braço armado será o Terror dos Poderosos, opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros. Conhecemos a nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos. E um povo unido jamais será vencido. Liberdade, Justiça e Paz.

O Quartel general do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com o Comando Vermelho - CV. "Unidos Venceremos" –

Ademais, os líderes conseguem obter, de forma ilícita, telefones celulares, normalmente pré-pagos, que são introduzidos nos presídios, com os quais são efetuadas ligações às "centrais" (linhas telefônicas instaladas em locais quaisquer, programadas com o escopo de efetuarem a transferência de chamadas ou o que se denomina "teleconferência" – três pessoas falando ao mesmo tempo ) que transferem as chamadas para os locais desejados.

Além disso, há sérios indícios de que as organizações Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital uniram-se a fim de destituir o Estado de Direito, realizando uma série de ações coordenadas. Também apura-se a ligação dessas organizações com outras de nível internacional, formando uma rede de conexão do crime organizado.

10.O TERRORISMO
Embora terrorismo e organização criminosa sejam, tecnicamente, distintos, uma vez que os grupos terroristas não participam, necessariamente, no comércio de produtos ilícitos, assim como as organizações criminosas não agem de acordo com motivações étnicas, religiosas ou políticas, é preciso encará-lo como uma ameaça a toda comunidade internacional.

O terrorismo pode ser dividido em dois grandes grupos: o primeiro refere-se àquelas organizações independentes, que agem por motivações políticas e ideológicas contra uma população específica ou um determinado governo; o segundo grupo está relacionado com o chamado terrorismo de Estado, que age patrocinado por governos interessados em desestabilizar e aniquilar nações rivais ou grupos populacionais específicos. Em ambos os casos, o terrorismo é considerado um crime político e uma afronta à humanidade, devendo ser combatido por toda comunidade internacional.

Segundo especialistas no assunto, as motivações iniciais dos grupos terroristas consistiam em questões étnicas e religiosas. Devido à continuidade desses conflitos, assim como à falta de solução, essas ações vêm recrudescendo a cada ano. Consta que, na segunda metade do século XX, com o fim da Guerra Fria, as atividades terroristas potencializaram-se devido a motivações políticas, surgindo grupos terroristas em diversos países, aproveitando-se de um certo vácuo político pós Guerra Fria para atingir seus objetivos até então reprimidos.

Atente-se que o problema em questão nunca foi exclusividade do mundo em desenvolvimento, já que grupos terroristas com perfis separatistas perpetraram ataques significativos na Espanha e na Grã-Bretanha. Dentro do contexto político, o terrorismo atingiu duramente as sociedades italiana, francesa, grega e japonesa.

Registre-se que grupos de narcotraficantes estão associando-se a movimentos terroristas que, por sua vez, têm no comércio ilegal de drogas uma importante fonte de recursos para financiar suas operações. Constata-se, portanto, uma combinação literalmente explosiva, o que torna essa questão mais complexa e preocupante.

11. CRIME ORGANIZADO E GLOBALIZAÇÃO
Cabe salientar que o fenômeno da globalização encontra-se presente nas práticas ilícitas, tais como no crime organizado. Neste sentido, Gomes e Cervini afirmam que "(...) talvez seja a ‘internacionalização’ (globalização) a marca mais saliente do crime organizado, nas duas últimas décadas. Já não é mais correto apontar a conexão norte-americana-italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra) como uma singular manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras são as organizações criminais já mundialmente conhecidas. Podemos citar, dentre tantas outras ainda não tão destacadas, a camorra italiana, na´drangheta calabresa, a sacra corona pugliesa, a boryokudan e a yakuza japonesas, as tríades chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos bandos no Leste Europeu, os cartéis da droga, os contrabandistas de armas etc."

As organizações criminosas beneficiam-se da globalização da economia, do livre comércio, desenvolvimento das telecomunicações, sistema financeiro internacional etc. "Alguns já chegaram a formar um verdadeiro ´´antiestado´´, isto é, um ´´estado´´ dentro do Estado, com uma pujança econômica incrível, até porque existe muita facilidade na ´´lavagem do dinheiro sujo´´, e grande poder de influência (pelo que é válido afirmar que é altamente corruptor(...).

Ainda, "o narcotraficante atual está cada vez mais diferente daqueles jovens com pulseiras de ouro, cintos largos, anéis brilhantes...tornou-se um executivo, um empresário moderno, que se dedica a um negócio altamente lucrativo. Estão participando ativamente da vida econômica de vários países, assim como da vida política. Marcam presença principalmente nos processos de privatização, não só para ´´lavar dinheiro´´, senão sobretudo para incorporar-se na vida econômica lícita. Estão integrando o ´´narcotráfico´´ na vida institucional de cada país e desse modo buscam uma convivência pacífica, evitando-se a guerra fratricida e sangrenta".

Argemiro Procópio revela a influência dos costumes e valores sobre uso de substâncias entorpecentes e seu conseqüente tráfico ilícito, enfatizando a entrada cada vez maior de menores no crime organizado. Assim, "No Rio de Janeiro e em São Paulo, menores de 18 anos ocupam postos de comando no mundo dos narcóticos. Tais funções no passado pertenciam exclusivamente aos maduros e considerados experientes. As organizações criminosas empregam diretamente, sem salários fixos, milhões de pessoas, sendo parte constituída por crianças e adolescentes. A recompensa cresce nas funções de mando".

12. CRIME ORGANIZADO E TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES
Cabe salientar que um dos seguimentos mais lucrativos do crime organizado é o tráfico de drogas, sobretudo cocaína, heroína, "ecstasy" e anfetamina. Estima-se que esse negócio movimenta cerca de US$300 bilhões a US$500 bilhões por ano.

Em derradeiro, o crime em questão relaciona-se com outros, como os de tráfico de armas, seres humanos para fins de prostituição, órgãos, trabalho escravo etc. Atente-se que, na visão de Giovanni Quaglia, responsável pelo escritório da ONU contra drogas e crime no Brasil, esses segmentos funcionam como uma "holding", já que grupos que traficam drogas freqüentemente vinculam-se a outros responsáveis pelo tráfico de armas, na medida em que o negócio não envolve somente dinheiro, mas também mercadorias. Assim, consegue-se armas em troca de substâncias entorpecentes e vice-versa.

Relata, ainda, que o Brasil, além de rota de tráfico de entorpecentes, configura-se como um grande mercado consumidor. "Dados do Cebride [Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas] mostram que, de 87 a 97, os estudantes de ensino médio e fundamental passaram a consumir seis vezes ou mais: anfetaminas (150% a mais), maconha (325%), cocaína (700%). Criou-se no Brasil um mercado interessante para os traficantes, porque eles não precisam pagar com dinheiro os serviços que prestam aos seus colegas na Europa e nos EUA. Em um carregamento de 100 kg de cocaína que entra no Brasil, os brasileiros se encarregam de despachar 80 kg para fora e ficam com 20 para distribuir aqui. A droga no Brasil é barata".

Por fim, afirma Quaglia que as raízes do crime organizado no Brasil encontram-se "em políticas de governo passados que não imaginaram que grupos criminosos pequenos poderiam se desenvolver e se tornar mais importantes. Nas grandes cidades, em setores onde não há a presença do poder público, criaram-se situações em que há um Estado formal e um não-formal. Havia um pacto entre o asfalto e as favelas, no qual um não mexia com o outro. Só que isso mudou. O traficante já não precisa mais da comunidade, só quando a polícia chega. Agora ele é temido pela população. A comunidade ajuda porque tem medo da vingança. Não dá só para fazer força-tarefa, entrar, comandar operação e sair, porque você não consegue apoio da população".

Vale lembrar que tráfico ilícito de substâncias entorpecentes está tipificado na Lei 6368/76 e elencado no art. 1º, inciso I, da Lei 9613/98 que trata da Lavagem de Dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime). Os tipos penais abrangidos neste inciso são o art. 12, 13 e 14 da Lei de Tóxicos.

Ressalve-se que as estatísticas referentes à lavagem de dinheiro de entorpecentes alcançam o patamar de centenas de bilhões de dólares. Assim, v.g., relatório da Force on Money Loudering, divulgado em 1990, segundo o qual se calcula que as vendas de heroína, cocaína e maconha rendem, aproximadamente, US$ 122 bilhões por ano. Deste total, avalia-se que, em torno de 50 a 70% do valor destina-se à de lavagem de dinheiro.

Outrossim, a crescente utilização de complexas estruturas corporativas e intrincadas transações negociais envolvendo bancos, trust companies, empresas imobiliárias e outras instituições financeiras, por traficantes e seus associados, trouxe dificuldade adicional à apreensão de ativos originados pelo tráfico de drogas. Em razão das variações nacionais existentes na legislação bancária, fiscal e financeira, traficantes e seus cúmplices encontram brechas legais, conseguindo, de maneira rápida, adaptar seus esquemas de lavagem e técnicas para esconder seus ganhos ilícitos.

13. CRIME ORGANIZADO E "LAVAGEM DE DINHEIRO"
Cumpre examinar, preliminarmente, que característica mais marcante e comum ao crime organizado é a lavagem de dinheiro. Nenhuma organização criminosa destina-se a ideologias políticas ou sociais, mas especificamente à obtenção de dinheiro e de poder.

É de se dizer que nem sempre a criminalidade organizada vincula-se à criminalidade econômica, contudo os grandes delitos econômicos requerem uma estrutura para sua organização ¹. Assim sendo, o crime organizado e o crime de lavagem de dinheiro possuem uma estreita ligação, já que as características deste delito requerem a presença de requisitos identificáveis na estrutura das organizações criminosas. Foi em decorrência desta certeza que surgiu a Lei 9613/98 que estabelece, em seu Art 1°, que "ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores direta ou indiretamente (...) - inciso VII "praticado por organização criminosa".

De modo geral, qualquer conduta de ocultação de bens e valores obtidos, por meio de conduta criminosa anterior, praticada por Organização Criminosa, é classificada como crime de lavagem. Enquanto os seis incisos anteriores do mesmo dispositivo indicaram determinados crimes, este estabelece que "qualquer crime" praticado por organização criminosa poderá caracterizar lavagem.

Sobremais, só haverá conduta típica de lavagem se os bens tiverem origem num dos crimes previstos na Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro. A enumeração do Art. 1° incisos I a VII é taxativa, o que significa que somente aqueles crimes podem dar origem ao delito de lavagem. A ocultação ou dissimulação proveniente de qualquer outro delito ainda que grave, não caracteriza lavagem. Assim sendo:

I-Tráfico de drogas:

Crime previsto em lei especial (Lei 6386/76). Os bens, dinheiros ou valores provenientes do tráfico de drogas deve ser posto em circulação no mercado econômico ou financeiro de modo que oculte sua origem ilícita.

II-Terrorismo:

Não há figura típica no direito brasileiro que defina o crime de "terrorismo". Encontramos menção na CF/88 e na Lei dos crimes hediondos, mas sem a identificação de quais seriam os atos de terrorismo. Desta forma, mesmo que o sujeito pratique atos de terrorismo e com isso obtenha bens e dinheiro, as condutas de omitir ou dissimular a natureza deles não poderá configurar crime de lavagem, pois o legislador não o terrorismo como crime antecedente.

III-Contrabando ou tráfico de armas:

Este delito está definido no art. 334 do Código Penal. A inclusão deste crime como delito antecedente deve-se à informação da ONU, segundo a qual o tráfico de armas proporciona um enorme movimento de dinheiro, sendo que esses valores passam a integrar o sistema econômico do país.

IV-Extorsão mediante seqüestro:

Este crime está previsto no Art. 159 do Código Penal. É considerado crime hediondo, de prática muito comum no Brasil, o qual não possui controle do destino desse dinheiro. Dessarte, os montantes acabam circulando no mercado financeiro através da aquisição de propriedades.

V-Crimes contra a administração pública:

Os crimes contra a administração pública estão previstos no título XI, Arts. 312 a 359 do Código Penal. Somente alguns desses crimes podem caracterizar o tipo antecedente do crime de lavagem. Dentre eles, alguns são de prática exclusiva de funcionários públicos. Para André Luis Callegari, é acertada a inclusão deste dispositivo pelo legislador, tendo em vista que muitos funcionários que exercem função pública têm facilidade em receber dinheiro de bens de organizações criminosas, reingressando-os no mercado econômico com aparência de licitude.

VI-Crimes contra o sistema financeiro nacional:

São 21 tipos contidos na Lei 7492/86. Como um dos bens tutelados pela lei dos crimes de lavagem é a segurança do sistema financeiro nacional, qualquer crime praticado contra este pode ser considerado antecedente ao delito de lavagem, desde que haja a ocultação da origem ilícita dos bens, direitos ou valores.

VII-Crimes praticados por uma organização criminosa:

Estão previstos na Lei 9034/95. Porém, mais uma vez a lei não faz menção específica do significado de organização criminosa para efeitos penais. Assim, só haverá crime de lavagem se ocorrer também um dos delitos enumerados na lei e praticados por uma dita organização.

Marcelo B. Mendroni, em "Crime Organizado – aspectos gerais e mecanismos legais", cita algumas técnicas para a lavagem de dinheiro no Brasil:

- Estruturação (smurfing): o agente divide o dinheiro obtido em muitas quantias pequenas, e o transfere no limite permitido da lei.

- Mescla (commingling): o agente mistura os recursos ilícitos com os lícitos de uma empresa verdadeira e depois apresenta o volume total como sendo proveniente da atividade lícita da empresa.

- Empresa de fachada: constitui-se empresa legalmente registrada na Junta comercial, que aparenta participar de atividade lícita com imóvel destinado às suas atividades. Contudo, na verdade seu objetivo é diverso do fim estabelecido no estatuto ou contrato social.

- Empresa fictícia: a empresa existe somente no papel. Não há qualquer imóvel destinado às atividades registradas na junta comercial. A empresa movimenta dinheiro em seu nome, mas não existe fisicamente.

- Compra de bens: o agente adquire bens. Ex: compra por 100, declara ter comprado por 20 e vende por 100.

- Contrabando de dinheiro: transporte físico de dinheiro para outro país, aplicando-o em banco estrangeiro e rompendo a ligação dinheiro / negocio ilícito.

- Compra, troca de ativos ou instrumento monetários: Primeiramente, os agentes compram cheque administrativo, posteriormente trocam por traveller-cheque e, por fim, permutam por dinheiro novamente.

- Venda fraudulenta de propriedade imobiliária: o agente compra imóvel e declara valor infinitamente menor. Depois vende o imóvel por preço normal, transformando a diferença em lucro.

Nos últimos anos, registrou-se um eminente crescimento das atividades criminosas geradoras do crime de "lavagem de dinheiro" ou ocultação de bens, objetos e valores provenientes de crimes, em decorrência, primordialmente, do tráfico de entorpecentes.

Em derradeiro, os grandes impérios da droga fazem circular seus benefícios através dos mercados financeiros nacionais e internacionais, sendo prioridade dos criminosos retirar o montante do país onde foi produzido e misturá-lo com o imenso volume de dinheiro sem nacionalidade que circula eletronicamente ao redor do mundo, a fim de se obter maior segurança e rendimento.

Outrossim, a lavagem de dinheiro move cifras elevadas, sendo de difícil averiguação o volume de capitais procedentes de atividades ilícitas. Por conseguinte, como os montantes gerados pelo tráfico de entorpecentes e por outros delitos estão à margem do conhecimento das autoridades, só é possível realizar estimativas indiretas, mesurando-se alguma cifra discutível e confiável.

Segundo André Luís Callegari, "a característica da internacionalização da lavagem de dinheiro relaciona-se com a própria natureza dos bens ou serviços que constituem objeto do delito, cujo lugar de origem pode encontrar-se a uma distância enorme de seus destinatários finais"². Também possuem essa característica as "redes dedicadas ao tráfico de armas, pedras preciosas, animais exóticos etc" ³.

Essa característica oferece aos lavadores de dinheiro, segundo André Luís Callegari, três vantagens. A primeira delas é a possibilidade de elidir a aplicação de normas estritas e, com isso, a jurisdição de paises que mantêm políticas severas de controle da lavagem de dinheiro. A segunda é a captação de vantagens pelos "problemas de cooperação judicial internacional e de intercâmbio de informações entre paises que possuem leis diferentes", bem como peculiaridades distintas tanto na área penal quanto nos procedimentos administrativos de cada país. Por fim, André Luís Callegari afirma que "permite aos lavadores que se beneficiem das deficiências da regulação internacional de sua aplicação, desviando os bens objetos da lavagem àqueles paises com sistemas débeis de controle e persecução do dinheiro" 4.

Em consonância com o acatado, a fórmula essencial para obtenção de dinheiro é a mescla de atividades lícitas com atividades ilícitas. Quase toda organização criminosa vale-se dessa fórmula para lavar o dinheiro, utilizando-se de empresas e comércios lícitos dos mais diversos.

A saber, a lavagem de dinheiro exige um tratamento profissionalizado, com a utilização de técnicas e procedimentos sofisticados, a fim de dirimir os agentes dos riscos da persecução criminal e de expandir seus negócios. Ainda, são empregados membros profissionalizados e profissionais externos 5.

Em resposta às medidas de combate ao crime em questão, adotadas pelos paises, as organizações criminosas são obrigadas, conforme entendimento de André Luiz Callegari, "a desenvolver novas técnicas para tratar de elidi-las" 6. Ressalve-se que as organizações criminosas conseguem adaptar-se rapidamente às mudanças e desenvolver novas técnicas, as quais superam, muitas vezes, aquelas empregadas pelos Estados, tornando, assim, mais difícil controlar e, até mesmo, descobrir operações criminosas realizadas, neste âmbito 7.

Dessarte, as operações de lavagem de dinheiro efetivam-se de forma massiva ou em grande escala, requerendo, desta maneira, segundo André Luiz Callegari, "uma organização profissional, uma estrutura, uma rede de colaboradores e de cúmplices nos mais variados escalões", além de "um conjunto internacional de empresas e entidades em diversos países", incluindo as "entidades financeiras próprias que operam sob aparência de legalidade" 7. Como se observa, daí decorre a ligação entre o crime de lavagem de dinheiro e o crime organizado.

14. CONCLUSÃO
Verdade seja, esta é a realidade brasileira enfrenta graves entraves quanto ao controle do crime organizado, sendo imprescindível a criação e a aplicação de medidas políticas, judiciais e institucionais eficazes, a fim de se combater a proliferação do crime organizado, assim como a criação de mecanismos capazes de combater a raiz do problema apontado.

Em primeiro plano, é preciso atentar-se à questão da "falência" do sistema penitenciário nacional, uma vez que o regime prisional brasileiro, em face da superlotação, da ociosidade, dos maus tratos, da corrupção e da ineficiente administração dos presídios, impede a efetivação de uma das principais funções da sanção penal: a reinserção social do agente infrator. Ainda, os presídios passam a atuar como "escolas de criminosos", na medida em que o Estado não mais consegue suprir a demanda e combater a violência. Neste sentido, há propostas de criação de um sistema penitenciário federal, delegando aos Estados a missão de administrar as penas privativas de liberdade nos regimes semi-aberto e aberto. Assim, as penitenciárias federais, de segurança máxima, encarregar-se-iam, primordialmente, do regime prisional fechado, em que incidissem criminosos de alta periculosidade à sociedade.

Não há olvidar-se a necessidade de investimentos em massa para a prevenção dos atos delituosos. Atente-se que as organizações criminosas, muitas vezes, suprem o papel do Estado, oferecendo segurança, emprego e alimentação à comunidade carente, atuando como um verdadeiro Estado paralelo. Ademais, prevalece a lei do silêncio, a lei da coação imposta por tais organismos, respeitada pelos moradores das comunidades. Dessarte, enquanto o Estado não se cumprir sua obrigação, garantindo os direitos à saúde, educação, moradia, ao transporte, saneamento básico, emprego etc. aos cidadãos, muitos enveredarão para o mundo do crime.

Vale ressaltar a urgência em equipar a Polícia, proporcionando-lhe acesso à tecnologia de ponta, treinando profissionais de forma adequada, concedendo aos policiais salários compatíveis com o cargo exercido, exonerando os corruptos e motivando os que cumprem com seu dever legal.

Importante se faz mencionar a especialização do Ministério Público, com a criação de núcleos voltados à prática do crime organizado, o que já ocorre em vários Estados brasileiros.

Ademais, as forças tarefas têm-se configurado como uma importante medida no combate ao crime organizado, já que a união de vários órgãos, dentre os quais a Polícia, as Receitas Estadual e Federal, o Ministério Público estadual e federal, os órgãos de inteligência, dentre outros, acarreta numa eficiência maior na colheita de dados e formação de conjunto probatório relevante.

Também é de se considerar a questão da proteção aos delatores e às testemunhas de acusação, assim como às suas famílias, como medida de incentivo àqueles que pretendem auxiliar o Estado a punir os agentes criminosos.

Ainda, a instituição de "prêmio" ao acusado colaborador, como diminuição de pena no caso de delação e contribuição efetiva ao Poder Judiciário, resta como alternativa à devida punição às organizações criminosas.

Outrossim, o combate à corrupção enraizada nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deve ser severamente combatida, levando à juízo aqueles que detêm o poder e que ajudam na atuação das organizações criminosas.

Registre-se que, segundo o ministro da justiça Márcio Thomaz Bastos, "somente a colaboração entre as nações conseguirá combater efetivamente o crime organizado. No mundo globalizado, o crime já ultrapassou as fronteiras. Estamos convencidos que os esforços para enfrentá-lo só terão êxito com o estreitamento das relações entre os países". Para isso, o Brasil vem estabelecendo com países, especialmente de língua portuguesa, acordos de cooperação jurídica, instrumentos essenciais ao combate contra o crime organizado. O ministro ressaltou, ainda, o empenho do governo federal em desvendar e punir as pessoas envolvidas com lavagem de dinheiro, "causa final do crime organizado".

Diante do quadro exposto, muitas são as soluções apontadas no tocante ao combate do crime organizado. No entanto, é preciso haver uma união de esforços da sociedade civil e dos Estados de Direito para concretizar o objetivo almejado. Dessa forma, agregando financiamento econômico, aplicação correta dos investimentos, vontade política, esforço e empenho daqueles que apuram, denunciam e julgam o crime organizado, criação de leis aplicáveis ao delito em questão, formação de cidadãos pensantes, inalienados, com a conseqüente formação de uma opinião pública ativa, faz-se possível controlar as ações das associações criminosas, dirimindo-se, assim, as conseqüências malévolas deixadas por elas.
Em acepção vulgar, crime significa toda ação cometida com dolo, ou culpa, sendo uma infração contrária aos costumes, à moral, à lei. A criminalidade organizada surge através das condições oferecidas pela sociedade, como os avanços tecnológicos proporcionados pela modernização, através da globalização.
O crime organizado sempre existiu, podendo-se citar como seu embrião os relatos sobre Barrabás e seu bando, que viveram na época de Jesus Cristo, os contos e lendas como: Robim Hood, que com seu bando se foras da lei, roubavam dos ricos para dar aos pobres, e Ali Baba e os quarenta ladrões.
No mundo atual, a criminalidade assumiu contornos diversos, e hoje é um mal que todos os países, tentam combater, e que infelizmente na maioria das vezes sem sucesso. Pois em muitos casos, os criminosos pagam propinas aos membros dos órgãos repressivos, administrativos ou até mesmo a alguns políticos, que como os antigos corsários recebiam autorização do governo fazendo pilhagem por razões de estado, mas que na prática, sempre buscavam a vantagem pessoal.
No Brasil, as histórias mais conhecidas sobre o início do crime organizado, são sobre Lampião e seu bando de cangaceiros, ou seja, bandidos do sertão nordestino, que nos anos 30, andavam fortemente armados. Mas hoje em dia, o crime organizado, está no alto da cúpula política e econômica, com pessoas corruptas procurando sempre a riqueza.
Hodiernamente, o conceito de crime organizado, está mais complexo uma vez que prescinde de diversos elementos, quais sejam, estrutura empresarial como as das grandes empresas, ou seja, possuem planejamento empresarial, hierarquia férrea, poder econômico-financeiro, poder de representação, de mobilidade, fachada legal, demanda de mercado, uso de modernos meios tecnológicos, corrupção e alto poder de intimidação, procurando expandir sua atuação em todo território nacional e além das fronteiras, onde leis penais brasileiras não têm nenhum efeito sobre a contravenção.
As mais conhecidas organizações pré-mafiosas do Brasil são: os bicheiros, atuando nas grandes cidades com possíveis envolvimentos em bingos, cassinos, lenocínio, narcotráfico, lavagem de dinheiro e jogos ilegais; o Comando Vermelho (C.V.), com seu poder de atuação concentrado no Estado do Rio de Janeiro, destacando-se pelo trafico de armas, roubos, narcotráfico, entre outros; o Primeiro Comando da Capital (PCC), que é formado por todos os tipos de criminosos, com atuação vasta, que vai desde a proteção, até a assassinatos encomendados, seqüestros, roubos, etc.
No ordenamento jurídico brasileiro, não existe nenhuma definição de organização criminosa, portanto adaptamos as Leis 9.034/95 e 10.217/01, que versam sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilhas ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo, o legislador possui a urgente obrigação de definir em lei, o que devemos entender por organização criminosa.
A Lei 9.034/95, “dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”; e a Lei 10.217/01, que deu nova redação aos arts. 1º e 2º da Lei 9.034/95, além de contemplar sobre a interceptação ambiental e infiltração policial.
O Estado procura respostas para o triunfo do crime organizado, procurando formas para combater essas organizações, mas infelizmente notamos que, suas ações não atingem seu objetivo. Isso se deve a uma política criminal mal direcionada, sem efeitos para a sociedade.
A criminalidade tomou proporções alarmantes, e acabar com o crime organizado não é tarefa fácil, precisamos que o legislador tenha braços fortes, com medidas enérgicas, e que o povo comece a derrubar a lei de silêncio, que impede que providências sejam tomadas, exigindo o fim da impunidade e da covardia.
1.Introdução

Vislumbra-se, no limiar deste novo, milênio que a atividade criminosa assume uma nova característica em termos de organização administrativa interna e, pior, de lesividade enorme e lucratividade altíssima, sendo esta última o combustível principal a movimentar essa nova modalidade criminosa.
Com efeito, até bem pouco tempo, ao menos em termos de Brasil, os órgãos públicos responsáveis pelo efetivo combate à atividade criminosa trabalhavam com uma clientela facilmente identificável, ou seja, assaltantes, estelionatários, homicidas, entre outros, porque atuavam sozinhos ou em bandos ou quadrilhas isolados, com interesses próprios e limitados à manutenção do bando ou quadrilha.
Note-se que ainda não buscavam, os criminosos, sequer maquiar a sua atividade, podendo-se afirmar que aqueles, até mesmo, possuíam orgulho de ostentar o status de criminosos e, ainda, quanto maior a fama de perigosos mais satisfação sentiam.
Nos dias atuais, por outro lado, os criminosos mais perigosos e nocivos à sociedade escondem-se sob o manto da insuspeição. São pessoas que possuem imagem respeitada perante a comunidade, utilizam de negócios legais, denominados “empresas de fachada”, para a efetiva lavagem do dinheiro proveniente do crime e, mais, utilizam-se de terceiros para que atuem diretamente na atividade delitiva, assumindo a responsabilidade perante a Justiça se algo der errado, restando intocável o verdadeiro criminoso e sua atividade. Ainda, o criminoso de que ora tratamos é pessoa que possui boa instrução, geralmente possui nível superior, tem empregados especializados nas áreas de informática, contabilidade, eletrônica e outras necessárias ao bom desempenho de sua atividade, como ainda possui grande poder de penetração e mando junto a órgãos e agentes estatais, o que garante ainda mais o sucesso de seus “negócios”, bem como se mantem fora do alcance da ação da Justiça.
Diante de tal quadro e frente a tão especializada criminalidade, é preciso que o Estado abandone os antigos conceitos de crime e criminoso, passando a adotar uma postura mais agressiva, especializada e ágil para frear essa nova ordem criminosa, isto sob pena de tal inovação corroer as próprias bases do Estado, como ocorre em países como a Colômbia, onde a guerrilha (patrocinada pelo narcotráfico) ameaça a qualquer momento dominar o país inteiro, e como o Afeganistão, dominado por milícias que são responsáveis pela produção (bem como garantem o escoamento) de quase toda a heroína consumida no mundo inteiro.

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2. Busca de um conceito

Na busca de um conceito de Crime Organizado, torna-se necessária breve análise da Lei no 9.034/95. Sendo tal legislação pertinente aos casos em comento, seria salutar que trouxesse, ao menos, o conceito de Crime Organizado, mas não o faz, sujeitando ao intérprete a definição do que seja Crime Organizado.
Nesse diapasão, o artigo primeiro da mencionada Lei no 9.034/95 equipara a atividade criminosa organizada àquela do art. 288 do Código Penal Brasileiro, qual seja, quadrilha ou bando, equiparação esta que não reputo seja aconselhável, até porque não existe identidade entre a figura da quadrilha ou bando e a atividade criminosa organizada, salvo a pluralidade de agentes, o que é muito pouco para se atribuir um conceito.
Segundo Manoel López Rey , um dos conceitos de organização criminosa seria a denominada Norte - Americana - Italiana - “Organização bastante rígida, uma certa continuidade ‘dinástica’, pelo afã de respeitabilidade de seus dirigentes, severa disciplina interna, lutas internas pelo poder, métodos poucos piedosos de castigo, extensa utilização da corrupção política e policial, ocupação tanto em atividades lícitas como ilícitas, simpatia de alguns setores eleitorais, distribuição geográfica por zonas, enormes lucros e outras características”.1
Na síntese de Hassmer, a criminalidade organizada “não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à crimi-nalidade... é uma crimina-lidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais, pela pouca visibilidade dos danos causados bem como por um novo modus operandi (profissi-onalidade, divisão de tarefas, participação de “gente insuspeita”, métodos sofisticados etc.). Ainda mais preocupante, para muitos, é fruto de uma escolha individual e integra certas culturas”.2
Alberto Silva Franco, com a sua sobriedade de costume, manifesta-se : “O crime organizado possui uma textura diversa : tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos delinquenciais e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou fragilizar os poderes do próprio Estado”. 3
Vislumbra-se, pois, em análise às colocações acima, que o conceito de crime organizado varia conforme a visão daquele que o estuda, mantendo, outrossim, identidade quanto aos seus aspectos principais, suas características determinantes e são estas que passaremos a abordar neste momento.

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3. Características

Esta nova modalidade criminosa, organizada, possui algumas características marcantes, aspectos tais que lhe proporcionam grande mobilidade, alto poder de ação e intimidação, bem como resultados espantosos em termos financeiros.
Em breve passagem, abordaremos alguns dos aspectos que mais caracterizam a ação de uma organização criminosa.


3.1 Participação de agentes estatais

É imperioso ao crime organizado infiltrar-se nas entranhas do Estado, arregimentando agentes estatais encarregados do efetivo combate à criminalidade, seja esta no campo penal, no campo tributário, previdenciário ou qualquer outro.
O alto poder de corrupção do crime organizado, fazendo com que pessoas do Estado participem da atividade, causa inércia, ou melhor, paralisação estatal no combate ao crime. Pior, a participação de agentes estatais cria uma falsa sensação de segurança, vez que continuam a “agir” em detrimento de outros casos, mas com relação àquele específico, daquela organização a qual pertence o agente, a ação estatal permanece completamente inerte, permitindo que aquela organização perpetue em seus lucros e se fortaleça ainda mais.
Óbvio, ainda, que a ação criminosa com o apoio de agentes estatais tornará impossível o desbaratamento de qualquer organização criminosa, seja porque será avisada acerca de eventual operação policial, seja porque as investigações não prosperarão em seu desfavor e pior, seja pelo desinteresse do Estado, representado por agentes que figuram nas folhas de pagamento da organização que se pretende eliminar.


3.2 Criminalidade difusa

A criminalidade difusa caracteriza-se pela ausência de vítimas individuais, ou seja, é aquela transindividual, indivi-sível, em que as vítimas são pessoas indeterminadas e indetermináveis, ligadas entre si por circunstâncias de fato.
Esse aspecto é muito importante em razão de que, em não havendo vítimas diretas, os prejuízos não são visíveis imediatamente e sequer a médio prazo. Assim, quando se descobre a ocorrência criminosa o dano é imenso e quase sempre irreparável, até porque ao Poder Público somente resta a busca (em regra no exterior) do valor apropriado pela organização, tarefa esta muito lenta, difícil e de pálidos resultados.
Certo é que a criminalidade organizada vem atuando em áreas nas quais o controle estatal é precário, como no sistema de Previdência Social, onde já foram detectadas várias fraudes (ações que contaram com a participação de agentes estatais), com relevantes prejuízos à coletividade (vítimas difusas) e com índice mínimo de recuperação do produto desviado.


3.3 Pouca visibilidade dos danos

Nesse diapasão, desnecessário salientar que o prejuízo financeiro causado por tais organizações criminosas é altíssimo, ressaltando-se, por oportuno, que não obstante serem elevados os danos, estes não são visualizados em um primeiro momento, ou seja, apesar de enormes os danos, permanecem invisíveis por considerável período.
Isto em face de que a atuação criminosa, com apoio de pessoas que a deveriam estar combatendo, inexistindo vítimas diretas que sentiriam e acusariam o prejuízo, ocorre em áreas específicas, contando com alto grau de operacionalidade e cobertura necessária para maquiar a atividade criminosa e, quando é descoberta, o prejuízo já se faz monstruoso e a reparação quase sempre impossível.
Exemplos da dificuldade de visualizar os danos causados são os casos de organizações voltadas à sonegação fiscal, de organizações voltadas a lesar a previdência social, onde se desvia muito dinheiro, sem que ninguém perceba, e quando se descobre o prejuízo é enorme. E, diga-se, prejuízo não somente financeiro, mas também decorrente do desgaste institucional, da desconfiança e descrédito da sociedade nos órgãos estatais, que deveriam combater tais crimes. Ainda, os crimes fiscais, provocam indisposição geral com relação ao pagamento dos impostos, alegando os empresários ser impossível competir com a concorrência que sonega, atribuindo-se-lhes, como se direito adquirido, a faculdade de também sonegar e aderir à ação de organizações criminosas formadas por fiscais.


3.4 Alto grau de operacionalidade

Um dos grandes problemas, ao se tratar de crime organizado, é aquele relativo ao alto grau de operacionalidade dos grupos criminosos, compostos por pessoas com qualificação de ponta nas diversas áreas onde se faça necessária a sua atuação, que recebem excelente remuneração e quase nunca possuem informações acerca do restante da organização, como forma a evitar que haja vazamento de informações.
Contando com os serviços de profissionais altamente qualificados, em tempo integral, e, ainda, estando devidamente munidos de equipamentos de última geração (em regra importados), tais grupos possuem uma mobilidade incrível, podendo atuar, concomitan-temente, em vários locais do mundo inteiro, transferindo valores e informações com velocidade invejável e, via de consequência, tornando muito difícil seu rastreamento.


3.5 Mutação constante

Diante das várias dificuldades que se enfrentam ao lidar com organizações criminosas, são necessários vários meses de investigação para que se consiga mapear e levantar as ações destes grupos, o que implica em alto custo de investigação, verba de que o Estado não dispõe.
Com efeito, outra grande dificuldade se afigura ao constatar que as organizações criminosas possuem uma característica mutante, ou seja, trabalham utilizando-se de empresas de fachada, de pessoas de frente (laranjas), de contas bancárias específicas. De tempo em tempo, alteram toda a estrutura administrativa, mudando as empresas (abandonando as anteriores), removendo pessoas para outros postos em outros lugares, utilizando-se de outras contas bancárias.
Assim, uma investigação que caminhava há alguns meses e já tinha um custo considerável para o Estado, de hora para outra torna-se prejudicada em face da alteração do “modus operandi” da organização, fato que muito contribui para dificultar o fiel levantamento da estrutura criminosa.

4 Realidade brasileira

Seguindo o posicionamento do ilustre Dr. Luiz Flávio Gomes, comungamos com o raciocínio de que o Brasil ainda não seria matriz de nenhuma organização criminosa em nível internacional, o que não implica na prematura conclusão de que o crime organizado não esteja presente em território nacional. Está presente e com força assustadora.
Pois bem, o Brasil é hoje um refúgio ideal para mafiosos alienígenas de alto nível, vez que o país conta com uma estrutura precária de investigação internacional, bem como de acompanhamento interno de pessoas e de movimentação financeira suspeita tal fato atrai o criminoso estrangeiro que, ao vir para o Brasil, traz consigo parte de sua estrutura criminosa e passa a operar daqui, em um primeiro instante e, após, passa a operar aqui mesmo no Brasil.
É o Brasil uma interessante praça para a lavagem do dinheiro de origem ilícita, vez que qualquer pessoa abre uma firma nas Juntas Comerciais, bem como há a falta de controle das transações financeiras, movimentação da empresa e declaração de imposto de renda, fazendo do país verdadeiro território livre para a lavagem do dinheiro proveniente do crime; isto sem sequer comentarmos a livre atuação das casas de câmbio nas regiões de fronteira, por onde se despacham quaisquer quantias para o exterior.
Outra realidade brasileira a ser considerada é o fato de ser o Brasil o maior fornecedor e produtor de matérias químicas utilizadas pelos laboratórios na produção dos entorpecentes; produtos químicos que tomam rumo dos países vizinhos produtores, de forma ilegal, em face da precária fiscalização nas estradas fronteiriças ou em face do chamado golpe do seguro, em que se forja um assalto a uma carga de produtos químicos (obviamente segurada), quando na realidade a carga já está no país vizinho ou apenas aguarda um tempo para ser transferida.
O Brasil transformou-se, ainda, em ponto estratégico de trânsito para o tráfico de entorpecentes produzidos nos países vizinhos (principalmente Bolívia e Colômbia), porque o nosso país conta com boa e movimentada infra-estrutura aero-portuária, com imensa rede fluvial e rodoviária com pouquís-sima fiscalização e, ainda, forte comércio com o exterior, o que facilita a criação de empresas exportadoras de fachada para transportar o entorpecente até o seu destino final.
Diante desse quadro, outra realidade vem causando muita preocupação, qual seja, o fato de o Brasil está se tornando local ideal para a instalação de pequenos laboratórios que se destinam a misturar a droga, aumentando o seu volume (batizando-a), bem como servindo de depósitos de drogas para posterior remessa ao destino final.
Acredito que tal quadro deve-se à crescente repressão ao narcotráfico, envidada nos países produtores, sob o patrocínio dos norte americanos, tanto em face do apoio econômico como do treinamento de pessoal e utilização de meios tecnológicos mais avançados, o que dificulta o acesso a produtos químicos e, assim, necessitando de nova mistura em território nacional.

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5. Medidas de Combate ao crime organizado

Diante deste contexto complexo, são necessárias algumas medidas de cunho político - judiciais de combate ao crime organizado, configurando uma resposta institucional a esse tipo tão lesivo de criminalidade.
Impossível comentar propostas de combate ao crime organizado sem ressaltar a imperiosa necessidade de se especializar a força policial e, ainda, purificá-la, expulsando aqueles policiais já viciados e que integram organizações criminosas. É preciso equipar a polícia, proporcionar seu acesso à tecnologia de ponta, o que implica no treinamento constante de sua força, sem o que qualquer ação nesse campo do crime organizado restará ineficaz.
Necessária, ainda, a especialização do Ministério Público, como já vem acontecendo em vários Estados (inclusive Mato Grosso) com a criação de núcleos especiais voltados ao combate a organizações criminosas, vez que como titular da futura Ação Penal, impõe-se uma ação efetiva e especializada na colheita probatória que sustentará a sua pretensão na fase judicial.
Não bastasse, outra medida que reputo de inestimável valor é aquela relativa à formação das denominadas forças tarefas, que seriam a união de vários órgãos, dentre os quais Polícias, Receitas Estaduais e Federal, Ministério Público Federal e Estadual, órgãos de inteligência, entre outros, conforme a necessidade do caso. Assim, a força tarefa teria uma ação ampla com imediata troca de informações e dados, bem como maior facilidade na investigação, quando esta se desenvlove em outros locais, no país ou fora dele.
Ainda, impõe-se urgente alteração legislativa no sentido de se criar mais uma causa de isenção de pena àqueles que delatem, com o sucesso esperado, organizações criminosas de relevo.
Necessário sejam isentados de pena os delatores, tendo em vista que apenas as atenuantes especiais existentes não são capazes de incentivar o agente, o qual, mesmo com a pena reduzida, sabe que irá para a cadeia e lá estará à disposição da quadrilha que delatou.
E mais, são necessários instrumentos eficazes de proteção às testemunhas, delatores, bem como a seus familiares. De nada serve a previsão legal se esta torna-se inaplicável, seja por falta de verba, seja por falta de estrutura por parte do Estado para proporcionar a segurança devida, uma nova vida, emprego, nova identidade, entre outros aspectos necessários.

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6. Conclusão

Impõe-se, dessa forma, uma ação enérgica, imediata e eficaz por parte do Estado para que se possa fazer frente ao grande avanço da atividade criminosa organizada em nosso país. Imperioso que cada um de nós, operadores do direito, tenhamos a consciência de que temos que assumir uma postura ativa no combate a esse tipo de crime e criminoso, sob pena de cair em descrédito perante a sociedade e, pior, permanecer convivendo com a miséria que exclui inúmeros brasileiros, enquanto uma casta de criminosos sugam o país. Basta!
O conceito de crime organizado suscita muitos debates doutrinários e varia de acordo com os diversos pontos de vista.

Segundo o FBI, crime organizado é caracterizado por qualquer grupo que tem tenha algum tipo de estrutura formalizada cujo objetivo primário é a obtenção de dinheiro através de atividades ilegais. Tais grupos mantêm suas posições pelo uso de violência, corrupção, fraude ou extorsões.

Já para a Interpol, é qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo principal objetivo seja o ganho de dinheiro através de atividades ilegais, sempre subsistindo pela imposição do temor e a prática da corrupção.

Definir crime organizado é uma tarefa difícil, pois existem diversos tipos de organizações criminosas com “modus operandi” variados, sendo assim não existem características com formas pré-estabelecidas.

Atualmente, existem inúmeras organizações criminosas e cada uma assume características próprias e peculiares, amoldadas às próprias necessidades e às facilidades que encontram no âmbito territorial em que atuam.

No Brasil, as organizações criminosas fundamentalmente voltadas para crimes contra a administração pública, tráfico de entorpecentes, seqüestro, lavagem de dinheiro, quadrilhas de roubos de carros e de jogo do bicho têm as seguintes características:

Estrutura hierárquico-piramidal – dividida em três níveis:

1.chefe – pessoa que tem muito dinheiro e influência.
2.gerentes – pessoa de confiança do chefe.
3. aviões – pessoas com qualificação para desempenhar determinada função.

Divisão direcionada de tarefas – seguem as especialidades e se subdivide em estrutura modular.

Membros restritos – é uma condição de sobrevivência e manutenção.

Agentes públicos participantes ou envolvidos – No Brasil, isso é muito comum, tais agentes auxiliam para tornar mais fácil a atuação da organização.

Obtenção de dinheiro e de poder – a grande conseqüência disso é a lavagem de dinheiro.

Domínio territorial – para ter mais estabilidade e segurança é necessário dominar a área de atuação.
Outra característica interessante é a chamada “mescla”, técnica utilizada para garantir o sucesso das atividades criminosas considerando a necessidade de lavar o dinheiro sujo. Consiste na mistura de recursos de origem lícita e ilícita, podendo ser citado a título de exemplificação:

Bares/ tráfico de entorpecentes;

Escritório de administração de negócios/ usura, etc

Após a caracterização das organizações criminosas, analisaremos a atuação das mesmas sob a óptica jurídica e os possíveis mecanismos legais empregados no combate ao crime organizado.

A análise do caso concreto constitui o primeiro passo para enquadrar o crime organizado na legislação. Tal enquadramento é obtido por meio de mecanismos processuais no campo da investigação criminal.

A exemplo desses mecanismos podemos citar:

Escuta telefônica, este método é caracterizado pela interceptação das comunicações. A Constituição Federal autoriza tal meio para produção de provas em investigações criminais

Rastreamento de contas bancárias, também conhecido como quebra de sigilo bancário, obtido tal dado torna-se possível uma análise detalhada da situação.

Aplicação de delação premiada consiste num acordo entre as partes envolvidas, embora a decisão caiba a uma terceira pessoa – o juiz.

Infiltração de agentes e ação controlada é a espera do melhor momento para a atuação policial repressiva contra as organizações criminosas, em outros casos, existem agentes que se infiltram no seio da organização para conhecer o modo de operação desta.

Testemunhas. Esta é também conhecida como a prova coadjuvante do processo. Na maioria dos casos as testemunhas sofrem ameaças e para evitar tal coação foi criado um serviço de proteção às testemunhas, caracterizado pela transferência de residência, mudança de identidade e proteção policial.

Busca e apreensão e prisão temporária.

Pelo exposto, pode se perceber que a questão do crime organizado é mais complexa do que se pensa.

Métodos de combate existem e cada vez mais são aperfeiçoados, entretanto o grande problema está na iniciativa dos agentes responsáveis pela repressão ás organizações criminosas.

E por que isso acontece?

Na maioria das vezes, no seio dessas organizações, existem agentes públicos envolvidos e que, indiretamente, fazem com que a mesma sobreviva na sociedade sem a perturbação da polícia.

Esse envolvimento caracteriza a corrupção.

As soluções para o crime organizado devem significar meios de transformar em fraqueza exatamente aquilo que é sua força.

Faz-se necessário um estudo detalhado de cada organização para a identificação das estratégias a serem utilizadas no combate ao crime organizado.

Contudo, é imprescindível que a corrupção por parte dos agentes públicos cesse, pois está depositada neles a esperança de acabar com as organizações criminosas.

O Estado e os respectivos operadores do Direito devem, por meio de uma ação energética, imediata e eficaz, fazer frente ao grande avanço da atividade criminosa organizada. Tal postura é necessária para que a imagem dos agentes públicos não caia em descrédito perante a sociedade.

E, especialmente no Brasil, é primordial o combate ao crime organizado para que se ponha um fim à miséria que exclui milhares de cidadãos enquanto uma casta de criminosos suga o país.

Em suma, as leis e os métodos possíveis de combate existem, basta serem acionados por um Estado consciente e por uma sociedade preocupada com o desenvolvimento equilibrado do país.
A seguir veremos características de vários tipos de crimes que alimentam, mantém e fortalecem o crime organizado no Espírito Santo, no país e no mundo.

São tipos de crimes que fazem parte do nosso cotidiano, e que muitas vezes, a população não tem conhecimento da sua ligação com o crime organizado.

Conceituação do crime organizado

Há vários estudos sobre o que é o crime organizado. O cientista social Guaracy Mingardi distingue o modelo tradicional, que teria entre nós uma forma aproximada do jogo do bicho, e o modelo empresarial, que é mais comum no Brasil. Para ele, o modelo tradicional possui sistema de clientela (com lealdade, obrigação), impõe a lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas, cultiva o conceito de honra, uso da violência ou da intimidação e conta com a proteção de setores do Estado. Além de características do modelo empresarial, com hierarquia própria, planejamento, divisão do trabalho e previsão de lucros.

Formas, manifestações e desenvolvimento do crime organizado



Organização e economia do tráfico de drogas ilegais, do furto e roubo de veículos e do roubo de cargas



Tráfico de drogas ilegais

A população tem um contato maior com o microtráfico que se espalha nos locais de venda de drogas nos bairros e favelas das cidades de todo o país, as chamadas “bocas”. Estes pontos de venda de maconha, cocaína, crack podem ser bares, esquinas, barracas, casas, com número variado de integrantes e de consumidores. As crianças e adolescentes são muito usados como mão-de-obra no microtráfico. Os consumidores são jovens e adultos de todas as classes sociais.

Os grandes traficantes trabalham simultaneamente Com negócios legais de médio ou grande porte (fazendas, revendedoras de veículos, hotéis, restaurantes. aeroclubes, etc) e têm atividades políticas ou boas relações com pessoas que exercem cargos públicos eletivos ou não.

O ex-Secretário de Segurança Pública de São Paulo, José Afonso da Silva afirma sobre o tráfico de drogas: “o narcotráfico é um empreendimento que caracteriza crime organizado. embora o sistema de microdistribuição do crack não aparenta essa característica”.

Furto e roubo de veículos

Quando o veículo chega nas mãos dos que são chamados de receptores, e que lhe darão o destino, estabelecem-se diferenças na forma de organização do modo e local onde será comercializado. Há os casos em que o veículo não se destina á comercialização, sendo usado apenas como meio para outro crime (assalto, sequestro) e logo depois abandonado.

Quando o destino é a venda do carro) inteiro no país. em feiras de automóveis e revendedores, ha toda uma técnica própria de adulteração das numerações ou características do veículo, e troca de placas. Este trabalho é feito normalmente em oficinas mecânicas ou locais ocultos.

Para obter os dados necessários e a documentação nova dos veículos, as organizações criminosas estabelecem ligações com funcionários de Detrans ou Ciretrans obtendo lá os documentos em branco por corrupção ou furto.

Roubo de cargas

Os assaltantes constituem a ponta operacional e visível da organização criminosa. As vezes a atividade é terceirizada, para estancar as informações acerca da organização. Os assaltantes apenas entregam o caminhão a terceiros, que irão então levá-lo ao deposito. desconhecido pelos primeiros.

A cobertura da operação assalto-sequestro, geralmente é feita por policiais associados a organização, que em caso de perigo, tentarão dissimular os colegas policiais ou dissuadi-los de agir.

A chefia da organização comumente é exercida por alguém que possui empresa legal, associada a rede de varejistas (supermercados, lojas de confecções, lojas de calçados, farmácias, camelôs etc). Para dar a cobertura legal há conivência de escritórios de contabilidade e de advocacia.

Outras forma de crime organizado

O jogo do bicho

A organização do jogo do bicho, enraizada social e institucionalmente, pode servir como alerta. O Estado, ao definir o jogo como ilegal, criou o estímulo para organizações ilícitas. Ao defini-lo como contravenção e não como crime, portanto um ilícito de menor poder ofensivo e com a menor pena, facilitou o seu desenvolvimento. Os banqueiros do bicho desenvolvem outras atividades de caráter criminosos: corrompe sistematicamente as forças policiais; têm ou teve representantes e influência nos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário (Municipal, Estadual e Nacional).

Lavagem de dinheiro e fraudes financeiras

A legislação nacional estabeleceu, na Lei 9.613, de 1998, a pena de 3 a 6 anos de prisão para o crime chamado de ‘lavagem de dinheiro” ou ocultação de bens, direitos e valores provenientes de crime. São algumas pequenas instituições financeiras os principais meios de lavagem de dinheiro, ocultando em formas legais os capitais advindos do crime organizado. Mas, é nos paraísos fiscais do exterior, que este crime está mais presente. Também a dificuldade em quebrar sigilo bancário, facilita este tipo de crime, que possui três estágios: O 1º é a colocação do dinheiro fora do alcance das autoridades, depositando em instituições financeiras. O 2º é a sua movimentação para contas “laranjas”. E, por último, é o retorno do dinheiro sob “fachada legal” ao sistema financeiro.

Falsificação de remédios

A existência desta forma de crime organizado adquiriu destaque no ano de 1998 como uma atividade criminosa de amplitude e de grande dano social. Já foram identificarias 60 marcas de remédios falsificados, produzidos com maquinaria própria em médias empresas, vendidos a hospitais públicos - o que mostra a possível conivência de agentes públicos, e são distribuídos em extensas redes de farmácias.

Contrabando

Uma parte da multidão de sacoleiros que atravessam a Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai, em Foz do Iguaçu, ali está como operária do crime organizado. Eles organizam uma rede de varejistas, corrompem agentes públicos, relacionam-se nos negócios com organizações criminosas similares. A cocaína por sua vez, chega ao pais através de contrabando em grande ou média escala em aviões, caminhões e automóveis.

corrupção

A associação sistemática para o crime, com violência real e ameaça, utilizando-se de instituição pública, em associação com empresas privadas, organizando várias pessoas para as empreitadas criminosas, com divisão de trabalho e de lucros, com hierarquia para o crime, são os principais componentes que aproximam estes crimes das características do crime organizado.

Exemplo: Obras superfaturadas.

Sonegação fiscal e crimes contra a ordem econômica

As cifras dos crimes tributários no Brasil são elevadíssimas: fala-se num volume anual de 50 bilhões de dólares apenas em sonegação de tributos federais, e em cerca de 3 bilhões de dólares anuais de prejuízo ao INSS pelas fraudes. Acrescenta-se a alta sonegação dos tributos estaduais, em especial do ICMS, base principal da arrecadação estadual.

Espécies de quadrilha que podem ter relação com o crime organizado

Não é o alto grau de violência ou de indignação social causada pelo crime, nem as armas de grande poder ofensivo, que caracterizam o crime organizado.

Embora em alguma de suas formas, ele possa vir relacionado a isso. Há casos de crimes cometidos por associações criminosas, como o roubo a banco, o sequestro, a chacina, que causam enorme comoção, mas que são de regra cometidos por quadrilhas.

Roubos a bancos

Apesar de algumas organizações criminosas que se dedicam ao roubo a bancos serem compostas de muitas pessoas; usarem armamento pesado; cometerem ações traumáticas e espetaculosas, seu modelo é de quadrilha ou bando. São ladrões que se associam pala o crime, acostumados ao emprego da violência. com mais liderança do que hierarquia. mas sem diferenciada especialização.

Sequestro

Algumas organizações criminosas, parecem bem-estruturadas, com local preparado para cativeiro, informações precisas sobre a vitima, composição mista de homens e mulheres, para dar fachada de normalidade ao cativeiro. Generalizam-se recentemente os sequestros relâmpagos, feitos para sacar dinheiro das vítimas nos caixas eletrônicos ou nos bancos.

Grupo de extermínio

Os chamados “justiceiros’’ que agem nas periferias das grandes cidades guardam semelhanças com os pistoleiros do Nordeste. Em geral atuam de maneira individual, sem organização. Mas há um crescimento na última década de grupos de matadores mistos de policiais e não-policiais que vendem proteção a comerciantes, ou que alugam seus serviços a outros interessados, aos chefes o narcotráfico, por exemplo.

Brasil controlado pelo crime organizado

English version here

A formação da quadrilha


Banqueiros, especuladores, jogadores da bolsa de valores e parasitas afins, após auferir uma quantidade obscena de recursos se decidem a defender seus interesses e ampliar sua lucratividade. Para isso, organizam-se.

A eles pouco importa se o regime é liberal, autoritário, social-democrata ou mesmo alegadamente “socialista”. A única coisa que lhes importa é manter e ampliar sua lucratividade às custas do trabalho alheio.

No caso brasileiro, após o fiasco monumental da ditadura militar – fiasco mais financeiro que outra coisa qualquer; o militar tem forte tendência ao nacionalismo e a pensar no próprio povo, apesar de todas as desgraças que causaram, o que de fato os levou a serem apeados do poder foi o fato de não estarem facilitando as coisas para os especuladores...

A partir daquele momento, chegou-se, com a conivência dos intelectuais venais de hábito, à conclusão que o encaminhamento mais adequado à política brasileira, do ponto de vista dos bancos, seria a via eleitoral que, evidentemente, nada tem a ver com democracia embora a propaganda afirme hipnoticamente o contrário.

Assim, aquela escória supracitada passou a patrocinar as campanhas eleitorais de seus potenciais aliados – muitos deles banqueiros ou proprietários de meios de comunicação para a massa.

Eleitos, deputados e senadores votam leis em defesa da elite financeira que os conduziu ao poder, leis contrárias em tudo e por tudo aos interesses do povo trabalhador do Brasil – sempre, claro, tomando o cuidado de sempre afirmar o contrário diante dos meios de comunicação que os entrevistam ou sempre que aparecem ou discursam em público.

O presidente da república não passa de um marionete, um palhaço que faz relações públicas afirmando em público o contrário do que foi decidido privadamente. É um mero marionete a defender os interesses dos bancos e jogadores enquanto discursa para a plebe mantendo-a sob controle com mentiras tão bem elaboradas que deixariam Joseph Goebels vermelho de vergonha e com ganas de voltar ao maternal...

Aqui está uma expressão que virou moda, muito desagradável mas cabe perfeitamente neste contexto: “nuncaantesnestepaíz” um dirigente obteve tamanha popularidade governando para os banqueiros, contra o povo do Brasil e obteve tamanho sucesso em fazer acreditar justamente no oposto. Aqueles que foram deixados em situação de penúria PRECISAMENTE pelo tipo de governo que exerceu no primeiro mandato, agora abrem mão de lutar por emprego, salário e dignidade. Consolam-se com a bolsa-esmola que o governo concede aos desesperados com a aquiescência dos bancos...



2. Organizando o crime



Frequentemente encontravam-se brechas na legislação brasileira que permitiam a um raro juiz humanista interpreta-la a favor do oprimido, contra o opressor. Tornou-se crucial não apenas modificar a legislação para evitar este tipo de ocorrência, como ainda controlar o judiciário para que aprenda de uma vez por todas a favor de quem devem julgar.

Obedecendo caninamente aos ditames dos banqueiros e jogadores, de toda esta escória que comanda o crime organizado enfim, os menores detalhes na legislação trabalhista que beneficiavam, mesmo remotamente, o trabalhador, sofreram “reformas”. A própria expressão “reforma” que outrora significava uma mudança gradual do capitalismo em direção a uma sociedade mais justa – delírio dos social-democratas – sofreu uma flutuação e hoje, quando se fala em “reforma” todos sabem que mais desgraças cairão sobre os trabalhadores.

A maior parte destas “reformas” que suprimem direitos trabalhistas e permitem aos banqueiros e jogadores avançarem cada vez mais sobre os geradores da riqueza desta Nação é engendrada pela facção que ocupa o Planalto, assinada pelo marionete dos banqueiros que ocupa a cadeira presidencial e lançada aos parlamentares venais que, a um bom preço, vendem suas consciências e assumem como suas estas iniciativas antipáticas.

É ainda o marionete dos banqueiros que ocupa o Planalto aquele que nomeia os juízes apontados como “confiáveis” pela escória que realmente domina a Nação.

Assim, tanto as leis quanto a sua interpretação está completamente sob controle dos bancos e seus representantes, ou seja, mais lucros para os biliardários e mais perdas para os geradores da riqueza, aqueles que trabalham e estão banidos da insignificante proteção legal com que contavam.

Dizia meu falecido pai que quem paga diz como o assalariado deve proceder. O aparelho judiciário brasileiro conta com uma fonte independente de arrecadação de impostos? O legislativo a tem? Em que poder se concentra a arrecadação de impostos e portanto é o único a ter recursos? O Executivo. O Executivo paga o Judiciário e o Legislativo que, claro, segue suas ordens que, aliás, vêm das instâncias econômicas superiores, aquelas que verdadeiramente governam estepaíz.

Assim organizado em torno de um único poder, o crime atinge o paroxismo da sofisticação, ficando os outros relegados ao papel de coadjuvantes. Podem discursar – é até útil à ilusão de democracia que haja discursos contrários ao poder verdadeiramente dominante, contra as medidas do governo. Com a condição óbvia de, ao fim e ao cabo, votar a favor, absolver e manter intocada a estrutura criada pelos líderes do crime organizado.



3. Diferentes formas de crime



O crime organizado domina o Brasil, elabora leis e controla os juízes.

A facção criminosa conhecida como “Banco Central” constitui-se na Instância Maior da República, aquela que efetivamente representa os interesses econômicos maiores que nos dominam.

Aquela facção concentra toda a arrecadação de impostos e controla todas as finanças pátrias mas, como os traficantes nas favelas, concedem migalhas aos miseráveis para que lhes dêem suporte. Controlando os miseráveis através de esmolas e um sofisticado programa de propaganda para que fiquem apáticos e deixem de lutar por seus legítimos direitos à vida e ao trabalho honrado. Uma facção criminosa no poder corrompe toda a nação...

À facção do BACEN cabe manter elevadas as taxas de juros e a lucratividade das empresas que representa. Cabe ainda evitar o crescimento do país, pois isto traria um fator de desestabilização que não estão dispostos a computar. Qualquer crescimento do Brasil acima do preconizado pela facção seria potencialmente perigosa à lucratividade astronômica da facção dos banqueiros e parasitas afins.

À facção do Planalto cabe discursar, “fazer relações públicas” na direção oposta à prática econômica adotada pela facção do BACEN, sempre tomando a precaução de apresentá-la, senão como “a única alternativa possível”, aquela que trará benefícios ao trabalhador brasileiro no longo prazo.

Esta é a mesma versão, elaborada pela mesma pessoa, de “deixar crescer o bolo para depois dividi-lo”. Era o discurso do Ministro do Planejamento do General Geisel e hoje presidente do BNDE, Antônio Delfim Netto.





4. A distância entre o discurso e a prática



Em 1789 os brasileiros se revoltaram gravemente contra a cobrança de extorsivos 20% em impostos que iam integralmente para a Coroa Portuguesa, em nada beneficiando o povo desta nascente Nação. Vem desta época a expressão que ninguém suportava mais pagar “os quintos dos infernos”.

O mundo muda, a propaganda se torna cada vez mais sofisticada e hoje, embora paguemos mais de 40% (mais de dois “quintos dos infernos”) de tudo quanto produzimos em impostos que em nada beneficiam os brasileiros não há revolta. Há concordância, conformismo e a revolta, rara, quando ocorre, destina-se precisamente a quem denuncia o mal, não quem o pratica! De vez em quando eu mesmo sou vítima desse tipo de “revolta”...

Mas... E a enorme quantidade de impostos que pagamos, para onde vai, afinal?

A facção do BACEN controla a distribuição destas finanças que remete, majoritariamente, à ciranda financeira, aos verdadeiros donos do poder.

Não é casual que todo o presidente do BACEN seja escolhido entre e pelos representantes dos bancos e do grande capital especulativo. Ontem era o estafeta do George Soros, Armínio Fraga. Hoje é o gângster Henrique Meirelles, funcionário de carreira do Bank of Boston. Este mesmo, se chegar a ser substituído o será por outro representante dos mesmos interesses. A pantomima de se propalar que o marionete que ocupa o Planalto ser aquele quem “escolhe” ou “nomeia” o presidente do BACEN é mera propaganda; não ultrapassa o nível do discurso.

A quantia é pavorosamente enorme, são 40% de toda a produção nacional. Sobra alguma quantia, que o BACEN autoriza o governo a distribuir da seguinte maneira:

1) Para a propaganda governamental propalar estar fazendo precisamente o oposto do que pratica e simplificar o desvio de recursos brasileiros a contas bancárias privadas em bancos estrangeiros, como ficou claro no episódio envolvendo Luiz Gushiken, Marcos Valério, Delúbio Soares e Duda Mendonça.

2) Recursos a fundo perdido em “cartões de crédito corporativos”. Quando foi revelado ao público que a Primeira Dama, D. Mariza Letícia, gastava mais de R$ 2.000,00 (cerca de 14 bolsas-esmola destas pagas por mês ao lumpemproletariado) POR DIA isto se tornou “Assunto de Segurança Nacional” e ninguém mais pode ficar sabendo o que a facção do Planalto faz com um rio de dinheiro.

3) Recursos para subornar diretamente parlamentares através de mensalão ou seja lá que nome passem a dar a esta prática, ainda muito comum. Esta prática, contudo, é meramente coadjuvante da forma principal de suborno a parlamentares através de nomeações a cargos públicos regiamente remunerados, como se diz no governo Lula, “por dentro e por fora”, negociações de ministérios “de porteira fechada”, etc. O único cargo não negociável, pois não pertence à facção do Planalto, mas à dos banqueiros é o de presidente (ou “ministro-presidente”...) do BACEN.

Não se conhecem dados acerca das sobras de todos estes recursos expendidos desta maneira excêntrica, somente se sabem que não se destinam – seja por proibição taxativa da facção do BACEN, seja por incompetência pura e simples – à melhoria das condições existenciais de nossa gente.

Nada é investido em escolas ou hospitais públicos, que se encontram em estado de calamidade. É uma política claramente pensada e elaborada: ao invés de aprimorar as escolas, desvia-se o recurso que lhes deveria ser destinado a uma coisa obscena chamada “PROUNI”: o governo paga uma fortuna para que entidades privadas de ensino de baixíssimo nível reservem vagas nos piores cursos a alguns miseráveis, estendendo a distribuição de renda da quadrilha dos bancos e políticos, também aos donos de escolas. Os hospitais públicos são abandonados para obrigar a todos os que podem a se submeter aos extorsivos planos de saúde privada ampliando a gangue também a estes.

O mais incrível ainda é a situação dos policiais civis e militares em geral, com salários congelados há mais de 15 anos – houve uma intensa propaganda de um “aumento” de 1% que jamais aconteceu, só isso. Como defensores principais do status quo implementado pelos bancos e toda a escória similar que nos governa de fato, resulta inacreditável a situação em que se encontram. Quando saem fardados – o que vem se tornando cada vez mais raro, uma vez o crime, a exemplo do que vem de cima, se espalhar por toda a sociedade – utilizam vestes rotas e seu armamento é visivelmente obsoleto. A redução do horário de trabalho dos militares em 50% para compensar as perdas salariais sucessivas leva-os à economia informal e não é raro vermos colegas de fardas com problemas diante da lei. A mesma que os jogou nesta situação, aliás...



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5. O crime desorganizado



Quando faltam recursos para a educação do jovem, quando lhes são tiradas quaisquer perspectivas de uma vida digna e honrada, estimula-se o crime desorganizado. Já vivemos tempos em que ansiávamos para a futura geração uma vida melhor que a nossa. Hoje, a única certeza que podemos dar a nossos filhos é que jamais terão o mesmo padrão de vida que temos. Os de classe média caem cada vez mais de padrão existencial e os pobres são arremessados nas mãos dos criminosos desorganizados.

Faço esta pequenina diferenciação pois os traficantes, seqüestradores e similares não têm a Lei ou o Parlamento a seu lado – são levados à mesma condição de egoísmo e desilusão que perpassa todo o mundo capitalista – ao contrário do crime organizado dos bancos, do Planalto, do BACEN, do Parlamento e do Judiciário. O exemplo vem de cima e eles tentam desesperadamente segui-lo, mas jamais disporão dos mesmos recursos que os verdadeiros donos do poder jogam ao ralo da corrupção e compra de legisladores, economistas e juristas no cotidiano.

Os recursos que deveriam destinar-se à educação são desviados da maneira acima descrita; a isto se adiciona mais uma das atribuições da facção do BACEN: a manutenção de elevados níveis de desemprego. Isto protege os poderosos de greves, avilta salários e amplia seus lucros. O fato de o ser humano ser a maior vítima de toda esta situação sequer é considerado relevante pelos donos do poder. Aqui encontramos nova discrepância entre a realidade e o discurso. Fala-se em menos de 15% de desempregados no país. Todo o discurso oficial se encaminha nesta direção. Contudo, as pesquisas em que se baseiam o discurso oficial, não levam em conta pessoas que estão desempregadas há mais de 1 mês, pessoas que procuram emprego pela primeira vez, pessoas que recentemente demitidas, por um lado e, por outro, computam aqueles que conseguem sobreviver trabalhando na chamada “economia informal”, ou seja, que não pagam impostos e acabam sendo penalizadas por isso.

Pesquisas sérias que levassem tais dados em consideração concluiriam que temos um “exército industrial de reserva” superior a 30% da mão-de-obra ativa. 30% de desemprego é sinônimo de desespero.

Meninos mal formados – inclusive por insuficiência alimentar na primeira infância – sem acesso à educação formal são vítimas óbvias do crime desorganizado que busca imitar o maior e mais grave, o exemplo que vem de cima.

Hoje a rebeldia juvenil sequer se manifesta politicamente. Por um lado há a propaganda hipnótica a desinformar que “os trabalhadores estão no poder”; por outro os sindicatos se transformaram em míseros apêndices do governo que, mal e porcamente organizam festas laudatórias ao marionete dos banqueiros em cerimônias vazias de conteúdo. Naturalmente, todos os sindicatos e mesmo os partidos políticos que já estiveram à esquerda seguem se dizendo “defensores dos trabalhadores” – se por “trabalhadores” compreendermos donos de bancos e jogadores da bolsa de valores...

Cabe, novamente, enfatizar: aos donos do poder, pouco importa o discurso, desde que sua lucratividade esteja garantida.

Neste sentido, vale a regra oposta àquela subseqüente ao mar de lama do primeiro mandato de Lula da Silva. Se naquele momento tudo de ilícito era permitido fazer e nada era permitido divulgar; no caso do controle bancário a regra é oposta: tudo se pode dizer ou escrever, desde que nada se faça a respeito. Até mesmo autoridades políticas governamentais, seja no Parlamento ou mesmo dentro da facção do Planalto podem dizer o que bem entenderem acerca do encaminhamento político. A proibição definitiva é uma só: não se pode mudar a política econômica ditada pelo crime organizado.






6. Facções criminosas invertendo equações



A partir da lógica exposta, a facção criminosa do BACEN impede o crescimento econômico do Brasil e pratica uma forma extraordinariamente excêntrica de “redistribuição de renda”: dos trabalhadores para os parasitas.

À facção do Planalto, coadjuvada pela do Congresso Nacional, cabe dizer precisamente o oposto da realidade – e tanto, e com tanta ênfase e repetição que a esmagadora maioria acredita mais na propaganda que na deterioração de sua vida real.

“Estamos crescendo e distribuindo rendas como nuncaantesnestepaíz”. Quando o marionete dos banqueiros se dirige a platéias de trabalhadores e desempregados convence, persuade. Já não lhes importa lutar por honra, dignidade, trabalho honesto ou salário justo. Basta-lhes saber que há “um deles no poder fazendo o melhor que pode”. Seu limite de consciência possível não lhes permite perceber que esta ilusão não confere com os fatos e, desde que haja a esmola miserável para o número crescente de desempregados e desesperados, a que se aliam intelectuais e economistas venais, tudo vai bem no melhor dos mundos...

Em síntese: o que o governo chama de “crime organizado”, com vozes estridentes a repeti-lo hipnoticamente em programas e propagandas sensacionalistas refere-se a jovens desesperados cometendo atrocidades terríveis por aí afora seguindo pequenos tiranetes que tentam em vão imitar os grandes criminosos...

Estes pobres coitados têm todas as instâncias institucionais CONTRA eles. O verdadeiro crime organizado reúne-se em salas confortáveis e decide que limitações lhes devem ser impostas e em que crimes devem ser enquadrados. Não são tão “organizados” quanto querem nos fazer crer...
O verdadeiro crime organizado no Brasil de hoje é este praticado pelos Bancos e seus representantes, no Planalto, no Congresso e no Judiciário.
Enquanto o crime organizado estiver no poder não haverá esperança para a nossa e, pior ainda, as futuras gerações.
A pirataria é controlada pelo crime organizado"

O novo presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, Rafael Thomaz Favetti, afirmou que há uma visão “romântica” e “inocente” sobre o problema da pirataria. “Essa visão de que a participação dentro sistema da pirataria é algo inocente e inofensivo é uma falsa percepção da realidade. A pirataria está inserida dentro do contexto do crime organizado”, alertou. A notícia é da Agência Brasil.
Para Favetti, que tomou posse como presidente do Conselho nesta terça-feira (23/8), a tese de que o fenômeno da pirataria tem causas sociais não é correta, e é “ilusão” a crença de que “quem vende um produto pirata é um coitado”. “Essa ideia de quem trabalha na pirataria é um desempregado ou está fazendo bico não é mais verdade. Os dados reservados que temos das polícias do Brasil inteiro é que hoje a pirataria é controlada pelo crime organizado.”
Durante a reunião do conselho, a Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) apresentou os dados da quarta edição da pesquisa opinião pública "O Consumo de Produtos Piratas no Brasil".
A pesquisa realizada no ano passado em 70 cidades (mil domicílios) pelo instituto Ipsos Public Affairs confirma o hábito do brasileiro de comprar produtos pirateados e a tolerância da população com a pirataria apesar de conhecerem riscos e prejuízos: 66% dos entrevistados disseram que o uso desses produtos pode trazer consequências negativas; 64% afirmaram que o consumo de piratas aumenta o desemprego; para 70% o comércio de produtos piratas alimenta o crime organizado; além de favorecer a sonegação de impostos (81% das respostas), prejudicar o faturamento do comércio (79%) e prejudicar o fabricante ou o artista (84%).
Entre 2006 e 2009, quase a metade dos entrevistados (44% dos brasileiros acima de 16 anos) admitiu ter comprado algum produto pirata. Os principais produtos piratas comprados neste período foram CD e DVD – 83% e 57%, respectivamente, entre os que admitiram comprar pirataria.
Nesta quinta-feira (26/8), o CNCP assina um acordo de cooperação técnica e ação conjunta de repressão com o governo do Distrito Federal (GDF) para implantação do projeto Cidade Livre de Pirataria. O projeto já é executado em Curitiba e em São Paulo.
No ano de 2003, a Polícia Federal, por intermédio da Portaria nº 1.300-MJ, criou, em sua estrutura, unidades específicas para prevenir e reprimir o tráfico ilícito de armas de fogo no país, atendendo ao "Protocolo contra a fabricação e o tráfico Ilícitos de armas de fogo, suas peças, componentes e munições", adotado pela Assembléia das Nações Unidas – ONU, em 2001.

Desde então várias operações policiais foram desenvolvidas visando combater as mais variadas formas de ingresso ilegal de armas no país, principalmente nas regiões de fronteira e nos principais centros consumidores desses artefatos, notadamente as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo.

Como resultado do aumento da repressão observou-se também um aumento do preço das armas de fogo no mercado Ilícito, principalmente dos modelos mais procurados pelas grandes organizações criminosas: metralhadoras, fuzis, submetralhadoras. Para se ter uma noção, no ano de 2004 criminosos do Rio de Janeiro pagavam, em média, 15 mil reais por um fuzil no calibre 7.62mm, do tipo FAL - Fuzil Automático Leve1. Hoje em dia tal armamento chega a ser negociado por 40 mil reais naquela mesma cidade.

Mas, além do aumento do custo de aquisição, outro problema também era uma constante para os criminosos: vários armamentos ilegais introduzidos no país pelos traficantes não vinham em boas condições de uso. A maioria dessas armas era muito usada e algumas, inclusive, apresentavam problemas de operação, sendo úteis apenas como meios de intimidação. Um "custobenefício" muito alto, cujo risco numa situação real de confronto com a polícia, como em um assalto, por exemplo, não compensava.

Visando recuperar seu poderio de fogo sem precisar investir ainda mais, algumas células criminosas colocaram em prática, no início de 2009, uma nova estratégia: obter armamento especializado já existente dentro do território nacional.

Em março de 2009 dois episódios ocorridos no Estado de São Paulo inauguraram essa estratégia. Referimo-nos aos roubos ocorridos nas cidades de Ribeirão Pires e de Caçapava, nos dias 5 e 8 de março, respectivamente. Grande quantidade de armas de uso restrito foi subtraída nessas investidas.

Em síntese, no dia 5 de março vários homens armados, encapuzados, utilizando técnicas operacionais características de membros de corporações policiais, invadiram o Centro de Treinamento Tático mantido pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) - no município de Ribeirão Pires - e roubaram mais de cem armas de calibre restrito, inclusive fuzis FAL. No dia 8 de março foi a vez do 6º Batalhão de Infantaria Leve do Exército Brasileiro, em Caçapava, onde homens armados renderam a guarda e roubaram 7 fuzis, também do tipo FAL. Ambos os crimes foram amplamente divulgados pela mídia.

Desde então tudo indica que a estratégia, em razão de sucessos pontuais em algumas dessas empreitadas criminosas2, é uma tendência atual do crime organizado. Mais preocupante do que isso é reconhecer que o problema está apenas começando.

Outra tentativa de roubo de arsenal público ocorreu em maio deste ano, no 1º Distrito Naval do Rio de Janeiro. Um soldado da Marinha desconfiou da atitude suspeita de três elementos e conseguiu impedir a ação dos criminosos, cujo intento era subtrair 4 fuzis FAL, durante a

troca da guarda.

Recentemente ocorreu um caso ainda mais grave. No dia 13 de outubro do corrente uma quadrilha teria supostamente sequestrado a família de um Capitão, chefe do serviço de inteligência do 8º Batalhão de Polícia Militar, situado em Salgueiro/PE, e teria exigido, como resgate, armas de fogo daquela corporação. O crime resultou no extravio de 62 armas, sendo 16 fuzis FAL (oito destes pertencentes ao Exército Brasileiro), 6 submetralhadoras e 40 pistolas calibre .40. Um arsenal capaz de armar fortemente pelo menos 4 quadrilhas de assalto a bancos, por exemplo.

Atualmente a Polícia Federal e o Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil de Pernambuco investigam a participação do próprio Capitão da PM no crime.

Além desses casos graves, há notícia de outros episódios de extravio de armas de fogo pouco explorados pela mídia, mas que requerem a mesma a atenção, como o desvio de armas sob a guarda de fóruns judiciais e de armas institucionais cuja subtração somente é constatada após inspeção anual.

Considerando a gravidade desses crimes, cujas conseqüências trágicas, como temos visto recentemente (como a derrubada de uma aeronave da Polícia Militar no Rio de Janeiro), afetam diretamente e põem em risco a vida de cidadãos e, especialmente, de policiais de todas as instituições do país, cabe aqui um alerta a toda comunidade de segurança pública e de defesa do Estado: revejam e enrijeçam seus procedimentos de segurança com relação à vigília e ao acesso às instalações de guarda e de manutenção de material bélico.

A atual conjuntura requer uma postura proativa. Assim como há uma doutrina de gerenciamento de crises nos crimes que envolvem a tomada de reféns, deve-se pensar num plano de contingência nos casos de invasão visando à subtração de armas de fogo. Nesses casos alguns pontos importantes precisam ser discutidos, como:

1) Preservação do local do crime. Infelizmente temos observado que na grande maioria dos casos o despreparo das primeiras pessoas a chegarem ao local do crime ou ao local da recuperação dos artefatos compromete o trabalho pericial;

2) Difusão do fato a todos os órgãos de segurança pública e Forças Armadas. O imediato acionamento das diferentes forças pode acelerar a recuperação do armamento e a prisão dos envolvidos, além de promover sua integração na busca de um objetivo que beneficia a todos, independentemente da corporação diretamente envolvida;

3) Estabelecimento, efetividade e constância de um perímetro de bloqueio. Quanto mais rápida a ação repressiva, maiores as chances de recuperação do armamento. Deve-se observar que o tamanho do perímetro deve estar de acordo com as circunstâncias do local do crime (tempo, distância, acessos, etc). Mas não basta sufocar a ação criminosa no primeiro momento. A permanência da fiscalização atuando em campo por pelo menos 30 dias é importante para reduzir as chances de que o armamento seja movimentado durante o período em que a investigação começa a se tornar produtiva;

4) Atuação conjunta e intercâmbio de informações de inteligência. A integração dos agentes de inteligência dos diferentes órgãos é determinante para o sucesso da investigação. O acesso a um maior número de fontes de informação aumenta a possibilidade de identificação dos criminosos envolvidos e da recuperação do material subtraído;

5) Criação ou divulgação de canal de comunicação para o recebimento de denúncias. Um canal de comunicação que preserve o anonimato pode levar a informações relevantes.

Outra questão que se apresenta oportuna para ser discutida é a efetiva integração e compartilhamento dos sistemas de controle de armas SIGMA, sob responsabilidade do Exército Brasileiro, e SINARM, a cargo da Polícia Federal. Segundo o Decreto Federal nº 5.123/20043, a integração deveria ter sido concretizada até o mês de julho de 2005, mas até hoje os sistemas não foram compartilhados.

No entanto, as medidas recomendadas acima não são suficientes. A situação hoje requer mais do que preparo operacional. Requer a iniciativa de mudar também a legislação penal.

O criminoso que furta ou rouba armas não pode ser tratado da mesma maneira que um criminoso que subtrai valores ou outros objetos comuns. Deve ser tratado na medida da potencialidade do prejuízo que causa à sociedade. Com a obtenção de armas de fogo os criminosos visam a assegurar o cometimento de vários outros crimes, como o de roubo de cargas e valores e de outros mais nocivos e graves, como o tráfico de drogas, a extorsão mediante sequestro, o homicídio.

Nesse contexto, uma proposta de alteração da legislação penal, qualificando os crimes contra o patrimônio e contra a Administração Pública quando estes visam à subtração de armas de fogo, munições ou explosivos, especialmente quando recaem sobre arsenais públicos, deve ser apresentada e apreciada no Congresso Nacional.

Portanto, assim como o relevo altera o curso do rio em direção ao oceano, o crime organizado, diante da repressão do Estado, busca novas alternativas para obter os seus propósitos, perpetuando-se no seio da sociedade. Deve o poder público ajustar também seus mecanismos de controle e de repressão, com a urgência que exige o tema, para fazer frente a essa nova estratégia criminosa.
Relatório do UNODC: "o crime organizado se globalizou e se transformou em uma ameaça à segurança"
Novo relatório do UNODC mostra que, usando a violência e a corrupção, os mercados internacionais do crime se tornaram grandes centros de poder
17 de junho de 2010 - "O crime organizado se globalizou e se transformou em uma das principais forças econômicas e armadas do mundo", disse Antonio Maria Costa, Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), no lançamento de um novo relatório do UNODC, intitulado A Globalização do Crime: uma Avaliação sobre a Ameaça do Crime Organizado Transnacional . O relatório, lançado nesta quinta-feira no Conselho de Relações Exteriores, em Nova York, traz um olhar sobre os grandes fluxos do mercado de tráfico de drogas (cocaína e heroína), de armas de fogo, de produtos falsificados, de recursos naturais roubados e de pessoas vítimas de tráfico para fins de exploração sexual ou de trabalho forçado, bem como de contrabando de migrantes, de pirataria marítima e de cibercrimes.

A elaboração do relatório foi iniciada a partir de preocupações expressas pelos países-membros da ONU, do Conselho de Segurança, do G8 e de outras organizações internacionais sobre a ameaça representada pelo crime organizado transnacional e a necessidade de neutralizá-la. Produzir o relatório foi um desafio devido ao fato de que as evidências sobre o tema, até o momento, são limitadas e heterogêneas. "Apesar da dificuldade intrínseca em relação à investigação sobre o crime, o UNODC foi capaz de documentar o enorme poder e o alcance global das máfias internacionais", disse Costa.

O relatório mostra a extensão dos fluxos ilícitos em todo o mundo. "Hoje, o mercado alcança a todo planeta: as mercadorias ilícitas são originárias de um continente, traficadas por meio de um outro e comercializadas em um terceiro", disse Costa. "O crime transnacional tem se tornado uma ameaça para a paz, para o desenvolvimento e até mesmo para a soberania das nações", advertiu o chefe do UNODC. "Os criminosos usam armas e violência, mas também dinheiro e suborno para comprar eleições, políticos e poder - até mesmo militares", disse Costa. A ameaça à governabilidade e à estabilidade é analisada em um capítulo do relatório que trata das "regiões sob tensão".

O relatório do UNODC sobre a globalização do crime apresenta mapas e gráficos que ilustram os fluxos ilícitos e seus mercados. "Negócios ilícitos envolvem as principais nações do mundo: o G8, os países BRIC e as potências regionais. Uma vez que as maiores economias do mundo são também os maiores mercados para o comércio ilícito, peço a seus líderes que ajudem as Nações Unidas a combater o crime organizado de uma forma mais eficaz. No momento, há uma negligência benigna para um problema que está prejudicando a todos, em especial aos países pobres que não são capazes de se defender", disse Costa.

As principais constatações do relatório são as seguintes:

• Há uma estimativa de 140 mil vítimas de tráfico humano para fins de exploração sexual apenas na Europa, gerando uma renda bruta anual de US$ 3 bilhões para os exploradores. "Em todo o mundo, existem milhões de escravos modernos negociados a um preço, em termos reais, não superior ao da escravidão dos séculos passados", disse Costa.

• Os dois fluxos mais importantes para o contrabando de migrantes são provenientes de África para a Europa e da América Latina para os Estados Unidos. Entre 2,5 e 3 milhões de migrantes são contrabandeados da América Latina para os Estados Unidos a cada ano, gerando uma receita de US$ 6,6 bilhões para os traficantes.

• O mercado regional de heroína na Europa é o mais valioso do mundo (US$ 20 bilhões), sendo a Rússia, hoje, o maior país consumidor de heroína no mundo (70 toneladas). "Os narcóticos matam entre 30 a 40 mil jovens russos por ano, o que equivale ao dobro do número de soldados do Exército Vermelho mortos durante a invasão do Afeganistão na década de 80", disse Costa.

• O mercado de cocaína da América do Norte está diminuindo, devido à menor procura e a uma maior aplicação da lei. Isso gerou uma guerra de territórios entre as gangues do tráfico, especialmente no México, e novas rotas de tráfico. "Ao longo de toda a costa atlântica da América Latina, a cocaína é traficada para a Europa via África", disse Costa. "Ameaçadas, algumas nações da África Ocidental correm o risco de fracassar".

• Os países que possuem as maiores plantações ilícitas no mundo, como Afeganistão (ópio) e Colômbia (coca), são os que mais chamam atenção e os alvos da maior parte das críticas. No entanto, a maior parte dos lucros é feita no destino - os países ricos. Por exemplo, no contexto de um mercado da heroína afegã, estimado em algo como 55 bilhões de dólares, apenas cerca de 5% (US$ 2,3 bilhões) são revertidos para os agricultores, comerciantes e insurgentes afegãos. Do mercado de US$ 72 bilhões da cocaína na América do Norte e na Europa, cerca de 70% dos lucros acabam nas mãos de traficantes intermediários dos países consumidores - e não na região dos Andes.

• O mercado mundial de armas de fogo ilícitas é estimado em US$ 170 a 320 milhões por ano - o que representa algo entre 10% a 20% do mercado legal. Embora o contrabando de armas tenda a ser episódico (isto é, relacionados a conflitos específicos), os montantes são tão grandes que podem matar tantas pessoas quanto algumas pandemias.

• A exploração ilegal de recursos naturais e o tráfico de animais selvagens da África e do Sudeste Asiático estão destruindo frágeis ecossistemas e levando várias espécies à extinção. O UNODC estima que os produtos de madeira ilegal importados da Ásia para a União Europeia e para China somaram aproximadamente US$ 2,5 bilhões em 2009.

• O número de produtos falsificados apreendidos nas fronteiras europeias aumentou dez vezes na última década, chegando a um valor anual de mais de US$ 10 bilhões. Pelo menos metade dos medicamentos testados na África e no Sudeste Asiático é falsificada ou adulterada - aumentando, ao invés de reduzir, os riscos de doenças.

• O número de ataques de piratas ao longo do Corno da África duplicou no ano passado (de 111, em 2008, para 217, em 2009) e ainda está crescendo. Piratas de um dos países mais pobres do mundo (Somália) estão mantendo reféns navios de alguns dos países mais ricos, apesar do patrulhamento feito pelas marinhas mais poderosas do mundo. Do total de mais de US$ 100 milhões da renda anual gerada pelos resgates, apenas um quarto vai para os piratas - o resto vai para o crime organizado.

• Mais de 1,5 milhão de pessoas por ano tem sua identidade roubada pela internet - gerando um prejuízo estimado em US$ 1 bilhão. O cibercrime está colocando em risco a segurança das nações, com invasões a redes de energia, de controle aéreo e a instalações nucleares.

Esses são apenas alguns exemplos da variedade das novas evidências incluídas no relatório do UNODC, que também faz uma série de sugestões sobre como lidar com as ameaças colocadas pela globalização do crime.

Primeiramente, Costa fez um chamado para "romper as forças de mercado" por detrás das operações ilícitas. "O desmantelamento das organizações criminosas por si só não funciona, pois os integrantes presos são imediatamente substituídos", disse ele. Ele advertiu que "a aplicação da lei contra os grupos do crime não irá interromper as atividades ilícitas se as bases dos mercados se mantiverem inalteradas, incluindo o exército de criminosos de colarinho branco - advogados, contadores, corretores e banqueiros - que encobrem e lavam as receitas dos criminosos. A ganância dos profissionais de colarinho branco está impulsionando os mercados negros, tanto quanto a dos profissionais do crime".

O relatório ressalta que, uma vez que o crime se tornou global, respostas nacionais isoladas são inadequadas - elas apenas deslocam o problema de um país para outro. É preciso haver respostas globais, com base na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), que foi aprovada em 2000. "O crime tem se internacionalizado mais rapidamente do que a aplicação da lei e a governança mundial", disse Costa. "A Convenção de Palermo foi criada justamente para gerar uma resposta internacional a essas ameaças trans-nacionais, mas ela é muitas vezes negligenciada", disse ele. "Os governos que têm uma postura séria em relação à luta contra a globalização do crime devem incentivar as nações que estão atrasadas na implementação da Convenção", disse o chefe do UNODC.

Costa também chamou a atenção para a diferença entre os países não têm interesse e os países que não têm condições de combater o crime organizado, fazendo um apelo por um maior esforço para oferecer desenvolvimento e assistência técnica a fim de reduzir a vulnerabilidade dos países pobres. "Quando os Estados não conseguem prover serviços públicos e de segurança, os criminosos preenchem esse vazio", disse Costa. "Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio seria um antídoto eficaz à criminalidade, que em si é um obstáculo ao desenvolvimento", acrescentou. Ele também pediu uma maior atenção à justiça criminal nas operações de paz: "uma vez que o crime cria instabilidade, a paz é a melhor maneira de conter a criminalidade", disse ele.

"Os criminosos são motivados pelo lucro, então, vamos atrás do dinheiro deles", disse Costa. "Devemos aumentar os riscos e reduzir os incentivos que permitem que a mão sangrenta do crime organizado manipule a mão invisível do mercado", disse Costa. Ele pediu ainda por uma aplicação mais contundente da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, medidas mais eficazes contra a lavagem de dinheiro e uma maior ação contra o sigilo bancário.
Texto integral do relatório A Globalização do Crime: uma Avaliação sobre a Ameaça do Crime Organizado Transnacional (em inglês)
Sumário executivo (em inglês ou em espanhol)
Informações adicionais
Para mais informações, entre em contato com:

Walter Kemp
Porta-voz do UNODC
Celular: (+43-699) 1459-5629
E-mail: walter.kemp@unodc.org
Marcos Ricardo dos Santos
Assessoria de Comunicação - UNODC Brasil e Cone Sul
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
Tel: +55 (61) 3204-7206
Cel: +55 (61) 9149-0973
marcos.santos@unodc.org
ONU declara crime organizado uma ameaça global

France Presse
Publicação: 17/06/2010 15:23
As Nações Unidas fizeram soar o alerta, nesta quinta-feira (17/6), sobre a ameaça global do crime organizado e instaram uma ação coordenada para chegar a seus lucros, através de medidas contra a lavagem de dinheiro e a corrupção.

"O crime organizado tornou-se global, atingiu níveis macroeconômicos e representa uma séria ameaça à estabilidade, e até mesmo à soberania, dos Estados", disse na assembléia geral da ONU Antonio Maria Costa, diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), sediado em Viena.

Segundo ele, criminosos estão usando os lucros do crime e a ameaça do uso da força para "influenciar eleições, políticos e o poder - até mesmo o militar".

Costa disse que países vulneráveis, particularmente no oeste da África e na América Central, corriam maior risco e pediu que seu desenvolvimento e segurança sejam implementados para torná-los "menos atraentes para os parasitas do crime".

O italiano discursou por ocasião da publicação do novo relatório da UNODC, intitulado "The Globalization of Crime: A Transnational Organized Crime Threat Assessment" ('A Globalização do Crime: uma Avaliação da Ameaça do Crime Organizado Transnacional', numa tradução livre), primeiro estudo estratégico sobre a ameaça à segurança que representa o crime organizado.

O estudo demonstra que o crime organizado fatura "bilhões de dólares por ano com o tráfico de drogas, armas, pessoas, recursos naturais, produtos pirateados, bem como pirataria marítima e cibernética".

A UNODC fez este trabalho depois de os Estados-membros da ONU e organizações internacionais alertarem para a ameaça representada pelo crime organizado transnacional e reforçarem a necessidade de combatê-lo.

Costa disse que uma luta mais eficaz contra os sindicatos do crime exige mudança "de foco do desmonte das máfias ao desmonte de seus mercados" através de medidas mais duras de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção.

Ele também sugeriu a repressão aos cúmplices do crime, "tais como os criminosos de colarinho branco - advogados, contadores, corretores de imóveis e banqueiros que encobrem e 'lavam' suas ações".

Crime organizado ameaça países da América, diz Insulza

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, advertiu hoje que o crime organizado "está colocando em perigo as instituições dos países" do hemisfério americano. "Hoje mesmo, uma nação do Caribe teve que decretar estado de emergência por causa da ação criminosa de grupos de delinquentes que se negam a aceitar a ação da Justiça contra um dos seus chefes", disse Insulza, em clara alusão à Jamaica, cujo primeiro-ministro decretou ontem estado de emergência na capital, Kingston.

"Enquanto isso, em outros países da América Latina, os narcotraficantes começam a atuar na política, financiando seus próprios candidatos e ameaçando ou assassinado a quem lhes opõe". Por causa do narcotráfico e do crime organizado, "um continente que não tem guerras e nem confrontos armados considerados de raiz política, tem uma das mais altas taxas de homicídio no mundo", afirmou Insulza ao tomar posse para seu segundo mandato consecutivo à frente da OEA.

Insulza também pediu aos governantes dos países das Américas que fortaleçam a organização, porque "o que a OEA recebe não é suficiente para cumprir com todas as missões que seus integrantes outorgaram a ela. O dilema continua sendo claro: aumentar as contribuições ou reduzir as missões".
Doutrina
Artigos diversos

CRIME ORGANIZADO

Juarez Cirino dos Santos

1. Introdução

O conceito de crime organizado, desenvolvido no centro do sistema de poder econômico e político globalizado, recebe na periferia homenagens de cidadania, como um discurso criminológico próprio. A introjeção do discurso sobre crime organizado produziu, no Terceiro Mundo, a necessidade de descobrir seu objeto real, com inversão do método de investigação científica: o processo de conhecimento não avança da percepção do problema para sua definição, mas retrocede da definição do problema para sua percepção - o que explica, por exemplo, o inusitado destaque da CPI do Narcotráfico e o charme de Fernandinho Beira Mar, nos meios de comunicação de massa brasileiros.

Na verdade, existem dois discursos sobre crime organizado estruturados nos polos americano e europeu do sistema capitalista globalizado: o discurso americano sobre organized crime, definido como conspiração nacional de etnias estrangeiras, e o discurso italiano sobre crimine organizzato, que tem por objeto de estudo original a Máfia siciliana. O estudo desses discursos pode contribuir para desfazer o mito do crime organizado, difundido pela mídia, pela literatura de ficção, por políticos e instituições de controle social e, desse modo, reduzir os efeitos danosos do conceito de crime organizado sobre os princípios de política criminal do direito penal do Estado Democrático de Direito.

2. O discurso americano sobre crime organizado

Historicamente, a expressão organized crime foi cunhada pela criminologia americana para designar um feixe de fenômenos delituosos mais ou menos indefinidos, atribuídos a empresas do mercado ilícito da economia capitalista criado pela “lei seca” do Volstead Act, de 1920 - portanto, uma categoria ligada ao aparecimento de crimes definidos como mala quia prohibita, por oposição aos crimes definidos como mala in se. O discurso americano sobre o chamado crime organizado, originário das teorias de desorganização social e subculturais, parece ter sido absorvido pelo paradigma da conspiração contra o povo e o governo americano, por organizações secretas nacionais, centralizadas e hierarquizadas, de grupos étnicos estrangeiros - um conceito desenvolvido por agências de controle social americanas, assumido por políticos e difundido pelos meios de comunicação de massa. Extinto o mercado ilícito e os lucros fabulosos da criminalização do álcool, o perigo atribuído ao organized crime para o american way of life deslocou o eixo para o tráfico de drogas, um novo mercado ilícito com lucros fabulosos criado pela política de criminalização das drogas. Não obstante, o conceito americano de crime organizado é, do ponto de vista da realidade, um mito; do ponto de vista da ciência, uma categoria sem conteúdo; e do ponto de vista prático, um rótulo desnecessário.

A crítica da natureza conspiratória do conceito americano de crime organizado, bem como da correspondente tecnologia de controle exportada para o Terceiro Mundo, formulada por ZAFFARONI, demonstra o mito desse conceito: sem negar a óbvia existência de bandos, quadrilhas ou outras formas de associações criminosas nos Estados Unidos, mostra que as atividades criminosas atribuídas ao crime organizado teriam sido realizadas por grupos locais desarticulados, sem a organização estrutural da conspiração difundida pelo controle social, políticos e mídia americanos.

Mas a tese de ZAFFARONI sobre crime organizado é ainda mais radical: independente da paranóia conspiratória do discurso americano que enxergava um comunista por detrás de cada traficante, o conceito americano do organized crime teria sido criado para a tarefa impossível de abranger fenômenos tão diversos como contrabando, extorsão, jogo proibido, usura, corrupção política, tráfico de drogas, de armas, de objetos preciosos, de arte, de mulheres e de estrangeiros, entre outros, incluindo, hoje, lavagem de dinheiro e delitos eletrônicos. A amplitude indeterminada do feixe de fenômenos criminosos amontoados na rubrica de crime organizado revelaria o conceito como uma categoria frustrada, ou seja, um rótulo sem utilidade científica, carente de conteúdo jurídico-penal ou criminológico.

Finalmente, do ponto de vista jurídico-penal prático, o conceito de crime organizado é desnecessário, porque não designaria nada que já não estivesse contido no conceito de bando ou quadrilha, um tipo de crime contra a paz pública previsto em qualquer código penal. Na verdade, os fenômenos atribuídos ao crime organizado seriam explicáveis pela dinâmica dessa instituição capitalista chamada mercado, mediante constante criação de novas áreas de mercado ainda não disciplinadas (por exemplo, os jogos eletrônicos, o mercado da droga, etc.), ocupadas imediatamente por múltiplas empresas, cujo espectro de atividades seria constituído por ações legais e ações ilegais, no limite insuscetíveis de separação entre si.

Apesar do caráter mitológico, da ausência de conteúdo científico e da inutilidade jurídico-penal, o conceito americano de organized crime realiza funções políticas específicas: legitima a repressão interna de minorias étnicas nos Estados Unidos e, eventualmente, justifica restrições externas à soberania de nações independentes, como mostra a recente intervenção branca de Bill Clinton na Colômbia, com o objetivo de impor diretrizes de política criminal para resolver problemas sociais internos determinados pela irracionalidade da política criminal americana anti-drogas.

3. O discurso italiano sobre crime organizado

O objeto original do discurso italiano não é o chamado crime organizado, mas a atividade da Máfia, uma realidade sociológica, política e cultural secular da Itália meridional: falar da Máfia como a Cosa Nostra siciliana, ou de outras organizações de tipo mafioso, como a Camorra de Nápoles, a ‘Ndranghetta da Calábria, é falar de associações ou estruturas empresariais constituídas para atividades lícitas e ilícitas, com controle sobre certos territórios, em posição de vantagem econômica na competição com outras empresas e de poder político no intercâmbio com instituições do Estado, que praticam crimes de contrabando, tráfico de drogas, extorsão, assassinatos, etc. - portanto, passíveis de definição como bandos ou quadrilhas, mas inconfundíveis com o conceito indeterminado de crimine organizzato, embora a criminologia italiana também utilize esse conceito.

As organizações de tipo mafioso italianas, originalmente dirigidas à repressão de camponeses em luta contra o latifúndio, teriam evoluído para empreendimentos urbanos, com o controle da construção civil, do contrabando e da extorsão sobre o comércio e a indústria. Nas últimas décadas, a Máfia teria assumido características financeiro-empresariais, com empresas no mercado legal e a inserção no circuito financeiro internacional para lavagem do dinheiro do tráfico de drogas. Assim, as organizações de tipo mafioso seriam estruturas de poder informal constituídas para proteger a realização de objetivos de lucro, geralmente mediante intermediação parasitária das relações entre capital e trabalho, entre produção e consumo, ou entre Estado e cidadão. Atualmente, as teses principais sobre organizações italianas de tipo mafioso seriam as seguintes:

a) um sujeito econômico formado por uma burguesia mafiosa organizada em empresas com objetivo de acumulação de capital, métodos de violência e de intimidação ao nível da organização do trabalho e da condução dos negócios, além das vantagens competitivas do desencorajamento da concorrência, da compressão salarial e da disponibilidade ilimitada de recursos financeiros de origem ilícita, conforme ARLACHI e CATANZARO;

b) uma estrutura simbiótica de capital legal e ilegal, em relação de recíproca sustentação: o capital ilegal contribuiria com tráfico de armas, objetos preciosos, obras de arte, e de quebra, com vastos recursos financeiros; a empresa legal garantiria acesso ao mercado financeiro, aos investimentos e parcerias empresariais, que direcionam o capital ilegal para a produção econômica e a especulação financeira, segundo RUGGIERO;

c) uma organização ilegal de poder econômico e político no Estado constitucional, com estrutura hierárquica, recursos financeiros ilimitados e controle total das áreas de atuação, que manipularia partidos políticos interessados no poder mafioso de controle de votos, financiaria candidatos a cargos eletivos e participaria do poder legal, garantindo segurança nos negócios e imunidade de seus membros, de acordo com PEZZINO.

Na Itália, a relação da Máfia com o poder político existiria como troca de bens numa espécie de mercado de proteção recíproca: a Máfia garantiria votos com sua capacidade intimidatória e, assim, produziria consenso social; o político garantiria impunidade, contratos, licenças, etc., sensibilizando as instituições para os problemas da Máfia. A história de 130 anos de existência da Máfia mostraria o entrelaçamento de atividade política e corrupção - embora algumas teses atuais falem de superação da mediação política externa pela eleição direta de “quadros” internos das próprias organizações mafiosas. Nessa ótica, uma das fontes da corrupção do poder público estaria no financiamento de campanhas políticas por organizações de tipo mafioso: a conquista de cargos públicos eletivos não seria paga somente com doações ou venda de bottons, mas também com dinheiro ilegal - afinal, pecunia non olet. O cheiro do dinheiro apareceria somente na lesão do patrimônio público por contratos viciados, leis de encomenda e infinitas modalidades de favores pessoais garantidos pela gestão clientelar da coisa pública, controlada por governos privados de tipo mafioso.

Apesar do uso equivocado da categoria frustrada de crimine organizzato como sinônimo de Máfia, o discurso da criminologia italiana pretende esclarecer a realidade doméstica do fenômeno mafioso, no contexto de suas contradições históricas, econômicas, políticas e culturais. Desse ponto de vista, o discurso criminológico italiano é útil para mostrar que organizações de tipo mafioso - ou seja, de estruturas dotadas de organização empresarial definíveis como quadrilhas ou bandos - não seriam produtos anômalos das sociedades capitalistas, nem fenômenos patológicos de sociedades intrinsecamente saudáveis, mas produtos orgânicos do ecossistema social, conforme SANTINO, expressões de desenvolvimento econômico defeituoso, segundo BARATTA, ou excrescências parasitárias danosas à comunidade e à organização democrática da vida, para CERRONI. Seja como for, o discurso italiano sobre a Máfia não pode, simplesmente, ser transferido para outros contextos nacionais (o Brasil, por exemplo), sem grave distorção conceitual ou deformação do objeto de estudo: os limites de validade do discurso da criminologia italiana sobre organizações de tipo mafioso são fixados pela área dos dados da pesquisa científica respectiva, e qualquer discurso sobre fatos atribuíveis a organizações de tipo mafioso em outros países precisa ser validado por pesquisas científicas próprias.

4. Organizações mafiosas emergentes no Brasil?

O Brasil, possuidor da maior economia da América Latina, com uma sociedade civil marcada por extrema desigualdade social e um Estado emperrado pela burocracia, minado pela corrupção e pela ineficiência administrativa, seria um mercado atraente para a expansão dos negócios e do poder do chamado crime organizado, segundo os meios de comunicação de massa. Recentemente, baseada em investigações realizadas pela CPI do Narcotráfico, a mídia brasileira tentou apresentar o que seria uma pequena amostra do crime organizado no Brasil.

Primeiro, o Brasil seria o paraíso da lavagem de dinheiro do crime organizado internacional, segundo declarações do colombiano arrependido Joaquim Castilla Jimenez, preso em Fortaleza no dia 6 de outubro de 1999, que teria legalizado 720 milhões de dólares do Cartel de Cáli mediante simples remessas de contas de bancos dos EUA, Ilhas Cayman ou Bahamas para bancos brasileiros. Outro método de lavagem de dinheiro no país seria o jogo com máquinas eletrônicas programadas - o chamado video-bingo -, a forma predileta de lavagem de dinheiro do narcotráfico: o jogo com moedas ou notas em milhares de máquinas caça-níqueis permitiria legalizar enormes quantidades de dinheiro pelo pagamento de impostos sobre valores declarados muito superiores aos arrecadados. A abertura do mercado de bingos eletrônicos no Brasil teria despertado o interesse de empresários europeus e da Máfia italiana para a venda de máquinas de bingo eletrônico e lavagem de dinheiro do tráfico de cocaína, segundo confissão do mafioso arrependido Lillo Lauricella, preso pela Divisão de Investigação Antimáfia, da Itália.

Segundo, o tráfico de drogas seria a principal atividade do crime organizado no Brasil, mercado consumidor e rota de drogas dos países andinos para Estados Unidos e Europa, em geral adquiridas em troca de carretas e cargas roubadas nas estradas brasileiras e garantidas por assassinatos de esquadrões de extermínio, próprios ou alugados. Segundo a imprensa, a principal manifestação do crime organizado nacional, dedicada ao tráfico de cocaína e de armas, roubo de carretas e assassinatos, com ação sobre vários Estados brasileiros, seria encabeçada pelas seguintes pessoas: Hildebrando Paschoal, deputado federal (AC) cassado e preso, acusado pelo Ministério Público do Acre de assassinar o motorista Agilson Santos Firmino com uma moto-serra; José Gerardo de Abreu, deputado estadual (MA) cassado e preso, acusado de assassinar o delegado Stênio Mendonça; William Sozza, empresário de Campinas (SP), herdeiro de empresas de PC Farias, com prisão temporária decretada e desaparecido, seria partícipe do assassinato de Stênio Mendonça; Augusto Farias, deputado estadual (AL), seria mandante dos assassinatos do próprio irmão PC Farias e de Suzana Marcolino, em Alagoas - que se reuniriam para decidir a compra da droga, a distribuição de armas, o roubo e remessa de carretas para a Bolívia e, finalmente, quem deveria viver ou morrer, conforme declarações do arrependido Jorge Meres (ex-empregado da organização e partícipe de alguns dos fatos puníveis referidos, atualmente preso) à CPI do Narcontráfico. Ainda segundo a imprensa, a CPI do Narcotráfico proporia o perdão judicial de Jorge Meres, que seria submetido a cirurgia plástica para modificar o rosto, receberia nova identidade pessoal e pensão vitalícia para viver em paz no exterior, nos termos do programa de proteção de testemunhas do Governo brasileiro.

Independente do caráter criminoso dos fatos narrados, é necessário dizer o seguinte: a) enquanto o Poder Judiciário não emitir juízo definitivo sobre tais fatos e seus autores, a definição desses fenômenos como crimes permanece hipótese dependente de comprovação, e todas as pessoas referidas estão cobertas pela regra constitucional da presunção de inocência; b) as referidas associações de pessoas podem significar formação de bandos ou quadrilhas criminosas, assim como os fatos praticados por tais bandos ou quadrilhas podem constituir crimes, mas são incapazes de provar a existência de crime organizado, porque conceitos sem validade científica não podem ser demonstrados.

Conclusão: a política criminal do crime organizado

1. A resposta penal contra o chamado crime organizado é mais ou menos semelhante em toda parte: maior rigor repressivo, introdução de novas modalidades de prisões cautelares, instituição de “prêmio” ao acusado colaborador, criação de programas de proteção de testemunhas, inaugurando o assim denominado duplo binário repressivo, com o Código Penal para os crimes comuns, e leis especiais para o chamado crime organizado. A experiência mostra que essa resposta penal se situa no plano simbólico, como satisfação retórica à opinião pública pela estigmatização oficial do crime organizado, mas tem sua utilidade: cumpre o papel de evitar discussões sobre o modelo político neoliberal dominante nas sociedades contemporâneas, ocultando responsabilidades do capital financeiro internacional, aliado às elites conservadoras dos países do Terceiro Mundo, na criação de condições adequadas à expansão da criminalidade em geral e, eventualmente, de organizações locais de tipo mafioso.

2. A resposta institucional do Estado brasileiro contra o crime organizado, definida no Plano Nacional de Segurança Pública lançado com estrépito publicitário pelo Governo Federal, não é diferente: a) primeiro, possui a natureza emergencial característica de programas formulados sob o impacto emocional de acontecimentos dramáticos do noticiário policial; b) segundo, assume a teoria simplista de que crime organizado e narcotráfico são causas da criminalidade, ignorando relações de determinação entre estruturas de exclusão de sociedades desiguais e promoção da criminalidade, ou formação de associações de poder ilegal independentes do Estado: se a sociedade civil exclui do sistema escolar e dos processos sociais de produção e de consumo legais milhões de seres humanos, então a sobrevivência animal desses cidadãos de segunda classe deve oscilar, necessariamente, entre a guarda de carros em vias públicas e o crime patrimonial, com o mercado da droga ilegal aparecendo como alternativa possível e, de fato, melhor; c) terceiro, representa resposta simbólica no melhor estilo do discurso repressivo das políticas criminais autoritárias, dirigida à produção de efeitos sócio-psicológicos no imaginário popular, induzindo a idéia de segurança pela percepção ilusória da presença do Estado como garante da lei e da ordem: se estratégias repressivas são ineficazes para controlar o crime desorganizado de indivíduos isolados, então realizariam mera função simbólica diante do poder econômico e político atribuído ao chamado crime organizado de indivíduos associados em bandos ou quadrilhas criminosas - afinal, a pena criminal jamais cumpriu as atribuídas funções de prevenção geral e especial, sendo mero instrumento de flagelo inútil de indivíduos sem poder.

3. Enfim, a política criminal contra o indefinível crime organizado introduz todos ou alguns dos seguintes mecanismos lesivos dos fundamentos constitucionais do direito e do processo penal do Estado Democrático de Direito:

a) a instituição da figura do agente secreto infiltrado em associações ou empreendimentos ilícitos torna inevitável a participação em ações criminosas comuns e infringe o princípio ético que proíbe o uso de meios imorais para reduzir a impunidade;

b) a instituição da delação premial, como negociação de impunidade ou vantagens pela delação de co-autores ou partícipes, constitui troca utilitária do juízo de reprovação por informações processuais que estimula o oportunismo egoísta do ser humano e amplia o espaço de provas duvidosas produzidas por “arrependidos”, que conservam o direito de mentir;

c) a elevação arbitrária dos limites mínimos e máximos das penas criminais lesiona os princípios de racionalidade, proporcionalidade e humanidade da aplicação de penas criminais;

d) a supressão da liberdade provisória, do direito de apelar em liberdade e o regime fechado obrigatório no início de execução da pena representam limitações à excarceração contrárias aos princípios constitucionais da igualdade e da presunção de inocência;

e) a quebra do sigilo das comunicações, como a interceptação de correspondência e a escuta telefônica, constituem lesão ao princípio constitucional de privacidade.
Imigrantes ilegais arriscam a vida para viver na União Europeia
Crime organizado cobra US$ 15 mil por cada clandestino transportado para dentro do bloco; travessia é arriscada
13 de abril de 2009 | 0h 00
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- O Estadao de S.Paulo
Coragem, criatividade, US$ 15 mil e muita sorte. É disso que precisa um cidadão de fora da União Europeia (UE) para ser transportado por criminosos do Leste Europeu para dentro do bloco. A esperança de todos é a mesma: sair da pobreza. Para isso, cada imigrante está disposto a sacrifícios. Alguns, contudo, morrem na travessia - como é comum nas florestas que cobrem as montanhas na fronteira entre Eslováquia e Ucrânia. Vídeo com imigrantes ilegais tentando entrar nas fronteiras da UE

A reportagem do Estado percorreu a nova fronteira leste da UE, dividindo os países do bloco daqueles que faziam parte da ex-União Soviética. Entre 2004 e 2007, nove países do Leste Europeu entraram para a UE. No entanto, Ucrânia, Bielo-Rússia, Albânia, Bósnia, Croácia, Macedônia, Montenegro e Sérvia continuam de fora.

Em menos de dois anos, a UE gastou 2 bilhões para montar um esquema de guerra para defender suas fronteiras, com câmeras, sensores e soldados para vigiar quem tenta entrar em seu território.

Como ocorre todos os anos, porém, a chegada da primavera no Hemisfério Norte e o derretimento da neve abrem mais uma temporada de imigração ilegal.

Diariamente, apenas nos 100 quilômetros de fronteira entre a Eslováquia e a Ucrânia, cerca de dez imigrantes são capturados pela polícia. Ninguém sabe quantos conseguem de fato entrar na UE. Em 2004, ano da adesão da Eslováquia ao bloco, 6 mil pessoas foram presas tentando atravessar a fronteira, principalmente ucranianos, moldávios, bielo-russos e georgianos.

"Eu vim para mudar de vida", afirmou Svetlana, jovem ucraniana de 21 anos que vive em Praga com sua amiga, a bielo-russa Julia, 19 anos. "É na UE que está nosso futuro", disse.

No posto de fronteira da cidade de Vysné Nemecké, na Eslováquia, a mais alta tecnologia foi adotada para garantir que nenhum caminhão, carro ou ônibus vindo do leste consiga entrar com pessoas escondidas.

VIGILÂNCIA

O Estado acompanhou a vistoria de um caminhão que chegou da Rússia. O veículo foi escaneado por sensores que identificam corpos humanos escondidos. Em seguida, passou por raios X. "Não há como passar despercebido pelas portas oficiais à UE", disse Miroslav Uchnar, responsável pela polícia de fronteira na Eslováquia.

Uchnar admite que os imigrantes estão cada vez mais criativos e perigosos. Há um ano, um grupo armado matou um dos chefes da polícia de fronteira. As redes até agora desmontadas pela polícia indicam que há um crime organizado por trás da imigração ilegal.

Os criminosos transportam os imigrantes até a fronteira e esperam até a noite cair para cruzar as montanhas ucranianas abarrotadas de lobos. Ao chegar à fronteira, as estratégias variam. Alguns imitam animais para que as câmeras não os identifique.

Outros, usam máscaras. Alguns, caminham de costas para não dar a impressão de que estão entrando na UE. Nos bosques, muitos morrem pelo caminho. "O que descobrimos é que muitos caminham por dias pelas montanhas e morrem de cansaço", disse Uchnar.

Helicópteros, carros de neve, visores noturnos e mais de 280 câmeras fazem parte do esquema de proteção das fronteiras. Mas a tecnologia teve um impacto inesperado: fez com que o preço pago por cada imigrante para cruzar a fronteira subisse.

O candidato a imigrante é obrigado a pagar hoje cerca de US$ 15 mil. Famílias de quatro pessoas têm desconto: pagam apenas US$ 50 mil - há quatro anos, esse valor era de US$ 2 mil. Há três formas de pagamento. Primeiro, o imigrante simplesmente vende tudo o que tem, até mesmo casa, para pagar por sua passagem.

Outra forma é o imigrante ser escolhido pela família. Tios, primos e parentes arrecadam entre eles para conseguir os US$ 15 mil. Em troca, o escolhido garante o sustento da família enviando dinheiro. Há ainda um terceiro padrão, que é praticamente escravidão. Nesse caso, o imigrante trabalha até que sua passagem tenha sido paga.

No sul da Polônia, o problema enfrentado pela polícia é outro. Na fronteira está um dos principais parques naturais do país e o governo tem problemas para convencer ambientalistas de que a região é usada por imigrantes ilegais. Recentemente, os poloneses assinaram um acordo com a Bielo-Rússia para permitir que apenas os moradores de cidades fronteiriças tenham acesso à UE.

O mesmo fez a Hungria com a Ucrânia e uma série de acordos parecidos estão sendo criados para facilitar a vida dos habitantes de cidades de fronteira. Esses tratados, porém, apenas lidam com uma parte do problema. Lituânia, Letônia e Estônia ainda reforçam suas grades diante da explosão de bielo-russos que entram todos os dias.

Os imigrantes que são pegos dizem que são chechenos para evitar a deportação. Como se trata de região em conflito, a UE não pode devolvê-los. A maioria cruza a fronteira sem qualquer documento para que não possa ser identificada.

ASIÁTICOS

A imigração ilegal atrai também chineses, vietnamitas, afegãos, paquistaneses e mongóis. Com a crise, os governos começaram a agir. Os checos estão pagando 500 e a passagem de retorno para quem quiser voltar para casa. Praga também parou de emitir vistos para países da ex-União Soviética, a exemplo de Mongólia, Tailândia e Vietnã.
No ciberespaço, crime organizado abre trilha deixada por hackers
27 de maio de 2008 • 10h50 • atualizado às 11h58
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Atacar a infra-estrutura de Internet da União Européia agora é atividade preferencial do crime organizado e não de jovens hackers que só desejam provar suas habilidades, declarou o chefe da agência de segurança do bloco comercial.
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Andrea Pirotti, diretor executivo da European Network and Information Security Agency (Enisa), disse que as autoridades públicas até agora foram capazes de manter sua posição defensiva.
"Existe uma disputa constante entre os atacantes e o reforço na proteção aos sistemas de informação. É uma batalha", disse Pirotti à Reuters. "Devemos impedir que os ataques se transformem em um 11 de setembro digital", acrescentou.
A economia dos 27 países das União Européia, bem como a de outras nações do mundo, depende cada vez mais da operação livre de problemas da Internet e já há casos que mostraram o que pode dar errado.
No ano passado, sites do governo da Estônia caíram e o país báltico acusou a Rússia de estar por trás daquilo que muitos vêem como o primeiro grande ciberataque da Europa.
"Os ataques podem ser muito prejudiciais, mas até agora posso dizer que a situação tem estado sob controle", disse Pirotti.
Mas com orçamento anual de apenas 8 milhões de euros (R$ 21 milhões) e equipe de 50 funcionários, a Enisa precisa de mais recursos, disse ele.
Pirotti se recusou a comentar sobre as alegações estonianas de envolvimento russo no ataque do ano passado, mas disse que é preciso aprender as lições do episódio, tais como a necessidade de haver um time de resposta de emergência de computadores, ou "corpo de bombeiros digital", em cada país da União Européia.
Pirotti disse que 14 equipes como essa já foram estabelecidas, e que outras 10 devem iniciar operações dentro de dois anos.
Viviane Reding, comissária das Telecomunicações da União Européia, propôs tornar obrigatória a informação de violações de segurança da Internet em bancos, empresas e outras instituições, a fim de construir um panorama real da situação de segurança e melhorar a resposta.
Pirotti diz que a proposta controversa merece apoio, mas é preciso encontrar o ponto de equilíbrio para informar os usuários sem assustá-los.
A União Europeia e a Intelligence – Parte I
Escrito por Helena Carrapiço
Qua, 31 de Dezembro de 2008 20:00
As informações estratégicas têm demonstrado ser cada vez mais importantes no momento histórico em que estamos a viver. Tendo apreendido este facto, a União Europeia questiona-se agora sobre qual a melhor forma de tomar partido da sua estrutura de intelligence. Se, por um lado, os Estados-Membros têm consciência de que a cooperação é a única via para atingir a resposta colectiva necessária ao combate das ameaças actuais, por outro, as informações estratégicas são demasiado preciosas para serem partilhadas com países que, embora sejam parte integrante da União, não deixam, mesmo assim, de constituir Estados autónomos.

Desde Setembro de 2001, e mais particularmente desde Março de 2004, a União Europeia tem dado sinais de querer avançar no sentido de uma maior cooperação, quer entre os seus serviços nacionais de segurança, quer entre estes últimos e as instituições comunitárias. Perante um número crescente de ameaças que apresentam características inovadoras, os Estados-Membros compreenderam que uma resposta eficaz teria de passar por uma conjunção de sinergias e uma actuação colectiva. Por forma a atingir este objectivo, os países da União empreenderam reformas em áreas como a jurídica e a judicial, avançando já com maior hesitação no campo das informações estratégicas. Apesar da sua importância crucial, a intelligence é provavelmente o sector europeu em que a integração está, actualmente, menos avançada. Facto este, que se deve à persistência de numerosos obstáculos que os Estados-Membros não conseguem, e por vezes até não desejam, eliminar. Estes problemas que impedem a União de desenvolver uma verdadeira política externa, coerente e unitária, têm contudo vindo a desaparecer lentamente, face à urgência, em especial, do combate ao terrorismo. As iniciativas que foram tomadas, e que se têm acentuado recentemente, já tiveram a oportunidade de demonstrar a sua eficácia, deixando assim o caminho aberto a propostas mais ousadas como uma agência europeia de informações.

Ao longo deste trabalho, será, em primeiro lugar, demonstrada a crescente importância das informações estratégicas no contexto actual europeu. Neste âmbito será defendida a ideia de que a intelligence é a base das políticas de segurança e de defesa e que, consequentemente, constitui um pré-requisito para o fortalecimento do papel de actor político que a União tanto reclama para si. Em seguida, serão analisados os obstáculos à cooperação entre agências de informações, nomeadamente a natureza sensível deste tipo de dados, a desconfiança entre os Estados-Membros, os interesses nacionais divergentes e a cultura das agências nacionais. Por fim, será equacionada a possibilidade de uma futura agência europeia de informações, tendo em consideração os passos já tomados nessa direcção. Este trabalho não tem, no entanto, a pretensão de apresentar sugestões no sentido de aperfeiçoar a actual sistema europeu de informações. Apenas deseja analisar a adequação, ou não, de uma possível agência europeia de informações, à luz da situação actual.


I - A Importância da Intelligence no contexto actual europeu


É relativamente comum ler artigos de jornal ou até documentos oficiais relativos às novas ameaças que põem em risco a segurança da União Europeia. O próprio texto de Xavier Solana, Uma Europa Segura num Mundo Melhor [1], menciona que “a Europa enfrenta agora novas ameaças que são mais diversificadas, menos visíveis e menos previsíveis”[2]. Entre estas últimas, este documento salienta, em especial, o terrorismo, a proliferação das armas de destruição maciça, os conflitos regionais, o fracasso dos Estados e a criminalidade organizada. É, no entanto, possível argumentar que nenhum destes problemas é verdadeiramente recente. Pelo contrário, estes fenómenos, com excepção naturalmente da proliferação das armas de destruição maciça, têm até uma longa história de existência. O que mudou, acima de tudo, foi o contexto em que se inserem, que lhes possibilitou adquirirem uma maior dimensão que no passado e, consequentemente, uma posição mais alarmante nas agendas de segurança dos Estados e das organizações internacionais. Devido a factores como a globalização das economias e das comunicações, a redução das ameaças militares tradicionais e a facilitação do acesso à tecnologia, as sociedades modernas estão mais vulneráveis face ao poder de destruição crescente, de um número cada vez mais elevado de actores não estatais.


Da mesma forma que o contexto se alterou, também as repostas aos problemas procuraram ser diferentes. Dado que as ameaças se passaram a revestir de um carácter transnacional e que os seus efeitos começaram a ter um impacto geográfico cada vez mais abrangente, a fronteira entre as ameaças internas e as externas tornou-se mais dúbia. Esta evolução conduziu a uma alteração não apenas da concepção da segurança (com a introdução, por exemplo, da noção de segurança humana), mas também da abordagem dos problemas: “Os novos desafios requerem uma abordagem sistemica, cooperativa e coesa da segurnaça” [3]. Os Membros da União tomaram consciência de que existem ameaças comuns ao espaço que ocupam e que a sua resposta deverá ser concertada e coerente. Compreenderam que não era possível continuar a tratar as ameaças de forma geograficamente isolada, sob pena de obterem resultados cada vez menos eficazes: “uma imagem completa da ameaça não pode ser obtida se cada agencia nacional só tiver em consideração as actividades que tiverem lugar dentro do seu próprio território” [4].


No sentido de harmonizar as respostas face às ameaças, e tal como veremos mais adiante, os Estados Membros da União Europeia procederam já a alterações consideráveis no domínio jurídico e judicial. Apesar da importância destes esforços, não devemos, no entanto, deixar de realçar que as intervenções a este nível constituem um ponto de partida questionável. Se o sistema de segurança de um país fosse uma pirâmide, as autoridades policiais ficariam, muito provavelmente, situadas na sua base, encontrando-se os tribunais pouco acima. As agências de informações, por seu lado, ficariam situadas no topo, dada a influência que estas têm sobre toda a estrutura securitária dos Estados. Neste contexto, a função da intelligence é de apoiar o receptor das informações na identificação de ameaças e levá-lo a tomar consciência da necessidade, ou não, de desenvolver possíveis respostas. Deve, além disso, acompanhar as fases operacionais ou a aplicação das políticas a que deu origem. De facto, a intelligence é imprescindível para uma avaliação e uma tomada de decisão correctas por parte da classe política, as quais irão em seguida afectar os restantes elementos do sistema de segurança. Os Estados Membros preferiram, contudo, começar por introduzir alterações na base em vez de proceder à reformulação do topo da pirâmide, apesar da importância crucial deste último: “a Intelligence teve sempre um papel vital na formação das percepções de ameaças, nomeadamente na definição dessas ameaças e na influência das respostas” [5]. Dado que houve alterações consideráveis no contexto da segurança mundial e estando conscientes da necessidade de adaptar as suas respostas à nova realidade, será pertinente questionarmo-nos se os Estados não deveriam ter escolhido intervir primeiro ao nível dos serviços de informações [6].

Neste sentido, é possível afirmar que embora a União Europeia esteja consciente de que a segurança é um bem comum e de que é necessário fornecer uma resposta colectiva, não teve capacidade para desenvolver aquilo que deveria ser a base desta última, uma avaliação comum das ameaças: “se as chamadas novas ameaças deverão ser enfrentadas de forma colectiva, será desejável, mas também necessário, proceder à elaboração de relatórios colectivos”[7]. Tendo as informações um papel extremamente relevante na elaboração deste tipo de avaliação - a qual vai permitir em seguida a construção de uma estratégia de segurança -, a União deveria criar capacidades de intelligence de forma proporcional às suas ambições declaradas: “a informação, é um dado económico mas é também um factor de conhecimento e de compreensão, é a base de qualquer política de segurança”[8]. A UE pretende desenvolver uma política comum de segurança e defesa, sem, no entanto, lhe dar verdadeiramente substancia, nem a munir de ferramentas adequadas à sua prossecução. E, apesar de estar consciente das suas fragilidades, a União continua a insistir numa integração cada vez mais puxada da PESD.



Este mesmo raciocínio pode ser aplicado às ambições políticas da UE. Esta última não pode pretender ser um actor credível na cena internacional se não tiver uma política de segurança e de defesa sólida e uma política externa capaz de se exprimir a uma só voz. Para atingir esse estádio, é necessário, por um lado, que os políticos estejam a receber informações suficientes para identificar correctamente os interesses comuns e, por outro, que a qualidade da intelligence lhes possa permitir determinar qual a estratégia a seguir com base nesses mesmos interesses. A título de exemplo, se os países da União tivessem desenvolvido uma avaliação verdadeiramente colectiva das ameaças, ou seja, uma visão comum do mundo, é possível que a crise face à intervenção no Iraque não tivesse sequer tido lugar. Outra característica de uma política externa forte, ligada à intelligence, é a capacidade de controlo. Através das informações, um Estado pode confirmar que os seus acordos bilaterais ou tratados não estão a ser infringidos pelos parceiros. Esta possibilidade é especialmente importante quando se trata de acordos como os de não proliferação. “Uma entidade política sem informações estratégicas próprias perde influência, coerência, identidade, capacidade de prevenir e resolver conflitos. Numa palavra, perde poder”[9].


[1] http://ue.eu.int/uedocs/cmsUpload/031208ESSIIP.pdf

[2] Javier Solana, Uma Europa Segura num Mundo Melhor, http://ue.eu.int/uedocs/cmsUpload/031208ESSIIP.pdf, p.3

[3] Bjorn Muller-Wille, For our Eyes Only? Shaping an Intelligence Community within the EU, Institute for Security Studies- Paris, Occasional Papers, nº50, January 2004, p.11, tradução pessoal.[4] Bjorn Muller-Wille, For our Eyes Only? Shaping an Intelligence Community within the EU, Institute for Security Studies- Paris, Occasional Papers, nº50, January 2004, p. 12, tradução pessoal.[5] Idem, p. 11, tradução pessoal.[6] Jean- Michel Lavoizard, L’Information de Sécurité, un élément-clé de la construction européenne, Défense Nationale, 59eme année, mars 2003, p. 116.[7] Bjorn Muller-Wille, For our Eyes Only? Shaping an Intelligence Community within the EU, Institute for Security Studies- Paris, Occasional Papers, nº50, January 2004, p. 5, tradução pessoal.[8] Jean- Michel Lavoizard, L’Information de Sécurité, un élément-clé de la construction européenne, Défense Nationale, 59eme année, mars 2003, p. 116, tradução pessoal.

[9] Joaquim Chito Rodrigues, As Informações Estratégicas: a União Europeia e a Segurança Nacional, Revista Militar, ano 56, nº8/9, Agosto/ Setembro 2004, p.796.
A União Europeia e a Intelligence – Parte II

II As dificuldades de cooperação ao nível da intelligence, no seio da UE


A razão pela qual os países da União Europeia optaram por introduzir alterações em sectores que não os de intelligence está, obviamente, ligada à natureza secreta desta última. Se as informações tivessem a sua origem em fontes abertas e de fácil acesso público, deixariam de constituir um objecto de curiosidade. Segundo Bjorn Muller-Wille, “o que faz com que certas informações sejam consideradas como intelligence é determinado pela sua origem. A intelligence deve passar por uma das instituições que é classificada como agencia de intelligence”[10]. Por esta razão, os interesses nacionais continuam a ser vistos, a nível da União Europeia, como prioritários e a partilha de informações como pouco natural. Apesar dos progressos em termos de integração, que foram conseguidos ao longo dos anos, o sentimento de desconfiança continua a dominar esta área e os Estados Membros têm dificuldade em partilhar informações que lhes podem trazer vantagens económicas, tecnológicas ou militares sobre os outros. A reunião inter-ministerial que teve lugar poucos dias depois dos acontecimentos de 11 de Março de 2004 ilustra bem esta dificuldade. Perante a proposta de se criar uma agência europeia de informações, Michael McDowell, o Ministro Irlandês do Interior, comentou que “não se deve esperar por parte das agências nacionais de intelligence que partilhem todos os seus segredos” [11].
Por outras palavras, os Estados-Membros continuam a trabalhar principalmente no sentido da sua própria segurança territorial, relegando a do resto da União para segundo plano. No campo das informações, a UE assemelha-se mais a uma manta de retalhos, com 27 interesses nacionais diferentes, onde o espírito de comunidade está ainda longe de se fazer verdadeiramente sentir: “o que é necessário é o sentimento de comunidade de interesses e de ameaças. Este sentimento é, de acordo com vários analistas, inexistente na maioria das capitais”[12]. Esta estratégia talvez fizesse sentido se nos estivéssemos a referir a países na posse de toda a sua soberania e com domínio total sobre as suas fronteiras, mas não no caso da UE. Os Estados-Membros ainda não compreenderam que esta estratégia pode mesmo ser contraproducente para a sua própria segurança. Imaginemos, por exemplo, que os serviços de informações do país europeu A têm indicações de que um determinado grupo de crime organizado X está a transportar uma quantidade considerável de armas, mas desconhece a identidade do receptor. Simultaneamente, os serviços de informações do país B têm vindo a monitorizar uma célula terrorista Y e suspeitam fortemente da existência de um plano para um atentado de grande dimensão. Se a coordenação entre estes dois países, mais exactamente, a troca de informações, não estiver a ser efectuada correctamente, há uma grande possibilidade de não se aperceberem de que existe uma relação entre os dois grupos, a tempo de evitar um atentado: “diferentes forças policiais e de segurança, ancoradas aos seus respectivos países, detectam algumas actividades de células criminosas, mas não vêem obrigatoriamente a ligação entre elas”[13].

Embora a natureza da intelligence seja um entrave extremamente importante na cooperação entre os Estados Membros, não é o único. Se existisse realmente uma estrutura sólida de troca de informações no seio da União, as relações com países terceiros iriam inevitavelmente ser afectadas. Alguns Estados sentem receio em avançar para um projecto que poderia vir a degradar as suas actuais ligações com outros países fora da UE. O caso dos Estados Unidos é possivelmente o mais relevante: como é do conhecimento público, os EUA não alimentam o mesmo tipo de relação com todos os Membros da União, sendo o sentimento de confiança mais profundo com uns do que com outros. Ora, se esses países tivessem a obrigatoriedade de partilhar os seus conhecimentos com os restantes, será que os Estados Unidos não iriam pensar duas vezes antes de passarem informações, por exemplo, ao Reino Unido? “Parece irracional partilhar mais informação dentro do quadro da União se isso levar Washington a reduzir ou a parar o fluxo de informação” [14]. Trata-se de um ciclo vicioso de dependência do qual será complicado sair.


Tanto esta questão, como a anterior sobre os interesses nacionais, remetem para o problema da manipulação das informações. Os Estados sentem-se reticentes em partilhar os seus conhecimentos porque não têm garantias reais de que as informações que vão receber em troca sejam fidedignas. Tendo em consideração que, actualmente, os dados que são transmitidos são criteriosamente seleccionados, não será difícil imaginar que possam igualmente ser manipulados: “em alguns casos, os países podem até escolher partilhar informações manipuladas ou falsas de forma a desinformar e influenciar os outros de determinada forma” [15].


Nesta tentativa de apontar os entraves à cooperação dos Estados na área da intelligence, devem igualmente ser realçados os aspectos financeiros desse tipo de operação. A harmonização das normas e das estruturas de cooperação, para além de morosa, também é especialmente cara. Para além disso, é necessário ter consciência de que a intelligence não está desenvolvida de forma igual em todos os Estados Membros. Aqueles que têm capacidade para produzir uma maior quantidade de informações podem não estar dispostos a pagar pelos restantes.


Ligada à questão financeira, embora de forma indirecta, está o problema da cultura dos diferentes serviços de informações. Por um lado, é importante chamar a atenção para o facto da produção de intelligence, a nível das agências nacionais, ser feita no idioma local. Tendo em consideração que a União conta actualmente com 20 línguas oficiais, compreende-se facilmente que a troca de informações se possa tornar complicada: “não há qualquer interesse em passar informações a outros se os receptores não as conseguirem compreender” [16]. Para ultrapassar esta torre de Babel, a tradução torna-se um instrumento essencial, mas igualmente muito custoso.


A problemática cultural dos serviços de informações não se esgota, no entanto, na questão linguística. Como países independentes que são, os Estados-Membros desenvolveram as suas agências de forma autónoma e em contextos históricos específicos. Durante anos, os diversos serviços foram criando culturas de trabalho, com determinados métodos e formas organizativas: “estes serviços não têm apenas direitos e funções diferentes como também têm estatutos oficiais diferentes” [17]. Dependendo do país, uma agência de informações pode ter atribuições e organigramas diferentes e pertencer ao Ministério da Administração Interna, da Justiça, da Defesa ou até dos Negócios Estrangeiros. Não devemos, no entanto, estranhar esta disparidade dado que, mesmo dentro dos próprios Estados, é difícil conseguir um consenso acerca da competência de cada serviço: “Vários Estados Membros da União Europeia tentam melhorar a sua coordenação interna, a falta da qual leva a que seja particularmente difícil de coordenar os esforços a nível Europeu. Em França, por exemplo, a coordenação entre a polícia e os serviços de informações foi sempre historicamente pontuada por problemas crónicos de falta de confiança, com as agencias a não conseguir colaborar entre elas ou até em competição” [18].


Por fim, será ainda relevante sublinhar a questão das incompatibilidades técnicas. Estas últimas podem ser, em especial, de tipo jurídico ou tecnológico. Por um lado, as legislações nacionais são ainda bastante diferentes, quer no que toca aos serviços de intelligence, quer no que diz respeito às ameaças e respectivas respostas. Por outro, as agências estão muitas vezes dotadas de sistemas informáticos e canais de comunicação incompatíveis.


Apesar do número de obstáculos, o panorama global da intelligence na União Europeia não deve ser encarado com pessimismo. Como veremos a seguir, este tem sofrido uma evolução considerável, fruto da necessidade de dar uma resposta adequada a um número crescente de ameaças.
[10] Bjorn Muller-Wille, For our Eyes Only? Shaping an Intelligence Community within the EU, Institute for Security Studies- Paris, Occasional Papers, nº50, January 2004, p. 7, tradução pessoal.

[11] Site Internet da BBC News, 19 de Março de 2004, tradução pessoal.
[12] Antoni Podolski, European Intelligence Co-operation- Failing Part of the CFSP and ESDP? Reports and Analyses, 6/04/A, Center for International Relations, Warsaw, p.2, tradução pessoal.[13] A. Townsend, Guarding Europe, Center for European Reform, 2004, p.7, tradução pessoal.[14] Bjorn Muller-Wille, For our Eyes Only? Shaping an Intelligence Community within the EU, Institute for Security Studies- Paris, Occasional Papers, nº50, January 2004, p. 15, tradução pessoal.[15] Idem, p. 16, tradução pessoal.[16] Bjorn Muller-Wille, For our Eyes Only? Shaping an Intelligence Community within the EU, Institute for Security Studies- Paris, Occasional Papers, nº50, January 2004, p. 16, tradução pessoal.[17] Antoni Podolski, European Intelligence Co-operation- Failing Part of the CFSP and ESDP? Reports and Analyses, 6/04/A, Center for International Relations, Warsaw, p.3, tradução pessoal.[18] Mirjam Dittrich, Facing the Global Terrorist Threat: a European Response, EPC Working Paper nº14, European Policy Centre, January 2005, p.24, tradução pessoal. A União Europeia e a Intelligence – Parte III


III Estaria uma Agência Europeia de Informações adequada à situação actual?


O facto de este ser um tema relativamente mediatizado de momento não nos deve levar a pensar que a cooperação entre serviços de intelligence só teve início recentemente. Alguns autores parecem sugerir que a troca de informações foi despoletada pelos ataques terroristas de 2001 e 2004. É o caso, por exemplo, de Mirjam Dittrich, cuja obra sobre a resposta europeia ao terrorismo global é muito interessante, mas que ignora tudo o que é anterior a esses acontecimentos. Urge, portanto, sublinhar as ligações já existentes desde a década de 1970: o grupo TREVI, o grupo Pompidou, o grupo Kilowatt e o Clube de Berna são exemplos de plataformas que possibilitaram as primeiras trocas de informações. Houve sempre, igualmente, acordos bilaterais entre agências nacionais para esse efeito, assim como um enquadramento propício da NATO. As primeiras reuniões terão sido realizadas, em 1971, pelo Clube de Berna, um grupo informal que pretendia trocar informações essencialmente sobre terrorismo e subversão. Os países que compõem o Clube- que parece incluir igualmente os Estados Unidos- organizam reuniões, conferências técnicas e investigações conjuntas [19]. Neste mesmo ano, teve lugar a primeira reunião do grupo Pompidou, cujo objectivo era de cooperar em matéria de luta contra a droga. Este último, embora tenha começado com apenas 5 membros, veio a ganhar influência durante a década de 1980, tendo passado a ser constituído por 29 países [20]. Tal como o Clube de Berna, o grupo TREVI pretendia trocar informações sobre grupos terroristas e as suas actividades. Este último, criado em 1975, acabou por ser a organização mais influente, de entre as acima mencionadas, tendo coordenado, de certa forma, o trabalho das restantes [21]. O grupo Kilowatt só foi criado dois anos depois. Embora este tenha o mesmo objectivo que o grupo TREVI, é muito centrado em questões israelitas, tendo aliás sido impulsionado pelo massacre de Munique, em 1972 [22]. A título de curiosidade, é ainda possível referir outros grupos que terão desenvolvido cooperações em matéria de informações: o Clube de Viena, o grupo Quantico, o Stars e o Mag 92. É, no entanto, de realçar que a multiplicação destes grupos resultou frequentemente numa duplicação desnecessária de recursos.


Mais recentemente, a ameaça do terrorismo transnacional levou, sem dúvida, a União Europeia a acelerar o processo de troca de dados estratégicos e a tentar encontrar estruturas mais abrangentes e integradoras. Os esforços têm sido sérios e, embora lentos, têm vindo a produzir um número relevante de novos organismos, cuja articulação se parece estar a tornar cada vez mais complexa: “Creio que o ponto fulcral relativamente à falta de cooperação entre as agências de informações passa por uma falta de compreensão do que acontece na prática. Existe bastante cooperação no dia a dia entre as várias agencias nacionais” [23]. Não se pretende, contudo, desenvolver neste trabalho uma lista exaustiva de todos os mecanismos e instrumentos de que a UE dispõe nesta matéria, apenas referir os mais relevantes. Actualmente, é possível apontar quatro centros europeus importantes de análise de informaçõs estratégicas, que funcionam de forma paralela às agências nacionais: o SITCEN, a Intelligence Division of the European Military Staff, o European Union Satellite Centre e a Europol. Cada uma destas organizações produz informações em áreas distintas, mas igualmente necessárias à realização dos objectivos da União.


A área da defesa da UE necessita de apoio para preparar e levar a cabo operações militares no âmbito da PESD. A instiuição responsável pelo essencial das trocas de informações militares, ao nível da UE, é a Intelligence Division of the European Military Staff (INTDIV). Esta última é composta por 30 oficiais de vários Estados-Membros, cuja função é desenvolver relatórios (baseados em informações fornecidas pelos países), que são seguidamente distribuídos pela estrutura da PESD. Estes documentos dizem respeito, essencialmente, a capacidades militares de países terceiros, nomeadamente daqueles que estão situados em regiões em crise ou de potencial conflito: “Até certo ponto, avalia as intenções dos que possuem poder militar numa determinada área de acção” [24]. No início do ano passado, esta Divisão foi reforçada com a criação de uma célula civil e militar, cuja função será de preparar as transições entre operações militares e missões civis (de polícia, por exemplo). Apesar de permitir a congregação de uma quantidade considerável de informações oriundas de todos os Estados-Membros, este centro continua a estar muito limitado. Naturalmente, os relatórios produzidos constituem uma mais-valia preciosa na preparação e condução de operações. No entanto, o centro continua a depender quase inteiramente das contribuições nacionais e, consequentemente, de agências que têm capacidades e orçamentos limitados.


Outro centro de intelligence que apoia a União é o Joint Situation Centre (SITCEN), operacional desde Janeiro de 2003. Esta instituição veio compensar a falta de capacidades para pôr em comum a informações externas recolhidas pelos Estados-Membros. A função deste centro é de produzir relatórios diários e resumos da imprensa mundial, os quais tem sido complementados, recentemente, pela elaboração de documentos mais abrangentes relativos à situação de determinadas regiões. Os dados que trabalha provêm das agências nacionais (que declaram reservar-se o direito de não partilhar as informações mais sensíveis [25]), do European Union Military Staff (do qual a Intelligence Division faz parte), dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e até da Comissão Europeia. Novamente, deparamos com o problema da dependência relativamente a organismos externos. A fragilidade do SITCEN é ainda agravada pelo facto de ter um conjunto de colaboradores extremamente reduzido. Os sete analistas que compõem este centro, juntamente com dois diplomatas, três militares e um oficial de polícia [26], são largamente insuficientes para oferecer à União a quantidade de intelligence de que ela necessita.


A Europol é a única instituição com capacidade para reunir uma quantidade relevante de informações relativas a actividades criminosas. Se a Intelligence Division se encarrega da área militar e o SITCEN das informações externas, a Europol dedica-se à segurança interna, mais exactamente à análise de dados sobre terrorismo, tráfico de droga e outros tipos de crime organizado. À semelhança dos centros anteriores, a função da Europol é de reunir intelligence com o intuito de identificar padrões de actividade ou, seja, de completar puzzles de informações. Apesar do seu papel se ter tornado mais relevante nos últimos anos, continua a não beneficiar de poderes executivos próprios. Por outras palavras, “é da responsabilidade de cada autoridade nacional competente decidir se quer passar ou não determinadas informações à Europol, seguir as recomendações providenciadas por esta última ou recorrer à sua assistência” [27].


Finalmente, o European Union Satellite Centre (EUCS) é o organismo que apoia todas as áreas através da análise de imagens de satélite. Trata-se de um serviço que não é destinado exclusivamente às instituições comunitárias, podendo ser requerido por agências nacionais, Estados terceiros e até organizações internacionais. No que diz respeito aos aspectos negativos deste centro, não divergem muito dos anteriormente citados. Seria de esperar que um centro de satélites tivesse satélites próprios, mas este não tem. Dado que precisa de recorrer a outras fontes para obter material, a sua capacidade para fornecer imagens em tempo real é extremamente limitada.


Os principais organismos produtores de intelligence ao serviço da União Europeia permitem-nos ter um panorama global do nível real de cooperação neste campo. Embora estas estruturas existam e estejam a desenvolver perspectivas globais muito interessantes, é difícil dizer até que ponto são essenciais; ficamos, aliás, com a sensação de que são praticamente opcionais. Estes centros limitam-se a receber informações, para em seguida as analisar e divulgar: “os meios técnicos de pesquisa europeus […] parecem não estar ainda em condições de garantir uma pesquisa técnica auto-suficiente” [28]. Tendo em consideração que os Estados-Membros podem até escolher criteriosamente os dados que querem enviar e aqueles que preferem ocultar, até que ponto os relatórios produzidos por estes organismos serão completos? Enquanto estes últimos não possuírem uma capacidade de recolha autónoma e poderes executivos, não poderão ser levados verdadeiramente a sério.


É a este estádio do trabalho que deve ser introduzida a problemática de possível agencia europeia de informações. Perante este panorama sombrio, qual seria o resultado da criação de uma agencia deste género? Iria beneficiar verdadeiramente a União Europeia ou iria apenas tornar-se mais um organismo dependente da boa vontade dos Estados-Membros? A 2 de Fevereiro do ano passado, o Ministro do Interior austríaco, Ernst Strasser, apresentou em Conselho de Ministros a proposta de criação de uma agência europeia de informações. Fruto da experiência da crise no Iraque, do ataque terrorista em Madrid e da inadequação, em geral, da cooperação em matéria de intelligence, esta iniciativa pretendia monitorizar e avaliar potenciais ameaças à União Europeia. Apesar dos Ministros terem caracterizado esta proposta como sendo interessante, a reacção foi, no entanto, desfavorável à prossecução desse projecto, considerado prematuro [29].


De facto, se por um lado é aceite que só uma cooperação reforçada poderá trazer à União o apoio em termos de intelligence de que ela necessita, por outro, avançar com um projecto desta envergadura poderia não ter os resultados esperados. Tendo em consideração a situação actual, é possível que a agência não conseguisse ultrapassar os obstáculos acima descritos e acabasse por se tornar apenas mais um centro de recepção e análise de informações. A probabilidade de não conseguir eliminar estes problemas é grande, dado que estes são de natureza política, mais do que técnica. Enquanto não houver vontade política para levar a integração mais longe, enquanto os Estados-Membros não se sentirem preparados para dar este passo tão grande, não deve ser criada nenhuma agencia europeia de informações. O facto de já ter sido apresentada uma proposta neste sentido, não é, no entanto, negativo em si mesmo. Permitiu aos países começar a reflectir sobre questões que poderão ser cruciais no futuro, tais como: que papel poderiam ter as agencias nacionais de informações junto de uma agencia centralizadora? Quem iria liderar um organismo destes? Seria positivo para os países mais pequenos? Iria criar problemas de incompatibilidade com a NATO? [30] Independentemente da forma como a intelligence europeia irá evoluir no futuro, uma coisa é certa, por enquanto e, “antes de criarmos mais agencias, precisamos de aprender a andar antes de começarmos a correr” [31].


Conclusão


As informações estratégicas têm demonstrado ser cada vez mais importantes no momento histórico em que estamos a viver. Sem dúvida, continuarão a sê-lo no futuro. Tendo apreendido este facto, a União Europeia questiona-se agora sobre qual a melhor forma de tomar partido da sua estrutura de intelligence. Se, por um lado, os Estados-Membros têm consciência de que a cooperação é a única via para atingir a resposta colectiva necessária ao combate das ameaças actuais, por outro, as informações estratégicas são demasiado preciosas para serem partilhadas com países que, embora sejam parte integrante da União, não deixam, mesmo assim, de constituir Estados autónomos. Os obstáculos que se colocam no caminho de uma maior integração são ainda muito numerosos e, acima de tudo, políticos. Apesar destes últimos, os primeiros passos, embora débeis, já foram dados. A União já pode afirmar que tem organismos próprios para a troca de informações em áreas variadas. Os optimistas vêem-nos como os primórdios de uma agência europeia de informações, enquanto os pessimistas (para alguns, os realistas) consideram-nos como o limite máximo da cooperação entre Estados, que nunca irão abdicar da sua soberania. Não me arrisco a fazer futurologia, apenas escrevo que é demasiado cedo para desenvolver um projecto de uma agência centralizadora, pois não se pode querer construir uma casa sem lhe criar primeiro as fundações.
DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2009
Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos


Como todos sabemos, o Tráfico de Seres Humanos é um fenómeno abrangente atingindo, sobretudo, os grupos mais vulneráveis, nomeadamente mulheres e crianças que são vítimas de exploração sexual e laboral. O crime organizado, as questões de género, os direitos humanos, são temáticas subjacentes a este fenómeno.


Hoje, em pleno século XXI, o Tráfico de Seres Humanos retrata uma realidade que impede, por toda a parte, a plena prossecução dos objectivos da igualdade, desenvolvimento e coesão social. (...)

O Tráfico de Seres Humanos há muito que deixou de ser apenas um problema das organizações internacionais, e do qual os diferentes Governos se faziam eco. Este fenómeno passou a assumir-se como um desafio que a todos nos interpela, para a partilha de responsabilidades, entre os diferentes Estados e ao nível de cada sociedade. O reforço dos mecanismos de cooperação internacional, aliado à adopção, ao nível interno, de medidas quer legislativas quer de cariz operacional, tem permitido conferir maior eficácia no combate ao flagelo.(...)

Aprovou-se o I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos 2007-1010 (...)

http://www.portugal.gov.pt/pt/GC17/Governo/Ministerios/PCM/MP/Intervencoes/Pages/20090213_PCM_MP_Int_SEPCM_Trafico_Pessoas.aspx

Retiro esta informação de uma página do governo, no dia em que estas questões gravíssimas ganham outra visibilidade.

E deixo as notícias:
A criação de equipas de investigação especializadas em crimes de tráfico de pessoas é uma das principais recomendações do primeiro relatório do Plano Nacional de Luta Contra o Tráfico de Seres Humanos, que hoje, domingo, será apresentado no Porto.

No dia em que se assinala o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos, os responsáveis pelo I Plano de Luta Contra o Tráfico de Seres Humanos e do Observatório entretanto criado para monitorização do fenómeno apresentam um primeiro balanço de actividades e estatísticas actualizadas. (...)

http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1393894

Três em cada quatro vítimas de tráfico em Portugal são mulheres. Em geral, brasileira, solteira, com 30 anos e que está ilegal. Um familiar, ou amigo, ou um amigo do amigo, prometeu-lhe um bom emprego, mas coloca-a num bar de alterne no Norte de Portugal. Fica sem documentos, é ameaçada e vigiada por portugueses. É o perfil da vítima para fins de exploração sexual. Os 25% que sobram são homens, mais velhos e que são recrutados para fins laborais ou para praticarem crimes (furto). (...)

http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1394019

Já no final do dia leio e transcrevo:

O tráfico de seres humanos na Europa está subestimado e pouco combatido, alertou este domingo a Agência das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (ONUDC) durante a jornada europeia contra o tráfico de seres humanos.
O número de vítimas identificadas na Europa é «cerca de 30 vezes inferior ao número real estimado», sublinha a organização, segundo a qual 270 mil pessoas são afectadas na União Europeia.
A maioria das vítimas, entre as quais dez por cento de menores, são mulheres forçadas à prostituição.
Os homens são, pelo seu lado, forçados a trabalhar em explorações agrícolas, alertou a ONUDC.
«Talvez a polícia não encontre mais traficantes e vítimas porque não procura», afirmou o director-executivo da agência, António Maria Costa, num comunicado.
No total, 2,4 milhões de pessoas são, todos os anos, vítimas de tráfico humano no mundo.
A OTAN e a União Europeia: cooperação e segurança
Cerimónia em Camp Butmir, marcando o fim da operação da OTAN, SFOR, e a criação da operação Althea, da União Europeia, a 2 de Dezembro de 2004 (© OTAN)
O Professor Adrian Pop analisa a evolução do relacionamento entre a União Europeia e a Aliança Atlântica.
Os actuais desafios à segurança incluem uma pletora de perigos complexos em evolução, nomeadamente o terrorismo internacional, a proliferação das armas de destruição maciça (AMDs), os Estados falhados, os conflitos num impasse mas incessantes, o crime organizado, as ameaças cibernéticas, a escassez de energia, a degradação ambiental e os riscos à segurança a ela associados, as catástrofes naturais e provocadas pelo homem, as pandemias e muitos outros. Para enfrentarmos estas ameaças eficazmente será necessária uma parceria abrangente e uma forte sinergia entre a OTAN e a União Europeia (UE).

Estas duas organizações deveriam adoptar uma abordagem holística às questões de segurança e trabalhar conjuntamente na área da defesa. Apesar da divisão geográfica ou funcional do trabalho ser uma opção viável, em muitos círculos é agora aceite que algumas formas de abertura ao exterior como, por exemplo, a manutenção da paz em África e nos Balcãs, deve ser realizada sob a égide da União Europeia, ao passo que outras, como as actuais operações no Afeganistão contra os Taliban devem ser da responsabilidade da OTAN.

As lições dos Balcãs

Um exemplo de cooperação bem sucedida em matéria de segurança entre a OTAN e a União Europeia foi o Acordo Quadro de Ohrid, que impediu a guerra na antiga República Jugoslava da Macedónia*. Em Fevereiro de 2001, no auge de lutas interétnicas entre as forças de segurança do país e os rebeldes albaneses armados, a OTAN e a União Europeia coordenaram as negociações que, em Agosto daquele ano, levaram ao Acordo de Ohrid.

Naquele mesmo mês, a OTAN lançou uma operação de trinta dias, a Operação Essencial Harvest, para desarmar os grupos de etnia albanesa e destruir as armas recolhidas. A esta operação seguiu-se uma outra, de três meses, a Operação Amber Fox, que protegeu os inspectores internacionais, que fiscalizavam a implementação do acordo de paz na antiga República Jugoslava da Macedónia*. Então, para reduzir as hipóteses de retrocesso, a OTAN concordou em continuar a dar apoio à Operação Allied Harmony, que decorreu entre Dezembro de 2002 e Março do ano seguinte, altura em que passou para o controlo da União Europeia.

Em finais de Março de 2003, a União Europeia lançou a sua primeira missão de paz de sempre, a Operação Concórdia, que também foi a primeira implementação do acordo Berlim Plus. Um pequeno quartel-general da OTAN permaneceu em Skopje para ajudar as autoridades do país no desenvolvimento das reformas do sector de segurança e na adaptação às normas da OTAN.

A União Europeia manteve a Operação Concórdia até Dezembro de 2003, seguindo-se uma missão policial civil, a Operação Próxima, que decorreu até a final de 2005. Durante a Operação Próxima, as autoridades policiais da União Europeia cooperaram com as suas homólogas da antiga República Jugoslava da Macedónia*. Também ajudaram a reformar o Ministério da Administração Interna do país e contribuíram para a uma gestão integrada das fronteiras.

A Bósnia e Herzegovina constitui outro exemplo positivo. Em Dezembro de 2004, a OTAN concluiu a sua operação Força de Implementação (IFOR) / Força de Estabilização (SFOR), com uma duração de nove anos, e passou o testemunho à União Europeia, que iniciou imediatamente a sua Operação Althea, a qual contou com 6.000 homens.

Tal como sucedeu com as operações na antiga República Jugoslava da Macedónia*, o Comandante Adjunto Supremo Aliado na Europa (DSACEUR) foi nomeado Comandante Operacional, agindo sob a direcção política do Comité Político e de Segurança da União Europeia (PSC).

A OTAN mantém um pequeno quartel-general em Sarajevo, para prestar ajuda às autoridades da Bósnia e Herzegovina na reforma da sua defesa, a lidar com determinadas tarefas operacionais que envolvem a luta contra o terrorismo e a detenção de pessoas indiciadas por crimes de guerra, bem como para auxiliar à coordenação de informação com a Força da UE (EUFOR). Apesar de operar sob o mesmo mandato da SFOR, a EUFOR é diferente quer porque dispõe de uma organização mais flexível, quer porque luta contra o crime organizado, quer ainda em virtude da sua ligação com a polícia nacional.
O fortalecimento das capacidades

Para consolidar a cooperação, tanto a OTAN como a União Europeia deveriam concentrar-se no fortalecimento das suas capacidades mais importantes, aumentando a interoperabilidade e coordenando a doutrina, o planeamento, a tecnologia, o equipamento e a formação.

Tanto a OTAN como a União Europeia deveriam concentrar-se no fortalecimento das suas capacidades mais importantes, aumentando a interoperabilidade e coordenando a doutrina, o planeamento, a tecnologia, o equipamento e a formação O anúncio, na Cimeira da Aliança de Riga, em 2006, da capacidade operacional total da Força de Reacção da OTAN (NRF) marcou um importante ponto de viragem. A força de reacção rápida da OTAN é agora capaz de desempenhar missões em qualquer parte do mundo, através do espectro total das operações.

Desde o seu aparecimento em 2004, o plano da União Europeia de desenvolver “Grupos de Combate” nacionais e multinacionais tem-se tornado o principal objectivo da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD). Cada Grupo de Combate integra 1.500 homens, estando dois destes pacotes de forças armadas combinadas agora de serviço a todo o momento, dando à União Europeia uma capacidade militar “pronta para agir”, para reagir a crises em qualquer parte do mundo. Porém, são necessários mais esforços em áreas como a coordenação entre civis e militares para assegurar que os Grupos de Combate podem realizar o seu potencial.

Conscientes de uma potencial duplicação entre a NRF e os Grupos de Combate da União Europeia, a OTAN e a EU já começaram a trabalhar para assegurar que as duas forças se podem complementar. Porém, os programas de aquisição e de investimento actuais não correspondem às necessidades das forças multinacionais dos dias de hoje. Os papéis da OTAN e da UE nesta área devem ser complementares e a colaboração entre as duas organizações deve aumentar para assegurar que dispomos de bens economicamente viáveis.
A caminho de uma parceria a nível mundial

Baseando-se nas “lições aprendidas” nos Balcãs, e dado que o novo teatro de operações é mundial, a cooperação entre as duas organizações dever ser elevada a um novo patamar.

Reconhecendo, depois dos atentados terroristas de 11 de Setembro, que a dimensão da segurança internacional é cada vez mais mundial, a OTAN empenhou-se de forma irreversível em operações “fora de área”, para lá do seu centro de gravidade euro-atlântico original. Ao assumir a liderança da Força Internacional de Ajuda à Segurança (ISAF), no Afeganistão, a Aliança abriu a porta para o diálogo político, para as consultas e as parcerias com Estados essenciais muito além da região euro-atlântica, incluindo a Austrália, a Nova Zelândia e o Paquistão.

A União Europeia também tem vindo a tornar-se cada vez mais um actor internacional, efectuando a gestão de crises a nível militar e civil, reformas no sector da segurança, a imposição do primado do direito e missões fronteiriças, tanto na sua vizinhança imediata como mais longe. Geograficamente, isso inclui os Balcãs, o Cáucaso, a Europa oriental, o Mediterrâneo e o Médio Oriente, mas também locais longínquos como a República Democrática do Congo (RDC) e a Indonésia. O destacamento de tropas da União Europeia para a República Democrática do Congo, em meados de 2006, sublinhou o facto da África subsariana ser um novo ponto fulcral de segurança e da abertura da União Europeia ao exterior.

É provável que as parcerias a nível mundial estabeleçam uma cultura de cooperação em matéria de segurança entre a Aliança e outros actores, reduzam os mal entendidos e as concepções erradas, e melhorem o conhecimento e a percepção das condições regionais, fundamentais à concepção de reacções eficazes a ameaças à segurança, actuais e emergentes. Contra este pano de fundo de colaboração operacional em expansão com parceiros a nível mundial geograficamente distantes, a cooperação entre a OTAN e a União Europeia deveria tornar-se a espinha dorsal de uma comunidade euro-atlântica forte.

Contudo, no passado recente, tem por vezes havido um “concurso de beleza” entre as duas organizações: por exemplo, durante a cooperação no Darfur, que ocorreu fora do âmbito dos acordos Berlim Plus. O Secretário-geral da OTAN, Jaap de Hoop Scheffer, sublinhou correctamente que se deve pôr termo a essa rivalidade e que todos os esforços de duplicação devem cessar. Ao invés, deve haver um diálogo sustentado sobre a harmonização da transformação militar, assegurando uma boa cooperação no domínio das capacidades e do planeamento avançado, combinado com estruturas flexíveis para a comunicação.

Contra este pano de fundo de colaboração operacional em expansão com parceiros ao nível mundial geograficamente distantes, a cooperação entre a OTAN e a União Europeia deveria tornar-se a espinha dorsal de uma comunidade euro-atlântica forte A OTAN e a União Europeia enfrentam desafios similares numa variedade de áreas. Um dos exemplos é o caso do Kosovo, onde existe claramente a possibilidade de execução de políticas complementares, bem como a possibilidade de forjar novos elos cooperativos. De acordo com o plano do Enviado Especial da ONU, Martti Ahtisaari, a União Europeia substituiria a presença da ONU no terreno, no Kosovo, a força liderada pela OTAN, a KFOR, que actualmente fomenta a paz e a estabilidade, poderia passar para a alçada da União Europeia, e um Representante Civil Internacional da UE (ICR) ficaria encarregue da implementação do acordo sobre o estatuto final.

Através de uma nova missão sob a égide da PESD, a União Europeia também trabalhará para consolidar o primado do direito. A gestão do Kosovo, um Estado de facto, constituirá um desafio significativo para as capacidades civis de gestão de crises da União Europeia. O resultado final dependerá em grande medida do âmbito do mandato a ser proposto por uma futura Resolução do Conselho de Segurança da ONU e dos compromissos dos Estados membros da União Europeia.

Outra área produtiva para uma potencial cooperação entre a OTAN e a UE nos Balcãs poderia surgir se a Ministerial de Defesa do Sudeste Europeu (SEDM) fosse alargada para incluir o planeamento de emergências civis e se os ministros da administração interna formassem uma Ministerial de Defesa Interna do Sudeste Europeu (SEHDM).

Ao associar o novo organismo ao Centro Regional de Combate ao Crime Transfronteiriço da Iniciativa de Cooperação do Sudeste Europeu (SECI), em Bucareste, o elo SEHDM-SECI poderá tornar-se o centro organizacional para a implementação de uma estratégica coordenada entre a OTAN e a União Europeia nos Balcãs ocidentais, o que poderia, então, ser utilizado para combater o tráfico de drogas, o tráfico de pequenas armas e de armas ligeiras (SALW) e o tráfico de seres humanos.

Além do mais, ao estabelecer um centro regional de coordenação de protecção civil sob a égide do SEHDM, o novo fórum também pode ser ligado à Brigada Europeia do Sudeste (SEEBRIG), em Constanta, na Roménia, para lidar com questões relacionadas com a protecção civil.

A região mais vasta do Mar Negro é outra área em que a OTAN e a União Europeia se deveriam complementar. As organizações têm objectivos comuns na região: manter a estabilidade, melhorar as perspectivas económicas da região, promover a reforma do sector da segurança, travar o tráfico de armas, de drogas e de seres humanos, melhorar a gestão das fronteiras e democratizar a região.

Porém, actualmente a OTAN e a União Europeia não dispõem de uma visão estratégica comum para a região do Mar Negro, na medida em que as diferenças conceptuais estão a impedir uma abordagem unificada. Através da sua Política Europeia de Vizinhança (ENP), a União Europeia pretende criar um “conjunto de amigos” em torno da sua periferia, incluindo o Mar Negro. A OTAN, pelo contrário, sublinhando o facto de a região ser tanto uma ponte para a região do Mar Cáspio, rica em energia, quanto uma barreira contra as ameaças transnacionais, está a promover para a região um conceito de “ponte/barreira”.

O Afeganistão também fornece oportunidades para uma cooperação reforçada entre a OTAN e a União Europeia. O país necessita desesperadamente de mais polícias, mais juízes, mais engenheiros, mais trabalhadores de ajuda humanitária, mais assessoria para o desenvolvimento e mais administradores. Estes recursos estão todos disponíveis na União Europeia, mas não aos militares de manutenção da paz da OTAN. Em Novembro de 2006, a Comissão Europeia aprovou €10,6 milhões para apoiar o fornecimento de serviços e melhorar a governância através das Equipas de Reconstrução Provincial (PRTs) lideradas pela OTAN. Além disso, a missão da OTAN no Afeganistão poderia ser apoiada por uma missão civil da PESD, que ajudaria a fomentar o primado do direito e a formação policial.
Novas áreas de cooperação

Hoje em dia, os grupos terroristas e as redes criminosas operam a nível internacional, beneficiando de comunicações em tempo real, de partilha de informações e de uma liberdade relativa em termos de movimentação. O grau em que as nações e as organizações como a OTAN e a União Europeia partilham informação, cooperam na interdição desses grupos e se empenham na luta contra o terrorismo e no combate ao crime organizado é crucial.

Confrontadas com a ameaça de atentados terroristas biológicos e com pandemias, tanto a OTAN como a União Europeia estão actualmente ocupadas em chamar a atenção dos seus respectivos Estados para a necessidade e para os benefícios de trabalharem em conjunto.

A União Europeia está a analisar novas formas de os Estados membros trabalharem em conjunto, à medida que enfrenta as limitações dos recursos disponíveis, e a rejeição da sugestão da Comissão Europeia de um stock central de vacinas. Entretanto, a OTAN está a trabalhar no conjunto de conhecimentos necessários para casos desses e para integrar os diversos centros médicos especializados em exercícios de gestão de crises. Contra este pano de fundo, existe o sentimento alargado de que entre as duas organizações há espaço para mais diálogo, mais cooperação e mais coordenação.

Para enfrentar com sucesso os desafios de atentados terroristas com armas biológicas e de pandemias, a União Europeia e a OTAN precisam de recorrer mais a informação e especialização partilhadas, melhorar o enfoque na gestão de riscos, aumentar a sua percepção à reacção de outras culturas, partilhar as melhores práticas nacionais ao nível internacional e alcançar um maior grau de preparação. De um ponto de vista institucional, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças e o Centro da OTAN de Armas de Destruição Maciça deveriam mostrar o caminho, forjando essa tão necessária coordenação.

Outra área prometedora para uma futura cooperação entre a OTAN e a UE é a segurança energética. Para muitos países da União Europeia, uma confiança significativa nas fontes energéticas estrangeiras é há muito uma realidade, enquanto que para outras se trata de uma perspectiva nova e de curto prazo. À medida que o panorama do fornecimento energético muda, a procura a nível mundial também está a aumentar. A emergência da China e da Índia como importantes poderes económicos vai aumentar a procura energética mundial em quase 60% ao longo dos próximos vinte anos e exacerbar a concorrência entre as nações importadores de energia.

Existe a necessidade de desenvolver respostas coordenadas a estes desafios, que incorporam as capacidades e o modo de pensar das forças armadas e das indústrias da defesa, um domínio em que a Aliança está mais bem posicionada para descobrir novas respostas. Actualmente, a Aliança está a explorar formas de contribuição para a segurança das redes de infra-estrutura energética. Conversações recentes com o Qatar ilustram o interesse da OTAN em providenciar segurança a instalações de gás natural no mundo inteiro.

Em suma, a OTAN e a União Europeia partilham desafios fundamentais à segurança. Seria lógica uma maior cooperação nestas áreas, conduzindo, provavelmente, a resultados mais favoráveis para ambas as instituições.

Existe a oportunidade de nos basearmos em lições aprendidas a partir de colaborações anteriores, e é importante identificar novas áreas de cooperação. Para forjar uma parceria mais sólida e mais abrangente, a OTAN e a União Europeia devem trabalhar para aumentar a cooperação prática e continuar a reconciliar a ordem de trabalhos transatlântica.
Adrian Pop é Professor na Escola Nacional de Estudos Políticos e Administração Pública de Bucareste, na Roménia.
12-05-2008 16:05:48
A globalização é a idade de ouro da máfia


A Globalização é a idade de ouro da máfia

GUILLERMO ALTARES - El País - 06/04/2008
Tradução de Antonio de Freitas Jr.


Diversificado e adaptado aos novos tempos, o crime organizado vive momentos de gloria. Assim conta este jornalista, que pesquisou seus tentáculos durante anos.

Depois de dedicar-se durante quase vinte anos a percorrer o leste europeu e os Bálcãs como jornalista da BBC, as transformações na paisagem que lhe rodeia obrigaram a Misha Glenny a mudar de especialidade: das revoluções políticas passou a investigar outro tipo de movimentos telúricos, mais profundos e perigosos: o poder crescente das máfias. Porém, seu novo trabalho lhe levou por cenários muitos distintos e insuspeitados: desde a fronteira noroeste de Estados Unidos, inundada de cânhamo, até cabanas da Nigéria onde se planejam e executam golpes pela Internet que nem o David Mamet do filme “House of Games” (1987) seria capaz de imaginar.

Glenny, um britânico de 49 anos de origem russa, recolheu estes anos de investigação em “McMáfia”, um livro de 500 páginas que apareceu ao mesmo tempo em numerosos idiomas este mês de abril. É uma viagem ao reverso tenebroso da globalização, aos cantos escuros de um mundo em cujos corredores abertos se move, cada vez com maior agilidade, a gigantesca hidra do crime organizado. Os protagonistas de “McMáfia” já não são apenas os tipos da ‘coppola’ (o tradicional boné siciliana) que controlam bilhões de euros em armas e drogas desde a cadeira de palha de uma choça, nem os mal-encarados búlgaros que levam colares de ouro que serviriam para sustentar a âncora de um transatlântico: são personagens muito mais sofisticados e hábeis que sabem aproveitar os pontos fracos do sistema em que vivem. E num mundo global, isso quer dizer todo o planeta. A entrevista tem lugar em Bruxelas, onde Misha Glenny acudiu para participar num congresso internacional como especialista em crime organizado.

P - Seu livro acaba dizendo que estamos na idade de ouro da máfia. Não acreditas que é uma afirmação demasiado pessimista? Porque parece que a máfia sempre viveu numa permanente idade dourada...
R - A extensão do que chamo de ‘economia na sombra’, na qual as organizações criminais de todo o mundo têm um papel essencial, é muito maior que antes, sobretudo depois da queda do comunismo e como conseqüência da globalização, que é idade de ouro da máfia. Ainda que o capital flua de uma forma espetacular, seguem existindo freis importantes, como a Política Agrícola Comum, que oferecem oportunidades para que o crime organizado consiga fabulosos lucros. Isso coincide, ademais, com a queda do comunismo e com uma gigantesca transição que não somente afetou ao leste europeu e a Ásia central, senão a lugares como África do Sul. E também está a emergência da China. Nem sempre é possível satisfazer as aspirações materiais das pessoas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, através dos métodos que legalmente permitem a globalização. Um exemplo: Albânia se destruiu ao mesmo tempo em que se destruíram os mercados do leste europeu que tinham algumas exportações cruciais, como os cítricos. Tratou então de vender suas laranjas e limões à Europa ocidental, porém não pode porque a Política Comum protege os cultivadores de Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Não conseguiu competir com estes subsídios. Que ocorreu? Que muitos destes campesinos destruíram seus cultivos de cítricos e plantaram ‘cannabis’ em seu lugar, e a vendem em quantidades industriais. E estes exemplos se multiplicam em todo o mundo. Enquanto se produziu a transição, o crime organizado trabalhou rápido e com inteligência e desenvolveu um sistema global, que representa uma economia alternativa.

P - Um dos aspectos mais terríveis de seu livro é que, quando se fala de máfia, espera-se encontrar com Nápoles, Palermo, talvez Sofía ou inclusive Moscou, porém não com lugares como Vancouver, Nigéria, África do Sul, Israel ou Bombaim. Tanto mudou o panorama?
R - Israel é um exemplo fascinante disto. Quando você vai ali, a única coisa da qual as pessoas querem falar é do conflito com os palestinos. Quando expliquei que queria investigar o crime organizado, as pessoas me perguntavam: por quê? É uma sociedade que nos últimos dez ou doze anos sofreu uma liberalização dramática, e algo tinha que estar ocorrendo. Porém, quando fui ver à responsável pela luta contra o crime organizado, ela foi muito franca: Israel gasta muitíssimo dinheiro com segurança, porém tudo se dedica ao assunto palestino. E o que ocorre com o crime organizado é que tem uma capacidade enorme para detectar os lugares nos que se produzem as melhores oportunidades. Nos anos noventa, em Israel se produziu uma imigração enorme de judeus russos, 15% da população, que fala outra língua, com valores culturais muito diferentes e com um sentido da identidade muito superior ao dos outros imigrantes que criaram esse país. Isto produziu muitas mudanças e trouxe novos hábitos de consumo, entre outros um fluxo muito importante de narcóticos. E também o tráfico de mulheres, que é uma indústria horrível, porém enorme.



P – Porém, isso não é novo. O grande jornalista francês de princípios do século passado Albert Londres relatou num de seus livros mais conhecidos, “El camino de Buenos Aires”, a trata de brancas da Polônia à Argentina.
R – Porém está expandindo cada vez mais. Por exemplo, se você olha para Londres. No Reino Unido existe essa legislação peculiar que faz com que a prostituição como tal não seja ilegal, mas sim os anúncios, como tratar de captar clientes. A prostituição esteve restrita durante longo tempo às mulheres britânicas que operavam em lugares muito definidos e não era um grande problema. Mas a princípios dos noventa começaram a aparecer anúncios com postais nas cabines, e, de repente, estavam em todas as partes, em todas as pequenas cidades. Foi uma invasão enorme que se produziu em todo o mundo. O uso de prostitutas por parte dos homens em todos os países ocidentais se incrementou de forma dramática. Quando era estudante na universidade não podia imaginar que nenhum de nós saísse com prostitutas. E agora há muitíssimos jovens que vão de fim-de-semana só para homens a um país báltico, e no pacote está incluído a visita a um bordel. É um fenômeno que está fora de controle.

P – Nós como consumidores podemos fazer algo para lutar contra o crime organizado, como o que conseguiu a campanha contra os diamantes de sangue?
R – Sem dúvida, e isto está mudando graças ao trabalho de organizações tanto governamentais como não governamentais. O papel de Global Witness foi fundamental na luta contra os diamantes de sangue: é una pequena ONG, com sede em Londres, cujos representantes foram a Angola e disseram que estavam fazendo uma pesquisa para um documentário. Demonstraram os laços entre a guerrilha da UNITA e os diamantes numa investigação realmente perigosa. Porém sabiam que se conseguissem que nos Estados Unidos uns poucos senadores ou congressistas se interessassem pelo tema poderiam conseguir muita publicidade. Isso se converteu nos Protocolos de Kimberly, contra os diamantes de sangue. Incluí esta historia no livro para demonstrar que temos poder para fazer coisas: identificar a natureza precisa dos problemas que afetam à ‘economia na sombra’ e identificar o lugar onde as economias lícitas e ilícitas se encontram. Demasiadas vezes no Ocidente, os Governos definem o crime organizado como um corpo alheio, exterior: os bárbaros às portas, que estão esperando para destruir nossa civilização e infectar-nos com sua maldade. E não é assim.

P – Sem embargo, é certo que, num mundo globalizado, as máfias do leste europeu, sobretudo búlgaras e kosovares, ficaram muito poderosas, por exemplo, na Espanha?
R - Esta idéia de que, se mantém a um país fora da União Européia, suas redes de crime organizado não podem entrar, é falsa. Se você pertence ao crime organizado, sempre podes cruzar uma fronteira; são as pessoas normais, os encanadores, os garçons, os que são discriminados se caso se mantenham fechadas as fronteiras. Com a queda do comunismo e o aumento da imigração, isto se converteu num claro problema. Porém, não esqueçamos que a Espanha foi um lugar de assentamento para as máfias, sobretudo por uma determinada indústria: a cocaína. Este desembarque também foi propiciado por uma das operações mais claras da máfia: a chantagem em troca de proteção, que cresce ao abrigo da construção.

P – Na Bulgária ou Romênia há muitos policiais espanhóis, britânicos ou alemães que trabalham sobre o terreno, e sua teoria é que, desde dentro da União Européia, é muito mais fácil lutar contra a criminalidade organizada. Você está de acordo?
R – Tem toda a razão. As pessoas que na UE querem manter a estes países fora dão um presente espetacular ao crime organizado. Temos que fazer que estes países entrem o antes possível. A paralisação é também um caldo de cultivo terrível para o crime organizado, porque dispõe de recursos humanos gigantescos para recrutar.

P – É esse o motivo pelo qual Kosovo, que conta com 50% de desemprego, é considerada por alguns como uma pequena Colômbia na Europa?
R – Não é uma Colômbia porque não produz cocaína, porém é um grande ponto de distribuição de heroína e de trata de brancas na Europa. Também é um exemplo de manual de como um lugar de atuação tradicional das máfias se expande à causa de um conflito. Há uma cidade no sul da Sérvia, de maioria albanesa, que é o centro de distribuição de heroína que vem da Bulgária, onde é introduzida por máfias turcas. E ali é vendida tanto a grupos albaneses como sérvios. Uma rota passa por Kosovo, Macedônia e entra na União Européia através da Itália, e outros carregamentos vão até o norte, através de Belgrado, logo Áustria e Alemanha. Desde 1999, com o protetorado das Nações Unidas, o PIB de Kosovo foi decaindo. Ademais, uma vez terminada a guerra, os países da União Européia devolveram a muitos albaneses que estavam refugiados, e isso reduziu o importe das remessas. A combinação de uma economia que decresce e de um desemprego galopante, mais as mulheres e a heroína, só pode converter a Kosovo num Estado mafioso. Trabalhou-se muito pouco num assunto essencial: como funciona este Estado. Agora mesmo há cinco autoridades ao mesmo tempo, e nenhuma sabe o que faz a outra. O único que funciona no meio destas situações caóticas é a máfia.

P - O juiz italiano Giovanni Falcone, antes de ser assassinado cerca de Palermo em 1992, escreveu que havia contraído uma dívida com a Máfia que só se pagaria com sua morte. Você conheceu, ao largo de suas investigações, a muita gente com esse tipo de dívida?
R - Sim, muita gente. Um dos personagens mais extraordinários que conheci foi Walter Maierovitch, o magistrado brasileiro que trabalhou com Falcone, e que fundou em São Paulo um instituto dedicado ao juiz italiano que investiga o crime organizado. São pessoas com quem estabeleces laços muito profundos, e isso é o que me ocorreu com Maierovitch. Trabalhou com Falcone no caso Buscetta [um mafioso que nos anos oitenta rompeu com a lei do silêncio e se converteu num mafioso arrependido], um momento chave na luta contra a Máfia. Era fascinante falar com ele sobre Falcone e sua determinação. Todos os que se dedicam a isto são plenamente conscientes de que estão arriscando a vida, de que podem ser assassinados em qualquer momento; porém tomaram a decisão moral de que tem que seguir adiante. Também quis falar com os próprios mafiosos, e consegui em algumas áreas. E não sempre representam o mal absoluto, porque proporcionam empregos em zonas onde ninguém mais está presente e dão serviços à comunidade. E acredito que estão fazendo um bom trabalho.

P - É sua teoria do bom gângster?
R - Sim, são pessoas que em tempos de mudanças revolucionarias provêem empregos e conseguem que os serviços funcionem. Ainda que esteja integrada por tipos bastante sinistros, a máfia russa entrou, em suas origens, nesta categoria. Foram as pessoas que manejaram a transição ao capitalismo, porque o Estado era simplesmente incapaz de fazê-lo. E isto ocorreu em muitos outros lugares do leste europeu. A ausência do Estado permitiu na Rússia o roubo massivo dos imensos recursos naturais do país. O problema que se produz quando a máfia se converte em reguladora do mercado é que não há nenhum tipo de responsabilidade democrática, nem de transparência. O dinheiro fica na parte alta da organização, ainda que há gente que lhes respeita porque conseguem emprego.

P - Sempre se disse que a principal diferença entre a Máfia e a Camorra é que a organização siciliana, ao ter uma cúpula estruturada, é muito mais discreta nos últimos anos que a organização napolitana, que vive no meio do caos com famílias enfrentadas. As coisas são muito mais perigosas quando não há um chefe claro?
R - O que ocorreu a principio dos noventa é que se produziu uma mudança na forma em que o crime organizado se entendia a si mesmo e seus negócios. As estruturas tradicionais da máfia de Nova York e da Sicilia eram antigas e muito pouco eficientes. O que as pessoas começaram a entender é que conceitos como a família ou a lealdade são valiosos até certo ponto, porém os interesses econômicos são mais importantes. Os Estados Unidos introduziram uma legislação nos anos setenta, ainda que não começasse a aplicá-la até os anos oitenta, que foi a arma mais eficaz contra o crime organizado: RICO. Por causa das estruturas familiares é muito mais fácil utilizar RICO porque é uma lei que permite processar a alguém só por pertencer a um grupo criminal, sem necessidade de haver cometido nenhum delito concreto. Outras estruturas mafiosas se mostraram muito mais descentralizadas, como a ‘Camorra’ ou a ‘Ndrangheta’. E é um fenômeno mais acentuado nas máfias colombianas ou russas, que estão preparadas para que lhes cortem a cabeça, para que o ‘capo’ seja detido, e que o corpo possa seguir funcionando. Quando o cartel de Cali foi descabeçado nos anos noventa não passou nada com o preço da coca em Nova York. Aplicar a lei é muito difícil porque as estruturas mafiosas aprenderam de suas debilidades do passado.

P - Qual foi o momento em que você passou mais medo investigando para o livro?
R - Foi antes de ir a Colômbia, que era um país que não conhecia. Tanto em Bogotá, como no norte ou o sul, todo mundo que você conhece sofreu algum tipo de tragédia pessoal. Porém logo não ocorreu nada concreto. Ir a Odessa, na Ucrânia, para entrevistar a um gângster também foi bastante aterrador, e em geral na Rússia, onde o Estado está voltando com força. Sentes, como na época da URSS, que só eras um ser humano e que o Estado russo não pensa duas vezes se te interpões em seu caminho. Visitei também áreas com índices altíssimos de criminalidade; porém se tens cuidado, e se quando te encontras com gângsteres organizou bem e sempre eras claro, é relativamente seguro. Passei por situações muito mais perigosas durante as guerras na antiga Yugoslávia ou em Sarajevo, onde te disparavam e bombardeavam constantemente. O único lugar onde me senti totalmente seguro foi no Japão com os ‘yakuza’, porque sentes que todo está muito estruturado.

P - A impressão que se tira de seu livro é que a máfia é menos selvagem do que pensamos, que em geral só recorre ao assassinato como última instância. Isso é certo?
R - Para tratar de entender o crime organizado há que analisar quais são seus negócios, no que estão metidos. Os ‘yakuza’ o entenderam perfeitamente porque para eles a guerra de princípios dos anos noventa foi um desastre: não só porque perderam seu pessoal, senão porque se arruinaram em muitos negócios. Nos ‘Sopranos’, o personagem Tony possui muita sabedoria sobre o crime organizado, e ele sempre compreende isto. Os tipos que lhe rodeiam ou a quadrilha do Brooklin, não; mas ele, sim: Evita meter-te numa guerra porque tua gente morrerá e é teu recurso mais importante. Se começas uma guerra, atrairás a atenção dos meios de comunicação e da policia, que se verá obrigada a atuar para parar a violência. Desde os noventa, os ‘yakuza’ sempre trataram de evitar a violência, mas sim projetaram uma imagem crível de que seriam capazes de utilizá-la. Tem que deixar claro que, se cruzas uma linha, te aniquilarão.

P - E que disse sua família quando lhes anunciou que, uma vez que as guerras balcânicas haviam terminado, ia a dedicar-se agora à máfia?
R - A verdade é que não lhes fez muita graça... Não gostam que viaje tanto, mas sim que a eles lhes interessam os livros. Minha filha de 13 anos, que acabava de fazer um prometo sobre Afeganistão na escola, me pediu que não fosse, estava aterrorizada. Trato de tranqüilizar-lhes o máximo possível. Mas o livro, todavia, não foi publicado, não sei como reagirão as pessoas que aparecem nele.

P - A guerra contra os narcóticos em Afeganistão parece quase impossível de ganhar. Representaria a legalização das drogas um grande golpe para as máfias?
R - Os talibãs vão ganhar essa guerra, tenho certeza. A guerra contra as drogas é o que chamo 'a roupa nova do imperador'. O imperador está nu, mas ninguém se atreve a dizê-lo, é uma luta que começou nos anos vinte ou, em sua forma moderna, com a presidência de Reagan. A guerra contra as drogas garante ao crime organizado uns recursos econômicos gigantescos em todo o mundo. Falei com vários grandes exportadores de cânhamo no Canadá e todos estavam contra a legalização porque vivem muito bem graças à proibição. Os criminosos estão totalmente de acordo com os tipos em Washington que querem manter as políticas atuais. No Afeganistão e na Colômbia significa os talibãs e a guerrilha das FARC, que não seriam capazes de manter-se sem a indústria do ópio e da cocaína. E estamos perdendo a guerra no Afeganistão por causa dessa inútil guerra contra a droga. Há que escolher: queremos vencer a Al Qaeda ou não? Se quisermos derrotar a essa organização, temos que redefinir a política sobre as drogas. Não significa uma legalização total imediata, se podem dar passos intermédios, mas a longo prazo é uma loucura. Quando falo com políticos sobre isto, o fascinante é que, em privado, te dizem que tem que dar este passo: e me refiro a policiais, políticos e altos funcionários com muita experiência. Todos confessam em privado que há que fazer algo, mas em público todo mundo tem demasiado medo para reconhecê-lo.

P - A guerra contra o terrorismo de Bush foi boa, mau ou indiferente na luta contra o crime organizado global?
R - Em 1995, o presidente Bill Clinton discursou na ONU traçando uma equivalência entre a luta contra a máfia e contra o terrorismo. Foi ele quem cunhou a frase do ‘lado escuro da globalização’. Quando Bush chegou ao poder desmantelou as estruturas de luta contra a lavagem de dinheiro que Clinton havia organizado porque estava convencido de que causava dano à competitividade dos bancos estadunidenses. Essa é uma das chaves, porque se chegas a seu dinheiro é quando realmente lhes fazes dano. O crime organizado começou a fazer mais dinheiro que nunca. Depois do 11-S, os serviços de segurança dos Estados Unidos não sabiam onde encontrar o dinheiro precisamente porque essas estruturas haviam sido desmanteladas. A grande diferença não está nos métodos, senão em que organizações como Al Qaeda tem objetivos muito mais políticos, como acabar com a civilização ocidental, e o crime organizado não: querer o dinheiro, a diversão, as Ferrari, as coisas materiais.

P - Suponho que haverá grandes zonas de sombra nas que Al Qaeda e o crime organizado coincidem para financiar-se.
R - Sim. Na tríplice fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina sabemos que Al Qaeda está presente, igual que no negocio dos diamantes de sangue. O que lhes conecta é a ‘economia na sombra’. Podes perseguir a Osama Bin Laden nas montanhas entre Paquistão e Afeganistão, mas enquanto não combatas seus meios de financiamento, não vais a acabar com Al Qaeda. Tens que ir às fontes do problema, que estão na ‘economia na sombra’ e não nessa estratégia ridícula de Bush e Blair, baseada em grandes meios militares preparados para invadir países.
P – Citou a ‘Sopranos’. Não acredita que seriados como este podem haver trivializado a imagem que temos da máfia?
R - Em absoluto. Há dois seriados alucinantes que creio que retratam a máfia de forma totalmente realista: ‘Sopranos’ e ‘The Wire’. São retratos maravilhosos e fizeram mais para compreender o crime organizado que qualquer outra coisa, seja na televisão, nos livros, nas campanhas policiais. Esqueça de tudo: se queres entender quais são os motivos do crime organizado, sua forma de atuação, tem que ver estes seriados, porque te mostram como atuam, como buscam suas oportunidades de negocio e mostram os mafiosos como atores racionais.

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