quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CAPÍTULO 36
O Escritório da Guarda Suíça.
Langdon parou na porta, observando a colisão de séculos à sua frente. Multimídia,
pensou. A sala era uma biblioteca renascentista suntuosamente decorada, com
estantes de madeira marchetada, tapetes orientais e tapeçarias coloridas.
Entretanto, fervilhava de equipamentos eletrônicos de última geração -
computadores, faxes, mapas eletrônicos do conjunto de construções do Vaticano e
televisões ligadas na CNN. Homens de calças bufantes coloridas digitavam
febrilmente nos teclados dos computadores e escutavam atentos seus fones de
ouvido futurísticos.
- Esperem aqui - disse o guarda.
Os dois viram-no cruzar a sala e aproximar se de um homem excepcionalmente
alto e magro, vestido com um uniforme militar azul. Ele falava ao telefone celular
e mantinha-se tão ereto que quase se curvava para trás. O guarda disse-lhe algo e
o homem lançou um olhar para Langdon e Vittoria. Cumprimentou-os com um
gesto de cabeça, depois se virou de costas para eles e continuou a falar ao
telefone.
O guarda voltou.
- O comandante Olivetti vai estar com os senhores em um minuto.
- Obrigado.
O guarda saiu e subiu as escadas de volta. Langdon analisou o comandante
Olivetti através da sala, dando-se conta de que ele era na realidade o comandanteem-
chefe das forças armadas de um país inteiro. Enquanto esperavam, Vittoria e
Langdon observavam a movimentação ao seu redor. Guardas vestidos de cores
vivas andavam apressados de um lado para outro gritando ordens em italiano.
- Continua cercando! - um deles exclamou ao telefone.
- Probasti il museo? - perguntava outro.
Langdon não precisava falar italiano fluente para verificar que o centro de
segurança estava naquele momento intensamente empenhado em procurar alguma
coisa. Essa era a boa notícia. A má era que obviamente ainda não haviam
encontrado a antimatéria.
- Você está bem? - ele perguntou a Vittoria.
Ela deu de ombros, com um sorriso cansado. Quando o comandante finalmente
desligou o telefone e veio na direção deles, deu a impressão de crescer a cada
passo. O próprio Langdon era alto e não estava acostumado a levantar a cabeça
para falar com as pessoas, mas a estatura do comandante Olivetti exigia isso.
Langdon percebeu de imediato que aquele homem já passara por várias
tempestades, por seu rosto duro e vigoroso. Tinha o cabelo escuro em um corte
rente de estilo militar e seus olhos ardiam com a rígida determinação que só se
adquire depois de anos de muito treinamento. Movimentava-se com uma precisão
enérgica, um pequeno fone discretamente colocado atrás da orelha fazendo com
que se parecesse mais com um membro do serviço secreto norte-americano do
que da Guarda Suíça. Falou-lhes em inglês com sotaque. A voz era
espantosamente baixa para um homem tão grande - ele quase sussurrava. Mas era
cortante, e ele falava com uma contida eficiência militar.
- Boa tarde - disse. - Sou o comandante Olivetti, Comandante Principale da
Guarda Suíça. Fui eu quem telefonou para seu diretor.
- Obrigada por nos receber, senhor - disse Vittoria, o rosto levantado para ele. O
comandante não disse mais nada. Fez sinal para que o seguissem e conduziu-os
através do labirinto de máquinas para uma porta na parede lateral da sala.
- Entrem - disse, segurando a porta para eles.
Os dois entraram e viram-se na penumbra de uma sala de controle, onde, em uma
parede cheia de monitores de vídeo, sucediam-se devagar imagens em preto-ebranco
do conjunto de edifícios. Um jovem guarda estava sentado observando as
imagens com atenção.
- Fuori - disse Olivetti.
O guarda pegou suas coisas e saiu.
Olivetti encaminhou-se para uma das telas e apontou para ela. Depois, virou-se
para seus visitantes.
- Esta imagem é de uma câmera remota escondida em algum ponto da Cidade do
Vaticano. Gostaria de uma explicação.
Langdon e Vittoria prenderam a respiração ao mesmo tempo. A imagem era
categórica. Não havia qualquer dúvida. Tratava-se do tubo de antimatéria do
CERN. Dentro dele, a ameaça de uma reluzente gotícula suspensa no ar,
iluminada pelo piscar ritmado do mostrador eletrônico do relógio digital. De
modo sinistro, a área em torno do tubo estava quase por completo às escuras,
como se a antimatéria estivesse dentro de um armário ou de um quarto sem
iluminação. No alto da tela aparecia um texto: AO VIVO - CÂMERA 86. Vittoria
verificou o tempo restante no indicador do tubo.
- Menos de seis horas - murmurou para Langdon, o rosto tenso.
Langdon olhou para o relógio.
- Então, temos até... - ele parou de falar, um nó apertando-lhe o estômago.
- Meia-noite - completou Vittoria, com um ar abatido.
Meia-noite, pensou Langdon. Um toque dramático. Pelo jeito, quem roubara o
tubo na noite anterior calculara o tempo com perfeição. Veio-lhe um mau
pressentimento ao lembrar que estava exatamente na área de explosão de uma
bomba.
O cochichar de Olivetti soava agora mais como o sibilar de uma cobra.
- Esse objeto pertence à sua empresa?
Vittoria concordou com um gesto.
- Sim, senhor. Foi roubado de lá. Contém uma substância extremamente
combustível chamada antimatéria.
Olivetti não se mostrou abalado.
- Estou bem familiarizado com materiais incendiários, senhorita. Nunca ouvi falar
de antimatéria.
- É uma nova tecnologia. Precisamos localizá-la imediatamente ou evacuar a
Cidade do Vaticano.
Olivetti fechou os olhos devagar e reabriu-os, como se focalizando-os de novo em
Vittoria pudesse mudar o que acabara de ouvir.
- Evacuar? Tem noção do que está havendo aqui esta noite?
- Sim, senhor. E as vidas de seus cardeais estão em perigo. Temos cerca de seis
horas. Já obteve algum progresso na localização do tubo?
Olivetti sacudiu a cabeça.
- Nem começamos a procurar.
Vittoria quase engasgou.
- O quê? Mas escutamos nitidamente seus guardas falando sobre procurar o...-
Sobre procurar, sim - interrompeu Olivetti -, mas não o seu tubo. Meus homens
estão procurando outra coisa que não lhes diz respeito.
A voz de Vittoria chegou a falhar.
- Vocês ainda nem começaram a procurar esse tubo?
As pupilas de Olivetti pareceram recuar para dentro de sua cabeça. Ficou com a
aparência impassível de um inseto.
- Senhorita Vetra, não é? Deixe-me explicar-lhe algo. O diretor de sua empresa
recusou-se a me fornecer qualquer detalhe ao telefone sobre esse objeto, a não ser
para me dizer que eu precisava encontrá-lo imediatamente. Estamos bastante
ocupados aqui e não posso me dar ao luxo de destacar efetivo para uma situação
sem apurar alguns fatos.
- Só existe um fato relevante neste momento, senhor - disse Vittoria.
- Dentro de seis horas aquele aparelho vai desintegrar todos estes prédios.
Olivetti ficou imóvel.
- Senhorita Vetra, há uma coisa que precisa saber - disse ele, num tom de voz
meio condescendente. - Apesar da aparência arcaica da Cidade do Vaticano, cada
uma das entradas, tanto as públicas como as particulares, está equipada com os
sensores mais avançados que se conhece. Se alguém tentar entrar com qualquer
tipo de dispositivo incendiário, isto será detectado no mesmo instante. Temos
scanners de isótopos radioativos, filtros olfatórios projetados pelo DEA (Drug
Enforcement Administration), a agência norte-americana de combate ao
narcotráfico, para detectar o mais tênue vestígio químico de combustíveis e
toxinas. Também usamos os mais avançados detectores de metais e scanners de
raios X disponíveis.
- Excelente - disse Vittoria, com a mesma frieza de Olivetti. - Infelizmente, a
antimatéria não é radioativa, sua assinatura química é a de hidrogênio puro e o
tubo é feito de plástico. Nenhum desses aparelhos a teria detectado.
- Mas o dispositivo tem uma fonte de energia - disse Olivetti, apontando para o
mostrador luminoso que piscava. - O menor vestígio de níquel-cádmio seria
identificado como...
- As baterias também são de plástico.
Via-se claramente que a paciência de Olivetti estava a ponto de terminar.
- Baterias de plástico?
- Eletrólito de gel-polímero com teflon.
Olivetti inclinou-se para ela, como se quisesse acentuar a diferença de altura entre
ambos.
- Signorina, o Vaticano é alvo de dezenas de ameaças de bomba por mês.
Sou eu pessoalmente quem treina toda a Guarda Suíça em moderna tecnologia de
explosivos. Sei muito bem que não existe substância neste mundo tão poderosa
assim para fazer o que está dizendo, a não ser que esteja se referindo a uma ogiva
nuclear com um núcleo de combustível do tamanho de uma bola de beisebol.
Vittoria fulminou-o com o olhar.
- A natureza tem muitos mistérios ainda por revelar.
Olivetti inclinou-se mais para ela.
- Posso perguntar quem exatamente é a senhorita? Qual é a sua função no CERN?
- Sou membro sênior da equipe de pesquisas e fui designada para ser o contato
com o Vaticano nesta crise.
- Desculpe-me a indelicadeza, mas, se esta é de fato uma crise, por que estou
lidando com a senhorita e não com seu diretor? E o que pretende com o
desrespeito de entrar no Vaticano com essa roupa?
Langdon deu um gemido. Não podia acreditar que, naquelas circunstâncias, o
homem estivesse preocupado com trajes. Contudo, refletiu, se pênis de pedra
podiam despertar pensamentos lascivos nos moradores do Vaticano, Vittoria
Vetra de short certamente seria uma ameaça à segurança nacional.
- Comandante Olivetti - intrometeu-se Langdon, tentando desarmar o que parecia
ser uma segunda bomba prestes a explodir -, meu nome é Robert Langdon.
Sou professor de estudos religiosos nos Estados Unidos e sem vínculos com o
CERN. Assisti a uma demonstração dos efeitos da antimatéria e posso confirmar a
afirmação da senhorita Vetra de que se trata de uma substância excepcionalmente
perigosa. Temos motivos para crer que foi colocada dentro do Vaticano por
representantes de um culto anti-religioso com a intenção de destruir o conclave.
Olivetti virou-se, olhando Langdon de cima.
- Tenho aqui uma mulher de short me dizendo que uma gotinha de líquido vai
explodir o Vaticano e um professor americano me dizendo que somos o alvo de
um culto anti-religioso. O que afinal querem que eu faça?
- Encontre o tubo - disse Vittoria. - Agora mesmo.
- Impossível. Pode estar em qualquer lugar. A Cidade do Vaticano é enorme.
- Suas câmaras não têm localizadores GPS?
- Não costumam ser roubadas. Levaríamos dias para localizar essa câmara.
- Não temos dias - replicou Vittoria, inflexível. - Temos seis horas.
- Seis horas para que, senhorita Vetra? - A voz de Olivetti ficou alta de repente.
Apontou para a imagem na tela. - Até que essa contagem chegue a zero? Até que
a Cidade do Vaticano desapareça? Acredite, não gosto nem um pouco que alguém
venha burlar meu sistema de segurança. Nem me agrada que uma geringonça
dessas apareça misteriosamente dentro dos meus edifícios. Eu estou preocupado.
É minha obrigação estar preocupado. Mas o que me contou é inaceitável.
Langdon não se conteve:
- O senhor já ouviu falar dos Illuminati?
A atitude glacial do comandante rompeu-se. Seus olhos ficaram brancos, como os
de um tubarão pronto para atacar.
- Estou avisando a vocês. Não tenho tempo para isso.
- Então, quer dizer que o senhor já ouviu falar dos Illuminati?
Os olhos de Olivetti pareciam perfurar como golpes de baioneta.
- Sou um defensor jurado da Igreja Católica. Claro que já ouvi falar dos
Illuminati. Estão mortos há décadas.
Langdon enfiou a mão no bolso e tirou o fax com a imagem do corpo marcado a
fogo de Leonardo Vetra.
Estendeu-o para Olivetti.
- Sou um estudioso dos Illuminati - disse Langdon, enquanto Olivetti examinava o
papel. - Estou tendo grande dificuldade em aceitar que os Illuminati ainda estejam
em atividade, mas a aparência dessa marca combinada com o fato de que os
Illuminati têm um conhecido pacto contra o Vaticano me fizeram mudar de idéia.
- Uma fraude produzida por computador. - Olivetti devolveu o fax a Langdon.
Este exclamou, incrédulo:
- Fraude? Veja a simetria! O senhor melhor do que ninguém deveria reconhecer a
autenticidade de...
- Autenticidade é exatamente o que falta a vocês. A senhorita Vetra talvez não
tenha lhe informado, mas os cientistas do CERN vêm criticando as políticas do
Vaticano há anos. Eles regularmente nos encaminham pedidos de retratação da
teoria cri acionista, de desculpas formais a Galileu e Copérnico e repelem nossas
críticas a pesquisas perigosas ou imorais. O que parece mais provável aos
senhores: que um culto satânico de quatrocentos anos tenha ressurgido com uma
arma avançada de destruição em massa ou que algum engraçadinho no CERN
esteja tentando acabar com um evento sagrado do Vaticano lançando mão de uma
fraude bem executada?
- Aquela foto - disse Vittoria, a voz igual a lava incandescente - é do meu pai.
Assassinado. Acha que eu iria brincar com uma coisa dessas?
- Não sei, senhorita Vetra. O que sei é que, até conseguir algumas respostas que
façam sentido, não vou acionar qualquer tipo de alarme. Vigilância e discrição são
meu dever para que as questões espirituais possam ter lugar aqui com clareza de
mente. Hoje mais do que nunca.
Langdon disse:
- Ao menos, então, adie o evento.
- Adiar? - o queixo de Olivetti caiu. - Que arrogância! Um conclave não é um
jogo qualquer de beisebol que se pode transferir por causa da chuva! É um evento
sagrado com um código e um processo rigorosos. Não faz mal que um bilhão de
católicos estejam esperando por um líder! Não faz mal que a imprensa mundial
esteja lá fora! O protocolo deste evento é sagrado, não está sujeito a modificações.
Desde 1179, os conclaves sobreviveram a terremotos, fome e até à peste.
Acreditem, não vai ser cancelado por causa de um cientista morto e de uma
gotinha de sabe-se lá o quê.
- Leve-me à pessoa encarregada - exigiu Vittoria.
Olivetti lançou-lhe um olhar furibundo.
- Está diante dela.
- Não - disse ela -, alguém do clero.
As veias na testa de Olivetti começaram a crescer.
- O clero se foi. Com exceção da Guarda Suíça, só quem está presente no
momento é o Colégio dos Cardeais. E eles estão no interior da Capela Sistina.
- E quanto ao camarista do Papa? - perguntou Langdon, incisivo.
- Quem?
- O camarista do último Papa. - Ele repetiu a palavra, seguro de si, rezando para
que a memória o tivesse ajudado. Lembrou-se de ter lido certa vez sobre a curiosa
delegação de autoridade que se seguia à morte de um Papa. Se estivesse correto,
no período entre Papas, o poder autônomo completo transferia-se
temporariamente para o assistente pessoal do Papa anterior, seu camarista ou
camareiro, um secretário que supervisionava o conclave até que os cardeais
escolhessem o novo Santo Padre. - Creio que o camarista é a pessoa encarregada
no momento.
- Il camerlengo?- disse Olivetti. - O camerlengo é só um padre aqui. Nem cônego
ele é. Era o criado do último Papa.
- Mas ele está aqui. E o senhor responde a ele.
Olivetti cruzou os braços.
- Senhor Langdon, é verdade que as regras do Vaticano determinam que o
camerlengo assuma a superintendência durante o conclave, mas é apenas porque a
sua inelegibilidade para o papado garante uma eleição imparcial. É como se o seu
presidente morresse e um de seus assistentes temporariamente se sentasse na Sala
Oval. O camerlengo é jovem e seus conhecimentos sobre segurança, ou qualquer
coisa relacionada a isso, são extremamente limitados. Para todos os efeitos, o
responsável aqui sou eu.
- Leve-nos até ele - pediu Vittoria.
- Impossível. O conclave começa dentro de 40 minutos. O camerlengo está no
escritório do Papa, preparando tudo. Não pretendo incomodá-lo com assuntos de
segurança.
Vittoria abriu a boca para responder, mas foi interrompida por uma batida na
porta. Olivetti abriu-a. Um guarda em traje de gala estava do lado de fora,
apontando para o relógio.
- P l'ora, comandante.
Olivetti verificou seu próprio relógio e sacudiu a cabeça, concordando. Virou-se
para Langdon e Vittoria como um juiz que decidisse o destino deles.
- Sigam-me.
Saiu com eles da sala de monitoramento, cruzando o centro de segurança até um
cubículo claro junto à parede do fundo.
- Meu escritório.
Olivetti fez com que entrassem. A sala não tinha nada de especial: uma
escrivaninha cheia de coisas, além de arquivos, cadeiras dobráveis e um
refrigerador.
- Volto em dez minutos. Sugiro que aproveitem o tempo para decidir como
querem agir.
Vittoria girou nos calcanhares.
- Não pode sair assim! Aquele tubo é...
- Não tenho tempo para isso agora - Olivetti estava agitado. - Talvez tenha
de prendê-los até depois do conclave, quando terei tempo.
- Signore - insistiu o guarda, apontando de novo para o relógio. - Spazzare di
capeila.
Olivetti sacudiu a cabeça e dirigiu-se para a porta.
- Spazzare di capeila? - perguntou Vittoria. - Estão saindo para varrer a capela?
Olivetti virou-se com um olhar penetrante.
- Vamos fazer uma varredura, procurar grampos, escuta eletrônica, senhorita
Vetra. Por uma questão de discrição. - E ele fez um gesto para as pernas dela.
- Embora eu não espere que a senhorita compreenda o que quer dizer isto.
E bateu a porta, sacudindo o vidro pesado. Com um movimento ligeiro, fez
aparecer uma chave, colocou-a na fechadura e girou-a. Uma tranca pesada
encaixou-se no lugar.
- Idiota! - gritou Vittoria. - Não pode nos prender aqui!
Através do vidro, Langdon viu Olivetti dizer alguma coisa para um guarda. A
sentinela concordou.
Quando Olivetti saiu da sala, o guarda veio e ficou de frente para eles do outro
lado do vidro, os braços cruzados, uma arma pendurada no quadril, bem à vista.
Perfeito, pensou Langdon, simplesmente perfeito.
CAPÍTULO 37
Vittoria fulminou com o olhar o guarda suíço do outro lado da porta trancada do
escritório de Olivetti. O guarda devolveu-lhe o olhar fulminante, o uniforme
colorido em desacordo com seu ar ameaçador. Che fiasco, pensou Vittoria.
Mantida presa por um homem armado vestido de pijamas.
Langdon calara-se e Vittoria esperava que ele estivesse usando seu cérebro de
Harvard para achar um jeito de escapulirem dali. Pela cara dele, porém, tinha a
impressão de que estava mais em estado de choque do que entregue a
pensamentos. Lamentava tê-lo envolvido naquela situação.
O primeiro instinto de Vittoria havia sido pegar o telefone celular e ligar para
Kohler, mas sabia que teria sido inútil. Primeiro, o guarda provavelmente entraria
e tomaria seu telefone. Segundo, se aquele episódio de Kohler tivesse seguido o
curso habitual, ele provavelmente ainda estaria incapacitado. Não que fizesse
diferença... Olivetti não parecia inclinado a acreditar na palavra de quem quer que
fosse naquele momento.
Lembre-se!, disse a si mesma. Lembre-se da solução para este problema!
A lembrança era um truque filosófico budista. Em vez de pedir à sua mente para
procurar uma solução para um desafio potencialmente impossível, Vittoria pedialhe
que apenas se lembrasse da solução. O pressuposto de que sabia a resposta
criava a disposição mental de que a resposta deveria existir, eliminando assim o
conceito paralisante de desesperança. Vittoria costumava utilizar aquele processo
para resolver incertezas científicas, aquelas que a maioria das pessoas achava não
terem solução.
Naquela hora, todavia, o truque da lembrança só produzia um grande branco.
Portanto, ela avaliou suas opções, suas necessidades. Precisava avisar alguém.
Alguém no Vaticano precisava levá-la a sério. Mas quem? O camerlengo? Como?
Ela estava dentro de uma caixa de vidro com uma única porta de saída.
Ferramentas, disse consigo. Sempre existem ferramentas. Reavalie seu ambiente.
Instintivamente, ela abaixou os ombros, relaxou o rosto e respirou fundo três
vezes. Sentiu seu ritmo cardíaco diminuir e seus músculos se descontraírem. O
pânico caótico em sua mente dissipou-se. Muito bem, pensou, deixe a mente livre.
O que há de positivo nesta situação? Quais são minhas vantagens? A mente
analítica de Vittoria Vetra, tendo se acalmado, tornava-se uma força poderosa. Em
segundos, ela verificou que o fato de estarem encarcerados constituía na verdade a
chave de sua fuga daquele lugar.
- Vou dar um telefonema - anunciou, de súbito, a Langdon.
- Eu já ia sugerir que ligasse para Kohler, mas...
- Kohler, não. Outra pessoa.
- Quem?
- O camerlengo.
- Você vai ligar para o camerlengo? Como?
- Olivetti disse que o camerlengo estava no escritório do Papa.
- Certo. E você sabe o número do telefone do Papa?
- Não. Mas não é do meu telefone que vou ligar. - E fez um sinal na direção de um
sofisticado sistema de telefonia na mesa de Olivetti. Havia uma porção de botões
de discagem direta. - O chefe da segurança deve ter uma linha direta para o
escritório do Papa.
- E também temos um halterofilista com uma arma plantado a dois metros daqui.
- E nós estamos trancados aqui dentro.
- Eu já tinha notado.
- Quero dizer é que o guarda não pode entrar. Este é o escritório particular de
Olivetti. Duvido que alguém mais tenha a chave.
Langdon deu uma espiada no guarda.
- O vidro é bem fino e a arma é bem grande.
- E o que ele vai fazer, atirar em mim porque estou usando o telefone?
- Sabe-se lá! Este lugar é bem esquisito, e do jeito que as coisas vão...
- Ou isso - disse Vittoria - ou podemos passar as próximas cinco horas e quarenta
e oito minutos na prisão do Vaticano. Pelo menos, vamos assistir de camarote
quando a antimatéria explodir.
Langdon empalideceu.
- O guarda vai chamar Olivetti assim que você pegar aquele telefone. Além disso,
há uns 20 botões ali. E não estou vendo nenhuma identificação. Vai tentar todos
eles e torcer para acertar de primeira?
- Não - disse ela, dirigindo-se para o telefone. - Só vou tentar um. - Vittoria pegou
o fone e apertou o primeiro botão. - Número um. Aposto um daqueles dólares dos
Illuminati que você tem no bolso que este é o botão do escritório do Papa. O que
mais teria importância prioritária para um comandante da Guarda Suíça?
Langdon não teve tempo de responder. O guarda lá fora começou a bater no vidro
com a coronha de sua arma. Fazia sinal para que ela largasse o telefone. Vittoria
piscou para ele. O guarda pareceu inflar de tanta raiva. Langdon afastou-se da
porta e falou com Vittoria.
- É bom você estar certa, porque esse sujeito não está muito satisfeito.
- Droga! - disse ela, escutando. - Uma gravação!
- Gravação? - perguntou Langdon. - O Papa tem secretária eletrônica?
- Não era o escritório do Papa - disse Vittoria, desligando. - Era o maldito
cardápio semanal da intendência do Vaticano.
Langdon deu um sorriso amarelo para o guarda lá fora, que agora estava com uma
cara furiosa, comunicando-se com Olivetti pelo walkie-talkie.
CAPÍTULO 38
A mesa telefônica do Vaticano localiza-se no Ufficio di Communicazione, atrás
do Correio do Vaticano. Fica em uma sala relativamente pequena contendo um
equipamento Corelco 141 de oito linhas, O departamento atende a 2.000 ligações
por dia, a maioria encaminhada automaticamente para o sistema gravado de
informações. Naquela noite, o único telefonista de plantão estava sentado
sossegadamente tomando sua xícara de chá. Sentia-se orgulhoso por ser um dos
poucos funcionários autorizados a permanecer dentro do Vaticano durante o
conclave.
É claro que a honra ficava de certa forma abalada pela presença dos guardas
suíços rondando sua porta. Uma escolta para ir ao banheiro, pensou ele. Ah, as
indignidades que somos obrigados a aturar em nome do Santo Conclave!
Felizmente, as chamadas até então haviam sido poucas. O que talvez não fosse tão
bom assim. O interesse mundial pelos negócios do Vaticano diminuíra nos
últimos anos, O número de ligações da imprensa fora menor e até os malucos não
ligavam mais com tanta freqüência. A secretaria de imprensa esperava que
houvesse um alvoroço mais festivo em torno do acontecimento da noite.
Entretanto, lamentavelmente, embora a Praça de São Pedro estivesse cheia de
carros de reportagem, aparentemente a maioria dos furgões pertencia à imprensa
italiana ou européia. Só um pequeno número de redes internacionais estava
presente... e sem dúvida haviam enviado apenas seus giornalisti secundari.
O telefonista pegou sua caneca e conjeturou se a noite seria longa. Até meianoite,
mais ou menos, calculou ele. Hoje em dia, muita gente bem informada já
sabia quem era o favorito para se tornar Papa muito antes de o conclave se reunir,
de modo que o processo acabava sendo mais um ritual de três ou quatro horas do
que propriamente uma eleição. Claro que dissensões de última hora podiam
prolongar a cerimônia pela madrugada afora... ou além. O conclave de 1831
durara 54 dias. Mas não o de hoje, disse consigo. Falava-se que este conclave
seria uma "vigília de fumaça".
Os pensamentos do telefonista evaporaram-se com o zumbido de uma linha
interna em seu painel. Olhou para a luz vermelha piscando e coçou a cabeça. Que
coisa estranha, pensou. A linha zero. Quem será que está ligando daqui de dentro
para o telefonista de informações? E quem é que ainda está aqui dentro, afinal?
- Città del Vaticano, prego? - disse ele, atendendo.
A voz que estava na linha falava um italiano rápido. O telefonista reconheceu
vagamente o sotaque como sendo o que era comum aos guardas suíços, italiano
fluente com leve influência franco-suíça. Aquela pessoa, porém, decididamente
não pertencia à Guarda Suíça.
Ao ouvir a voz da mulher, o telefonista levantou-se de um pulo, quase
derramando seu chá. Verificou o painel outra vez. Não se enganara. Era uma
extensão interna. A ligação vinha de dentro. Não era possível, algo estava errado!
Uma mulher dentro da Cidade do Vaticano? Hoje? A mulher falava depressa e
furiosamente. O telefonista passara tempo suficiente naquele trabalho para saber
quando estava lidando com um pazzo. Aquela mulher não parecia maluca. Seu
tom era urgente mas racional. Calmo e eficiente. Ele escutou o pedido dela,
aturdido.
- Il camerlengo? - disse o telefonista, ainda tentando descobrir de onde estaria
vindo a ligação. – Não posso completar... sim, sei que ele está no escritório do
Papa mas... quem é a senhora, mesmo? E quer avisar a ele que... - O homem
escutava, cada vez mais desconcertado. Todos em perigo? Como? E de onde está
chamando? - Talvez seja melhor entrar em contato com a Guarda Su... - O
telefonista parou no meio da frase. - Onde é que a senhora está? Onde?
Ele escutou, atônito, depois tomou uma decisão.
- Aguarde um pouco, por favor - disse, colocando a mulher na espera antes que
ela pudesse responder. Em seguida, ligou para a linha direta do comandante
Olivetti. Não é possível que a mulher esteja realmente...
A ligação foi atendida de imediato.
- Per l'amore di Dio! - a voz feminina conhecida gritou. - Faça a bendita ligação!
A porta do centro de segurança da Guarda Suíça abriu-se com um silvo. Os
guardas abriram caminho quando o comandante Olivetti entrou na sala como um
foguete. Chegando à porta de seu escritório, constatou o que o guarda no walkietalkie
acabara de lhe contar: Vittoria Vetra estava de pé diante da mesa dele
falando em seu telefone particular.
Che coglioni che ha questa!, pensou ele. Lívido, aproximou-se, enfiou a chave na
fechadura e abriu a porta, perguntando:
- O que está fazendo?
Vittoria ignorou-o.
- Sim - dizia ela ao telefone. - E tenho de prevenir...
Olivetti arrancou o telefone da mão dela e colocou-o no próprio ouvido.
- Quem diabos está falando?
Em uma fração de segundo, a postura rígida de Olivetti desfez-se repentinamente.
- Sim, camerlengo... - disse ele. - Correto, signore... mas questões de segurança
exigem... claro que não...estou mantendo-a aqui por... com certeza, mas... - Ele
escutou. - Sim, senhor - disse, afinal. - Vou subir com eles imediatamente.
CAPÍTULO 39
O Palácio Apostólico consiste em um aglomerado de prédios situados perto da
Capela Sistina, no ângulo nordeste da Cidade do Vaticano. Com uma ampla vista
da Praça de São Pedro, o palácio abriga não só os apartamentos papais como o
escritório do Papa.
Vittoria e Langdon seguiram calados o comandante Olivetti por um longo
corredor rococó, os músculos do pescoço dele pulsando de raiva. Depois de subir
três lances de escada, entraram em um grande vestíbulo meio imerso na
penumbra. Langdon mal acreditava nas obras de arte que via nas paredes: bustos,
tapeçarias e baixos-relevos em perfeito estado de conservação, obras que valiam
centenas de milhares de dólares. Ao cruzarem o vestíbulo, passaram por uma
fonte de alabastro. Olivetti dobrou à esquerda e, em um vão, deram com uma das
maiores portas que Langdon já vira.
- Ufficio di Papa - declarou o comandante, com um olhar corrosivo para Vittoria.
Ela não hesitou, adiantou-se e bateu com força na porta.
O escritório do Papa, Langdon repetiu mentalmente, com dificuldade para se
conscientizar de que estava à porta de uma das salas mais sagradas da religião
mundial.
- Avanti! - alguém disse lá dentro.
Quando a porta se abriu, Langdon teve de proteger os olhos com as mãos.
A luminosidade do sol era ofuscante. Devagar, a imagem à sua frente entrou em
foco. O escritório do Papa lembrava mais um salão de baile, O piso de mármore
vermelho estendia-se até as paredes enfeitadas com afrescos de cores vivas. Um
lustre colossal pendia do teto e uma série de janelas em arco oferecia um
panorama deslumbrante da Praça de São Pedro banhada de sol. Meu Deus, pensou
ele. Isto é que é um quarto com vista. Na extremidade oposta do aposento, em
uma escrivaninha de madeira entalhada, um homem estava sentado escrevendo
energicamente.
- Avanti - repetiu ele, pousando a caneta e fazendo sinal para que se
aproximassem.
Olivetti foi na frente, com seu passo militar.
- Signore - disse ele, desculpando-se -, no ho potuto...
O homem interrompeu-o. Levantou-se e estudou os dois visitantes. O camerlengo
não tinha nada da imagem dos frágeis e beatíficos homens idosos que Langdon
costumava imaginar circulando pelo Vaticano. Não trazia rosários ou pingentes.
Nem usava uma daquelas túnicas pesadas. Estava vestido com uma batina preta
simples que ampliava a solidez de sua substancial constituição física. Deveria
estar com quase quarenta anos, uma criança para os padrões do Vaticano. Seu
rosto era surpreendentemente bonito, com bastos cabelos revoltos e olhos verdes
quase radiantes que brilhavam como se fossem acesos e movidos pelos mistérios
do universo. Mais de perto, porém, Langdon viu naqueles olhos uma profunda
exaustão, como a de uma pessoa que tivesse acabado de viver os dias mais difíceis
de sua vida.
- Sou Carlo Ventresca - disse, em inglês perfeito. - O camerlengo do último Papa.
- Sua voz era despretensiosa e amável, com apenas um ligeiro sotaque italiano.
- Vittoria Vetra - disse ela, dando um passo à frente e estendendo-lhe a mão.
- Obrigada por nos receber.
O rosto de Olivetti crispou-se quando o camerlengo apertou a mão de Vittoria.
- Este é Robert Langdon - disse Vittoria -, um historiador de religiões da
Universidade de Harvard.
- Padre - disse Langdon, pronunciando o melhor possível o seu italiano. E curvou
a cabeça ao estender a mão.
- Não, não - insistiu o camerlengo, fazendo Langdon levantar o corpo. - O
escritório de Sua Santidade não me torna santo. Sou apenas um padre, um
camarista servindo em uma hora de necessidade.
Langdon endireitou o corpo.
- Por favor - disse o camerlengo -, sentem-se todos.
Dispôs algumas cadeiras em torno de sua mesa. Langdon e Vittoria sentaram-se,
Olivetti preferiu ficar de pé.
O camerlengo sentou-se em sua cadeira diante da escrivaninha, entrelaçou as
mãos, suspirou e olhou para seus visitantes.
- Signore - disse Olivetti -, o traje da moça é culpa minha. Eu...
- A roupa dela não é o que me preocupa - replicou o camerlengo, a voz revelando
que estava fatigado demais para ser incomodado. - Quando o telefonista do
Vaticano liga para mim meia hora antes do início do conclave e diz que uma
mulher está telefonando da sua sala particular para me alertar sobre uma grande
ameaça à segurança sobre a qual não fui informado, isso sim me preocupa.
Olivetti permaneceu rígido, as costas arqueadas como se fosse um soldado
passando por intensa inspeção. Langdon estava hipnotizado pela presença do
camerlengo. Mesmo sendo moço e estando tão cansado, o padre tinha um quê de
herói mítico, irradiando carisma e autoridade.
- Signore - falou Olivetti, em tom de desculpas mas ainda inflexível -, não devia
se preocupar com questões de segurança. O senhor tem outras responsabilidades.
- Sei muito bem de minhas outras responsabilidades. Também sei que, como
direttore intermediario, sou responsável pela segurança e bem-estar de todos os
que participam deste conclave. O que está havendo aqui?
- A situação está sob controle.
- Não parece.
- Padre - interrompeu Langdon, tirando do bolso o fax amassado e estendendo-o
para o camerlengo -, por favor.
O comandante Olivetti adiantou-se, tentando intervir.
- Padre, por favor, não perturbe seus pensamentos com...
O camerlengo pegou o fax, ignorando Olivetti por alguns momentos. Olhou a
imagem de Leonardo Vetra morto e prendeu a respiração, estupefato.
- O que é isto?
- É meu pai - disse Vittoria, a voz trêmula. - Era um padre e um homem de
ciência. Foi assassinado na noite passada.
O rosto do camerlengo suavizou-se no mesmo instante. Levantou os olhos para
ela.
- Minha filha, sinto muito. - Fez o sinal da cruz e olhou de novo para o fax, sua
expressão revelando ondas sucessivas de repulsa. - Quem faria.., e essa
queimadura no... - o camerlengo parou de falar, apertando os olhos para enxergar
a imagem mais de perto.
- Está escrito Illuminati - disse Langdon. - O senhor decerto conhece o nome.
Uma estranha sombra passou pelo rosto do camerlengo.
- Já ouvi o nome, sim, mas...
- Os Illuminati mataram Leonardo Vetra para roubar uma nova tecnologia que ele
estava...
- Signore - aparteou Olivetti. - Isso é um absurdo. Os Illuminati? É evidente que
se trata de alguma fraude sofisticada.
O camerlengo pareceu ponderar as palavras do comandante. Depois, virou-se e
contemplou Langdon com tanta intensidade que ele sentiu o ar lhe fugir dos
pulmões.
- Senhor Langdon, passei toda a minha vida na Igreja Católica. Conheço bem as
histórias dos Illuminati e a lenda das marcações a fogo. Ainda assim, devo
preveni-lo de que sou um homem do presente. O cristianismo já tem inimigos
demais, não precisamos ressuscitar os fantasmas.
- O símbolo é autêntico - afirmou Langdon, de modo um pouco mais defensivo do
que pensou. Inclinou-se para a mesa e girou o papel.
O camerlengo ficou calado quando viu a simetria.
- Nem os computadores modernos - acrescentou Langdon - conseguiram criar um
ambigrama simétrico dessa palavra.
O camerlengo cruzou as mãos e não disse nada por alguns instantes.
- Os Illuminati estão mortos - disse finalmente. - Há muito tempo. É fato
histórico.
Langdon assentiu.
- Ontem, eu teria concordado com o senhor.
- Ontem?
- Antes da série de acontecimentos de hoje. Acredito que os Illuminati tenham
ressurgido para cumprir um antigo pacto.
- Perdoe-me, meus conhecimentos de história estão enferrujados. Que antigo
pacto é esse?
Langdon respirou fundo.
- A destruição da Cidade do Vaticano.
- A destruição do Vaticano? - o camerlengo estava mais confuso do que
assustado. - Mas isto seria impossível.
Vittoria sacudiu a cabeça.
- Sinto muito, mas ainda não acabamos de lhe dar as más notícias.
CAPÍTULO 40
- Isso é verdade? - indagou o camerlengo, olhando espantado de Vittoria para
Olivetti.
- Signore - garantiu Olivetti -, admito que haja um certo dispositivo aqui no
Vaticano. Está visível em um de nossos monitores de segurança, mas, quanto ao
poder que a senhorita Vetra afirma que essa substância tem, não posso de maneira
alguma...
- Espere aí - disse o camerlengo. - Vocês conseguem ver essa coisa?
- Sim, signore. Na câmera sem fio 86.
- E por que não foram buscá-la? - o camerlengo agora falava zangado.
- Muito difícil, signore - Olivetti explicou a situação, muito empinado.
O camerlengo escutava e Vittoria notou a sua preocupação crescente.
- Tem certeza de que está dentro do Vaticano? - perguntou ele. - Alguém pode ter
levado a câmera para fora e estar transmitindo de outro lugar.
- Impossível - disse Olivetti. - Nossos muros externos são blindados
eletronicamente para proteger nossas comunicações internas. Esse sinal só pode
estar vindo de dentro, ou não o estaríamos recebendo.
- E suponho - continuou o camerlengo - que vocês estejam procurando essa
câmera perdida com todos os recursos disponíveis?
Olivetti sacudiu a cabeça.
- Não, signore. Localizar aquela câmera poderia levar centenas de homens-hora.
Temos várias outras preocupações de segurança no momento e, com todo o
respeito à senhorita Vetra, essa gotícula de que ela fala é muito pequena. Não
pode ser tão explosiva quanto ela alega.
A paciência de Vittoria evaporou-se.
- Aquela gotícula é suficiente para arrasar a Cidade do Vaticano! Será que não
escutou nenhuma palavra do que eu disse?
- Minha senhora - disse Olivetti, a voz dura como aço -, tenho vasta experiência
em explosivos.
- Sua experiência está obsoleta - revidou ela, igualmente dura. - Apesar da minha
roupa, que vejo que o senhor acha inconveniente, sou uma física de nível sênior
na instituição de pesquisas subatômicas mais avançada do mundo. Fui eu quem
projetou pessoalmente o recipiente da antimatéria que impede o aniquilamento
imediato daquela amostra. E estou avisando ao senhor que, a menos que encontre
aquele tubo nas próximas seis horas, seus guardas não terão nada para proteger no
próximo século a não ser um grande buraco no chão.
Olivetti girou nos calcanhares e encarou o camerlengo, seus olhos de inseto
fuzilando de raiva.
- Signore, não posso, em sã consciência, permitir que isto se prolongue. Seu
tempo está sendo desperdiçado por impostores. Os Illuminati? Uma gotinha que
vai destruir tudo?
- Basta - declarou o camerlengo. Pronunciou a palavra em voz baixa e no entanto
ela pareceu ecoar pelo aposento. Depois, ficou em silêncio. E então continuou, em
um sussurro. - Perigoso ou não, Illuminati ou não, o que quer que seja, este objeto
não deveria estar dentro do Vaticano. Muito menos na véspera do conclave.
Quero que seja encontrado e retirado daqui. Organize uma busca imediatamente.
Olivetti não desistiu.
- Signore, mesmo que utilizemos todos os guardas para fazer uma busca geral em
todos os prédios, levaria dias para encontrarmos essa câmera. Além disso, depois
de falar com a senhorita Vetra, mandei um dos meus guardas procurar em nosso
mais avançado guia de balística qualquer referência a essa substância chamada
antimatéria. E ele não encontrou nada, nem uma citação sequer. Nada.
Idiota arrogante, pensou Vittoria. Um guia de balística? Que tal uma
enciclopédia? Na letra A!
Olivetti continuava falando.
- Signore, se está sugerindo uma busca a olho nu na Cidade do Vaticano inteira,
então preciso protestar.
- Comandante - a voz do camerlengo fervia de irritação. - Tenho de lembrar-lhe
que, quando se dirige a mim, está se dirigindo a este cargo. Percebo que o senhor
não está levando a sério a minha posição. Mesmo assim, pela lei, sou eu quem
decide. Se não me engano, os cardeais encontram-se agora seguros dentro da
Capela Sistina e as suas preocupações com a segurança são mínimas até o
encerramento do conclave. Não compreendo por que reluta em procurar esse
objeto. Se não o conhecesse, diria que está submetendo este conclave a um perigo
internacional.
Olivetti respondeu com desdém.
- Como ousa! Servi seu Papa durante 12 anos! E o Papa antes dele durante 14
anos! Desde 1438, a Guarda Suíça...
O walkie-talkie no cinto de Olivetti emitiu um chamado alto, interrompendo-o.
- Comandante?
Olivetti agarrou-o e apertou o botão do transmissor.
- Sto. ocupato! Cosa voi?!!!
- Scusi - disse o guarda suíço ao rádio. - Aqui é do setor de Comunicações. Achei
que o senhor gostaria de ser informado de que recebemos uma ameaça de bomba.
Olivetti não demonstrou qualquer interesse.
- Então, resolvam isso! Sigam os procedimentos de sempre e façam o relatório!
- Foi o que fizemos, senhor, mas o homem que ligou... - o guarda fez uma pausa. -
Eu não queria incomodá-lo, comandante, mas ele mencionou a substância que o
senhor me pediu para pesquisar. Antimatéria.
Todos na sala se entreolharam.
- Ele mencionou o quê? - gaguejou Olivetti.
- Antimatéria, senhor. Enquanto seguíamos a rotina, fiz mais umas pesquisas a
respeito. As informações sobre a antimatéria são... bem, para falar a verdade, são
bem preocupantes.
- Mas você disse que não havia nenhuma referência a ela no guia de balística.
- Encontrei referências na Internet.
Aleluia, pensou Vittoria.
- A substância parece ser bastante explosiva - disse o guarda. - É difícil de
acreditar que esta informação é correta, mas aqui diz que a antimatéria carrega
aproximadamente cem vezes mais carga útil do que uma ogiva nuclear. Olivetti
curvou os ombros. Era como assistir a uma montanha desmoronando. A sensação
de triunfo de Vittoria dissipou-se ao ver a expressão de horror no rosto do
camerlengo.
- Vocês rastrearam a chamada? - disse Olivetti, a voz trêmula.
- Não conseguimos. Veio de um celular criptografado. As linhas estão
embaralhadas, portanto a triangulação é impossível. A assinatura digital indica
que ele está em algum ponto de Roma, mas não há realmente nenhuma forma de
rastreá-lo.
- Ele fez alguma exigência? - disse Olivetti, em voz baixa.
- Não, senhor. Só avisou que há antimatéria escondida dentro dos prédios do
Vaticano. Pareceu surpreso por não sabermos. Perguntou se eu ainda não a tinha
visto, O senhor perguntou sobre a antimatéria, por isso decidi comunicar-lhe.
- Fez muito bem - disse Olivetti. - Vou descer em um minuto. Avise
imediatamente se ele ligar de novo.
Houve um momento de silêncio no walkie-talkie.
- A pessoa ainda está na linha, senhor.
Olivetti ficou com a aparência de alguém que acabou de ser eletrocutado.
- O quê? A linha está aberta?
- Sim, senhor. Faz dez minutos que estamos tentando rastreá-la sem conseguir.
Ele deve saber que não podemos encontrá-lo porque se recusa a desligar enquanto
não falar com o camerlengo.
- Transfira a ligação para cá - ordenou o camerlengo. - Agora!
Olivetti virou-se para ele.
- Padre, não. Um guarda suíço seria muito mais indicado como negociador para
lidar com isso.
-Agora!
Olivetti deu a ordem.
Logo depois, o telefone na mesa do camerlengo Ventresca começou a tocar. O
religioso apertou o botão do viva-voz.
- Quem, em nome de Deus, você pensa que é?
CAPÍTULO 41
A voz que emanava do aparelho na mesa do camerlengo era metálica e fria, com
traços de arrogância. Todos na sala a escutavam. Langdon tentou localizar o
sotaque. Oriente Médio, talvez?
- Sou o mensageiro de uma antiga fraternidade - a voz anunciou, com uma
cadência estrangeira. – Uma fraternidade que vocês ultrajaram durante séculos.
Sou um mensageiro dos Illuminati.
Langdon sentiu seus músculos se retesarem, os últimos vestígios de dúvida se
esvaírem. Por um segundo experimentou a mistura conhecida de emoção,
privilégio e medo mortal que tomara conta dele naquela manhã ao ver o
ambigrama pela primeira vez.
- O que você quer? - perguntou o camerlengo.
- Represento os homens de ciência. Homens que, como vocês, procuram
respostas. Respostas sobre o destino do homem, seu propósito, seu criador.
- Quem quer que você seja - disse o camerlengo - eu...
- Silenzio. É melhor escutar. Durante dois milênios, sua igreja dominou a busca
da verdade. Vocês esmagaram seus oponentes com mentiras e profecias de
condenação. Manipularam a verdade para servir às suas necessidades, matando
aqueles cujas descobertas não prestavam serviço às suas políticas. Estão
espantados por serem alvo de homens esclarecidos de todo o mundo?
- Homens esclarecidos não recorrem a chantagem para promover suas causas.
- Chantagem? - o homem riu. - Isto não é chantagem. Não temos exigências a
fazer. A extinção do Vaticano não é negociável. Esperamos 400 anos por este dia.
À meia-noite sua cidade será destruída. Não há nada que possam fazer.
Olivetti vociferou para o aparelho:
- É impossível ter acesso a esta cidade! Vocês não podem de modo algum ter
plantado explosivos aqui!
- Você fala com a devoção ignorante de um guarda suíço. Talvez seja até um
oficial. Com certeza, deve saber que, durante séculos, os Illuminati se infiltraram
em organizações de elite do mundo inteiro. Acha que só o Vaticano iria ficar
imune a isto?
Jesus, pensou Langdon, eles têm gente aqui dentro. Não era nenhum mistério a
tática da infiltração ser a marca registrada do poder dos Illuminati. Haviam- se
infiltrado entre os maçons, nas grandes redes de bancos, organismos dos
governos. Churchill, certa vez, chegara a dizer a jornalistas que, se os espiões
ingleses tivessem se infiltrado entre os nazistas da mesma forma que os Illuminati
tinham se infiltrado no Parlamento inglês, a guerra teria terminado em um mês.
- Um blefe mais do que evidente - disse Olivetti, áspero. - Não é possível que a
sua influência se estenda tanto assim.
- Por quê? Porque seus guardas suíços estão vigilantes? Porque eles tomam conta
de cada pedacinho de seu mundo particular? E que tal os próprios guardas suíços?
Não são homens? Acredita mesmo que arriscariam suas vidas pela fábula de um
homem que anda sobre a água? Pergunte a si mesmo de que outra maneira a
antimatéria poderia ter entrado em sua cidade. Ou como quatro de seus mais
preciosos ativos poderiam ter desaparecido esta tarde.
- Nossos ativos? - Olivetti franziu o cenho. - O que quer dizer com isso?
- Um, dois, três, quatro. Até agora não deram falta deles?
- De que diabos está falan... - Olivetti parou de falar, os olhos arregalados como se
tivesse levado um soco no estômago.
- A luz se faz - disse o homem. - Quer que eu diga os nomes?
- O que está havendo? - perguntou o camerlengo atordoado.
O homem deu uma risada.
- Seu oficial ainda não lhe informou? Que pecado! Não me surpreende com tanta
vaidade. Imagine a desmoralização, contar a verdade, que quatro cardeais que ele
jurou proteger desapareceram...
Olivetti explodiu.
- Onde conseguiu essa informação?
- Camerlengo - tripudiou o homem -, pergunte ao seu comandante se todos os
cardeais estão presentes na Capela Sistina.
O camerlengo voltou-se para Olivetti, os olhos verdes exigindo uma explicação.
- Signore - Olivetti sussurrou no ouvido do camerlengo -, é verdade que quatro de
nossos cardeais ainda não se apresentaram na Capela Sistina, mas não há motivo
para alarme. Todos eles tiveram a entrada registrada no edifício residencial esta
manhã, portanto sabemos que estão em segurança dentro da Cidade do Vaticano.
O senhor mesmo tomou chá com eles há poucas horas. Devem ter apenas se
atrasado para a reunião que precede o conclave. Estamos procurando, mas tenho
certeza de que somente perderam a hora e ainda estão por aí apreciando as belezas
do lugar.
- Apreciando as belezas do lugar? - A calma abandonou a voz do camerlengo. -
Eles deveriam estar na capela há mais de uma hora!
Langdon olhou assombrado para Vittoria. Cardeais desaparecidos? Então eram
eles que estavam sendo procurados lá embaixo?
- Eis nossa lista - disse o homem -, que vocês vão achar bem convincente. Há o
cardeal Lamassé, de Paris, o cardeal Guidera, de Barcelona, o cardeal Ebner, de
Frankfurt... Olivetti parecia encolher um pouco a cada nome citado.
O homem fez uma pausa, como se saboreasse com prazer especial o último nome.
- E, da Itália..., o cardeal Baggia.
O camerlengo bambeou, como um alto veleiro cujas velas acabassem de perder o
vento em uma calmaria. Sua batina ondulou e ele se deixou cair em sua cadeira.
- I preferiti - murmurou. - Os quatro favoritos.., inclusive Baggia, o mais provável
sucessor do Sumo Pontífice... Como é possível?
Langdon já lera bastante sobre as modernas eleições papais e compreendia o
desespero no rosto do camerlengo. Embora tecnicamente todo cardeal com menos
de oitenta anos pudesse tornar-se Papa, apenas uns poucos possuíam a capacidade
necessária de infundir respeito para obter uma maioria de dois terços no processo
de votação intensamente partidário. Eram conhecidos como os preferiti. E todos
haviam sumido.
O suor escorria na testa do camerlengo.
- O que pretende com esses homens?
- O que acha que pretendo? Sou descendente dos Hassassin.
Langdon sentiu um calafrio. Conhecia bem aquele nome. A Igreja fizera alguns
inimigos mortais através dos anos - os Hassassin, os Cavaleiros Templários,
exércitos que haviam sido perseguidos ou traídos pelo Vaticano.
- Liberte os cardeais - disse o camerlengo. - Já não basta a ameaça de destruir a
cidade de Deus?
- Esqueça seus quatro cardeais. Eles já estão perdidos para você. Mas fique certo
de que suas mortes serão lembradas por milhões de pessoas. É o sonho de todo
mártir. Farei deles luminares da mídia. Um a um. Até a meia-noite, os Illuminati
vão atrair a atenção de todos. Para que mudar o mundo se o mundo não estiver
assistindo? Os assassinatos públicos têm um certo horror inebriante, não é
verdade? Vocês provaram isto há muito tempo com a Inquisição, a tortura dos
Templários, as Cruzadas. - Ele fez uma pausa.
- E, é claro, la purga.
O camerlengo ficou calado.
- Não se lembra de la purga? - perguntou o homem. - Claro que não, você é uma
criança. Os padres não são bons historiadores. Talvez porque sua história os
envergonhe?
- La purga - Langdon ouviu-se dizer. - 1668. A Igreja marcou a fogo quatro
cientistas illuminati com o símbolo da cruz. Para purgar seus pecados.
- Quem está falando? - perguntou a voz, num tom mais intrigado do que
preocupado. - Quem está aí?
Langdon estremeceu.
- Meu nome não é importante - disse ele, tentando manter sua voz firme. Falar
com um Illuminati vivo desorientava-o. Tanto quanto se estivesse falando com
George Washington. - Sou um acadêmico que estudou a história de sua
fraternidade.
- Excelente - replicou a voz. - Estou satisfeito por saber que ainda há gente que
conhece os crimes que foram cometidos contra nós.
- A maioria dos estudiosos pensa que vocês morreram todos.
- Um equívoco que a fraternidade trabalhou muito para promover. O que mais
sabe sobre la purga?
Langdon hesitou. O que mais eu sei? Que esta situação é insana, é o que sei!
- Depois de serem marcados a fogo, os cientistas foram assassinados e seus
corpos foram deixados em locais públicos em torno de Roma como advertência a
outros cientistas para que não se juntassem aos Illuminati.
- Sim, é isso. Portanto, vamos fazer o mesmo. Quid pro quo. Considerem o gesto
como represália por nossos irmãos assassinados. Seus quatro cardeais vão morrer,
um a cada hora, começando às oito. À meia-noite teremos a atenção do mundo
inteiro.
Langdon foi para perto do fone.
- Vocês pretendem mesmo marcar a fogo e matar esses quatro homens?
- A história se repete, não é? Claro que vamos ser mais elegantes e audaciosos do
que a Igreja foi. Eles mataram em particular, abandonando os corpos quando
ninguém estava olhando. Uma atitude tão covarde!
- O que está dizendo? Que vai marcar e matar esses homens em público?
- Muito bem! Embora isso dependa do que você considera público. Noto que não
há mais tanta gente assim indo à igreja.
Langdon arriscou mais uma vez.
- Vai matá-los dentro de igrejas?
- Um gesto de bondade. Permitir que Deus convoque as suas almas ao Paraíso
com maior presteza. Nada mais justo. Evidentemente, a imprensa também vai
adorar, penso eu.
- Você está blefando - disse Olivetti, a frieza de volta na voz. - Não pode matar
um homem dentro de uma igreja e achar que pode escapar impune.
- Blefando? Nós nos movimentamos entre os seus guardas suíços como se
fôssemos fantasmas, tiramos quatro de seus cardeais de dentro de suas paredes,
plantamos um explosivo mortal no meio de seu santuário mais sagrado e você
acha que estou blefando? À medida que as mortes se sucederem e as vítimas
forem encontradas, todos os meios de comunicação vão acorrer como um
verdadeiro enxame para cá. À meia-noite o mundo vai tomar conhecimento da
causa dos Illuminati.
- E se colocarmos guardas em cada igreja? - disse Olivetti.
O homem riu.
- Receio que a natureza prolífica de sua religião torne essa tarefa difícil. Tem feito
contas ultimamente? Há mais de quatrocentas igrejas católicas em Roma.
Catedrais, capelas, tabernáculos, abadias, monastérios, conventos, escolas
paroquiais...
O rosto de Olivetti continuou impassível.
- Em noventa minutos, vou começar - disse o homem, conclusivo. - Um por hora.
Em uma progressão matemática e mortal. Agora, preciso ir.
- Espere! - pediu Langdon. - Fale-me das marcas que pretende usar nesses
homens.
O matador pareceu divertir-se.
- Desconfio que já saiba quais serão as marcas. Ou será que você é um cético? Vai
vê-las logo, logo. Vão provar que as lendas antigas são verdade.
A cabeça de Langdon girou. Sabia exatamente o que o outro estava dizendo.
Lembrou a marca no peito de Leonardo Vetra. O folclore dos Illuminati
mencionava cinco marcas ao todo. Restam quatro marcas e faltam quatro cardeais.
- Fiz o juramento - disse o camerlengo - de eleger um novo Papa esta noite. Jurei
a Deus.
- Camerlengo - disse o homem -, o mundo não precisa de um novo Papa. Depois
da meia-noite ele terá apenas um monte de entulho para governar. A Igreja
Católica está acabada. Seu reino na Terra terminou.
Fez-se um silêncio pesado.
O camerlengo parecia sinceramente triste.
-Você está enganado. Uma igreja é muito mais do que pedra e cimento. Não pode
simplesmente apagar dois mil anos de fé, de qualquer fé, seja ela qual for. Não
pode destruir a fé apenas removendo suas manifestações terrenas. A Igreja
Católica vai continuar com ou sem a Cidade do Vaticano.
- Uma nobre mentira. Mas ainda assim uma mentira. Ambos sabemos qual é a
verdade. Diga, por que o Vaticano é uma cidade murada?
- Os homens de Deus vivem em um mundo perigoso - disse o camerlengo.
- Quantos anos você tem? O Vaticano é uma fortaleza porque a Igreja Católica
mantém metade de seu patrimônio dentro desses muros - pinturas e esculturas
raras, jóias de valor incalculável, livros preciosos... e ouro em barras e títulos
imobiliários nos cofres do Banco do Vaticano. Estima-se que o valor bruto da
Cidade do Vaticano seja de 48,5 bilhões de dólares. Um pé-de-meia bastante
razoável. Amanhã, será um monte de pó. Ativos liquidados, para dizer a verdade.
Vocês estarão falidos. Nem os homens do clero podem trabalhar de graça. A
exatidão das afirmativas refletia-se na expressão de Olivetti e do camerlengo, a de
pessoas em estado de choque. Langdon não sabia o que era mais impressionante:
a Igreja Católica ter todo aquele dinheiro ou os Illuminati terem conhecimento
dele.
O camerlengo suspirou pesadamente.
- É a fé, não o dinheiro, que constitui a espinha dorsal da Igreja.
- Mais mentiras - disse o homem. - No ano passado, vocês gastaram 183 milhões
de dólares tentando apoiar suas dioceses em dificuldades pelo mundo afora. O
comparecimento às igrejas teve a maior queda de todos os tempos - menos 46 por
cento na última década. As doações caíram à metade do que eram há apenas sete
anos. Cada vez menos homens entram para os seminários. Embora vocês não
admitam, sua igreja está morrendo. Considerem isto como uma chance de acabar
bem.
Olivetti deu um passo à frente. Mostrava-se menos combativo agora, como se
tomasse consciência da realidade a enfrentar. Era um homem procurando uma
saída. Qualquer uma.
- E se um pouco daquele ouro passasse a financiar a sua causa?
- Não nos insulte a ambos.
- Temos dinheiro.
- Nós também. Mais do que pode calcular.
Em um lampejo, Langdon relembrou as supostas fortunas dos Illuminati, as
antigas riquezas dos pedreiros bávaros, os Rothschilds, os Bilderbergers, o
lendário diamante Illuminati.
- I preferiti - disse o camerlengo, mudando de assunto. Sua voz suplicava.
- Poupe-os. São velhos. Eles...
- Serão sacrifícios de virgens - o homem riu. - Diga, acredita mesmo que eles
sejam virgens? Será que os carneirinhos vão balir ao morrer? Sacrifici vergini
nell'altare di scienza.
O camerlengo ficou em silêncio um longo tempo.
- São homens de fé - disse afinal. - Não temem a morte.
O homem escarneceu.
- Leonardo Vetra era um homem de fé e contudo vi medo em seus olhos na noite
passada. Um medo que eliminei.
Vittoria, até então calada, de repente deu um salto, o corpo retesado de ódio, e
exclamou.
- Assassino! Ele era meu pai!
Uma gargalhada ecoou do outro lado do telefone.
- Seu pai? Que história é essa? Vetra tinha uma filha? Você tem de saber que seu
pai choramingou como uma criança no final. De dar pena, realmente. Um homem
patético.
Vittoria cambaleou como se tivesse sido agredida fisicamente pelas palavras dele.
Langdon correu para ampará-la, mas ela recuperou o equilíbrio e fixou os olhos
escuros no aparelho.
- Juro pela minha vida que antes que esta noite acabe vou encontrar você. - A voz
dela saiu cortante como um laser. - E quando isto acontecer...
O homem riu de modo grosseiro.
- Uma mulher de fibra. Estou excitado. Talvez, antes que esta noite acabe, eu
encontre você. E quando isto acontecer...
As palavras pairaram como uma lâmina no ar. Ele se fora.
CAPÍTULO 42
O cardeal Mortati agora suava dentro de sua batina preta. Não só a Capela Sistina
começava a se parecer com uma sauna, como o conclave estava programado para
começar daí a 20 minutos e ainda não se tinha notícia dos quatro cardeais que
faltavam. Com a ausência deles, os iniciais cochichos de perplexidade dos outros
cardeais haviam se transformado em ansiedade declarada. Mortati não podia
imaginar onde estariam os ausentes. Com o camerlengo, quem sabe? Sabia que o
camerlengo realizara o tradicional chá particular para os quatro preferiti mais cedo
naquela tarde, mas aquilo fora horas atrás. Será que estavam passando mal? Com
algo que tivessem comido? Mortati duvidava. Mesmo à beira da morte, os
preferiti estariam ali. Só uma vez na vida, geralmente nunca, um cardeal tinha a
oportunidade de ser eleito Sumo Pontífice e, pela Lei Vaticana, esse cardeal tinha
de estar dentro da Capela Sistina quando a votação se realizasse. Caso contrário,
ele seria inelegível.
Apesar de haver quatro preferiti, poucos cardeais tinham qualquer dúvida sobre
quem seria o próximo Papa. Nos últimos 15 dias, inúmeros faxes e telefonemas
haviam sido trocados para discutir os candidatos em potencial. Como era o
costume, quatro nomes haviam sido selecionados como preferiti, cada um deles
preenchendo os requisitos tácitos para se tornar Papa: fluente em italiano,
espanhol e inglês; sem qualquer mancha em seu passado; ter entre 65 e 80 anos de
idade.
Como sempre, um dos preferiti destacara-se como o homem que o Colégio se
propunha a eleger. Naquela noite, tratava-se do cardeal Aldo Baggia, de Milão. O
histórico impecável de Baggia, combinado com excepcionais habilidades
lingüísticas e a capacidade de transmitir a essência da espiritualidade, haviam
feito dele o indiscutível favorito. E onde será que ele se meteu?, cismava Mortati.
Mortati estava particularmente irritado com os cardeais faltosos porque a tarefa de
supervisionar o conclave coubera a ele. Uma semana antes, o Colégio dos
Cardeais escolhera unanimemente Mortati para o cargo conhecido como O
Grande Eleitor, o mestre-de-cerimônias interno do conclave. Ainda que o
camerlengo fosse o funcionário mais graduado da Igreja, era apenas um padre e
pouco familiarizado com o complexo processo eleitoral, de modo que um cardeal
era selecionado para dirigir a cerimônia de dentro da Capela Sistina.
Os cardeais costumavam brincar que ser indicado como Grande Eleitor era a
honra mais cruel da cristandade. A indicação tornava a pessoa inelegível, além de
exigir que passasse muitos dias antes do conclave debruçada sobre as páginas do
Universi Dominici Gregis reestudando as sutilezas dos misteriosos rituais do
conclave para garantir que a eleição fosse administrada convenientemente.
Mortati não se ressentia por isso, todavia. Sabia que era a escolha lógica. Não só
por ser o cardeal mais velho, como por ter sido confidente do último Papa, um
fato que aumentava o apreço por sua pessoa. Embora ainda estivesse tecnicamente
dentro da faixa etária legal para a eleição, já estava um pouco velho para ser um
candidato de peso. Com 79 anos, já ultrapassara o limiar não expresso em
palavras além do qual o Colégio não mais confiava na saúde da pessoa para
agüentar a rigorosa programação do papado. Um Papa geralmente trabalhava 14
horas por dia, sete dias por semana e morria de exaustão em uma média de 6,3
anos.
A piada que circulava internamente dizia que aceitar o papado era "o caminho
mais curto para o Céu" para um cardeal. Mortati, muitos acreditavam, poderia ter
sido Papa quando mais moço se não fosse tão liberal. Quando se tratava de
alcançar o papado, havia uma Santíssima Trindade a considerar:
Conservadorismo, Conservadorismo e Conservadorismo.
Mortati sempre se divertira muito com a ironia de o último Papa - que Deus
guardasse a sua alma - ter-se revelado surpreendentemente liberal assim que
assumiu o cargo. Talvez por perceber que o mundo moderno progredia afastandose
da Igreja, o Papa promovera aberturas, suavizando a posição da Igreja com
relação às ciências e até fazendo doações em dinheiro para causas científicas
selecionadas.
Lamentavelmente, aquilo acabara se constituindo em suicídio político. Os
católicos conservadores declararam que o Papa estava "senil" e os puristas
científicos acusaram-no de tentar disseminar a influência da Igreja onde não era
chamado.
- Então, onde estão eles?
Mortati virou-se.
Um dos cardeais batia nervosamente no ombro dele.
- Sabe onde eles estão, não sabe?
Mortati procurou não demonstrar muita preocupação.
- Talvez ainda com o camerlengo.
- A esta hora? Isto estaria altamente em desacordo com as regras! - O rosto do
cardeal ensombreceu-se, desconfiado. - Talvez o camerlengo tenha perdido a
noção da hora?
Mortati duvidava muito disso, mas nada disse. Estava bem consciente de que a
maioria dos cardeais não simpatizava muito com o camerlengo, achando-o muito
moço para servir ao Papa tão de perto. Mortati suspeitava de que grande parte
dessa animosidade fosse de fato causada por ciúme, e ele próprio admirava muito
o jovem padre, tendo aplaudido em segredo o gesto do último Papa quando este o
escolhera para seu camarista. Mortati só via convicção nos olhos do camerlengo e,
ao contrário de muitos cardeais, o camerlengo colocava a Igreja e a fé antes da
política trivial. Ele era verdadeiramente um homem de Deus.
Durante todo o tempo em que desempenhou suas funções, a inabalável devoção
do camerlengo tornara-se lendária. Muitos a atribuíam a um acontecimento
milagroso na sua infância, que teria deixado uma impressão permanente no
coração de qualquer pessoa. O milagre e a sensação do maravilhoso, pensou
Mortati, que algumas vezes desejara que sua infância lhe tivesse proporcionado
um acontecimento capaz de despertar uma fé sem dúvidas como aquela.
Infelizmente para a Igreja, Mortati sabia, o camerlengo nunca se tornaria Papa
quando fosse mais maduro. Chegar ao papado requeria uma certa quantidade de
ambição política, algo que parecia faltar ao jovem padre. Ele recusara várias
ofertas do Papa para ocupar posições mais elevadas, dizendo que preferia servir à
Igreja como um simples homem.
- E então? - o cardeal bateu no ombro de Mortati, esperando.
Mortati ergueu os olhos para ele.
- Como assim?
- Eles estão atrasados! O que vamos fazer?
- O que podemos fazer? - retrucou Mortati. - Esperar. E ter fé.
Nem um pouco satisfeito com a resposta de Mortati, o cardeal desapareceu nas
sombras outra vez.
Mortati ficou parado um momento, dando pancadinhas nas têmporas e tentando
clarear sua mente.
De fato, o que vamos fazer? Olhou, além do altar, para o afresco restaurado de
Michelangelo, O Último Julgamento. A pintura não acalmou sua ansiedade.
Era uma apavorante representação de mais de 15 metros de altura de Jesus Cristo
separando a humanidade entre virtuosos e pecadores, e lançando os pecadores no
inferno. Havia carne viva exposta, corpos queimando e até um dos rivais de
Michelangelo usando orelhas de burro sentado no inferno. Guy de Maupassant
escrevera certa vez que aquela pintura parecia ter sido criada para uma barraca de
lutas de parque de diversões por um carvoeiro ignorante. O cardeal Mortati tinha
de concordar.
CAPÍTULO 43
Langdon ficou parado, imóvel,diante da janela à prova de bala do escritório do
Papa, olhando para baixo, para o alvoroço dos trailers da imprensa na Praça de
São Pedro. A sinistra conversa telefônica o deixara confuso, aturdido. Não parecia
ele mesmo.
Os Illuminati, como uma serpente saída das profundezas esquecidas da História,
haviam surgido e se enrolado em torno de um antigo adversário. Nenhuma
exigência. Sem negociações. Só retaliação. Demoniacamente simples. Exercendo
pressão. Uma vingança preparada durante 400 anos. Ao que parecia, depois de
séculos de perseguição, a ciência revidava.
O camerlengo estava de pé diante da escrivaninha, olhando para o telefone com
um ar parado. Olivetti foi o primeiro a quebrar o silêncio.
- Carlo - disse, usando o primeiro nome do camerlengo e parecendo mais um
amigo fatigado do que um oficial. - Há 26 anos, jurei dar a minha vida para
proteger esta função. Acho que hoje perdi minha honra.
O camerlengo balançou a cabeça.
- Você e eu servimos a Deus de formas diferentes, mas este serviço sempre traz
honra.
- Estes acontecimentos... não posso imaginar como... esta situação...
Olivetti estava arrasado.
- Temos somente uma atitude possível a tomar. Sou responsável pela segurança
do Colégio dos Cardeais.
- Acho que esta responsabilidade era minha, signore.
- Então, seus homens vão cuidar da evacuação imediata.
- Signore?
- Mais tarde podemos nos ocupar das outras opções, como procurar o aparelho,
promover a busca dos cardeais desaparecidos e de seus cantores. Mas, primeiro,
os cardeais devem ser levados para um local seguro. A santidade da vida humana
está acima de tudo. Esses homens são a base desta Igreja.
- O senhor está sugerindo que cancelemos o conclave de imediato?
- Que outra escolha tenho?
- E quanto à sua tarefa de fazer eleger um novo Papa?
O camarista suspirou e voltou-se para a janela, o olhar se desviando para Roma,
que se estendia lá embaixo.
- Sua Santidade me disse certa vez que o Papa é um homem dividido entre dois
mundos, o mundo verdadeiro e o divino. E que a igreja que ignorasse a realidade
não sobreviveria para desfrutar do divino. - Sua voz soava de repente mais
madura do que a de alguém de sua idade. - O mundo real está diante de nós esta
noite. Seria uma ilusão ignorá-lo. Orgulho e precedência não podem obscurecer a
razão.
Olivetti concordou com um gesto de cabeça, impressionado.
- Eu o subestimei, senhor.
O camerlengo não pareceu ouvir. Seu olhar estava distante, voltado para a janela.
- Vou falar abertamente, signore. O mundo real é o meu mundo. Mergulho todos
os dias em sua feiúra para que outros fiquem livres dessa incumbência e possam
buscar algo mais puro. Permita que o aconselhe na presente situação. É para isso
que sou treinado. Seu instinto, cujo valor ainda assim reconheço, pode ter
conseqüências desastrosas.
O camerlengo voltou-se para ele.
Olivetti suspirou.
- Tirar o Colégio dos Cardeais da Capela Sistina é a pior coisa que se poderia
fazer neste momento.
O camerlengo não se mostrou indignado com a sugestão, apenas desnorteado.
- O que sugere, então?
- Não diga nada aos cardeais. Sele o conclave. Vai nos dar tempo para tentar
outras alternativas.
O camerlengo ficou perturbado.
- Está sugerindo que eu tranque o Colégio dos Cardeais inteiro em cima de uma
bomba-relógio?
- Sim, signore. Por ora. Mais tarde, se for necessário, podemos providenciar a
evacuação.
O camerlengo sacudiu a cabeça.
- Adiar a cerimônia antes que comece já é razão suficiente para um inquérito, mas
depois que as portas são lacradas, nada mais pode interferir com o processo. Os
procedimentos do conclave exigem...
- O mundo real, signore. O senhor está nele esta noite. Preste atenção. - Olivetti
falava agora com a animação de um oficial de campo. - Deslocar 165 cardeais
despreparados e desprotegidos para Roma seria uma imprudência. Causaria
pânico e confusão em alguns homens muito idosos e, francamente, um derrame
fatal este mês já foi o bastante.
Um derrame fatal. As palavras do comandante fizeram Langdon lembrar as
manchetes que lera durante o jantar com alunos no Harvard Commons:
PAPA SOFRE DERRAME E MORRE DORMINDO.
- Além do mais - continuou Olivetti -, a Capela Sistina é uma fortaleza. Apesar de
não alardearmos o fato, a estrutura é altamente reforçada e pode resistir a qualquer
agressão, exceto de mísseis. Um de nossos preparativos foi examinar cada
centímetro da capela esta tarde. Fizemos uma varredura completa procurando
grampos e outros equipamentos de escuta. A capela está limpa, é um abrigo
seguro e tenho certeza de que a antimatéria não está lá dentro. Não existe lugar
mais seguro onde esses homens possam ficar neste momento. E podemos sempre
discutir uma evacuação de emergência mais tarde, se for O caso.
Langdon ficou impressionado. A lógica fria e inteligente de Olivetti lembrava-o
de Kohler.
- Comandante - disse Vittoria, a voz tensa -, há outras questões a considerar.
Nunca se criou uma quantidade tão grande de antimatéria. Só posso fazer uma
estimativa de qual seria exatamente o raio de explosão. É possível que uma parte
dos arredores de Roma também corra perigo. Se o material estiver dentro de um
de seus edifícios centrais ou no subsolo, o efeito fora destes muros pode ser
mínimo, mas se estiver perto do perímetro, neste prédio, por exemplo... - e ela
lançou um olhar cauteloso para fora da janela, para a multidão na Praça de São
Pedro.
- Tenho plena consciência das minhas responsabilidades para com o mundo
exterior - replicou Olivetti -, que não tornam menos grave esta situação. A
proteção deste santuário foi minha única incumbência por mais de 20 anos. Não
tenho qualquer intenção de permitir que essa arma detone.
- Acha que pode encontrá-la? - perguntou o camerlengo.
- Deixe que eu discuta nossas opções com alguns dos meus especialistas em
vigilância. Existe a possibilidade, se cortarmos a energia elétrica da Cidade do
Vaticano, de eliminarmos o fundo de radiofreqüência e criarmos um ambiente
limpo o suficiente para conseguir uma leitura do campo magnético daquele tubo.
Vittoria ficou surpresa e depois impressionada.
- O senhor quer apagar a Cidade do Vaticano inteira?
- Talvez. Ainda não sei se é possível, mas é uma opção que quero explorar.
- Os cardeais decerto ficariam imaginando o que teria acontecido - observou
Vittoria.
Olivetti fez que não com a cabeça.
- Os conclaves são realizados à luz de velas. Os cardeais jamais saberiam. Depois
que o conclave fosse selado, poderia convocar todos os meus guardas, com
exceção de alguns poucos do perímetro, e iniciar uma busca. Cem homens
poderiam fazer uma boa varredura em cinco horas.
- Quatro horas - corrigiu Vittoria. - Tenho de levar o tubo de volta para o CERN.
A detonação será inevitável se as baterias não forem carregadas.
- Existe alguma forma de recarregá-las aqui?
Vittoria sacudiu a cabeça.
- A interface é muito complexa. Teria trazido tudo se fosse possível.
- Quatro horas, então - assentiu Olivetti, de cara fechada. - Ainda temos bastante
tempo. Não adianta entrar em pânico. Signore, tem dez minutos. Vá para a capela
e sele o conclave. Dê a meus homens um pouco de tempo para que façam o
trabalho deles. À medida que nos aproximarmos da hora crítica, tomaremos as
decisões críticas.
Langdon conjeturou até que ponto de proximidade da "hora crítica" Olivetti
deixaria as coisas chegarem.
O camerlengo estava inquieto.
- Mas o Colégio vai perguntar pelos preferiti... principalmente por Baggia, vai
querer saber onde eles estão.
- Vai ter de pensar em alguma coisa, signore. Diga que serviu alguma coisa
durante o chá aos quatro cardeais que não lhes caiu bem.
O camerlengo irritou-se.
- Subir ao altar da Capela Sistina e mentir para o Colégio dos Cardeais?
- Para a própria segurança deles. Una bugia veniale. Uma mentira inocente. Sua
tarefa será a de manter a paz. - Olivetti encaminhou-se para a porta.
- Agora, se me permitem, preciso agir.
- Comandante - instou o camerlengo -, não podemos simplesmente dar as costas
aos cardeais desaparecidos.
Olivetti parou à porta.
- Baggia e os outros estão fora de nossa esfera de influência neste momento.
Temos de deixá-los de lado para o bem da maioria. Os militares chamam a isso de
triagem.
- Não seria abandono?
Sua voz endureceu.
- Se houvesse alguma forma, signore, qualquer uma neste mundo, de localizar
esses quatro cardeais, eu daria a minha vida para fazer isso. Entretanto...- e ele
apontou para a janela do outro lado da sala, de onde se via o mar infinito de
telhados romanos reluzindo ao sol do fim da tarde -, não está ao meu alcance fazer
uma busca em uma cidade de cinco milhões de habitantes. Não vou gastar um
precioso tempo acalmando minha consciência em um esforço inútil. Sinto muito.
Vittoria fez um aparte inesperado.
- Mas, se nós pegássemos o assassino, o senhor não o faria falar?
Olivetti respondeu, sério.
- Soldados não podem se dar ao luxo de serem santos, senhorita Vetra. Acredite,
simpatizo com sua motivação pessoal para pegar esse homem.
- Não é somente pessoal - explicou ela. - O assassino sabe onde está a antimatéria..,
e os quatro cardeais. Se conseguíssemos encontrá-lo...
- E fazer o jogo deles? - disse Olivetti. - Afastar toda a proteção do Vaticano para
correr centenas de igrejas é o que os Illuminati esperam que façamos,
desperdiçando tempo e potencial humano quando deveríamos estar procurando...
ou, pior ainda, deixando o Banco do Vaticano totalmente desprotegido. Sem falar
nos outros cardeais.
Era um argumento irrefutável.
- E a polícia de Roma? - perguntou o camerlengo. - Poderíamos alertar toda a
cidade pedindo reforços para a crise. Solicitar a ajuda deles para encontrar o
raptor dos cardeais.
- Seria outro erro - disse Olivetti. - O senhor sabe o que os carabinieri romanos
acham de nós. Teríamos uma colaboração sem muito empenho de uns poucos
homens e, em contrapartida, eles divulgariam a nossa crise para a imprensa
mundial. Exatamente o que querem nossos inimigos. Vamos ter de lidar com a
imprensa muito breve, de qualquer modo.
- Farei de seus cardeais luminares da mídia, foram as palavras do matador. O
corpo do primeiro cardeal vai aparecer às oito. Depois aparecerá um a cada hora.
A imprensa vai adorar.
O camerlengo falou novamente, um traço de indignação em sua voz. -
Comandante, não podemos em sã consciência deixar de fazer alguma coisa pelos
cardeais desaparecidos!
Olivetti encarou o camerlengo com firmeza.
- A oração de São Francisco, signore. Lembra-se dela?
O jovem padre pronunciou uma única frase com um tom dolorido.
- "Deus, dê-me forças para aceitar as coisas que não posso mudar."
- Acredite em mim - concluiu Olivetti -, esta é uma dessas coisas.
E saiu.
CAPÍTULO 44
O escritório central da BBC - British Broadcast Corporation - fica em Londres, a
oeste de Picadilly Circus. A linha telefônica externa tocou e uma jovem editora
atendeu.
- BBC - disse ela, apagando seu cigarro Dunhill.
A voz ao telefone era áspera, com um sotaque do Oriente Médio.
- Tenho uma história sensacional em primeira mão que deve interessar à sua
emissora.
A editora pegou uma caneta e papel.
- A respeito de quê?
- Da eleição do Papa.
Ela fez uma careta, enfastiada. A BBC divulgara na véspera uma história sobre o
mesmo assunto e tivera uma audiência medíocre. O público, aparentemente, não
estava muito interessado na Cidade do Vaticano.
- Sob que aspecto?
- Vocês têm um repórter de TV em Roma cobrindo a eleição?
- Acho que sim.
- Preciso falar diretamente com essa pessoa.
- Sinto muito, mas não posso lhe dar o número dele sem ter uma idéia...
- O conclave está ameaçado. É tudo o que posso adiantar.
A editora tomou notas.
- Seu nome, por favor?
- Meu nome não tem importância.
- E o senhor tem como provar o que alega?
- Tenho.
- Gostaria muito de receber a informação, mas não é nossa política dar os números
de telefones de nossos repórteres, a não ser que...
- Compreendo. Vou entrar em contato com outra emissora. Obrigado por sua
atenção. Até lo...
- Um momento - disse ela. - Pode aguardar um pouco?
A moça pôs a ligação na espera e alongou o pescoço. A arte de identificar as
potenciais chamadas de pessoas excêntricas ou malucas não era de modo algum
uma ciência perfeita, mas aquele homem acabara de passar pelos dois testes de
autenticidade de uma fonte telefônica. Recusara-se a dar seu nome e mostrara-se
impaciente para desligar. Charlatães e maníacos por um pouco de fama em geral
ficavam se lamentando e fazendo pedidos insistentes.
Para sorte dela, os repórteres viviam com medo de perder uma boa história e por
isso raramente se queixavam por ela lhes passar os ocasionais psicóticos que os
decepcionavam. Desperdiçar cinco minutos do tempo de um repórter era
perdoável. Perder uma boa manchete, não. Bocejando, ela olhou para o seu
computador e digitou as palavras “Cidade do Vaticano” Quando viu o nome do
repórter que estava cobrindo a eleição papal, deu uma risadinha. Era um
funcionário novo que a BBC acabara de trazer de um tablóide londrino de má
qualidade para fazer a cobertura mais rotineira. Os chefes obviamente o tinham
feito começar pelo degrau mais baixo. Ele estaria provavelmente morto de tédio,
esperando a noite inteira para gravar sua matéria de dez segundos ao vivo. Ficaria
talvez até agradecido por uma interrupção da monotonia.
A editora da BBC anotou o número do celular via satélite do repórter na Cidade
do Vaticano. Depois, acendendo outro cigarro, deu o número ao interlocutor
anônimo.
CAPÍTULO 45
- Não vai funcionar - disse Vittoria, andando de um lado para outro no escritório
do Papa.
Ela se dirigiu ao camerlengo.
- Mesmo que uma equipe da Guarda Suíça consiga filtrar a interferência
eletrônica, terão de estar praticamente em cima do tubo de antimatéria para
detectar um sinal qualquer. E isto se o tubo estiver em local acessível e não
existirem outras barreiras a isolá-lo. E se estiver enterrado dentro de uma caixa de
metal em algum ponto do terreno? Ou dentro de um duto de ventilação feito de
metal? Não haverá meio de rastreá-lo. E se houver mesmo espiões na Guarda
Suíça? Quem garante que a busca será confiável?
O camerlengo tinha uma expressão esgotada no rosto.
- O que propõe, senhorita Vetra?
Vittoria agitou-se. Não é evidente?
- Proponho, senhor, que tome outras precauções imediatamente. Podemos
torcer, contra todas as probabilidades, que a busca do comandante seja bemsucedida.
Ao mesmo tempo, olhe lá para fora, pela janela. Está vendo toda aquela
gente? Aqueles prédios do outro lado da piazza? Os carros da imprensa? Os
turistas? Estão todos provavelmente dentro do raio da explosão. O senhor tem de
agir agora.
O camerlengo concordou, apático.
Vitória ficou frustrada. Olivetti convencera a todos de que havia tempo de sobra.
Mas Vittoria sabia que, se a notícia do problema no Vaticano vazasse, toda a área
estaria cheia de espectadores em questão de minutos. Ela presenciara uma cena
assim certa vez do lado de fora do prédio do parlamento suíço. Durante um
incidente envolvendo reféns e uma bomba, milhares de pessoas haviam se reunido
diante do prédio para assistir ao desenlace da situação. Apesar dos avisos da
polícia de que era perigoso permanecer ali, a multidão aglomerava-se cada vez
mais perto do edifício. Nada desperta mais o interesse humano do que a tragédia.
- Signore, o homem que matou meu pai está à solta por aí. Cada célula do meu
corpo deseja sair daqui correndo para caçá-lo. Mas estou aqui no seu escritório
porque me sinto responsável pelo senhor. Pelo senhor e pelos outros. Há vidas em
perigo, signore. Está me ouvindo?
O camerlengo não respondeu.
Vittoria escutava seu próprio coração em disparada. Por que a Guarda Suíça não
conseguira rastrear a maldita ligação? O assassino Illuminati é a chave de tudo!
Ele sabe onde está a antimatéria e, diabos, também sabe onde estão os cardeais! É
só pegar o assassino e tudo se resolve.
Vittoria percebeu que estava começando a se sentir desestabilizada, um tipo
estranho de angústia dos tempos da infância de que se lembrava apenas
vagamente, dos anos de orfanato, da falta de instrumentos para lidar com a
frustração.
Agora você tem os instrumentos, disse a si mesma, sempre tem. Não adiantava,
porém. Seus pensamentos interferiam, estrangulando-a. Ela era uma pesquisadora,
uma pessoa cuja função era resolver problemas. Mas aquele problema não tinha
solução. Quais os dados de que precisa? Disse a si mesma para respirar fundo e,
pela primeira vez na vida, não conseguiu. Estava sufocada.
A cabeça de Langdon doía, ele tinha a sensação de estar somente no limiar da
racionalidade. Observava Vittoria e o camerlengo, mas sua visão estava nublada
por imagens horrendas: explosões, o alvoroço da imprensa, o espoucar dos flashes
das máquinas fotográficas, quatro corpos marcados a fogo.
Shaitan... Lúcifer... Aquele que traz a luz... Satan...
Afastou as imagens demoníacas de sua mente. Terrorismo calculado, lembrou a si
mesmo, agarrando-se à realidade. Caos planejado. Recordou-se de um seminário
em Radcliffe de que participara como ouvinte quando estava pesquisando o
simbolismo pretoriano. Desde então, modificara sua maneira de ver os terroristas.
- O terrorismo - começara o professor - tem um objetivo em especial. Qual é?
- Matar pessoas inocentes? - arriscou um aluno.
- Incorreto. A morte é apenas um subproduto do terrorismo.
- Uma exibição de força?
- Não. Não existe forma mais fraca de persuasão.
- Causar terror?
- Sendo muito conciso, sim. Simplesmente, o objetivo do terrorismo é criar terror
e medo. O medo abala a confiança nas instituições. Enfraquece o inimigo de
dentro para fora, causa inquietação nas massas.
Escrevam isto: o terrorismo não é uma expressão de raiva. O terrorismo é uma
arma política. Quando se acaba com a fachada de infalibilidade de um governo,
acaba-se com a fé do povo.
Perda de fé... Seria esta a questão? Langdon imaginava como os cristãos de todo o
mundo reagiriam quando soubessem que quatro cardeais haviam sido sacrificados
como se fossem cães mutilados. Se a fé de um religioso consagrado não era capaz
de protegê-lo das maldades de Satã, que esperança restava para nós? A cabeça de
Langdon latejava mais agora, ouvindo vozes ao longe sobrepondo-se umas às
outras...
A fé não protege ninguém. Remédios e air-bags é que protegem as pessoas.
Deus não protege ninguém. A inteligência, sim. Esclarecimento. Tenha fé
somente em algo com resultados tangíveis. Há quanto tempo não se ouve falar
que alguém andou sobre a água? Os milagres modernos são realizados pela
ciência... computadores, vacinas, estações espaciais... até o milagre divino da
criação. A matéria vinda do nada... em um laboratório. Quem precisa de Deus?
Não! A ciência é Deus.
A voz do assassino ressoava na mente de Langdon. Meia-noite... progressão
matemática da morte...sacrifici vergini nell'altare di scienza.
Então, de súbito, como uma multidão que se dispersa ao ouvir um tiro, as vozes se
foram. Robert Langdon levantou-se num pulo. Sua cadeira caiu para trás, batendo
com força no chão de mármore.
Vittoria e o camerlengo tiveram um sobressalto.
- Deixei escapar... - Langdon murmurava, como se estivesse enfeitiçado.
- Estava bem na minha frente.
- Deixou escapar o quê? - perguntou Vittoria.
Langdon dirigiu-se para o padre.
- Padre, durante três anos requeri acesso aos Arquivos do Vaticano. O acesso me
foi negado sete vezes.
- Senhor Langdon, sinto muito, mas este não é o momento apropriado para fazer
queixas como essa.
- Preciso ter acesso imediatamente. Os quatro cardeais desaparecidos. Talvez eu
consiga descobrir onde eles vão ser mortos.
Vittoria olhava fixo para ele, certa de não ter compreendido bem.
O camerlengo tinha a expressão perturbada de alguém que está sendo vítima de
uma brincadeira cruel.
- Espera que eu acredite que essa informação está em nossos arquivos?
- Não posso prometer localizá-la a tempo, mas, se me deixar entrar...
- Senhor Langdon, tenho de estar na Capela Sistina dentro de quatro minutos. Os
arquivos estão do outro lado da cidade.
- Você está falando sério, não está? - interrompeu Vittoria, encarando Langdon,
parecendo entender a intensidade de seu empenho.
- Não é hora para brincadeiras - respondeu Langdon.
- Padre - disse Vittoria, dirigindo-se ao camerlengo -, se houver uma chance, por
menor que seja, de sabermos onde essas mortes vão ocorrer, poderíamos cercar os
locais e...
- Mas, e os arquivos? - insistiu o camerlengo. - Como é possível que contenham
alguma pista?
- Se eu fosse explicar - disse Langdon -, gastaria um tempo que o senhor não tem.
Mas, se eu estiver certo, podemos usar as informações para pegar o Hassassin.
O camerlengo esforçava-se para acreditar, mas não conseguia.
- Os códices mais sagrados da cristandade encontram-se naquele arquivo.
Tesouros que eu próprio não tive o privilégio de ver.
- Estou ciente disso.
- O acesso só é autorizado por decreto do curador e do Conselho dos
Bibliotecários Vaticanos.
- Ou - completou Langdon - por mandado papal. Está escrito em todas as cartas de
recusa que seu curador me mandou.
O camerlengo concordou.
- Não quero ser indelicado - insistiu Langdon -, mas, se não me engano, o
mandado papal sai deste escritório. Que eu saiba, hoje é o senhor quem está
incumbido dessa função. Considerando-se as circunstâncias...
O camerlengo tirou um relógio de bolso de sua batina e consultou-o.
- Senhor Langdon, estou preparado para dar minha vida, literalmente, para salvar
a Igreja esta noite.
Langdon viu apenas a verdade refletida no olhar do padre.
- Esse documento - disse o camerlengo -, o senhor acredita realmente que está
aqui? E que pode nos ajudar a localizar as quatro igrejas?
- Eu não teria feito inúmeras solicitações de acesso se não estivesse convencido
disso. A Itália é um tanto longe demais para se vir ao acaso quando se vive de um
salário de professor. O documento é um antigo...
- Por favor - o camerlengo interrompeu-o. - Perdoe-me. Minha cabeça não
consegue processar nenhum detalhe a mais neste momento. O senhor sabe onde os
arquivos secretos estão?
Langdon sentiu uma onda de excitação.
- Atrás do Portão de Sant'Ana.
- Estou impressionado. A maioria dos estudiosos pensa que se chega lá por uma
porta secreta atrás do Trono de São Pedro.
- Não. Ali fica o Archivio delia Reverenda di Fabbrica di S. Pietro. Um engano
comum.
- Um bibliotecário docente acompanha todos os que entram em todas as ocasiões.
Esta noite, não há nenhum docente, todos saíram do Vaticano. O que me pede é
um acesso com carta branca. Nem os nossos cardeais entram lá sozinhos.
- Vou tratar os seus tesouros com o maior respeito e cuidado. Seus bibliotecários
não vão encontrar qualquer vestígio da minha presença.
Os sinos de São Pedro começaram a tocar. O camerlengo verificou a hora em seu
relógio.
- Preciso ir - fez uma pausa tensa e olhou para Langdon. - Vou mandar um guarda
suíço encontrá-lo no local dos arquivos. Senhor Langdon, estou depositando
minha confiança no senhor. Agora, vá.
Langdon não encontrou palavras.
O jovem padre parecia agora ter um porte e uma presença quase sobrenaturais.
Estendeu a mão e apertou o ombro de Langdon com uma força surpreendente.
- Quero que encontre o que vai procurar. E depressa.
CAPÍTULO 46
Os Arquivos Secretos do Vaticano estão situados na extremidade do Pátio Bórgia,
em uma elevação a que se chega pelo Portão de Sant'Ana. Contêm mais de 20.000
volumes e, dizem, guarda tesouros como os diários perdidos de Leonardo da
Vinci e até livros não publicados da Bíblia Sagrada. Langdon atravessou com
passadas vigorosas a deserta Via della Fondamenta rumo aos arquivos, mal
acreditando que lhe fora concedido o acesso tão ambicionado. Vittoria seguia a
seu lado, acompanhando-o sem o menor esforço. O cabelo dela ondulava
levemente à brisa e Langdon aspirava seu perfume de amêndoa. Sentiu seus
pensamentos se dispersarem e fez um esforço para se concentrar.
Vittoria disse:
- Vai me contar o que vamos procurar?
- Um livrinho escrito por um sujeito chamado Galileu.
- Você não perde tempo - comentou ela, surpresa. - O que há nele?
- Supõe-se que contenha algo chamado il cego.
- A indicação, a senha?
- Pista, sinal.., depende da sua tradução.
- Indicação para quê?
Langdon apertou o passo.
- Para um local secreto. Os Illuminati do tempo de Galileu precisavam se proteger
do Vaticano e por isso criaram um local de reuniões ultra-secreto aqui em Roma,
a que chamaram de Igreja da Iluminação.
- Muita audácia chamar de igreja um antro satânico.
Langdon abanou a cabeça.
- Os Illuminati de Galileu não eram nem um pouco satânicos. Eram cientistas que
reverenciavam o conhecimento, as luzes. Seu ponto de encontro era apenas o
lugar onde podiam se encontrar em segurança e discutir tópicos proibidos pelo
Vaticano. Embora se saiba que esse lugar existiu, até agora ninguém jamais o
localizou.
- Quer dizer que os Illuminati sabiam manter segredo.
- Sem dúvida. Na realidade, eles nunca revelaram a localização de seu esconderijo
para ninguém mais fora da fraternidade. Esse segredo protegia-os, mas, ao mesmo
tempo, criava um problema quando se tratava de recrutar novos membros.
- Não poderiam crescer se não fizessem propaganda - disse Vittoria, as pernas e o
raciocínio acompanhando-o perfeitamente.
- Exato. Rumores sobre a fraternidade de Galileu começaram a correr por volta de
1630, e cientistas de todo o mundo fizeram peregrinações secretas a Roma na
esperança de se juntar aos Illuminati, ávidos por uma oportunidade de olhar
através do telescópio de Galileu e ouvir as idéias do mestre. Infelizmente, porém,
por causa do sigilo mantido pelos Illuminati, os cientistas que chegavam em
Roma nunca sabiam aonde ir para assistir às reuniões ou a quem se dirigir com
segurança. Os Illuminati queriam sangue novo, mas não podiam se arriscar
divulgando seu paradeiro.
- Era então uma situazione senza soluzione - comentou Vittoria.
- Pois é. Um beco sem saída, como se diz.
- E o que eles fizeram?
- Eram cientistas, portanto examinaram o problema e encontraram uma solução.
Uma solução brilhante, para ser franco. Os Illuminati criaram uma espécie de
mapa engenhoso que orientava os cientistas para seu refúgio.
Vittoria diminuiu o passo, cética.
- Um mapa? Meio imprudente. Se uma cópia caísse nas mãos erradas...
- Não havia possibilidade - disse Langdon. - Não existiam cópias em lugar algum.
Não era o tipo de mapa que cabe em uma folha de papel. Era enorme. Uma trilha
marcada de várias maneiras através da cidade.
Vittoria diminuiu ainda mais o passo.
- Setas pintadas nas calçadas?
- De certo modo, sim, mas com mais sutileza. O mapa consistia em uma série de
marcos simbólicos disfarçados cuidadosamente em locais públicos pela cidade
afora. Um marco levava ao outro, e assim por diante, formando uma trilha que
acabava levando ao refúgio dos Illuminati.
Vittoria olhou-o de soslaio.
- Parece mais uma caça ao tesouro.
Langdon sorriu timidamente.
- E realmente não deixa de ser. Os Illuminati chamavam a sua seqüência de
marcos de "Caminho da Iluminação" E quem quer que desejasse fazer parte da
fraternidade tinha de segui-la toda até o fim. Uma espécie de teste.
- Mas, se o Vaticano quisesse encontrar os Illuminati - argumentou Vittoria -,
bastaria que também seguisse os marcos.
- Não. O caminho estava oculto. Era um quebra-cabeça, construído de tal forma
que apenas determinadas pessoas teriam a capacidade de encontrar os marcos e
adivinhar onde estava escondida a igreja dos Illuminati. Os Illuminati pretendiam
que fosse uma espécie de iniciação, funcionando não apenas como medida de
segurança mas também como um processo de seleção em que somente os
cientistas mais brilhantes chegassem à sua porta.
- Não pode ser. No século XVII, os homens do clero estavam entre os mais
instruídos do mundo. Se esses marcos ficavam em lugares públicos, com certeza
existiriam homens do Vaticano capazes de encontrá-los.
- Sem dúvida - disse Langdon -, se eles soubessem dos marcos. Mas não sabiam.
E nunca perceberam a existência dos marcos porque os Illuminati os prepararam
de uma forma que os clérigos jamais suspeitariam que fossem o que eram.
Utilizaram um método que em simbologia é chamado de dissimulação.
- Camuflagem.
Langdon surpreendeu-se.
- Você conhece o termo.
- Dissimulacione - disse ela. - A melhor forma de defesa da natureza. Experimente
achar um peixe-trombeta flutuando verticalmente no meio da vegetação marinha.
- Pois é. Os Illuminati empregaram o mesmo conceito. Criaram marcos que
desapareciam contra o pano de fundo da antiga Roma. Não podiam usar
ambigramas nem simbologia científica porque seria um recurso visível demais, de
modo que convocaram um artista Iluminados, o mesmo prodígio anônimo que
criara seu símbolo ambigramático "Illuminati" e encomendaram-lhe quatro
esculturas.
- Esculturas Illuminati?
- Sim, esculturas que deveriam seguir duas rigorosas diretrizes. Primeiro, serem
parecidas com o resto das obras de arte de Roma, serem obras de arte que o
Vaticano nunca desconfiasse que pertenciam aos Illuminati.
- Arte religiosa.
Langdon concordou, animado, falando agora mais depressa.
- E a segunda diretriz eram os temas das quatro esculturas, que tinham de ser
muito específicos. Cada uma delas teria de ser um tributo sutil a um dos
elementos da ciência.
- Quatro elementos? - disse Vittoria. - Há mais de cem.
- Não no século XVII - lembrou Langdon. - Todos os alquimistas acreditavam que
o universo se constituía de apenas quatro substâncias: Terra, Ar, Fogo e Água.
A cruz primitiva, Langdon sabia, era o símbolo mais comum dos quatro
elementos - quatro braços representando Terra, Ar, Fogo e Água. Além disso,
entretanto, existiam literalmente dezenas de ocorrências simbólicas de Terra, Ar,
Fogo e Água através da História - os ciclos da vida pitagóricos, o Hong-Fan
chinês, os rudimentos junguianos do feminino e do masculino, os quadrantes do
zodíaco. Até os muçulmanos reverenciavam os quatro elementos, embora no Islã
fossem conhecidos como "quadrados, nuvens, raios e ondas” Para Langdon,
porém, era um uso mais moderno que sempre lhe dava arrepios – os quatro graus
místicos de Iniciação Absoluta dos maçons: Terra, Ar, Fogo e Água.
Vittoria estava um pouco zonza.
- Quer dizer que esse artista Illuminati criou quatro obras de arte que pareciam
religiosas, mas eram na realidade tributos à Terra, ao Ar, ao Fogo e à Água?
- Exatamente - disse Langdon, dobrando na Via Sentinel em direção aos
Arquivos. - As peças misturaram-se ao mar de arte religiosa espalhado por Roma.
Doando essas obras anonimamente para igrejas específicas e usando sua
influência política, a fraternidade instalou as quatro peças em igrejas
criteriosamente escolhidas em Roma. Cada uma delas, é claro, era um marco
apontando sutilmente para a igreja seguinte onde estava o próximo marco.
Funcionava como uma trilha de pistas disfarçada de arte religiosa. Se um
candidato a Illuminati encontrasse a primeira igreja e o marco que correspondia à
Terra, podia seguir para o do Ar, depois para o do Fogo, o da Água e, por fim,
para a Igreja da Iluminação.
Vittoria achava a explicação cada vez menos clara.
- E tudo isso tem alguma coisa a ver com pegarmos o assassino Illuminati?
Langdon riu e deu a última cartada.
- Ah, claro. Os Illuminati tinham uma denominação muito especial para essas
quatro igrejas. Os Altares da Ciência.
Vittoria franziu a testa.
- Desculpe, mas isso não signif... - ela parou de falar. - L'altare di scienza! -
exclamou. - O assassino Illuminati. Ele disse que os cardeais seriam sacrifícios de
virgens nos altares da ciência!
Langdon sorriu para ela.
- Quatro cardeais, quatro igrejas. Os quatro altares da ciência.
Ela estava assombrada.
- Quer dizer que as quatro igrejas onde os cardeais vão ser sacrificados são as
mesmas que marcam o antigo Caminho da Iluminação?
- Acredito que sim.
- Mas por que o assassino nos daria essa pista?
- Por que não? Poucos historiadores sabem sobre essas esculturas. Ainda por
cima, pouquíssimos acreditam que existam. E sua localização permaneceu secreta
por 400 anos. Decerto os Illuminati confiavam que o segredo fosse mantido por
mais cinco horas. Além disso, eles não precisam mais do Caminho da Iluminação.
Seu refúgio secreto provavelmente já desapareceu faz tempo. Vivem no mundo
moderno. Encontram-se em salas de reuniões da presidência de bancos, em
restaurantes de clubes e campos de golfe particulares. Esta noite, querem tornar
públicos seus segredos. É o seu grande momento. A grande revelação.
Langdon temia que a grande revelação dos Illuminati viesse acompanhada de
mais uma característica paralela que ele ainda não mencionara. As quatro marcas
a fogo. O assassino declarara que cada cardeal seria marcado com um símbolo
diferente. Para provar que as lendas antigas são verdade, dissera ele. A lenda das
quatro marcas ambigramáticas era tão antiga quanto os próprios Illuminati: terra,
ar, fogo, água - quatro palavras trabalhadas em perfeita simetria. Como a palavra
Illuminati. Cada cardeal deveria ser marcado com um dos antigos elementos da
ciência. O boato de que as quatro marcas eram em inglês e não em italiano ainda
servia de tema de discussão entre os historiadores. O inglês parecia ser um desvio
fortuito da sua língua natural... e os Illuminati não faziam nada ao acaso.
Langdon enveredou pelo caminho revestido de tijolos diante do prédio dos
arquivos. Imagens horripilantes agitavam sua mente. O plano geral dos Illuminati
começava a revelar sua paciente grandiosidade. A fraternidade jurara manter-se na
surdina por quanto tempo fosse necessário, acumulando influência e poder
suficientes para que pudesse reemergir sem medo, declarar sua posição e lutar por
sua causa em plena luz do dia. Sem se esconder mais. Alardeando seu poder,
confirmando os mitos conspiratórios. Aquela noite seria uma façanha publicitária
mundial.
Vittoria anunciou:
- Lá vem nosso acompanhante.
Langdon levantou a cabeça e viu um guarda suíço atravessando às pressas um
gramado adjacente em direção à porta da frente. Quando o guarda avistou os dois,
parou. Olhou para eles como se estivesse tendo uma alucinação. Sem dizer
palavra, virou-se de costas e pegou seu walkie-talkie. Aparentemente sem
creditar no que lhe haviam mandado fazer, o guarda falou em tom urgente com a
pessoa do outro lado. Langdon não conseguiu decifrar a vociferação que o rapaz
ouviu de volta, mas a mensagem era bem clara.
O guarda se encolheu, guardou o walkie-talkie e virou-se para eles com uma cara
aborrecida. Mudo, conduziu-os para o interior do prédio. Passaram por quatro
portas de aço, duas entradas fechadas com chave privativa, desceram uma
comprida escadaria que dava em um saguão com duas fechaduras digitais.
Atravessaram uma série de portões eletrônicos e chegaram à extremidade de um
longo corredor, diante de largas portas duplas de carvalho. O guarda parou,
examinou-os de alto a baixo outra vez e, resmungando, encaminhou-se para uma
caixa metálica presa na parede. Destrancou-a e digitou um código. As portas
emitiram um zumbido e a cavilha se abriu. O guarda voltou-se, falando com eles
pela primeira vez.
- Os arquivos estão atrás daquelas portas. Recebi instruções para acompanhá-los
até este ponto e voltar para cumprir outras ordens.
- Vai embora? - perguntou Vittoria.
- A Guarda Suíça não tem acesso aos Arquivos Secretos. Os senhores estão aqui
somente porque meu comandante recebeu uma ordem direta do camerlengo.
- Mas como vamos sair?
- Segurança monodirecional. Não terão dificuldade alguma.
Sendo aquilo tudo o que tinha para dizer, o guarda girou nos calcanhares e
marchou para a saída.
Vittoria fez um comentário qualquer, mas Langdon não a escutou. Sua mente
estava concentrada nas portas duplas à sua frente, conjeturando que mistérios
guardariam.
CAPÍTULO 47
Apesar de saber que estava em cima da hora, o camerlengo Carlo Ventresca ia
andando devagar. Precisava de um tempo a sós para ordenar seus pensamentos
antes de fazer a prece de abertura. Tanta coisa estava acontecendo. Seguindo pela
Ala Norte, imerso em sombria solidão, o desafio dos últimos 15 dias pesava em
cada um de seus ossos. Cumprira seus santos deveres ao pé da letra.
Como determinava a tradição do Vaticano, logo depois da morte do Papa o
camerlengo constatara pessoalmente o óbito pousando os dedos na artéria carótida
do pontífice, escutara se ainda respirava e em seguida chamara-o pelo nome três
vezes. Por lei, não havia autópsia.
Então, ele selara o quarto de dormir do Papa, destruíra o Anel do Pescador e o
sinete usado para fazer os selos de chumbo e tomara as providências necessárias
para as exéquias. Tendo terminado, iniciara os preparativos para o conclave.
Conclave, pensou. A barreira final a ultrapassar. Era uma das mais antigas
tradições da cristandade. Hoje em dia, pelo fato de em geral o resultado do
conclave já ser conhecido antes do seu começo, o processo era criticado,
considerado obsoleto - visto mais como uma paródia do que uma eleição. O
camerlengo sabia, porém, que isso se devia a uma falta de compreensão. O
conclave não era uma eleição. Era uma antiga e mística transferência de poder. A
tradição não tinha idade... o segredo, as tiras de papel dobradas, a queima das
cédulas, a mistura de antigos produtos químicos, os sinais de fumaça. À medida
que o camerlengo se aproximava através das Loggias de Gregório XIII, pensava
se o cardeal Mortati já estaria em pânico àquela altura.
Mortati com certeza já percebera a ausência dos preferiti. Sem eles, a votação
entraria pela noite adentro. A indicação de Mortati para Grande Eleitor, o
camerlengo se tranqüilizava, fora uma boa escolha. O homem era um livrepensador
e podia falar com franqueza. O conclave daquela noite precisaria mais
do que nunca de um líder.
Quando chegou ao topo da Escadaria Real, teve a sensação de que se encontrava
no precipício de sua vida. Dali já se ouvia o rumor de atividade na Capela Sistina,
lá embaixo - o burburinho inquieto de 165 cardeais.
Cento e sessenta e um cardeais, corrigiu-se.
Por um instante, o camerlengo estava caindo, mergulhando no inferno, com
pessoas gritando, labaredas envolvendo-o, pedras e sangue caindo do céu como
chuva. E, depois, o silêncio.
Quando a criança acordou, estava no céu. Tudo em torno dela era branco. A luz
era ofuscante e pura. Havia gente que dizia que um menino de dez anos não seria
capaz de compreender o céu, mas o jovem Carlo Ventresca sabia muito bem o que
era o céu. Estava no céu naquele momento. Onde mais poderia estar? Na sua
breve década de existência na Terra, Carlo sentira a majestade de Deus - o som
atroador do órgão, os domos grandiosos, as vozes elevando-se em cânticos, os
vitrais, o reluzir do bronze e do ouro.
Maria, a mãe de Carlo, levava-o à missa todos os dias.
- Por que vamos à missa todos os dias? - perguntava ele, não que se importasse.
- Porque prometi a Deus - ela respondia. - E uma promessa que se faz a Deus é a
mais importante de todas. Jamais quebre uma promessa a Deus.
Carlo prometeu a ela que nunca o faria. Amava sua mãe mais do que tudo no
mundo. Ela era seu santo anjo. Às vezes, chamava-a de Maria Benedetta - Maria
Bendita -, embora ela não gostasse nem um pouco disso. Ajoelhava junto dela
para rezar, sentindo o doce perfume de seu corpo e escutando o murmúrio da sua
voz passando as contas do rosário. Santa Maria, Mãe de Deus... rogai por nós,
pecadores... agora e na hora de nossa morte.
- Onde está meu pai? - Carlo perguntava, já sabendo que seu pai morrera antes de
seu nascimento.
- Deus é seu pai agora - era a resposta de sempre. - Você é um filho da Igreja.
Carlo adorava aquilo.
- Sempre que sentir medo - ela explicava -, lembre-se que agora Deus é seu pai.
Ele vai tomar conta de você e protegê-lo para sempre. Deus tem grandes planos
para você, Carlo. O menino sabia que ela tinha razão. Já era capaz de sentir Deus
em seu sangue.
Sangue...
Sangue caindo do céu como chuva!
Silêncio. E o céu depois.
O céu de Carlo - o menino aprendeu quando as luzes ofuscantes foram desligadas
- era na realidade a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Santa Clara, nos
arredores de Palermo. Carlo fora o único sobrevivente de um atentado terrorista a
bomba que demolira a capela onde ele e a mãe estavam assistindo à missa durante
o período de férias. Os jornais chamaram a sobrevivência de Carlo de Milagre de
São Francisco. Por alguma razão desconhecida, Carlo afastara-se da mãe minutos
antes da explosão e entrara em uma alcova protegida para apreciar uma tapeçaria
que representava a história de São Francisco.
Deus me chamou ali, concluiu ele. Queria me salvar.
Carlo delirava de dor. Ainda via sua mãe, ajoelhada no banco da igreja, soprandolhe
um beijo e, em seguida, com um estrondo, seu corpo docemente perfumado
despedaçar-se. Ainda sentia na boca o gosto da maldade humana.
Choveu sangue. O sangue de sua mãe! Maria Bendita!
Deus vai tomar conta de você e protegê-lo para sempre, dissera sua mãe. Mas
onde estava Deus agora?
Então, como uma manifestação mundana da verdade de sua mãe, um sacerdote foi
ao hospital. Não era um sacerdote qualquer. Era um bispo. Rezou junto à cama de
Carlo. O Milagre de São Francisco. Quando Carlo se recuperou, o bispo
providenciou para que ele fosse morar em um pequeno monastério ligado à
catedral onde o bispo exercia sua jurisdição. Carlo vivia ali e ali tinha aulas com
os monges. Chegou a ser coroinha de seu novo protetor. O bispo sugeriu que
Carlo fosse para uma escola secundária, mas o menino não quis. Não podia estar
mais feliz em seu novo lar. Agora vivia de fato na casa de Deus.
Toda noite, Carlo rezava por sua mãe. Deus me salvou por alguma razão, pensava.
Que razão?
Quando completou dezesseis anos, de acordo com a lei italiana, foi obrigado a
prestar dois anos de serviço militar. O bispo disse a Carlo que ele seria dispensado
desse dever se entrasse para o seminário. Carlo respondeu que planejava entrar
para o seminário, mas que primeiro precisava entender a maldade. O bispo não
compreendeu. Carlo explicou que, se ia passar a vida na Igreja lutando contra a
maldade, primeiro precisava entendê-la.
Não imaginava lugar melhor para entender a maldade do que no exército. O
exército usava armas e bombas. Uma bomba matou minha mãe Bendita!
O bispo tentou dissuadi-lo, mas Carlo já se decidira.
- Tenha cuidado, filho - dissera-lhe o bispo. - E lembre-se de que a Igreja o
aguarda quando voltar.
Os dois anos do serviço militar de Carlo foram terríveis. A juventude dele se
passara em silêncio e reflexão. No exército, porém, não havia sossego para se
refletir. O barulho era incessante. Máquinas enormes por toda parte. Nem um
momento sequer de paz. Apesar de os soldados irem à missa uma vez por semana
no quartel, Carlo não sentia a presença de Deus nos seus companheiros. O caos
enchia demais as mentes deles para que vissem Deus.
Carlo detestava sua nova vida e ansiava por voltar para casa. Mas estava
determinado a perseverar. Ainda não entendia a maldade. Recusava-se a dar um
tiro, e assim os militares ensinaram-no a pilotar um helicóptero do serviço
médico. Carlo não gostava do ruído nem do cheiro do helicóptero, mas ao menos
o deixavam voar pelo céu e ficar mais próximo de sua mãe.
Ao ser informado de que seu treinamento de piloto incluía aprender a saltar de
pára-quedas, o rapaz ficou apavorado. Não tinha opção, porém. Deus vai me
proteger, disse a si mesmo.
Seu primeiro salto de pára-quedas foi a mais estimulante experiência física de sua
vida. Era como voar com Deus. Depois, ele jamais se cansava daquilo... o
silêncio.. a sensação de flutuar... enxergar o rosto de sua mãe nas nuvens brancas
ondulantes enquanto ele pairava na descida à terra. Deus tem planos para você,
Carlo. Assim que saiu do exército, Carlo entrou para o seminário. Tudo
acontecera vinte e três anos antes.
Agora, enquanto descia a Escadaria Real, o camerlengo Carlo Ventresca tentava
compreender a cadeia de acontecimentos que o fizera chegar àquela extraordinária
encruzilhada.
Abandone todo medo, disse a si próprio, e entregue esta noite a Deus.
Avistava a grande porta de bronze da Capela Sistina devidamente protegida por
quatro guardas suíços. Os guardas destrancaram a porta e abriram-na. Lá dentro,
todas as cabeças se viraram para a porta. O camerlengo passou os olhos pelos
homens diante dele, vestidos de batinas negras e faixas vermelhas na cintura.
Compreendeu quais eram os planos que Deus lhe reservara. O destino da Igreja
fora colocado em suas mãos.
Ele fez o sinal-da-cruz e entrou na capela.
CAPÍTULO 48
Gunther Glick, jornalista da BBC, estava suando, sentado dentro do furgão da
emissora que fora estacionado na extremidade leste da Praça de São Pedro, e
amaldiçoando seu editor. Embora a primeira matéria mensal de Glick tivesse
voltado da mesa do editor coberta de elogios – engenhoso, perspicaz, confiável -,
cá estava ele na Cidade do Vaticano fazendo o “Plantão do Papa” Procurava
convencer-se de que trabalhar para a BBC dava muito mais credibilidade do que
ficar inventando um monte de lixo para o British Tattler, mas ainda assim aquilo
não era propriamente a idéia que ele fazia de ser repórter.
A tarefa de Glick era simples. Chegava a ser um insulto, de tão simples. Tinha de
ficar sentado esperando um bando de velhos gagás elegerem seu próximo chefe,
depois sair do carro e gravar uma reportagem de 15 segundos "ao vivo" com o
Vaticano ao fundo. Genial.
Glick mal acreditava que a BBC ainda deslocasse repórteres para cobrir aquela
baboseira. Não há nenhuma rede de notícias norte-americana aqui esta noite.
Claro que não! Porque os garotões de lá sabiam como fazer as coisas. Eles
assistiam à CNN, faziam uma sinopse e depois filmavam sua reportagem "ao
vivo" diante de uma tela azul, superpondo vídeos de arquivo para obter um pano
de fundo realista. A MSNBC usava até máquinas de vento e chuva de estúdio para
maior autenticidade. Os espectadores não queriam mais a verdade, queriam
diversão.
Glick olhou através do pára-brisa e sentiu-se cada vez mais deprimido. A
montanha grandiosa da Cidade do Vaticano erguia-se à sua frente como um
melancólico lembrete das coisas que os homens podiam realizar quando se
empenhavam por elas.
- O que realizei de bom na minha vida? - refletiu em voz alta. - Nada.
- Então, desista - disse uma voz feminina atrás dele.
Glick deu um pulo. Quase se esquecera de que não estava sozinho. Virou-se para
o banco de trás, onde a operadora de câmera Chinita Macri estava sentada polindo
suas lentes. Ela estava sempre polindo as lentes. Chinita era negra, embora
preferisse ser chamada de afro-americana, e também um tanto rude e danada de
esperta. Não deixava passar nada. Era meio estranha, mas Glick gostava dela. E
ele com certeza estava precisando de companhia naquele momento.
- Qual é o problema, Gunth? - perguntou Chinita.
- O que estamos fazendo aqui?
Ela continuou a polir as lentes.
- Presenciando um acontecimento empolgante.
- Uma porção de velhos trancados no escuro é empolgante?
- Você sabe que vai direto para o inferno, não sabe?
- Já estou nele.
- Conte por que está tão aborrecido.
Parecia a mãe dele falando.
- Eu só queria me distinguir de alguma forma no meu trabalho.
- Você escreveu para o British Tattler.
- É, mas nada que tivesse impacto.
- Ah, deixe disso, soube que você escreveu um artigo sensacional sobre a vida
sexual secreta da rainha com extraterrestres.
- Obrigado.
- Ei, as coisas estão melhorando, hoje você vai fazer seus primeiros 15 segundos
da história da TV.
Glick resmungou. Já conseguia até ouvir as palavras do âncora: “Obrigado
Gunther, grande reportagem”. E o âncora passaria para a meteorologia.
- Devia ter tentado conseguir um lugar de âncora.
Macri riu.
- Sem experiência? E com essa barba? Nem pensar!
Glick correu os dedos pelo tufo avermelhado de cabelo em seu queixo.
- A barba me faz parecer mais inteligente.
Ainda bem que o telefone celular do furgão tocou, interrompendo mais um
comentário sobre os fracassos de Glick.
- Talvez seja a editoria - disse ele, de repente esperançoso. - Será que vão querer
as últimas notícias ao vivo?
- Dessa história? - riu Macri. - Você continua sonhando, hein?
Glick atendeu ao telefone com sua melhor voz de âncora.
- Gunther Glick, BBC. Cobertura ao vivo da Cidade do Vaticano.
O homem do outro lado tinha um sotaque árabe carregado.
- Escute com atenção o que tenho para dizer - disse o homem. - Daqui a pouco,
vou fazer a sua vida inteira mudar.
CAPÍTULO 49
Langdon e Vittoria ficaram sozinhos diante das portas duplas que levavam ao
santuário dos Arquivos Secretos. A decoração do lugar onde estavam era uma
mistura incongruente de tapetes sobre pisos de mármore e câmeras de segurança
instaladas ao lado de querubins esculpidos no teto. Langdon apelidou-a de Estéril
Renascença. Ao lado da entrada em arco havia uma pequena placa de bronze.
ARCHIVIO VATICANO
Curatore, Padre Jaqui Tomaso
Padre Jaqui Tomaso. Langdon reconheceu o nome do curador, que vinha nas
cartas de recusa empilhadas em cima de sua escrivaninha, em casa. Caro senhor
Langdon, lamento informar que...
"Lamento." Pois sim. Desde que começara o reinado de Jaqui Tomaso, Langdon
jamais encontrara um único acadêmico americano não-católico que tivesse
recebido autorização para visitar os Arquivos Secretos do Vaticano. el guardiano,
chamavam-no os historiadores. Jaqui Tomaso era o bibliotecário mais severo do
mundo.
Ao abrir as portas e entrar no recinto, Langdon quase esperava encontrar o padre
Jaqui envergando uniforme militar e capacete, montando guarda com uma bazuca
na mão. O espaço, porém, estava deserto. Silêncio. Luz suave.
Archivio Vaticano. Um dos sonhos de sua vida.
Quando correu os olhos pelo aposento sagrado, sua primeira reação foi de
vergonha. Percebeu que romântico empedernido ele era. A imagem que fizera
durante tantos anos daquele lugar não poderia ser mais inexata. Imaginara estantes
empoeiradas até o alto cheias de livros esfrangalhados, padres catalogando os
volumes à luz de velas e de janelas com vitrais, monges examinando rolos de
pergaminhos.
A realidade nem chegava perto.
À primeira vista, a sala parecia um hangar escuro de companhia aérea no qual
alguém tivesse construído umas 12 quadras independentes de squash. Langdon
evidentemente sabia para que serviam os recintos de paredes de vidro. Não se
surpreendeu ao encontrá-los: a umidade e o calor deterioravam antigos velinos e
pergaminhos e a conservação adequada exigia câmaras herméticas como aquelas -
cubículos vedados que impediam a penetração da umidade e dos ácidos naturais
do ar. Langdon já estivera dentro de câmaras herméticas muitas vezes, mas
sempre haviam sido experiências perturbadoras...mais ou menos como entrar em
um contêiner fechado onde o oxigênio fosse controlado por um bibliotecário. As
câmaras eram escuras, espectrais mesmo, vagamente delineadas por pequenas
luminárias em forma de cúpula na extremidade de cada conjunto de estantes. Em
meio às trevas daquelas células, Langdon percebia a presença dos gigantes
fantasmagóricos, fila após fila de imensas estantes carregadas de história. Era uma
coleção e tanto.
Vittoria também parecia deslumbrada. Ao lado dele, contemplava em silêncio os
gigantescos cubos transparentes. Tinham pouco tempo e por isso Langdon não o
desperdiçou nem um pouco vasculhando a sala mal iluminada em busca de um
catálogo - uma enciclopédia encadernada onde estivesse catalogada a coleção da
biblioteca. Tudo o que viu foi o brilho de uma porção de terminais de computador
espalhados pela sala.
- Parece que eles têm o Biblion. O índice é computadorizado.
Vittoria ficou esperançosa.
- O que deve acelerar as coisas.
Langdon gostaria de sentir o mesmo entusiasmo, mas tinha a impressão de que a
notícia não era tão boa assim. Dirigiu-se a um terminal e começou a digitar. Seus
temores confirmaram-se instantaneamente.
- O método antigo teria sido melhor.
- Por quê?
Ele se afastou do monitor.
- Porque livros de verdade não são protegidos por senhas. Será que os físicos são
também hackers por natureza?
Vittoria sacudiu a cabeça.
- Só sei abrir ostras.
Langdon respirou fundo e virou-se para o fantástico conjunto de câmaras
diáfanas. Aproximou-se da que estava mais perto e tentou enxergar o sombrio
interior. Por trás das paredes de vidro havia formas pouco definidas que Langdon
identificou como as habituais prateleiras de livros, caixas de pergaminhos e mesas
de leitura. Olhou para as etiquetas brilhando no alto de cada conjunto de estantes.
Como em todas as bibliotecas, as etiquetas indicavam o assunto dos livros
daquelas estantes. Foi lendo os dizeres e andando ao longo da barreira
transparente.
PIETRO IL ERIMITO... LE CROCIATE... URBANO II... LEVANTE...
- Estão etiquetadas - disse ele, ainda caminhando. - Mas não em ordem alfabética
por autor.
Não se surpreendeu. Arquivos antigos em geral não eram catalogados em ordem
alfabética porque incluíam muitos autores desconhecidos. Também não os
catalogavam pelos títulos porque muitos documentos históricos eram cartas sem
título e fragmentos de pergaminhos. A maior parte da catalogação seguia a ordem
cronológica. O que era desconcertante, no entanto, é que aquela arrumação
também parecia não ser cronológica.
Estavam perdendo um tempo precioso.
- Tenho a impressão de que o Vaticano tem seu próprio sistema de catalogação.
- Que surpresa...
Ele examinou as etiquetas outra vez. Os documentos eram originários de muitos
séculos, mas todas as palavras-chave, notou Langdon, estavam relacionadas entre
si.
- Acho que a classificação é temática.
- Temática? - desaprovou a cientista Vittoria. - Não deve ser eficiente.
Na realidade, refletiu Langdon, examinando-a mais de perto, talvez essa seja a
forma mais inteligente de catalogação que já vi. Sempre insistira com seus alunos
que procurassem compreender o tom e os temas predominantes de um período em
vez de se prenderem a minúcias como datas e obras específicas. Os Arquivos
Vaticanos, ao que parecia, haviam sido catalogados de acordo com uma filosofia
semelhante. Grandes temas...
- Tudo o que está nesta câmara - disse Langdon, mais confiante -, séculos de
material, tem a ver com as Cruzadas. É o tema desta câmara em especial.
- Estava tudo ali, ele se deu conta. Relatos históricos, cartas, arte, dados
sociopolíticos, análises modernas. Tudo junto para incentivar a compreensão mais
profunda de um tópico. Brilhante.
Vittoria franziu o cenho.
- Mas os dados podem estar relacionados a múltiplos temas simultaneamente.
- É por isso que foi feita a remissão recíproca com marcadores especiais. -
Langdon apontou, através do vidro, para os marcadores de plástico colorido
inseridos entre os documentos. - Esses marcadores indicam documentos
secundários localizados em outro lugar junto com seus assuntos principais.
- Certo - disse ela, aparentemente abandonando o assunto. Pôs as mãos na cintura
e correu o olhar pelo imenso espaço. Depois, dirigiu-se a Langdon. - Então,
professor, como é mesmo o nome dessa obra de Galileu que estamos procurando?
Langdon não pôde deixar de sorrir. Ainda não acreditava muito que estava ali,
naquele lugar. Está aqui, pensou. Em algum ponto dessa escuridão, está à espera.
- Venha atrás de mim - disse ele. Começou a percorrer com andar rápido a
primeira passagem entre as câmaras lendo a etiqueta de identificação de cada uma
delas. - Lembra o que lhe contei sobre o Caminho da Iluminação? Como os
Illuminati recrutavam novos membros usando um teste complexo?
- A caça ao tesouro - disse Vittoria, seguindo-o.
- O desafio para os Illuminati, depois de terem instalado os marcos, foi achar uma
forma de dizer à comunidade científica que o caminho existia.
- Lógico - comentou Vittoria. - Senão, ninguém saberia que era necessário
procurá-lo.
- Sim, e mesmo que soubessem que existia, os cientistas não teriam como
descobrir onde o caminho começava. Roma é enorme.
Langdon passou para o corredor seguinte, examinando as etiquetas enquanto
falava.
- Há uns 15 anos, alguns historiadores da Sorbonne e eu descobrimos uma série de
cartas dos Illuminati cheias de referências ao segno.
- O sinal. O aviso sobre o caminho e onde ele começava.
- Isso. E, desde então, vários acadêmicos que estudam os Illuminati,
inclusive eu, descobriram outras referências ao segno. Hoje em dia, é uma teoria
aceita que a pista de fato existe e que Galileu a distribuiu profusamente pela
comunidade científica sem que o Vaticano jamais soubesse.
- De que maneira?
- Não se sabe ao certo, mas o mais provável é que tenha sido através de
publicações impressas. Ele
publicou muitos livros e boletins ao longo dos anos.
- De que o Vaticano sem dúvida teve conhecimento. Coisa perigosa.
- É verdade. Mesmo assim, o segno foi distribuído.
- E ninguém jamais o encontrou?
- Jamais. O mais estranho é que, sempre que aparecem alusões ao segno, seja em
diários maçônicos, antigas revistas científicas, cartas dos Illuminati ou outras
fontes, ele costuma vir representado por um número.
- 666?
Ele sorriu.
- Não, 503.
- Que significa o quê?
- Nenhum de nós foi capaz de descobrir. Fiquei fascinado com o número 503,
tentando de tudo para encontrar seu significado: numerologia, referências
cartográficas, latitudes. - Langdon chegou ao fim daquela passagem, dobrou para
um lado e continuou examinando rapidamente a fila seguinte de etiquetas e
falando ao mesmo tempo. - Durante muitos anos, o único indício possível que se
tinha era o fato de 503 começar com o número cinco, um dos dígitos sagrados dos
Illuminati. - Ele fez uma pausa.
- Algo me diz que você recentemente encontrou a resposta e que é por isso que
estamos aqui.
- Correto - disse Langdon, permitindo-se um raro momento de orgulho por seu
trabalho. - Conhece um livro de Galileu chamado Diàlogo?
- Claro. Famoso entre os cientistas como a suprema traição científica.
Traição não era bem a palavra que Langdon teria usado, mas compreendia o que
Vittoria queria dizer. No início da década de 1630, Galileu quis publicar um livro
endossando o modelo heliocêntrico do sistema solar formulado por Copérnico. O
Vaticano, porém, só permitiria que o livro fosse lançado se Galileu incluísse nele
provas igualmente convincentes do modelo geocêntrico adotado pela Igreja, um
modelo que Galileu sabia estar completamente errado. Galileu não teve escolha
senão ceder à exigência da Igreja e publicou um livro que dava o mesmo espaço
para os dois modelos, o certo e o errado.
- Como deve saber - prosseguiu Langdon -, apesar da concessão de Galileu, o
Diálogo ainda foi considerado herético e o Vaticano colocou o cientista em prisão
domiciliar.
- Nenhuma boa ação passa sem punição.
Langdon achou graça.
- É mesmo. Entretanto, Galileu era persistente. Enquanto estava preso em casa,
escreveu secretamente um manuscrito menos conhecido que alguns estudiosos às
vezes confundem com o Diàlogo. Esse livro se chama Discorsi.
Vittoria concordou.
- Sei qual é. Discursos sobre as Marés.
Langdon parou, admirado por ela conhecer a obscura publicação sobre os
movimentos dos planetas e seu efeito sobre as marés.
- Não se esqueça de que está falando com uma física italiana cujo pai idolatrava
Galileu.
Não eram os Discorsi, porém, que estavam procurando. Langdon explicou que
aquele livro não fora o único trabalho de Galileu durante o seu confinamento. Os
historiadores acreditavam que ele também escrevera um livreto pouco conhecido
chamado Diagramma.
- Diagramma delia Veritá - citou. - Diagrama da Verdade.
- Nunca ouvi falar deste.
- Não me espanta. Diagramma foi o livro mais secreto de Galileu, supostamente
uma espécie de tratado sobre fatos científicos que ele considerava verdadeiros,
mas que não estava autorizado a divulgar. Como alguns dos seus manuscritos
anteriores, Diagramma foi contrabandeado para fora de Roma por um amigo e
discretamente publicado na Holanda. O livrinho tornou-se muito popular no
submundo científico europeu. Até que o Vaticano tomou conhecimento dele e
iniciou uma campanha de queima de livros.
Vittoria agora estava intrigada.
- E você acha que Diagramma continha a pista? O segno? A informação sobre o
Caminho da Iluminação?
- Diagramma foi como Galileu fez a notícia correr. Disto estou certo.
Langdon enveredou pela terceira fileira de câmaras de vidro e continuou
examinando as etiquetas de identificação.
- Os arquivistas vêm procurando um exemplar do Diagramma há anos. No
entanto, com as queimas de livros promovidas pelo Vaticano e o baixo coeficiente
de permanência do livro, este desapareceu da face da Terra.
- Coeficiente de permanência?
- A durabilidade. Os arquivistas classificam os documentos de um a dez segundo
sua integridade estrutural. Diagramma foi impresso em uma variedade muito
frágil de papiro. Parece o material dos nossos lenços de papel modernos. Vida útil
de pouco mais de um século.
- Por que não se usou um material mais forte?
- Foi uma determinação de Galileu para proteger seus seguidores. Dessa forma,
qualquer cientista que fosse apanhado com um exemplar poderia simplesmente
jogá-lo na água e o livro se dissolveria. Era um meio excelente de destruir uma
prova, mas foi terrível para os arquivistas. Acredita-se que apenas um exemplar
do Diagramma tenha subsistido além do século XVIII.
- Um? - uma expressão encantada passou pelo rosto de Vittoria enquanto ela
corria os olhos pela sala. – E está aqui?
- Confiscado pelo Vaticano na Holanda logo depois da morte de Galileu. Venho
solicitando permissão para vê-lo há anos. Desde que percebi o que havia nele.
Como se lesse a mente de Langdon, Vittoria deslocou-se para o outro lado e
começou a examinar a fileira seguinte, dobrando o ritmo da busca.
- Obrigado - disse ele. - Procure etiquetas de referência que tenham alguma coisa
a ver com Galileu, ciência, cientistas. Vai saber quando encontrar uma.
- Está bem, mas ainda não me contou como descobriu que a pista estava no
Diagramma. Teve alguma relação com o número que vocês sempre viam nas
cartas dos Illuminati? 503?
Por um instante, Langdon reviveu o momento da revelação inesperada: 16 de
agosto. Dois anos atrás. Ele estava à margem de um lago, na festa de casamento
do filho de um colega. O som de gaitas de fole repercutiu sobre as águas quando
os noivos e acompanhantes fizeram sua entrada espetacular através do lago em
uma barcaça. A embarcação fora decorada com flores e guirlandas. No casco,
ostentava um número pintado em algarismos romanos: DCII.
Curioso com o número, Langdon perguntou ao pai da noiva:
- Por que o número 602?
- 602?
Langdon apontou para a barcaça.
- DCII é 602 em algarismos romanos.
O homem deu uma risada.
- Não são algarismos romanos. É o nome da barcaça.
- O DCII?
O homem assentiu.
- O Dick e Connie II.
Langdon ficou encabulado. Dick e Connie eram os noivos. A barcaça
evidentemente recebera aquele nome em homenagem a eles.
- O que aconteceu com o DCI?
O homem fez uma careta.
- Afundou ontem durante o almoço do ensaio do casamento.
Langdon achou engraçado, mas disse assim mesmo:
- Que pena.
E olhou novamente para a barcaça. A DCII, pensou. Como se fosse um QEII em
miniatura. Um segundo depois, tudo ficou claro em sua cabeça.
E Langdon continuou a contar a Vittoria:
- Como já disse, 503 é um código. Um estratagema dos Illuminati para esconder o
que na realidade era um algarismo romano. O número 503 em algarismos
romanos é...
- DIII.
- Rápida, hein? Não me diga que é uma Illuminati.
Ela riu.
- Uso algarismos romanos para codificar estratos pelágicos.
Claro, pensou Langdon. Quem não o faz?
- E qual é afinal o significado de DIII?
- DI, DII e DIII são abreviaturas muito antigas. Os cientistas da antiguidade
usavam-nas para fazer distinção entre os três documentos de Galileu que mais
eram confundidos.
Vittoria quase perdeu o fôlego ao dizer:
- Diàlogo... Discorsi... Diagramma.
- D-um, D-dois, D-três. Todos eles científicos. Todos, motivo de controvérsia.
503 é DIII. Diagramma. O terceiro dos livros de Galileu.
Vittoria estava sob o impacto da revelação.
- Mas uma coisa ainda não faz sentido. Se esse segno, essa pista, essa mensagem
sobre o Caminho da Iluminação estava realmente no Diagramma de Galileu,
como o Vaticano não descobriu nada quando se apossou de todos os exemplares?
- Podem ter visto e não ter percebido o que viam. Lembra-se dos marcos dos
Illuminati? A habilidade para esconder o que está à vista? A dissimulação? Tudo
indica que o segno estava oculto da mesma maneira, bem à vista. Invisível para
aqueles que não o estavam procurando. Também invisível para os que não o
compreendiam.
- Como assim?
- Galileu escondeu-o muito bem. De acordo com os registros históricos, o segno
foi revelado de uma forma que os Illuminati chamavam de língua pura.
- A linguagem pura?
- Sim.
- Matemática?
- É a minha opinião. Parece bastante óbvio. Galileu era um cientista, afinal de
contas, e estava escrevendo para cientistas. A matemática seria a linguagem lógica
para elaborar a pista. O livreto chama-se Diagramma e, assim, diagramas
matemáticos poderiam fazer parte do código.
A réplica de Vittoria soou apenas ligeiramente mais esperançosa.
- Galileu poderia ter criado algum tipo de código matemático que passasse
despercebido ao clero.
- Tenho a impressão de que você não ficou muito convencida - disse Langdon,
prosseguindo em seu caminho.
- Não fiquei. Talvez porque você mesmo não esteja. Se tinha tanta certeza sobre o
DIII, por que não publicou nada a respeito? Então, alguém que tivesse acesso aos
Arquivos Vaticanos poderia ter vindo aqui e analisado o Diagramma há muito
tempo.
- Eu não quis publicar nada - respondeu Langdon. - Trabalhei tanto para conseguir
a informação que... – ele se calou, constrangido.
- Também queria a glória - completou ela.
Langdon sentiu seu rosto corar.
- De certa forma, sim. É que...
- Não fique tão encabulado. Está falando com uma cientista. Publicar ou perecer.
No CERN, chamamos a isso de “comprovar ou sufocar”.
- Não se tratava só de ser o primeiro. Receava que as pessoas erradas
encontrassem a informação no Diagramma e sumissem com ela.
- As pessoas erradas seriam do Vaticano?
- Não que sejam erradas por si, mas a Igreja sempre fez pouco caso da ameaça dos
Illuminati. No princípio da década de 1900, o Vaticano chegou ao cúmulo de
afirmar que os Illuminati eram uma fantasia criada por imaginações exaltadas, O
clero achou, e talvez com certa razão, que a última coisa que os cristãos
precisavam saber era que existia um poderoso movimento anti-cristão se
infiltrando em seus bancos, sua política e suas universidades. - O verbo é no
tempo presente, Robert, lembrou a si mesmo. EXISTE uma poderosa força
anticristã se infiltrando em seus bancos, sua política e suas universidades.
- Portanto, você acha que o Vaticano teria ocultado qualquer prova que
comprovasse a ameaça dos Illuminati?
- É muito possível. Qualquer ameaça, seja ela real ou imaginária, enfraquece a
confiança no poder da Igreja.
- Mais uma pergunta. - Vittoria parou e encarou-o como se ele fosse um
extraterrestre. - Está falando sério?
Langdon parou também.
- O que quer dizer com isso?
- É esse mesmo o seu plano para salvar a situação?
Ele não teve certeza se o que viu nos olhos dela era pena misturada com diversão
ou puro terror.
- Você diz, encontrar o Diagramma?
- Não, quero dizer encontrar o Diagramma, localizar um segno de 400 anos de
idade, decifrar um código matemático e seguir uma antiga trilha de obras de arte
que somente os cientistas mais brilhantes da História conseguiram seguir... tudo
isso nas próximas quatro horas.
Ele encolheu os ombros.
- Estou aberto a outras sugestões.
CAPÍTULO 50
Robert Langdon estava do lado de fora do Arquivo Câmara 9 lendo as etiquetas
nas estantes:
BRAHE... CLAVIUS... COPERNICO... KEPLER... NEWTON...
Leu os nomes outra vez e ficou apreensivo. Cá estão os cientistas, mas onde está
Galileu?
Dirigiu-se a Vittoria, que verificava os assuntos de uma câmara próxima.
- Encontrei o assunto certo, mas está faltando Galileu.
- Não está, não - disse ela, séria, ao passar para a câmara seguinte. - Ele está aqui.
Mas espero que você tenha trazido seus óculos de leitura, porque esta câmara
inteira é dedicada a ele.
Langdon correu para lá. Vittoria tinha razão. Todas as etiquetas de identificação
da Câmara 10 tinham a mesma palavra-chave.
IL PROCESO GALILEANO
Langdon deixou escapar um assobio baixo ao ver que Galileu tinha sua própria
câmara.
- O Caso Galileu - maravilhou-se, espiando através do vidro os contornos escuros
das estantes. - O mais longo e dispendioso processo da história do Vaticano.
Quatorze anos e 600 milhões de liras. Tudo aqui.
- Tem uma certa quantidade de documentos legais.
- Acho que os advogados não mudaram muito no decorrer dos séculos.
- Nem os tubarões.
Langdon encaminhou-se para um grande botão amarelo ao lado da câmara.
Apertou-o e uma série de luzes acendeu-se lá dentro no teto. Eram luzes
vermelhas, escuras, e transformaram o cubo em uma reluzente célula rubra
contendo um labirinto de estantes muito altas.
- Meu Deus - disse Vittoria, assombrada. - Vamos trabalhar ou nos bronzear?
- O pergaminho e o velino desbotam, por isso a iluminação das câmaras é sempre
feita com luzes escuras.
- Dá para se enlouquecer ali dentro.
Ou pior, pensou Langdon, encaminhando-se para a única entrada da câmara.
- Uma palavrinha de aviso, O oxigênio é oxidante e, por isso, as câmaras
herméticas contêm muito pouco dele. Aí dentro é um vácuo parcial. Você vai
precisar fazer esforço para respirar.
- Ora, se os velhos cardeais conseguem sobreviver a isto...
Verdade, concordou Langdon. Tomara que tenhamos a mesma sorte.
A entrada da câmara era por uma única porta giratória eletrônica. Langdon
observou o arranjo habitual de quatro botões de acesso no vestíbulo interno da
porta, um botão para cada compartimento. Quando se pressionava um deles, a
porta motorizada era acionada, fazia a meia rotação convencional e então parava o
procedimento-padrão para preservar a integridade da atmosfera interna.
- Depois que eu entrar - explicou Langdon -, basta apertar o botão e vir atrás de
mim. Há somente oito por cento de umidade lá dentro, de modo que se prepare
para sentir a boca seca.
Langdon entrou no compartimento rotativo e apertou o botão. A porta soltou um
zumbido alto e começou a girar. Enquanto acompanhava o movimento dela,
Langdon preparou seu corpo para o choque físico que sempre acompanhava os
primeiros segundos em uma câmara hermética. Entrar em um arquivo destes era
como estar no nível do mar e ir a seis mil metros de profundidade em um instante.
Náusea e tonteira eram comuns. Visão dupla, dobre o corpo, lembrou ele,
repetindo o mantra dos arquivistas. Seus ouvidos pipocaram. Ouviu-se um silvo
de ar e a porta parou.
Ele entrara na câmara. O que notou em primeiro lugar foi o ar do interior, mais
rarefeito do que previra. O Vaticano, aparentemente, levava seus arquivos um
pouco mais a sério do que a maioria dos seus congêneres.
Langdon lutou contra o reflexo da náusea e relaxou o peito enquanto seus
capilares pulmonares se dilatavam. A sensação de aperto passou depressa. O
golfinho em ação, refletiu, satisfeito que suas 50 voltas por dia na piscina
servissem para alguma coisa. Respirando mais normalmente, olhou em volta.
Apesar das paredes transparentes, sentiu a ansiedade conhecida. Estou dentro de
uma caixa, pensou. Uma caixa vermelha como sangue. A porta zumbiu atrás dele
e ele se virou para ver Vittoria entrar. Quando ela chegou, seus olhos
imediatamente começaram a lacrimejar e sua respiração ficou pesada.
- Espere um minuto - disse ele. - Se ficar tonta, abaixe a cabeça.
- Sinto... - Vittoria engasgou - como se estivesse.., mergulhando com um cilindro
de mergulho... com a mistura errada.
Langdon esperou que ela se ambientasse. Sabia que ficaria bem. Vittoria Vetra
estava em excelente forma, ao contrário das trêmulas ex-alunas de Radcliffe que
Langdon certa vez acompanhara em uma visita à câmara hermética da Biblioteca
Widener. O passeio terminara com Langdon fazendo respiração boca a boca em
uma senhora idosa que quase aspirara a própria dentadura.
- Está melhor? - perguntou.
Vittoria sacudiu a cabeça.
- Viajei no seu maldito avião espacial, então achei que você me devia essa.
Ela sorriu.
- Touché.
Langdon estendeu a mão para uma caixa ao lado da porta e tirou de lá luvas
brancas de algodão.
- Vai ser uma ocasião formal? - brincou ela.
- O ácido dos dedos. Não podemos manusear os documentos sem elas. Vai
precisar usá-las.
Vittoria colocou as luvas.
- De quanto tempo dispomos?
Langdon verificou seu relógio de Mickey Mouse.
- São pouco mais de sete horas.
- Temos de encontrar essa coisa em menos de uma hora.
- Na realidade - disse Langdon -, não temos esse tempo todo. - E apontou para um
duto gradeado de entrada de ar. - Normalmente, o curador deve ligar um sistema
de reoxigenação quando alguém está dentro da câmara, o que não está ocorrendo
hoje. Em 20 minutos, ficaremos sem ar.
Vittoria empalideceu visivelmente apesar da luminosidade avermelhada.
Langdon sorriu e alisou suas luvas.
- Comprovar ou sufocar, senhorita Vetra. Mickey está em movimento.
CAPÍTULO 51
Gunther Glick, o repórter da BBC, ficou uns dez segundos parado com o celular
na mão antes de afinal desligá-lo.
Chinita Macri observava-o do banco de trás do furgão.
- O que aconteceu? Quem era?
Glick sentia-se como uma criança que ganhou um presente de Natal e tem medo
de que o presente não seja realmente para ela.
- Acabei de receber uma dica. Algo está acontecendo dentro do Vaticano.
- Chama-se conclave. Grande dica essa.
- Não, não é isso. Uma coisa importante. - Ponderou se a história que o homem
lhe contara poderia ser verdadeira. Glick sentiu uma ponta de vergonha quando
percebeu que estava rezando para que fosse. – E se eu lhe contasse que quatro
cardeais foram seqüestrados e vão ser assassinados, um de cada vez, em quatro
igrejas diferentes esta noite?
- Eu diria que alguém no escritório com um senso de humor doentio está passando
um trote em você.
- E se eu lhe disser que ele vai nos dar antes da hora a localização exata do
primeiro assassinato?
- Só queria saber quem foi o louco com quem você acabou de falar.
- Ele não disse o nome.
- Talvez porque estivesse doidão?
Glick já esperava a reação sarcástica de Macri, mas ela estava esquecendo que ele
lidara com mentirosos e lunáticos por mais de dez anos no British Tattler. Aquele
homem não era uma coisa nem outra. Falara de modo frio e racional. Lógico. Vou
telefonar novamente para você um pouco antes das oito, dissera o homem, para
avisar onde vai acontecer o primeiro assassinato. As imagens que você vai gravar
vão torná-lo famoso. Quando Glick perguntou por que estava recebendo aquelas
informações, a resposta veio gélida como o sotaque oriental do homem. A mídia é
o braço direito da anarquia.
- Ele me disse mais uma coisa - disse Glick.
- O quê? Que Elvis Presley acabou de ser eleito Papa?
- Acesse o banco de dados da BBC, por favor. - A adrenalina de Glick estava
aumentando. - Quero ver que outras histórias já publicamos sobre esses caras.
- Que caras?
- Faça o que estou pedindo, está bem?
Macri suspirou e acessou o banco de dados da BBC.
- Só mais um minuto.
A cabeça de Glick dava voltas.
- O homem fez muita questão de saber se eu tinha um cinegrafista para gravar as
imagens.
- Você tem uma cinegrafista.
- E se tínhamos condições de transmitir ao vivo.
- Um ponto cinco três sete megahertz. Qual é o assunto? - Ouviu-se um bipe: o
banco de dados estava disponível. - Pronto, estamos conectados. O que você quer
procurar?
Glick deu-lhe a palavra-chave. Macri encarou-o, séria.
- Tomara que você esteja mesmo brincando.
CAPÍTULO 52
A organização interna da Câmara 10 não era tão intuitiva quanto Langdon
esperava, e o manuscrito do Diagramma aparentemente não estava junto com
outras publicações semelhantes de Galileu. Sem ter acesso ao Biblion e a um
localizador computadorizado de referências, Langdon e Vittoria não tinham como
prosseguir.
- Tem certeza de que o Diagramma está aqui? - perguntou Vittoria.
- Absoluta. Consta da listagem tanto do Ufficio della Propaganda della Fede
quanto do...
- Ótimo. Contanto que você tenha certeza...
Ela foi para a direita e ele, para a esquerda. Langdon começou a busca manual.
Precisava apelar para todo o seu autocontrole para não parar e ler cada tesouro
pelo qual passava. A coleção era maravilhosa. O Experimentador, Mensageiro das
Estrelas, História e Demonstração sobre as Manchas Solares, Carta à Grã-
Duquesa Cristina, Apologia pro Galileu... E assim por diante. Foi Vittoria quem
finalmente tirou a sorte grande do outro lado da câmara.
Sua voz rouca soou alta:
- Diagramma delia Veritá!
Langdon correu ao encontro dela através da névoa avermelhada.
- Onde?
Vittoria apontou e ele percebeu de imediato por que não o haviam encontrado
antes. o manuscrito estava em uma caixa especial para in-fólios, não nas
prateleiras. Essas caixas eram um recurso comum para se guardar páginas soltas.
A etiqueta colocada na frente do recipiente não deixava qualquer dúvida sobre seu
conteúdo.

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